segunda-feira, 26 de agosto de 2013

‘Mais Médicos’: eles agem como Bush em Nova Orleans

Há oito anos, no dia 26 de agosto de 2005, o furacão Katrina chegou aos EUA.

No dia 29 atingiu Nova Orleans. Desencadearia uma espiral de devastação que associou desabamentos, inundações, afogamento, fome, sede e saque.

Pretos, pobres, velhos e crianças foram as principais vítimas do desastre que custou 1.800 vidas.

Muitas poderiam ter sido poupadas se o socorro tivesse a agilidade requerida nessas horas.

O governo Bush demorou quatro dias para reagir.

O presidente republicano sequer visitou o local logo após a tragédia.

Com uma semana da passagem do Katrina, inúmeras áreas continuavam isoladas.

O abandono cuidou de eliminar muitos dos que sobreviveram à tormenta.

A palavra caos nunca esteve tão associada à ausência de governo como em Nova Orleans.

Tropas para conter saques e violência chegaram logo. Mas continuou faltando suprimentos, médicos, remédios e gente especializada em atuar em situações limite.

A popularidade de Bush vergou sob o peso dos mortos.

Não era uma guerra, não cabiam desculpas patrióticas.

Novas Orleans deixou patente a inadequação social de uma governo que se evocava um anexo dos mercados.

Em meio ao desespero, Fidel Castro ofereceu ajuda. Cuba se propôs a colocar 1.600 médicos experimentados em catástrofes para atuar em Nova Orleans.

‘Em 48 horas’, prontificou-se o governo cubano.

Bush não respondeu.

Fidel insistiu. Cuba providenciaria todo o equipamento necessário e 36 toneladas de medicamentos.

Silêncio.

Dias depois, um porta-voz da Casa Branca dispensou a oferta.

Há um ciclone de abandono e isolamento médico cujo vórtice atinge cerca de 3500 municípios brasileiros.

A demanda para atender à emergência é superior a 15 mil médicos.

As inscrições validadas pelo programa Mais Médicos resolvem 10% dessa defasagem.

Cerca de 4 mil médicos cubanos foram contratados pelo governo brasileiro para mitigar a emergência, em um acordo mediado pela Organização Pan Americana de Saúde.

Os primeiros grupos a desembarcar neste final de semana, em Recife e Salvador, receberam do conservadorismo local o mesmo tratamento seboso e deselegante endereçado por Bush a Fidel, durante o Katrina.

A exemplo do republicano, o conservadorismo brasileiro prefere ver a pobreza morrer doente a ter um médico cubano prestando assistência emergencial nas áreas mais carentes do país.

Se dependesse dos gásparis, elianes, tucanos e assemelhados o Katrina da carência médica continuaria a devastar o Brasil miserável.

Enquanto a hipocrisia conservadora pontifica elevadas razões humanistas para recusar a ajuda emergencial de Cuba.

A verdade, porém, é que o ‘Mais Médicos’ caiu na simpatia da população.

A reação foi oposta ao que pretendia a resistência corporativa ao programa.

Descaradamente elitista, o boicote criou uma referência pedagógica dos interesses em disputa neste caso.

Hoje, o ‘Mais Médicos’ conta com o apoio de 54% da população, no que diz respeito à vinda de profissionais estrangeiros.

Diante do revés, o conservadorismo acionou a sua tropa de elite.

As mesmas gargantas que vociferam contra o ‘Custo Brasil’, o salário mínimo e toda a herança de leis trabalhistas trazida do ciclo Vargas, agora discursam em defesa dos direitos e salários dos cubanos.

Alguns, os mais afoitos, já acalentam uma saia justa diplomática, diante de eventuais ‘desertores...’

Veteranas da crônica conservadora evocam Castro Alves e falam em ‘aviões negreiros’.

O degrau promete não ser o último da desfaçatez.

A má fé ideológica tem gordura para queimar.

Mas não só isso.

Há uma real dificuldade de ir além da lógica plana e rasa, fruto do comodismo cevado na ausência de debate real no jornalismo, ambiente no qual foram adestrados os vulgarizadores mencionados.

Ouvir os cubanos, por exemplo, para quê se a concorrência também não o fará?

Uma reportagem de fôlego em lugares e países onde acordos semelhantes já funcionam?

Desnecessário, pelo mesmo motivo.

Uma visita às escolas de medicina cubanas, para discutir a suspeita de baixa qualificação de que são acusados seus formandos?

Idem, ibidem.

Sonega-se aos protagonistas do acordo brasileiro qualquer possibilidade de motivação solidária, competência profissional e discernimento do seu papel no mundo, distinto dos critérios exclusivamente pecuniários que movem o corporativismo branco aqui e alhures.

Médicos, cu-ba-nos?

É mais fácil desdenha-los, como fez Bush, mesmo que isso tenha custado a chance de sobrevivência de muitas das 1800 vítimas fatais em Nova Orleans.

Fazem o mesmo os nossos ‘bushs’.

A usina plana e rasa da emissão conservadora impede que se discuta em profundidade qualquer tema. Desde problemas na esfera da saúde pública, até impasses e desafios reais da construção do socialismo no século 21, dos quais Cuba é um exemplo.

E não é preciso recorrer a Marx para aquilatar o ônus desse entorpecimento.

O economista Paul Krugman, a quem os nossos ‘bushs’ não podem acusar de ‘petismo’, escreveu, a propósito da visão republicana sobre saúde pública, algumas linhas que caem como uma luva no debate brasileiro sobre o ‘Mais Médicos’. Pergunta: quem, na indigência do nosso colunismo, seria capaz de articular um raciocínio não previsível e nuançado, como esse?

(...) “A relação médico-paciente já foi considerada especial, quase sagrada. Agora, políticos e supostos reformistas tratam o atendimento médico como se ele fosse uma transação comercial igual à compra de um carro (...) A medicina, afinal de contas, é uma área em que decisões cruciais – decisões de vida ou morte – devem ser tomadas. Para que esse arbítrio ocorra de maneira inteligente, requer-se um vasto conhecimento técnico dos profissionais do setor. Como se isso não bastasse, as escolhas dos médicos são frequentemente feitas enquanto o paciente está incapacitado, sob muito estresse ou quando a ação precisa ser imediata, sem tempo para discussões, muito menos para a pesquisa de preços.(...) É por isso que existe a ética médica. É por isso que os médicos são tradicionalmente vistos como uma categoria especial, da qual se espera um comportamento de padrão mais elevado do que a média dos demais trabalhadores. Há um motivo sobre por que assistimos a séries televisivas que retratam médicos – e não gerentes administrativos – como heróis. Sugerir que essa realidade possa ser reduzida a um simples comércio – que os médicos sejam meros “fornecedores” vendendo serviços a “consumidores” de saúde – é, com o perdão do trocadilho, uma ideia doentia. O fato de essa noção equivocada ter se tornado dominante é sinal de que há algo de muito errado não apenas nessa discussão, mas também nos valores da sociedade ... “ (Paul Krugman; NYT 22/04/2011)

Leia também, abaixo, dois textos extraídos do dossiê sobre Cuba, produzido em 2011 pelo Instituto de Estudos avançados da USP (IEA).

Um olhar para a saúde pública cubana’ foi escrito pelo jornalista cubano José A. de la Osa, especializado na área científica. O texto bastante informativo traça um panorama do ensino médico, da pesquisa, das descobertas e avanços técnicos na ilha, de onde provém os profissionais que agora vão trabalhar no Brasil. O preconceito conservador, sugestivamente, dispensa-se de consultar esses dados antes de proferir sentenças nutridas em ignorância e frivolidades.

Cuba: a sociedade após meio século de mudanças, conquistas e contratempos” é outro exemplo de consistência, da qual se ressente o colunismo conservador ao criticar as dificuldades da revolução cubana. O artigo traça um panorama denso e crítico do quadro atual cubano, sem concessões à conveniência ou à visão direitista. O sociólogo Aurelio Alonso, autor do trabalho, é professor adjunto da Universidade de Havana e subdiretor da revista Casa de las Américas.

Postado por Saul Leblon às 04:02

Texto replicado: CARTA MAIOR

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

O sol foi privatizado na Espanha

A busca por fontes de energia renovável é uma das opções indicadas pelos especialistas em sustentabilidade, como alternativa para diminuir o impacto no meio ambiente e ao mesmo tempo proporcionar uma redução no custo gerado pelo consumo de eletricidade nas residências e indústrias.

Por outro lado, estas fontes renováveis são vistas como "ameaças" aos negócios das companhias energéticas, que temem uma provável queda no consumo de energia caso os cidadãos resolvam adotar fontes alternativas de energia como painéis fotovoltaicos (energia solar) ou geradores de energia eólica (usando a força dos ventos).

O primeiro país a se incomodar com isso foi à Espanha, ao definir um controle sobre a instalação de sistemas fotovoltaicos, por pressão das empresas elétricas espanholas.

Quem instalar placas solares para geração de energia doméstica sem a autorização do governo espanhol poderá ser multado em até 30 milhões de euros (cerca de R$ 100 milhões).

O Governo espanhol quer manter o controle das fontes renováveis e implantar o auto-consumo energético aos poucos, sem causar impactos no sistema tradicional. Para isso, quer implantar "pedágios" para a luz solar. "Vamos implantar um "pedágio" para a energia recebida do sol", resume Mario Sorinas, da empresa Electrobin.

"De cada 50 chamadas telefônicas recebidas, 35 são de particulares interessados no auto-consumo", diz Francesc Mateu, gerente da Sol Gironés, empresa especializada em energia renovável.

A União Espanhola Fotovoltaica (UNEF), que agrupa 300 empresas e representa 85% do setor, assegura que se alguém resolve implantar receptores de luz do sol isso sairia mais caro do que recorrer ao consumo convencional.

Se antes do "pedágio solar" era necessário 12 anos para recuperar o investimento em uma instalação residencial de 2,4 quilowatts de potência agora vai exigir 23, de acordo com estimativas da UNEF.

Será esta a melhor forma de administrar os recursos naturais?

Fonte: El País

Texto replicado neste endereço:

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Mundo bateu recordes de emissões e perda de gelo em 2012; Brasil teve seca

A Terra perdeu uma quantidade recorde de gelo marinho no Ártico em 2012 e emitiu níveis elevados constantes de gases de efeito estufa resultantes da queima de combustíveis fósseis, alertaram climatologistas em um relatório divulgado nesta terça-feira (6).

Enquanto isso, secas e chuvas incomuns atingiram diferentes partes do planeta no ano passado, tendo observada “a pior seca em pelo menos três décadas no nordeste do Brasil“, ressaltou o relatório sobre o Estado do Clima divulgado anualmente por cientistas britânicos e norte-americanos.

Segundo o documento, o ano passado foi um dos dez com maiores registros de temperaturas globais em terra e na superfície do planeta desde que começou a coleta de dados modernos.

“As descobertas são impressionantes”, afirmou Kathryn Sullivan, encarregada da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA, na sigla em inglês). “Nosso planeta como um todo está se tornando um lugar mais quente”, declarou.

O relatório, revisado por outras autoridades científicas, não abordou as causas por trás destas tendências, mas especialistas afirmaram que o documento deve servir como um guia para desenvolvedores de políticas públicas na preparação para os efeitos da elevação do nível dos mares e do aquecimento global em comunidades e infraestruturas.

Além disso, aponta para um novo padrão segundo o qual eventos que registram recordes se tornam típicos, particularmente no Ártico, onde a elevação da temperatura superficial rapidamente supera a do resto do mundo, afirmaram cientistas.

Globalmente, 2012 é o oitavo ou o nono ano mais quente desde que os registros começaram a ser feitos, de meados para o final dos anos 1800, de acordo com quatro análises independentes citadas no estudo.

“O ano [passado] esteve de 0,14°C a 0,17°C acima da média de 1981-2010, dependendo do conjunto de dados considerados”, destacou o informe publicado no Boletim da Sociedade Meteorológica Americana.

Quanto ao gelo marinho do Ártico, uma nova redução recorde foi registrada em setembro e outra baixa absoluta para a cobertura de neve foi observada no Hemisfério Norte, destacou o relatório.

“As temperaturas superficiais no Ártico estão aumentando a uma taxa duas vezes mais rápida do que no restante do mundo”, afirmou Jackie Richter-Menge, engenheiro civil da Unidade de Engenharia do Exército Americano.

“No Ártico, os recordes ou quase recordes registrados ano a ano não são mais anomalias ou exceções”, acrescentou. “Realmente, para nós se tornou a regra ou a norma do que vemos no Ártico e do que esperamos ver no futuro próximo”, acrescentou.

O degelo também está contribuindo para aumentar o nível do mar. O nível médio global do mar atingiu um recorde de alta em 2012: 3,5 centímetros acima da média de 1993 a 2010.

“Mais recentemente, nos últimos sete anos, mais ou menos, aparentemente o degelo está contribuindo mais que o dobro para a elevação global do nível do mar, em comparação com o aquecimento das águas”, disse Jessica Blunden, climatologista do Centro de Dados Climáticos Nacionais da NOAA.

Enquanto isso, as temperaturas do permafrost, o solo permanentemente congelado, atingiram recordes de alta no norte do Alasca e 97% da cobertura de gelo da Groenlândia apresentou alguma forma de degelo.

Poluição

Além disso, as emissões de dióxido de carbono a partir da queima de combustíveis fósseis também alcançaram novas altas, depois de um declínio suave nos últimos anos, que se seguiram à crise financeira mundial.

“Na primavera de 2012, pela primeira vez, a concentração de CO2 atmosférico excedeu as 400 partes por milhão (ppm) em sete das 13 estações de observação do Ártico”, destacou o informe.

A média global de dióxido de carbono alcançou 392,6 ppm, um aumento de 2,1 ppm com relação a 2011, acrescentou. “O Caribe registrou uma temporada seca muito úmida e o Sahel teve a temporada de chuvas mais úmida em 50 anos”, acrescentou.

Sullivan afirmou que as descobertas “nos advertem, talvez, para olharmos para um futuro possível em que [eventos] extremos e a intensidade de alguns extremos serão mais frequentes e mais intensos do que tínhamos considerado no passado”.

Um ponto positivo destacado no relatório foi a permanência do clima na Antártica “relativamente estável em termos gerais” e que, devido ao ar quente, foi observado o segundo menor buraco na camada de ozônio das últimas duas décadas.
Fonte: Agência ATP em Washington 

Texto relacionado: Um Mundo Literalmente poluído

sábado, 17 de agosto de 2013

A ciência brasileira não é feita por cientistas, afirma professora da UFRJ

Para Suzana Herculano-Houzel, o fato de não haver regulamentação
da profissão cientista atrasa o desenvolvimento tecnológico
 do Brasil. Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
Nos últimos anos, o Brasil vem acumulando bons resultados em rankings de produção científica. No último levantamento feito pela consultoria Thomson Reuter, entre 2007 e 2011, o País correspondeu a 2,6% da produção científica global. No entanto, esses artigos, que ultrapassam a barreira das 25 mil publicações por ano, não são feitos por cientista e sim por professores.

A avaliação foi feita pela neurocientista e professora do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Suzana Herculano-Houzel. Para ela, o fato de não haver regulamentação da profissão cientista atrasa o desenvolvimento tecnológico do Brasil.

“Não posso dizer que neurocientista é minha profissão, porque a minha profissão de cientista não existe no Brasil. Não está na tabela das profissões regulamentadas pelo Ministério do Trabalho (MTE). Para poder atuar como cientista, eu atuo como professora de nível superior, eu literalmente faço ciência nas horas vagas”, expôs.

A professora explicou que a maior parte da ciência no Brasil por professores universitários ou por pessoas que não tem emprego nenhum, jovens cientistas chamados estudantes de pós-graduação. “A produção científica cresce ao longo dos anos por causa do número de mestres e doutores que são formados no Brasil. São esses jovens que produzem o conhecimento cientifico”, disse.

Para ela, o trabalho que os jovens exercem não é chamado de trabalho e sim estudo. “É como se eles investissem na educação deles. Outros países já não cometem mais esse erro. O erro é não reconhecer esse trabalho como qualquer outro”, lamentou. “É um esforço laboral que gera um produto científico. Por que o jovem cientista recém graduado precisa passar pela humilhação de continuar sendo estudante?”.

Baixa remuneração
Suzana Herculano-Houzel contou que durante uma graduação o jovem já faz ciência como aprendiz, ou seja, um estagiário durante a iniciação cientifica, ganhando uma bolsa que tem o valor menor que o salário mínimo muitas vezes. Para trabalhar com ciência, quando ele se forma tem que entrar para pós-graduação. “Isso significa se sujeitar a uma bolsa de mestrado de R$ 1,5 mil reais mensais fixos pelos próximos dois anos sem qualquer direito trabalhista ou qualquer outro trabalho para complementar a renda”, observou .

A professora criticou ainda a obrigatoriedade em assinar uma declaração de que não vínculo empregatício do pesquisador com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e/ou com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). “É preciso passar por mais uma humilhação: o atestado de pobreza. Enquanto isso seus colegas recém formados em engenharia e direito, por exemplo, já têm trabalho de verdade, ganhando de verdade”.

Para o jovem continuar trabalhando como cientista, ele precisa ingressar num programa de doutorado. “É a única atividade de emprego se ele quiser atuar como cientista. A bolsa também tem valor mensal de R$ 2,2 mil, sem nenhum vínculo empregatício e benefícios trabalhistas”, comentou.

Sugestões
De acordo com Suzana, é possível fazer contratações por fundações e institutos de ciências ligados as universidades, que poderiam receber dos governos os valores que hoje são pagos como bolsa, com contrato de trabalho e todos os direitos empregatícios. “Com a obrigatoriedade de contratação virá a possibilidade de salários com valores competitivos”, decsreveu.

Para ela, dessa forma, a ciência caminha e a sociedade cresce. “É fundamental para a soberania de uma população que ela valorize a produção de conhecimento cientifico. Isso começa por valorizar seus cientista. Fazer ciência no Brasil hoje, infelizmente, é uma péssima decisão profissional com pouquíssimas perspectivas”, finalizou.

Texto original neste endereço:
http://www.agenciacti.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4363%3Aa-ciencia-brasileira-nao-e-feita-por-cientistas-afirma-professora-da-ufrj&catid=3%3Anewsflas

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Um mundo literalmente poluído


A Agência Internacional de Energia (AIE), que é em um órgão do sistema econômico, mostrou no último relatório chamado Panorama Global de Energia que as emissões de gases estufa subiram 1,4% e bateram novo recorde – 31,6 bilhões de toneladas de gás carbônico, metano e compostos nitrogenados. Por Najar Tubino

Najar Tubino

Os números não mentem, embora as elites que comandam o planeta, cada vez mais embarcam na mentira deslavada. A Agência Internacional de Energia (AIE), que é em um órgão do sistema econômico, mostrou no último relatório chamado Panorama Global de Energia que as emissões de gases estufa subiram 1,4% e bateram novo recorde – 31,6 bilhões de toneladas de gás carbônico, metano e compostos nitrogenados. As emissões chinesas cresceram em 300 milhões de toneladas, embora cada chinês emita apenas 33% do seu equivalente norte-americano. As emissões dos EUA recuaram 200 milhões, consequência da menor atividade econômica e também pelo uso do gás, explorado do xisto, em substituição ao carvão. Os EUA produziam 50% da eletricidade em 1980 com usinas movidas a carvão, agora o número caiu para 37%.

A diretora executiva da AIE, Maria Vander Hoeven, disse na apresentação do relatório “que a mudança climática, para sermos bem francos, caiu para trás nas prioridades de políticas públicas, mas o problema não vai sumir, pelo contrário”.

O setor de energia responde por 2/3 das emissões de gases estufa. Pesquisadores das Universidades de Cambridge e Erasmus, recentemente divulgaram dados sobre 150 mil novos pontos de emissão de metano na Sibéria Oriental, onde as geleiras e o permafrost estão recuando. O metano é 25 vezes mais potente que o gás carbônico na retenção do calor. Para rechear um pouco mais a mistura tóxica que o planeta está envolvido, vou citar os dados de um artigo de Martin Wolf, editorialista do Financial Times, que é justamente o veículo que expressa a opinião dos banqueiros e chefes das grandes corporações, portanto, a chamada elite do sistema.

“- Um grupo especializado analisou os resumos científicos de 11.944 trabalhos sobre mudanças climáticas publicados entre 1991 e 2011, escrito por 29.083 autores, sendo 98,4% endossaram a tese de que o aquecimento global é provocado pelo homem (antropogênico) e 30% do CO2 na atmosfera é consequência da atividade humana”.

Metas nunca mais
Segundo ele os céticos venceram, porque as metas para 2020 dos países ricos em reduzir as emissões em 25 a 40% foram para o beleléu. Não serão cumpridas. E não dá nem para falar que as metas eram para os ingleses. A verdade é que os países ricos só estão preocupados com a recuperação das suas economias e com o padrão de vida das suas populações. A próxima conferência do clima acontecerá em 2015, na ex-cidade das luzes, onde a ministra do meio ambiente, Delphine Batho foi demitida em junho por falar abertamente contra a produção de energia elétrica a base de reatores nucleares, responsáveis por 75% do abastecimento na França. Paris não deverá nem receber os mandatários, depois do fiasco de Copenhague.

Em setembro, o Painel de Mudanças Climáticas ligado à ONU, o IPCC, publicará a primeira parte do seu novo relatório. Em 2007, eles informaram as lideranças do mundo inteiro, que o planeta corre um sério risco de aquecimento, deixando o equilíbrio de milhões de anos, com uma temperatura média na faixa dos 14 graus centígrados. As mudanças sempre foram lançadas para um futuro longínquo. Os pesquisadores do estudo do metano na Sibéria falam que o aumento de dois graus poderá ocorrer entre 15 e 35 anos.

Uma névoa escura no céu
Na metade do mês de janeiro, o governo chinês pediu que os habitantes das cidades de Tianjin, Pequim e Hebei saíssem de casa usando máscaras. Durante três dias uma névoa espessa escureceu o céu. Mais de uma centena de fábricas, principalmente do setor petroquímico e de revestimento, foram paralisadas, assim como 30% da frota oficial. Uma rotina dos chineses nos últimos anos. É o preço do crescimento econômico, sem o mínimo cuidado com as consequências, com o lixo liberado. O norte da China onde estão as três cidades é a região mais seca do país, mas também onde estão as reservas de carvão mineral.

Daliuta, na província de Shaanxi, tem a maior mina de carvão subterrânea do mundo. Shaanxi junto com a Mongólia Interior respondem por 40% da produção de carvão do país. E o carvão responde pelo fornecimento de 80% da energia elétrica da China, que em 2011 consumiu 3,6 bilhões de toneladas, crescendo pelo 12º ano consecutivo. O problema é que outras 363 usinas estão programadas. Aliás, no mundo outras 1.199, com potencial de produção de 1,4 milhão de MW, serão construídas em 59 países, porém, 75% na China e na Índia.

Seiva de Mordor
O consumo de carvão aumentou 50% nos últimos 10 anos. Ele responde por 29% da energia primária consumida no mundo, atrás do petróleo. Os europeus ainda são grandes importadores, ainda mais agora que o custo de funcionamento das usinas movidas a gás aumentou. E os americanos estão substituindo carvão por gás de xisto. Barack Obama, de um lado, mandou a Agência de Proteção Ambiental traçar um novo padrão de poluição para as usinas, tanto atuais como futuras. Os republicanos urraram e lançaram a “guerra contra o carvão”, acusando os democratas de provocar a demissão de milhares de trabalhadores. O carvão é produzido em 25 estados. E no próximo ano, haverá eleição para deputados e senadores, pelo menos um terço será renovado.

De outro lado, Obama diz que se houver a constatação de que o oleoduto Keystone XL for realmente de interesse da nação, então será construído. A obra na verdade envolve quatro oleodutos, dois já foram construídos – Keystone e o Pipeline -, outro está em construção e falta liberar o XL. A obra não vai fazer coisa pior do que canalizar as areias de betume, ou areias de piche, da Província de Alberta, no Canadá, até as refinarias do Golfo do México, principalmente, na costa leste do Texas. É a seiva de Mordor jorrando pela América do Norte.

E outros 140 mil quilômetros quadrados de florestas detonados. Não podemos esbravejar, porque estamos em plena seca no cerrado. No dia 5 de agosto consultei o relatório de “focos de calor”, como os burocratas apelidaram as queimadas, foram registrados “apenas” 718. Nos lugares de sempre, ou seja, de expansão da fronteira do agronegócio, talvez mais apropriado fosse péssimonegócio. Os municípios recordistas de focos:

- Formoso do Rio Preto (BA) com 112, Correntina com 82, depois Mirador (MA) com 159, seguido por Tangará da Serra (MT) com 300 e Sapezal, a terra dos Maggi, com 72, depois Baixa Grande do Ribeiro (PI) com 193 e Mateiros (TO) com 230.

Não tem nenhuma novidade. Serão milhares de focos no final da temporada. As cidades do Centro-Oeste, como Sinop ou Corumbá, ou capitais, como Porto Velho e Rio Branco, também serão cobertas por fumaça durante dias. Já comi muito pó com fumaça no cerrado e no norte. É o cão chupando manga, como diz o ditado. E não adianta chegar ao hotel à noite, pronto para descansar no ar condicionado, porque o cheiro é o mesmo.

A fábula da palmeira
Os chineses anunciaram um plano de combate à poluição de US$277 bilhões para execução nos próximos anos. Alguns líderes estão querendo implantar a pena de morte em casos graves de poluição, como o de Xangai, onde corpos de porcos foram achados no rio que abastece a cidade. Os europeus estão com o patrimônio político do combate às mudanças climáticas totalmente dilapidado. As emissões até caíram em 50 milhões de toneladas, mas não pelo esforço voluntário. Simplesmente pela recessão econômica. O preço da tonelada de carbono, comercializado nas bolsas europeias caiu de 30 para quatro euros desde 2008. A preocupação maior dos europeus é com o fornecimento de combustível fóssil, porque 15 refinarias fecharam nos últimos anos. A França é o país que mais perdeu capacidade – 25% -, mas a Alemanha perdeu 12% e o Reino Unido 11%. Não conseguem concorrer com as refinarias asiáticas e dos árabes.

Mudança mesmo somente para os ricos, quer dizer, os países ricos, como Alemanha e Dinamarca. A Alemanha fechou oito reatores nucleares em 2008 e em junho desse ano atingiu o maior pico de produção de energia solar – 23.203 MW. Até 2020, com um investimento de 550 bilhões de euros pretendem fornecer 35% da energia elétrica com fontes renováveis – atualmente é percentagem é de 22%. Mas nem tudo parece uma maravilha. Recentemente a Conergy, uma das maiores fabricantes de painéis solares pediu concordata. O mesmo aconteceu com a chinesa Suntech, maior produtora mundial, e a americana Solyndra. De repente o mercado foi invadido por painéis solares e células fotovoltaicas chinesas. Os preços caíram. Seria a revolução energética? Não, os europeus taxaram os produtos chineses, e as empresas quebraram, incluindo a seu, maior fabricante de células fotovoltaicas, também alemã. 

Existe uma fábula contada pelo escritor americano Jared Diamond no livro Colapso. Ele analisa a situação da Ilha de Páscoa, onde os nativos construíram grandes esculturas de pedras aos deuses. Só que para tirar os blocos das pedreiras percorriam distâncias razoáveis. Para isso cortavam as palmeiras, que integravam a flora da ilha. Cortaram tanto, porque eram muitas esculturas, que acabaram com o ecossistema. No meio do Pacífico árido, ventando direto, sem cobertura vegetal, acabou o microclima responsável pela produção de comida. E das canoas, que eles usavam para pescar no mar mais distante. As canoas também eram feitas com a palmeira. Resultado: miséria e fome. Quem decidiu cortar as palmeiras? As lideranças políticas e religiosas. 

É o que acontece neste momento no mundo: a economia dita o programa, as corporações faturam, os chefes são milionários e o resto corre atrás. Até a última palmeira. 

Texto copiado de : CARTA MAIOR

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

NÃO DÊ O PEIXE, ENSINE A PESCAR!

Antes do chamado Descobrimento da América, os nativos já viviam nas terras desconhecidas. Eles viviam da pesca, caça, coleta e praticava uma agricultura rudimentar, mas essas atividades eram suficientes para propiciar o sustento das tribos existentes.

Nos primeiros contatos, com os povos vindo da Europa, as relações eram de escambo (troca) de mercadorias trazidas da Europa com o fornecimento do Pau Brasil. Nessa relação comercial, os nativos cortavam e colocavam toda a madeira dentro dos navios para o posterior transporte. Em troca, eles recebiam quinquilharias para enfeite e ferramentas como: facas, machados e enxadas. Alias, as ferramentas era a parte que mais interessava para os nativos, pois essas ferramentas permitiam executar uma melhor agricultura, caçar e pescar de maneira mais eficaz.

De posse dessas ferramentas, os nativos demoravam a fazer escambo com os europeus, só apareciam quando surgiam a necessidade de novas ferramentas. Afinal de contas, eles tinham como prover o próprio sustento sem a necessidade do contato permanente e do escambo entre eles e os europeus.

Só que o Pau Brasil perdeu preço no mercado europeu e portanto o comércio, realizado a partir do escambo, praticamente ficou paralisado. Os Portugueses que se diziam os descobridores das novas terras (na realidade estavam invadindo e tomando posse) ficaram na necessidade de explorarem uma nova maneira de tirar riqueza das terras que se apossaram. Mas, como convencer os nativos a trabalharem para eles? Lembrar que os nativos proviam o próprio sustento e não tinham necessidades de trabalharem para os supostos donos da terra. Alias, nem mesmo a ideia de posse da terra eles tinham, para eles a terra pertencia a todos e todos poderiam andar e viver sobre elas.

Para obrigarem os nativos trabalharem para os europeus só tinha um jeito: tirar as condições que os mesmos tinham de prover o próprio sustento. E isso foi feito se apossando da terra, só que o problema é que muitos nativos reagiram a perda de liberdade e acesso a terra. Os que reagiram foram mortos, outros foram capturados e muitos fugiram para o interior do país.

Como os nativos que foram capturados não produziam da maneira que satisfizesse os novos donos dos meios de produção, os portugueses tiveram de trazer outros dominados (os negros africanos!) para serem explorados e gerarem riquezas para os invasores europeus!!! Para piorar a situação, os nativos americanos, que estavam sendo obrigados a fazerem trabalhos forçados, resistiam em realizar os trabalhos na agricultura até por questões morais. Era tradição os nativos dividirem os trabalhos agrícolas da seguinte maneira: os homens faziam a limpeza e semeadura da terra e as mulheres faziam a coleta e produção do alimento. Portanto, muitos dos homens nativos preferiam morrer do que fazerem trabalhos femininos.

Essa apropriação das terras do novo continente continua até os nossos dias. Só que durante todo esse tempo de invasão e devastação das riquezas do continente, os índios foram sendo eliminados (continuam sendo eliminados), alguns foram incorporados ao novo mundo e juntamente com os negros, já “libertos”, estão cada vez mais sendo espremidos nas poucas terras (geralmente as sem valor) que tiveram acesso. Devido a essa apropriação por parte dos exploradores, os que não conseguiram se apropriar dos meios de produção (incluem-se alguns descendentes dos europeus) tem de conseguir o próprio sustento trabalhando para esses que se apossaram dos meios de produção e consequente controlam os meios de sustento dos que deles dependem!

Só que a chamada modernidade nos novos meios de produção obrigam aos explorados terem de aprenderem manipularem esses novos equipamentos para produção (aprenderem uma nova profissão) e isso nem sempre ocorre. Muitos ficam a mercê de se receber o peixe para não passarem fome. Resultado, muitos dos que conseguem trabalhar (emprego) e conseguir o próprio sustento não querem que se dê o peixe aos que não foram absorvidos nos novos meios de produção. Alegam que não se deve dar o peixe ( os sustento) e sim, ensinar a pescar, ou seja, trabalharem para conseguirem o próprio sustento.

Ironicamente, quando os invasores aqui chegaram, os que aqui viviam proviam o próprio sustento, cultivavam a própria roça, caçavam e pescavam. Só que agora aparecem os descendentes, dos invasores, exigindo que se aprenda a pescar! Retiraram o acesso a terra, poluíram os rios, prenderam os poucos animais que sobreviveram e até para se respirar está ficando cada vez mais difícil, devido a poluição, e querem ensinar a pescar! Ou seja, essa frase de efeito é uma das maneiras de se convencer que os dominados trabalhem nas condições impostas para os que se apossaram dos meios de sustento da grande maioria da população!!

Antônio Carlos Vieira
Licenciatura Plena - Geografia (UFS)

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

O discurso da servidão voluntária

O darwinismo social de nosso capitalismo não sentencia que aquilo que sobrevive e sobrepuja é a única força possível – e válida? Sendo assim, por que as vítimas deveriam se identificar com as vítimas? Daniel Balint, protagonista de Tolerância Zero (2001), reproduz o discurso da servidão voluntária, “contanto que eu possa escarrar o meu ódio contra o outro que é tão impotente quanto eu mesmo”. Por Flávio Ricardo Vassoler

Flávio Ricardo Vassoler*

Conheçam Daniel Balint, protagonista do filme Tolerância Zero (2001), direção de Henry Bean. Um judeu renegado. Um jovem. Quando ainda estava na escola, Daniel teve uma áspera discussão com seu professor de Teologia. Estava em jogo a natureza da fé e do poder. A identidade de Deus. O professor discutia a passagem bíblica em que Deus ordena a Abraão que lhe ofereça seu filho Isaac em holocausto. Os demais alunos acatam a explicação (chancelada) do professor. “Deus queria testar Abraão para saber se, de fato, seu coração O amava sobre todas as coisas”. Mas Daniel não aceita o sermão repleto de contradições.

− Ainda que Deus, no derradeiro momento, tenha impedido o pai de imolar o próprio filho; ainda que um cordeiro tenha sido posteriormente oferecido em holocausto, tudo isso demonstra que o Pai está mais preocupado com o temor que impinge em seus filhos do que com a fé e o amor.

Escandalizado, o professor começa a vociferar e ameaça expulsar Daniel da sala. Mas o intelecto indômito do jovem quer levar a iconoclastia às últimas consequências:

− É isso mesmo, Deus só quer que tenhamos medo! E que importa que Abraão, ao fim e ao cabo, não matou Isaac? Deus lançou tal desafio, e no momento em que Abraão levantou o punhal, seu coração se fez impuro. Como Isaac poderia esquecer tudo aquilo? Poderia o filho perdoar algum dia ao próprio pai? Poderia o pai perdoar a si mesmo?

Daniel parece ressoar o abandono que outro judeu, Jesus Cristo, exalou em seus últimos momentos de crucificação:

− Pai, por que me abandonaste?

Daniel abandonou a escola que não sabia lidar com suas questões e angústias. Em tenra idade descobriu que a fé e o fetichismo são tão contíguos quanto o corpo e a sombra. Os espectadores só não esperávamos tamanha conversão passados alguns anos. No início de sua vida adulta, Daniel Balint começa a militar em movimentos de extrema direita. A cabeça raspada, os coturnos, os suspensórios e a suástica sob a jaqueta surrada não deixam dúvidas sobre sua nova orientação neonazista. Daniel, leitor de Mein Kampf (Minha Luta), discípulo de Adolf Schicklgruber, também conhecido como Adolf Hitler.

O redivivo episódio bíblico envolvendo Abraão e Isaac parece iluminar uma face obscura de Deus que a trágica conversão de Daniel pretende reproduzir. Como entender que um judeu possa envergar a suástica? Como entender que a vítima queira ser arregimentada pelo carrasco? “Ora”, diria Daniel, “Deus não deu cabo de seus filhos amados? Se assim é, apenas a cerca de arame farpado de Auschwitz, Dachau e Treblinka separa o amor do ódio, a vingança do perdão”. Nossa sociedade não cultua os vencedores? O darwinismo social de nosso capitalismo não sentencia que aquilo que sobrevive e sobrepuja é a única força possível – e válida? Sendo assim, por que as vítimas deveriam se identificar com as vítimas? (Ora, ora: o cliente nem sempre tem razão.) Daniel Balint reproduz o discurso da servidão voluntária, “contanto que eu possa escarrar o meu ódio contra o outro que é tão impotente quanto eu mesmo”.

Daniel e seus comparsas brigam sem mais. Negros, latinos e judeus. Num restaurante kosher, cujos alimentos obedecem à lei judaica, os neonazis, como Eva, querem comer o fruto proibido. Só que, ali, o proprietário judeu, munido de um taco de baseball, inicia uma briga que vai parar diante de um juiz. Os neonazis são sentenciados pelo dedo em riste da democracia:

− Vocês podem escolher entre passar 30 dias na cadeia ou ouvir histórias de sobreviventes de Auschwitz. E então, o que vai ser?

Pela primeira vez em suas vidas, os neonazis precisam se deparar com os efeitos concretos da barbárie fascista. Quando gangues e facções se enfrentam nas ruas e avenidas das megalópoles, o outro não passa de uma abstração. O objeto distante do ódio. Um alvo cada vez mais próximo. Agora, a truculência deve lidar com o sofrimento encarnado, deve escutar histórias daqueles que não conseguem se libertar do algoz da memória.

A medida judicial me parece fundamental. Há um fosso enorme entre fazer odes fictícias à opressão e assistir à morte de um ser humano por chutes e pauladas. Na verdade, quando uma gangue lincha uma vítima estirada, toda a humanidade da vítima – e dos carrascos – já se evadiu. Assim, os neonazis ouvirão relatos de estupros e afogamentos e torturas e assassínios de pessoas que há muito se sentem culpadas por terem sobrevivido. Já não será possível tratar o judeu como o espólio estatístico da câmera de gás. Ele e ela estão ali, poderiam ser nossos vizinhos, nossos amigos.

A medida judicial que aproxima vítimas e carrascos deveria se estender aos grandes mandatários que, de seus gabinetes, não ouvem os gritos e súplicas dos condenados da terra. Se o presidente Harry Truman conhecesse os homens e mulheres de Hiroshima e Nagasaki, talvez o bombardeiro Enola Gay não houvesse legado ao Japão sombras fosforescentes como escombros de guerra. As crianças de Hanói não tomariam banho com napalm pela manhã se John Fitzgerald Kennedy e Richard Nixon exalassem o odor dos corpos vietnamitas em decomposição – corpos desfigurados pelo agente laranja despejado pelos mesmos helicópteros hipócritas que, décadas depois, lançariam caixas de alimentos para amortizar a culpa do Ocidente.

Quando Balint ouve a história de um velho judeu que viu o próprio filho – um bebê! – ser arrancado de seus braços para morrer espetado pela baioneta de um soldado da temível SS, o jovem que outrora questionara Deus por conta de Sua brutalidade para com Abraão e Isaac, quase às lágrimas, só faz gritar:

− Mas o que foi que você fez para conter o soldado, velho? Você ficou assistindo à morte de seu próprio filho? Por que não reagiu? Por que não o matou? Por que você não trucidou aquele assassino?

Daniel cospe as palavras com ódio, o velho pai chora copiosamente, até que uma sobrevivente logo ao lado questiona com todo o afinco o heroísmo de estufa do jovem Daniel.

− Mas, ora, como ousa?! Você não estava ali, como pode julgá-lo? Seu tolo, seu estúpido! Jovens mais fortes e mais valentes do que você quedaram inertes em situações similares. Você, aqui, em seu país rico, você acha que pode bancar o herói!? Só alguém dentro de uma situação pode julgá-la. E esse alguém será sempre o último a poder julgá-la. O último! O sobrevivente.

Por um momento, Daniel se cala. É preciso lutar contra a piedade, “eu não quero chorar, eu não posso chorar!” Súbito, Daniel levanta a cabeça e dispara:

− Mate o seu inimigo! Resista! Eis o que é preciso fazer.

Daniel Balint, neonazista judeu, acaba cometendo suicídio. O jovem explode uma sinagoga a que fora para rezar. “Mate o seu inimigo”. Mate a si mesmo. “Ora”, diria Daniel, “Deus não deu cabo de seus filhos amados? Se assim é, apenas a cerca de arame farpado de Auschwitz, Dachau e Treblinka separa o amor do ódio, a vingança do perdão”. Nossa sociedade não cultua os vencedores? O darwinismo social de nosso capitalismo não sentencia que aquilo que sobrevive e sobrepuja é a única força possível – e válida? Sendo assim, por que as vítimas deveriam se identificar com as vítimas? (Ora, ora: o cliente nem sempre tem razão.) Daniel Balint reproduz o discurso da servidão voluntária, “contanto que eu possa escarrar o meu ódio contra o outro que é tão impotente quanto eu mesmo”.

*Flávio Ricardo Vassoler é escritor e professor universitário. Mestre e doutorando em Teoria Literária e Literatura Comparada pela FFLCH-USP, é autor de O Evangelho segundo Talião (Editora nVersos) e organizador de Dostoiévski e Bergman: o niilismo da modernidade (Editora Intermeios). A partir do dia 02 de setembro, passará a apresentar o Espaço Heráclito, um programa de debates políticos, sociais, artísticos e filosóficos com o espírito da contradição entre as mais variadas teses e antíteses – segundas-feiras, às 19h, na TV Geração Z: www.tvgeracaoz.com.br. Periodicamente, atualiza o Subsolo das Memórias, www.subsolodasmemorias.blogspot.com, página em que posta fragmentos de seus textos literários e fotonarrativas de suas viagens pelo mundo. 

Texto relacionado: Da Servidão Moderna


Texto replicado do blog CARTA MAIOR
 

domingo, 4 de agosto de 2013

Nós somos a alta tecnologia da espionagem global

Todas as fantasias dos adeptos das teorias conspiratórias que imaginavam os EUA espionando cada canto do planeta com satélites e dispositivos ultra tecnológicos viraram fumaça em um par de dias. A alta tecnologia da espionagem global somos nós mesmos, não satélites espiões, nem raios invisíveis. Nós entregamos nossos correios, nossos segredos, as fotos e os nomes de nossos filhos e irmãos, de nossos amigos, envoltos em um papel de presente transparente. Especialistas em tecnologias da informação concordam: é imperativo mudar nossa cultura na rede. Por Eduardo Febbro, de Paris .

Eduardo Febbro

Paris – Só nos resta o espelho do nosso próprio desencanto. E certa tristeza humana e “geopolítica” ao constatar que, frente ao grande espião universal norte-americano vestido com a roupagem da democracia, os europeus não só deram mostras de uma espantosa covardia frente aos Estados Unidos, como também que, toda sua potência econômica, todo seu espaço comunitário, todo seu Banco Central e seu euro, não serviram sequer para criar um contrapeso numérico ao lado do alucinante poderio norte-americano.

O jornalista investigativo e especialista em internet e em novas tecnologias da informação, Jaques Henno, autor de dois livros sobre espionagem (“Todos fichados” e “Sillicon Valley, o Vale dos Predadores”), comenta: “Nós, enquanto europeus, estamos na periferia do império norte-americano. Enviamos informações a ele porque não fomos capazes de criar o equivalente do Google, Apple ou Facebook para conservar na Europa essas informações”. Kavé Salamantian, professor de informática e telecomunicações na Universidade de Lancaster, expressa certa amargura quando diz: “A NSA nos enganou. Era previsível que nos espionasse. Fomos enganados pelas empresas privadas, Google, Facebook, Apple, Microsoft. Elas nos espionam de uma forma muito simples: utilizam as informações que nós proporcionamos e a confiança que tivemos nas empresas que oferecem serviços informáticos. Esses atores se tornaram parte tão cotidiana de nossa vida que nos esquecemos das informações essenciais que disponibilizamos”.

A espionagem organizada a partir do dispositivo Prisma revelado pelo ex-membro da NSA norte-americana, Edward Snowden, é de uma simplicidade infantil. Stéphane Bortzmeyer, especialista em segurança informática e arquiteto de sistemas e redes, explica que Prisma “é só uma parte da espionagem norte-americana. A ideia consiste em se conectar com os grandes serviços de intercâmbio, as grandes redes sociais que estão nos Estados Unidos, ou seja, entre outros, Google e Facebook. O grande interesse de atuar neste nível consiste em ter acesso a uma informação que já está estruturada e tratada”.

Todas as fantasias dos adeptos das teorias conspiratórias que imaginavam os EUA espionando cada canto do planeta com satélites e dispositivos ultra tecnológicos viraram fumaça em um par de dias: “Prisma”, acrescenta Bortzmeyer, “é uma tecnologia simples, que já existia e que, além disso, é a mesma que utilizamos”. Em resumo, a alta tecnologia somos nós mesmos, não satélites espiões, nem raios invisíveis. Não. Nós entregamos nossos correios, nossos segredos, as fotos e os nomes de nossos filhos e irmãos, de nossos amigos, envoltos em um papel de presente transparente. Nicolas Arpagian, especialista em cyber-segurança, professor no Instituto de Altos Estudos de Segurança e Justiça, ressalta justamente que “o problema com os dados reside em que se toma uma informação de um servidor informático que está aí permanentemente. Não há roubo. Pode-se operar sem que a vítima se dê conta. A força desse tipo de espionagem radica no fato de que a vítima ignora seu estatuto de vítima”.

Os brinquedos conhecidos que a NSA emprega para acessar nossas intimidades são três: o olho é Prisma, seus aliados são Boundless Informant e X-Keyscorey. Prisma se conecta aos servidores das redes sociais, Google, Microsoft, Apple, Twitter, Skype, Facebook e outros. Boundless Informant é um software dirigido em grande parte ao ataque extraterritorial. O dispositivo mede o nível de segurança que cada país aplica a seus sistemas ao mesmo tempo em que consolida os meta-dados das conversações telefônicas (quem fala com quem) e das comunicações informáticas, as IP. X-Keyscorey é, nesta montagem, o cérebro do chamado Big Data, ou seja, o conjunto dos dados armazenados e analisáveis. X-Keyscorey é uma espécie de “Google” interno da NSA, ou seja, um analisador de conteúdos que abre as portas de tudo: histórico de navegações de uma pessoa, buscas realizadas na internet, conteúdos dos e-mails, conversações privadas no Facebook, cruzamento de informações segundo o idioma, o país de origem e de destino dos dados e dos intercâmbios.

Se a NSA quiser, com o X-Keyscorey nossa vida digital é um livro aberto. Comprar um congelador de grande capacidade (podem ser usados para armazenar explosivos), viajar de primeira classe aos Estados Unidos (os assentos ficam próximos da cabine dos pilotos), ou comprar uma panela de pressão pode levantar suspeitas na NSA. Prisma e seus programas associados realizam perfis matemáticos para detectar eventuais suspeitos segundo as navegações na rede ou os dados. “Tudo é analisado em massa”, diz Stéphane Bortzmeyer. Como destaca Kavé Salamantian, o problema está em que “isso não é a realidade, mas sim pura virtualidade construída a partir de uma aparência de racionalidade matemática”.

“Google e as ferramentas que oferece pode nos seguir em escala planetária e de forma permanente”, explica Nicolas Arpagian. Somos, de fato, filhos da “rastreabilidade”. Jacques Henno fala de uma “rastreabilidade política, sexual, ideológica e religiosa”. Os números falam por si próprios: Google e Facebook têm mais de um bilhão de usuários em todo o mundo; 80% das comunicações através da internet passam pelos Estados Unidos; no Facebook são publicadas 350 milhões de fotos por dia, o que dá 3,5 bilhões de fotos em dez dias e 35 bilhões em cem dias. A mágica ocorre quando nos inscrevemos no Google ou Facebook. Poucas pessoas leem as condições de utilização, mas estas explicitam claramente que o usuário “autoriza” o armazenamento das informações no território norte-americano. Os dados, por conseguinte, dependem do direito dos EUA, tanto mais que a lei Patriot Act, aprovada logo depois dos atentados de 11 de setembro, permite aos governos estadunidenses requerer o conteúdo dos arquivos das pessoas suspeitas.

Mais ainda. Como explica Nicolas Arpagian, “a lei norte-americana se aplica às empresas quando 51% do capital das mesmas está em mãos de capitais norte-americanos, seja qual for sua localização”. Isso inaugura uma espécie de extensão do direito doméstico dos Estados Unidos para o resto do planeta. Arpagian analisa este dado e observa que “a particularidade deste emprego ofensivo das tecnologias da informação está em que já não se estabelece mais a diferença entre o mundo civil e o militar”.

Houve vários sistemas globais de espionagem. O mais conhecido e que precedeu o Prisma foi o Echelon. Este dispositivo de espionagem instalado no Canadá, Estados Unidos, Grã Bretanha, Nova Zelândia e Austrália se limitava a coletar comunicações telefônicas. Prisma, por sua vez, tem acesso a tudo e com uma distinção maior: “a diferença entre Echelon e Prisma passa pelo fato de que o Echelon era uma estrutura unicamente do Estado, enquanto que Prisma exige a colaboração das empresas privadas”.

No meio disso tudo, estão os britânicos e seu quartel general de espionagem, onde filtram quase exclusivamente tudo o que passa pela fibra ótica. Os teóricos do ocaso do império se equivocaram por muito. “Não resta dúvida alguma que, por meio do controle das tecnologias da informação, os Estados Unidos contam com um elemento de considerável potência. E esse poder norte-americano corresponde ao que nós deixamos nas mãos desta sociedade de informação”.

Os europeus têm muita literatura diplomática, mas carecem de contrapeso tecnológico. Por uma razão misteriosa, não quiseram jogar o xadrez digital. Seus cidadãos e suas empresas – e até os serviços públicos – são clientes de Google e Microsoft como qualquer habitante deste planeta. Seus dados estão na nuvem e seus e-mails nos operadores estadunidenses. Incrédulos, inocentes ou passivos, o certo é que terminamos fazendo parte de uma gigantesca armazenagem de dados para onde foram parar nossos pecados e nossas virtudes. Um horror absoluto.

A hora da mudança chegou. Todos os especialistas consultados confluem na mesma análise: é imperativo mudar nossa cultura na rede, precisamos ser mais responsáveis e, da mesma maneira que ocorre com o ambiente físico, tomar consciência do perigo virtual que nos cerca e nos proteger dele. A era do sonho virtual coletivo e da inocência ante o computador chegou ao fim. Snowden, que era parte do sistema, desgarrou a imensidade da verdade intuída. Agora sabemos.

Tradução : Katarina Peixoto

Texto replicado : CARTA MAIOR

Texto relacionado: Estamos sob vigilância

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

É HORA DE REVER O TREM-BALA

(JB)- Podemos imaginar o sofrimento das famílias espanholas, com a perda de mais de 80 pessoas no acidente de Santiago de Compostela. Ele é ainda maior, quando se sabe que o responsável direto pelo acidente, segundo sua própria confissão, foi o condutor do trem. A composição descarrilhou no último trecho do trem de alta velocidade, da linha Madri-El Ferrol, explorada pela Renfe, empresa estatal espanhola.

Quando se cogitou de construir uma linha de altíssima velocidade, ligando o Rio a São Paulo e a Campinas, não faltaram advertências de bom senso. Esses trens são interessantes em trechos médios e curtos, em países bem menores do que o nosso, e onde já existam linhas convencionais confortáveis, eletrificadas e inteligentes, acessíveis à maioria da população. A construção de longos trechos só é justificada em países como a China, que dispõem de bilhões, para investir no que quiserem, e que não fazem isso por meio de empresas estrangeiras.

Não é esse o nosso caso. As nossas ferrovias se encontram sucateadas, e as empresas concessionárias só se interessam em conservar e ampliar os trechos que lhes garantem lucros fabulosos, com foco no transporte de carga, er não de passageiros. É muito mais importante, por isso mesmo, empregar todo o dinheiro possível na construção de novas linhas, destinadas a transporte de passageiros, em velocidade razoável e em condições ideais de segurança. Ora, segundo as informações divulgadas pelo próprio governo, pretende-se uma velocidade média de 350 km/hora, ainda não atingido em qualquer outra obra do gênero. O custo já está calculado em 38 bilhões, e pode crescer ainda mais. Com esse dinheiro é possível duplicar a malha ferroviária nacional, que é hoje de 28.000 km, retificando o leito de muitas delas e eletrificando outras.

No trecho São Paulo-Rio, seria possível a aquisição de vagões-leito de grande conforto, que permitisse ao viajante passar a noite dormindo, e chegar descansado ao destino – depois de uma ducha no próprio compartimento. É uma boa alternativa ao transporte aéreo de pequeno curso, que exige do passageiro algumas horas, além do vôo em si: duas para chegar com 1 hora de antecedência ao aeroporto e, no destino, pelo menos mais uma hora depois do desembarque, para chegar à cidade.

Não se sabe bem por quê, o Ministro Paulo Bernardo decidiu convidar as empresas espanholas para constituir o consórcio para a construção e exploração do nosso trem de alta velocidade. Foi assim que a Renfe – a estatal que monopoliza o sistema ferroviário espanhol – se aliou às empresas estatais Adif – Administradora de Infraestruturas, e Ineco, engenharia e economia de transportes – para disputar, como favorita, segundo a imprensa daquele país, a licitação marcada para 16 de agosto.

Tampouco não se sabe por quê o edital de licitação, divulgado pelo governo brasileiro, faz uma curiosa exigência, a de que a empresa licitante não tenha sofrido, em suas linhas de alta velocidade, um acidente nos últimos cinco anos, o que excluiria em princípio a China, onde está a maior rede de alta velocidade do mundo. O desastre de Santiago de Compostela inviabiliza, liminarmente, a Renfe. É interessante registrar essa cláusula do edital, já que, como mostram o caso da China e da própria Espanha, é impossível impedir acidentes, em trens de qualquer velocidade, como acontece também em outras modalidades de transporte, como o aéreo, por exemplo.

E, ainda que fosse importante a adoção do trem-bala, já temos em andamento uma tecnologia em princípio muito mais avançada do que a espanhola – que na verdade é alemã e francesa – que é a de levitação magnética, que está sendo testada no Rio de Janeiro pela Coppe, da UFRJ (foto). Embora baseada em experiências anteriores, o projeto brasileiro avança em sua tecnologia, prevista para ser aplicada primeiro em transporte urbano, mas que também serve para médias e longas distâncias, com a vantagem de permitir graus de inclinação na linha que são inalcançáveis para os trens-bala atuais.

Texto retirado do blog de MAURO SANTAYANA