publicado, originalmente, em 8 de novembro de 2010 às 22h47m
Há certos assuntos que revolver pode ser assustador porque quanto mais se cava, mais se encontra. Um desses casos é a questão do racismo e da xenofobia que crescem em São Paulo diante de todos – imprensa, polícia, Executivo, Legislativo, Judiciário e a própria sociedade – sem que providências de verdade sejam adotadas, pois o problema só faz crescer.
É aterrador, o que vem agora. Aliás, leitores anteciparam que certa linha de pensamento sobre o assunto seria abordada neste espaço. Até porque, no antigo blog, o
Cidadania.com, fora abordada episodicamente e, em seguida, abandonada por falta de convicção em sua consistência.
Tudo mudou com o surto de racismo que explodiu em São Paulo. É assustador, mas as ações concretas empreendidas contra nordestinos pobres, favelados e negros podem não estar se restringindo só a insultos pelas redes sociais da internet ou a propostas de segregação racial documentadas e “assinadas” pelos autores.
Não se pode dizer, em hipótese alguma, que os cães que ladram são os mesmos que mordem. Pode-se dizer, contudo, que por conta dos que ladram alguns podem estar sendo estimulados a morder.
Uma breve pesquisa na internet revela que em 2009 contabilizaram-se cerca de 14 incêndios em favelas. (
11 de janeiro, 11 de fevereiro, 10 de março, 17 de abril, 01 de maio, 26 de junho, 16 e
30 de agosto, 09 e
11 de outubro, 02 e
23 de novembro e
05 e
19 de dezembro). Todos em São Paulo. Em 2010, até setembro, com o
incêndio da favela Real Parque, contabilizavam-se
53 incêndios.
Se os dados estiverem errados, será um prazer corrigir. Mas não deve ser muito diferente disso. Ao menos na internet não se acha facilmente dados diferentes. Quem tiver algum reparo ou correção a eles, fará um grande favor informando. Nem que seja para desmontar esta reflexão alarmante.
Mas, enfim, qual é o significado dessa contabilidade macabra? Há algum significado, aliás? É uma questão absurda ou estará ficando cada vez mais evidente que pode – e o que se está dizendo, apenas, é que meramente PODE – haver uma relação entre os fatos surto de racismo e incêndios recordes em favelas?
Parece crível que alguma coisa assim PODE estar acontecendo por conta de indícios mais do que consistentes. Não seria correto, porém, atribuir nomes de culpados. Seria uma irresponsabilidade e quem cometê-la pode comprar uma bela dor de cabeça. Contudo, isso não exclui a necessidade de haver mais investigação do que está havendo.
Aliás, vamos dizer as coisas como elas são: é escandalosa a investigação pífia dos incêndios em favelas tanto quanto escandaliza a difusão de idéias literalmente fascistas que vinham sendo ditas abertamente até que surgisse o caso da tal estudante de Direito cujo nome nem é bom mais citar para não transformar uma garota destrambelhada em bode expiatório.
Aproxima-se um ponto em que se as autoridades locais não demonstrarem maior empenho em investigar e punir os crimes supramencionados alguém terá que provocar o Ministério Público Federal e, obviamente, a Polícia Federal. Tomara que não seja preciso recorrer a essa alternativa em defesa da civilização de um Estado como São Paulo.
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Moradores de favela vivem ciclo de despejo como política pública
MARIANA FIX
ESPECIAL PARA A FOLHA
O Brasil é conhecido no exterior por sua experiência em urbanização de favelas e por ter uma legislação considerada progressista no campo do direito à cidade. Diversos municípios têm se dedicado, no entanto, a desenvolver uma tecnologia de “remoção” de favelas contrária aos direitos sociais.
Em São Paulo, a prática foi institucionalizada por Jânio Quadros (1985-88) com o nome de “desfavelização” e teve na gestão Maluf (1993-96) um dos seus casos mais emblemáticos: a expulsão de mais de 50 mil pessoas para a abertura da avenida Jornalista Roberto Marinho.
Nessas ações, os habitantes das favelas costumam enfrentar pressão e violência, e são forçados a abandonar rapidamente suas casas. Recebem ofertas como verba em dinheiro (o “cheque-despejo”), bolsa-aluguel ou passagens para mudar de cidade. Se tiverem chance de entrar em algum financiamento para habitação, precisarão aguardar em alojamentos por vários anos.
Na mira do trator, na verdade são geralmente empurrados para outras favelas, cada vez mais longe -frequentemente, em beiras de córregos ou nas margens das represas de abastecimento de água, protegidas por lei.
O destino não é casual. A lei de proteção ambiental retira aquelas terras do jogo imobiliário, que define o preço de cada pedaço da cidade quase sempre acima dos baixos salários que a maioria dos brasileiros recebe.
Nas margens da represa, sua presença é temporariamente tolerada por não interferir nos circuitos de valorização imobiliária, até serem novamente ameaçados de expulsão.
Na falta de alternativas, essa é a saída que encontram pedreiros, porteiros, vigias, domésticos e diaristas, entre muitos outros, para não ficarem mais longe do lugar no qual trabalham.
O problema aumenta quando, em vez de uma política ambiental, prevalece o discurso supostamente ecológico para criminalizar esses moradores, ignorando a lógica de produção social da cidade. Basta ver o panfleto “É crime”, recentemente distribuído pela prefeitura nas escolas aos filhos dos moradores do Jardim Pantanal.
É também grave quando obras como a ponte Octavio Frias de Oliveira absorvem todos os recursos da Operação Urbana, que deveriam ter sido repartidos com a habitação social na região da Água Espraiada. Uma enorme desproporção entre a rapidez para produzir grandes obras viárias e a demora em relação à moradia. Até hoje nenhuma foi construída.
Assim, as favelas não são eliminadas, como dizem, mas deslocadas para áreas de menor interesse imobiliário, onde a população vive em condições ainda piores.
São ciclos implacáveis de assentamento, despejo, reassentamento. Entre as consequências estão o aumento das disparidades sociais, a sobrecarga do sistema de transporte e o agravamento dos problemas ambientais e de saúde pública.
MARIANA FIX é arquiteta e urbanista.