quarta-feira, 25 de setembro de 2013

O silencioso golpe militar que se apoderou de Washington

Um ataque contra a Síria ou Irã ou contra qualquer outro demônio estadunidense se baseará em uma variante de moda, a "Responsabilidade de Proteger", ou R2P, cujo fanático pregoeiro é o ex-ministro de Relações Exteriores australiano Gareth Evans, co-presidente de um "centro mundial" com base em Nova Iorque. Por John Pilger, do The Guardian

Por John Pilger (*)

Na parede tenho exposta a primeira página do Daily Express de 5 de setembro de 1945 com as seguintes palavras: "Escrevo isto como uma advertência ao mundo". Assim começava o relatório de Wilfred Burchett sobre Hiroshima. Foi a notícia bomba do século.

Com motivo da solitária e perigosa viagem com a qual desafiou as autoridades de ocupação estadunidenses, Burchett foi colocado na picota, sobretudo por parte de seus colegas. Avisou que um ato premeditado de assassinato em massa a uma escala épica acabava de dar o disparo de partida para uma nova era de terror.

Na atualidade, [a advertência de] Wilfred Buirchett está sendo reivindicada pelos fatos quase todos os dias. A criminalidade intrínseca da bomba atômica foi corroborada pelos Arquivos Nacionais dos EUA e pelas ulteriores décadas de militarismo camuflado como democracia. O psicodrama sírio é um exemplo disso. Uma vez mais somos reféns da perspectiva de um terrorismo cuja natureza e história continuam sendo negadas inclusive pelos críticos mais liberais. A grande verdade inominável é que o inimigo mais perigoso da humanidade está do outro lado do Atlântico.

A farsa de John Kerry e as piruetas de Barack Obama são temporais. O acordo de paz russo sobre armas químicas será tratado ao cabo do tempo com o desprezo que todos os militaristas reservam para a diplomacia. Com a al-Qaeda figurando agora entre seus aliados e com os golpistas armados pelos EUA solidamente instalados no Cairo, os EUA pretendem esmagar os últimos Estados independentes do Oriente Próximo: primeiro a Síria, depois o Irã. "Esta operação [na Síria]", disse o ex-ministro de exterior francês Roland Dumas em junho, "vem de muito antes. Foi preparada, pré-concebida e planejada".

Quando o público está "psicologicamente marcado", como descreveu o repórter do Canal 4, Jonathan Rugman, a esmagadora oposição do povo britânico a um ataque contra a Síria, a supressão da verdade se converte em tarefa urgente. Seja ou não verdade que Bashar al-Assad ou os "rebeldes" utilizaram gás nos subúrbios de Damasco, são os EUA, não a Síria, o país do mundo que utiliza essas terríveis armas de forma mais prolífica.

Em 1970 o Senado informou: "Os EUA derramaram no Vietnã uma quantidade de substâncias químicas tóxicas (dioxinas) equivalente a 2,7 quilos por cabeça". Aquela foi a denominada Operação Hades, mais tarde rebatizada mais amavelmente como Operação Ranch Hand, origem do que os médicos vietnamitas denominam "ciclo de catástrofe fetal". Vi gerações inteiras de crianças afetadas por deformações familiares e monstruosas. John Kerry, cujo expediente militar escorre sangue, seguramente que os lembra. Também os vi no Iraque, onde os EUA utilizaram urânio empobrecido e fósforo branco, como o que fizeram os israelenses em Gaza. Para eles não houve as "linhas vermelhas" de Obama, nem o psicodrama de enfrentamento.

O repetitivo e estéril debate sobre se "nós" devemos "tomar medidas" contra ditadores selecionados (ou seja, se devemos aplaudir os EUA e seus acólitos em outra nova matança aérea) forma parte de nosso lavado de cérebro. Richard Falk, professor emérito de Direito Internacional e relator especial da ONU sobre a Palestina, o descreve como "uma máscara legal/moral unidirecional com anseios de superioridade moral e cheia de imagens positivas sobre os valores ocidentais e imagens de inocência ameaçada cujo fim é legitimar uma campanha de violência política sem restrições". Isso "está tão amplamente aceito que é praticamente impossível de questionar".

Se trata da maior mentira, parida por "realistas liberais" da política anglo-estadunidense e por acadêmicos e meios de comunicação auto proclamados gestores da crise mundial mais que como causantes dela. Eliminando o fator humanidade do estudo dos países e congelando seu discurso com uma linguagem a serviço dos desígnios das potências ocidentais, endossam a etiqueta de "falido", "delinquente" ou malvado aos Estados aos que depois infligirão sua "intervenção humanitária".

Um ataque contra a Síria ou Irã ou contra qualquer outro demônio estadunidense se baseará em uma variante de moda, a "Responsabilidade de Proteger", ou R2P, cujo fanático pregoeiro é o ex-ministro de Relações Exteriores australiano Gareth Evans, co-presidente de um "centro mundial" com base em Nova Iorque. Evans e seus grupos de pressão generosamente financiados jogam um papel propagandístico vital instando a "comunidade internacional" a atacar os países sobre os quais "o Conselho de Segurança resiste aprovar alguma proposta ou que recusa abordá-la em um prazo razoável".

O de Evans vem de longe. O personagem já apareceu em meu filme de 1994, Death of a Nation, que revelou a magnitude do genocídio no Timor Leste. O risonho homem de Canberra alça sua taça de champanhe para brindar por seu homólogo indonésio enquanto sobrevoam o Timor Leste em um avião australiano depois de haver firmado um tratado para piratear o petróleo e gás do devastado país em que o tirano Suharto assassinou ou matou de fome um terço da população.

Durante o mandato do "débil" Obama o militarismo cresceu talvez como nunca antes. Ainda que não haja nenhum tanque no gramado da Casa Branca, em Washington se produziu um golpe de Estado militar. Em 2008, enquanto seus devotos liberais enxugavam as lágrimas, Obama aceitou em sua totalidade o Pentágono que lhe legava seu predecessor George Bush, completo com todas suas guerras e crimes de guerra. Enquanto a Constituição vai sendo substituída por um incipiente Estado policial, os mesmos que destruíram o Iraque a base de comoção e pavor, que converteram o Afeganistão em uma pilha de escombros e que reduziram a Líbia a um pesadelo hobbesiano, esses mesmos são os que estão ascendendo na administração estadunidense. Por trás de sua amedalhada fachada, são mais os antigos soldados estadunidenses que estão se suicidando que os que morrem nos campos de batalha. No ano passado 6.500 veteranos tiraram suas vidas. A colocar mais bandeiras.

O historiador Norman Pollack chama isso de "liberal-fascismo": "Em lugar de soldados marchando temos a aparentemente mais inofensiva militarização total da cultura. E em lugar do líder grandiloquente temos um reformista falido que trabalha alegremente no planejamento e execução de assassinatos sem deixar de sorrir um instante". Todas as terças-feiras, o "humanitário" Obama supervisiona pessoalmente uma rede terrorista mundial de aviões não tripulados que reduz a mingau as pessoas, seus resgatadores e seus doentes. Nas zonas de conforto do Ocidente, o primeiro líder negro no país da escravidão ainda se sente bem, como se sua mera existência supusesse um avanço social, independentemente do rasto de sangue que vai deixando. Essa obediência a um símbolo destruiu praticamente o movimento estadunidense contra a guerra. Essa é a particular façanha de Obama.

Na Grã Bretanha as distrações derivadas da falsificação da imagem e da identidade políticas não triunfaram completamente. A agitação já começou, mas as pessoas de consciência deveriam apressar-se. Os juízes de Nuremberg foram sucintos: "Os cidadãos particulares têm a obrigação de violar as leis nacionais para impedir que se perpetrem crimes contra a paz e a humanidade". As pessoas normais da Síria, e muito mais gente, como nossa própria autoestima, não se merecem menos nestes momentos.

(*) Jornalista do The Guardian. Grã Bretanha. Em “Bitácora” do Uruguai.


Tradução: Liborio Júnior

Texto replicado: CARTA MAIOR

domingo, 22 de setembro de 2013

Embargos Infrigentes


sábado, 21 de setembro de 2013

Lei da terceirização derruba salário em até 30%

Ministro do TST estima que renda do trabalhador caia até 30% terceirização regulamentada

da Agência Brasil, via site da CUT
Centrais sindicais protestam na entrada da Câmara.
Foto: Layrce Tomaz/ Câmara dos Deputados
A aprovação do Projeto de Lei (PL) 4.330/2004, que regulamenta a terceirização no Brasil, terá “efeito avassalador” nas conquistas dos trabalhadores e reduzirá a renda em até 30%, disse hoje (18) o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Mauricio Godinho Delgado.

Em comissão geral para debater o projeto no plenário da Câmara dos Deputados, Delgado ressaltou que a saúde dos trabalhadores poderá ficar em risco com a massificação da terceirização de serviços. O ministro destacou a necessidade de regulamentar o trabalho terceirizado, mas de forma a restringir esse tipo de contratação. A proposta em debate estimula a terceirização, disse ele.

“O projeto, claramente, generaliza a terceirização. Na concepção de 19 ministros do TST, que têm, cada um, 25 anos, no mínimo, de experiência no exame de processos, o projeto generaliza, sim, a terceirização trabalhista no país. Em vez de regular e restringir a terceirização, lamentavelmente, o projeto torna-a um procedimento de contratação e gestão trabalhista praticamente universal no país.”

Para o ministro, o aumento desse tipo de contratação provocará o rebaixamento da renda do trabalho em cerca de 20% a 30% de imediato, “o que seria um mal absolutamente impressionante na economia e na sociedade brasileira.”

Além disso, ao se generalizar a terceirização, acrescentou, as categorias profissionais tenderão a desaparecer no país, porque todas as empresas, naturalmente, vão terceirizar suas atividades. E o desaparecimento das categorias profissionais terá um efeito avassalador sobre as conquistas históricas.”

Para o presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah, a regulamentação do trabalho terceirizado resultará em mão de obra mais precária. “A UGT é a favor de se aprimorar [o projeto], mas é preciso ser extirpado aquele item que permite que todos os trabalhadores sejam terceirizados. Nos Estados Unidos, a atividade de TI [tecnologia da informação] tem muitos indianos terceirizados, que recebem um décimo do que ganha o americano. É o que vai acontecer no Brasil”, afirmou.

Antes de discutir a regulamentação da terceirização, ressaltou Patah, é preciso debater a Convenção 158 [da Organização Internacional do Trabalho, que trata da dispensa arbitrária], a redução da jornada e o crescimento econômico do Brasil. “Por que nós temos sempre que debater e discutir o que é ruim para a classe trabalhadora?”, questionou.

Ex-ministro do Trabalho, o deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), considerou o projeto de lei inconstitucional. “Não há nada que se acrescentar à lei para respeitar a CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] e a Constituição. O que se está propondo, na verdade, é legalizar a interposição fraudulenta de mão de obra, prática de setores empresariais irresponsáveis, que não têm compromisso com este país”, disse Berzoini.

A comissão geral foi convocada para debater o projeto depois de sucessivos cancelamentos de votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) devido a manifestações favoráveis e contrárias à proposta.

Edição: Nádia Franco

Texto replicado: VI O MUNDO

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Celso de Mello critica teses “autoritárias” e garante novo julgamento a 12 réus

Em voto de minerva, decano do STF lembra que a justiça não pode subordinar-se a pressões externas nem agir de maneira “instintiva, arbitrária, injusta ou irracional”

No: Rede Brasil Atual

Jornalistas de Brasília chegaram a fazer uma bolsa de apostas sobre quanto tempo duraria o voto de minerva do ministro Celso de Mello na histórica sessão de hoje (18) do Supremo Tribunal Federal (STF). Falava-se em três, quatro e até cinco horas. Mas Mello, ainda que sob forte pressão da imprensa tradicional, que clamava pelo encerramento do processo, não precisou de mais de 20 minutos para deixar claro que desempataria o jogo a favor de um novo julgamento para 12 dos 38 réus da Ação Penal 470, conhecida por mensalão.

Desde o início do processo, no final de 2007, essa é a primeira vez que os principais réus na ação conseguem uma vitória importante no tribunal. Com o voto de Mello, 6 dos 11 ministros entenderam cabíveis os embargos infringentes, impondo a primeira derrota ao relator do processo, o agora presidente Joaquim Barbosa.

Celso de Mello criticou fortemente os ministros que, na sessão da semana passada, defenderam a subordinação das decisões judiciais ao “clamor das multidões”.

“Os julgamentos do STF, para que sejam imparciais, isentos e independentes, não podem expor-se à pressão externa, sob pena de completa subversão do regime de direitos e garantias individuais, assegurados a qualquer réu”, disse o ministro. E prosseguiu: “O dever de proteção das liberdades fundamentais dos réus é encargo constitucional deste tribunal, mesmo que o clamor popular se manifeste contrariamente”.

Estes embargos, previstos no regimento interno do STF, é que garantem a possibilidade de novo julgamento nos casos em que houve pelo menos quatro votos pela absolvição dos réus.

Entre os 12 que podem ter as penas reduzidas, com a análise de mérito dos recursos, estão os petistas José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e João Paulo Cunha. Eles e outros cinco réus tiveram quatro votos pela absolvição na acusação de formação de quadrilha. Para os outros réus, isso ocorreu nos crimes de lavagem de dinheiro.

A legalidade ou não dos embargos dominou os debates no STF durante as últimas semanas. O presidente do tribunal e relator da AP 470, ministro Joaquim Barbosa, defendeu a tese de que os embargos infringentes estavam extintos por uma lei de 1990 – que trata da tramitação de processos em tribunais superiores e não diz nada sobre eles. Outros quatro juízes também entenderam assim.

Os demais, porém, argumentaram que a omissão dos embargos, no texto da lei, não significava sua extinção – já que o direito continua previsto no regimento interno da Corte.

Direitos fundamentais
Celso de Mello, que já havia se manifestado pela aceitação dos embargos em outras ocasiões, começou hoje lamentando que não tenha conseguido votar na semana passada, quando Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes dominaram os debates com votos longos, mas disse que os dias que se seguiram permitiram que ele aprofundasse “ainda mais” sua convicção.

Na sequência, ele fez uma explanação sobre a importância do amplo direito de defesa a pessoas acusadas de quaisquer crimes. Segundo o ministro, esse é um direito fundamental do estado democrático.

Mello lembrou que exatamente hoje, 18 de setembro, completam-se 67 anos da promulgação da Constituição Brasileira de 1946, “que restaurou a liberdade e dissolveu a ordem autocrática do Estado Novo”.

A Carta de 1946 substituiu a de 1937, elaborada no período autoritário do governo Getúlio Vargas. Conhecida como “Polaca”, a constituição de Vargas considerava que pessoas acusadas eram automaticamente culpadas e tinham de provar sua inocência, conforme lembrou o ministro em sua fala na Corte.

Segundo Mello, a Constituição de 1946 restaurou no Brasil “a supremacia do direito e do respeito às liberdades fundamentais (…), garantindo às partes, de modo pleno, o direito a um julgamento justo, imparcial e independente”.

Para Celso de Mello, o STF e nenhum outro tribunal pode reagir de maneira “instintiva, arbitrária, injusta ou irracional”. Na semana passada o ministro Luís Roberto Barroso já havia feito uma advertência de que a avaliação do caso deveria ser feita à luz da Constituição, e não do clamor de setores da imprensa, o que lhe valeu um chamamento de "novato" por Marco Aurélio Mello.

Hoje, o decano complementou: “A resposta do poder público (para acusações criminais) há de ser uma reação pautada por regras que viabilizem a instauração de um processo que neutralize as paixões exacerbadas das multidões”.

Tribunal de princípios
Depois de fazer uma longa defesa técnica sobre a legalidade dos embargos infringentes, tentando neutralizar os argumentos dos que os supõem extintos, Celso de Mello voltou a se debruçar sobre os princípios dos estado de direito, destacando que estes não podem ser vistos como “meras tecnalidades ou filigranas jurídicas” – segundo o que têm dito articulistas dos meios de comunicação sobre a possibilidade do segundo julgamento.

O ministro lembrou da polêmica sobre o Pacto de São José da Costa Rica, da Corte Interamericana de Direitos Humanos. O pacto, que garante o direito ao “duplo grau de jurisdição” a qualquer réu (ou segundo julgamento), foi assinado pelo Brasil em 1992.

O Brasil, assinalou Mello, submeteu-se “voluntária e soberanamente” ao pacto e, por isso, é obrigado a cumpri-lo em todo caso em que o Estado é parte, sendo condenado no foro internacional caso não o faça. “O Brasil reconheceu formalmente a obrigatoriedade de sua submissão ao pacto”, reforçou ele.

A necessidade de respeitar do Pacto foi levantada na semana passada pelo ministro Teori Zavask e contestada pelo seu colega Gilmar Mendes – que chegou a dizer aos jornais, ontem, que o STF não poderia se transformar numa “corte bolivariana”.

Celso de Mello salientou hoje que, se não quiser cumprir o pacto, o Brasil tem de se retirar da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Ele lembrou que a “República Bolivariana da Venezuela” fez isso recentemente, justamente por não concordar com a decisão da corte internacional em favor de um cidadão venezuelano que pedia o direito a um segundo julgamento em seu país.

Ao citar o episódio, Mello olhou para Gilmar e repetiu, separando as sílabas: “veja bem, República Bo-li-va-ri-a-na da Venezuela”.

Mello invocou também o artigo 26 da Convenção de Viena, de 1969, segundo a qual “todo tratado obriga as partes a cumpri-lo de boa fé”, sendo que as legislações dos estados nacionais não podem se sobrepor às regras ali definidas.

“Essas não são meras tecnicalidades jurídicas ou filigranas interpostas num debate tão sério como este”, disse o ministro.

“Esse é um tribunal de princípios. (Ao aceitar o embargos) o STF está prestando reverência ao seu compromisso institucional de respeitar e fazer respeitar direitos, garantias e liberdades fundamentais (…) O interesse protegido aqui não é o individual, mas o interesse público”.

Próximos passos
Com a aceitação dos embargos, o julgamento deve ser retomado em 2014. Nos recursos, os advogados de defesa deverão alegar falhas e eventuais erros na manipulação de informações envolvendo as condenações iniciais.

A expectativa é que, nesse processo, também venha à tona um inquérito paralelo aberto pelo ex-procurador Geral da República Antonio Fernando de Souza, em 2006, para aprofundar as investigações a respeito das denúncias do suposto mensalão. Por obra de Souza e do ministro Joaquim Barbosa, o inquérito permanece sob sigilo até hoje. Nem os advogados dos acusados tiveram acesso a ele.

Especula-se que as provas recolhidas nessa investigação paralela derrubariam parte das teses que levaram à condenação dos réus na ação principal. 

Texto retirado: O CARCARÁ

domingo, 15 de setembro de 2013

Maioria quer democracia na mídia

Pesquisa revela que não é a qualidade que define a audiência das TVs, mas a falta de opção. E que, apesar da propaganda contrária da imprensa, a maioria quer a democratização da mídia .

Por: Lalo Leal, No Rede Brasil Atual

O debate em em torno da democratização da comunicação acaba de ganhar um reforço importante. Uma pesquisa sobre o tema promovida pela Fundação Perseu Abramo permite agora discutir o papel da mídia em cima de dados concretos. Sabia-se, por exemplo, que a TV aberta – apesar do avanço da internet – continuava sendo o meio mais utilizado pelos brasileiros para informação e entretenimento. Agora temos números: 94% fazem isso, 82% deles todos os dias.

À frente da internet e dos jornais, empatados em 43%, está o rádio, com 79% (69,2% ouvem diariamente). Presente nas regiões mais remotas do país e nas grandes cidades, sua voz é ouvida por ribeirinhos na Amazônia e pelos motoristas presos nos congestionamentos urbanos, com uma força político-eleitoral que ainda está para ser medida.

A pesquisa teve caráter nacional e ouviu 2.400 pessoas, com margem de erro que varia de dois a cinco pontos percentuais. Soube-se por ela que 57% dos brasileiros leem jornais, mas quase a metade (46,2%) só lê o do bairro ou da cidade em que mora. Muito atrás aparece o segundo jornal mais lido: o Extra, com 5,9%. Os jornalões – Folha de S.Paulo (4,5%), O Globo (3,1%) e O Estado de S. Paulo (3%), com leitores concentrados no Sudeste – revelam não ter a projeção nacional por eles apregoada. Entre as revistas o dado é preocupante: 76% leem esse tipo de publicação, dos quais 50,2%, a Veja. Conhecendo a linha editorial da revista fica clara a necessidade de uma alternativa capaz de contrabalançar os efeitos negativos que ela causa à sociedade.

Na internet, o Facebook (38,4%) e o Twitter (25,5%) são os preferidos dos brasileiros. Os portais de notícias – Globo (16,7%), UOL (12,6%), Terra (7,3%) – vêm depois: seis em cada dez entrevistados dizem buscar informações e notícias nesses sites, reforçando a convicção de que a internet é responsável pelo declínio dos jornais impressos.
Quanto ao conteúdo, não há uma percepção de que os meios de comunicação, quando tratam de política e economia, defendam os interesses da população. Só 7,8% acreditam nisso. Os demais dizem que eles defendem os interesses dos próprios donos (34,9%), dos que têm mais dinheiro (31,5%) e dos políticos (20,6%).

Em relação à TV, a pesquisa concretiza o que os estudiosos já inferiam. A maioria dos brasileiros (71,2%) não sabe que as emissoras de rádio e TV são concessões públicas. E quando passam a ser perguntados sobre o que veem na tela mostram uma clareza maior: 43% dizem não se ver representados na TV e 25% se consideram retratados negativamente. Grande parte avalia às vezes ou quase sempre como desrespeitoso o tratamento dado à mulher (64%), aos nordestinos (63%) e aos negros (66%) nos programas das emissoras.

O remédio está na regulação dos meios. Os entrevistados concordaram com essa necessidade, mostrando que a campanha sistemática da mídia, comparando regulação à censura, surte pouco efeito. Deveria haver mais regras para o funcionamento das TVs para 71%. E na opinião de 77,2% deveriam ser estabelecidas e aplicadas por um órgão ou conselho representativo da sociedade, como ocorre em vários países democráticos.
A maioria (entre 50,9% e 65,8%) se manifestou contra a veiculação de palavrões, a exposição gratuita do corpo da mulher, de imagens de cadáveres, de crueldade com animais, de nudez e sexo, violência e morte e de uso de drogas. Também se mostrou contrária a cenas de violência e de humilhação de gays e lésbicas, assim como ao humor que ridiculariza as pessoas. E mais: 88,1% não querem propaganda de bebida alcoólica na TV.

São dados que não aparecem no Ibope e não têm nada a ver com audiência. A pesquisa revela como é enganosa a afirmação de que a TV mostra o que as pessoas querem ver. Veem, na verdade, por falta de opção ou para não deixar a casa silenciosa.

Texto replicado : O CARCARÁ

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Viva o Brasil

domingo, 8 de setembro de 2013

‘Estamos todos vigiados e fichados’

À Carta Maior, o pesquisador e especialista das novas tecnologias Jacques Henno analisa os abusos e tendências que se inscrevem em uma nova era marcada pelo nascimento de um lobby entre os militares, a informática, os dados e os arquivos que circulam pela internet. Henno publicou vários livros que anteciparam de maneira detalhada e rigorosa as informações divulgadas por Edward Snowden. O resumo da obra é: estamos todos vigiados e fichados. Por Eduardo Febbro, de Paris

Eduardo Febbro
 
Paris – Antes de se deitar é preciso olhar embaixo da cama, desligar o sinal Wifi e fechar todos os acessos à internet da casa. A última leva de informações sobre a espionagem norte-americana atravessa uma nova fronteira da violação da privacidade. O jornal The New York Times revelou que Washington corrompeu toda a tecnologia que protege a internet para acentuar a espionagem. Por meio da Agência Nacional de Segurança norte-americana (NSA), os Estados Unidos roubaram chaves de segurança, alteraram programas e computadores e forçaram certas empresas a colaborar com o objetivo de ter acesso a comunicações privadas, tanto dentro como fora do território norte-americano. A NSA não respeitou limite algum: correios eletrônicos, compras na internet, rede VPN, conexões de alta segurança (o famoso SSL), acesso aos serviços de telefonia da Microsoft, Facebook, Yahoo e Google, a lista dos novos territórios de caça é interminável.

Segundo o diário norte-americano, a NSA gasta mais de 250 milhões de dólares anuais em um programa chamado Sigint Enabling cuja meta consiste em modificar a composição de certos produtos comerciais – computadores, chips, telefones celulares – para torná-los vulneráveis, ou seja, acessíveis aos ouvidos da NSA. A isto se somam as informações publicadas por Wikileaks sobre 80 empresas privadas que se servem das novas tecnologias para captar (espionar) em tempo real os intercâmbios no Facebook, MSN, Google Talk, etc. Estamos na mais perfeita intempérie tecnológica de maneira permanente sem que a vítima tenha a menor consciência disso. Um crime perfeito.

Em entrevista à Carta Maior, o pesquisador e especialista das novas tecnologias, Jacques Henno, analisa todos estes abusos e tendências que se inscrevem em uma nova era marcada pelo nascimento de um lobby entre os militares, a informática, os dados e os arquivos. Henno publicou vários livros que anteciparam de maneira detalhada e rigorosa as informações divulgadas pelo ex-analista da CIA e da NSA, Edward Snowden: estamos todos vigiados. “Silicon Valley: Prédateurs Vallée?” (Silicon Valley, o vale dos predadores) e “Tous Fichés: l’incroyable projet américain por d’éjouer les atentas terroristes” (Estamos todos arquivados: o incrível projeto americano para evitar os atentados terroristas) exploram com muita lucidez um mundo de espionagem e violação dos direitos que, até algumas semanas, parecia produto de uma imaginação paranoica. As investigações de Jacques Henno demonstraram que não. As revelações de Snowden provaram que o especialista francês tinha razão.

Estamos descobrindo com uma assombrosa passividade a profundidade da espionagem de que somos alvo por parte dos Estados Unidos.

É preciso lembrar que a informática ao serviço do totalitarismo existe desde os anos 40. Durante a Segunda Guerra Mundial, se os campos de extermínio nazistas foram tão eficazes foi porque os alemães usaram as máquinas IBM que funcionavam com os cartões perfurados para contabilizar todas as pessoas. De modo similar, o Plano Condor que funcionou entre as ditaduras da América Latina para perseguir os opositores foi montado com o suporte de computadores vendidos pelos norte-americanos para as ditaduras da América do Sul. Estes computadores serviam para fichar os opositores.

Quando e como nasceu a espionagem moderna tal como está se revelando hoje?

Tudo isso nasce com um programa chamado TIA, Total Information Awareness. Após os atentados de 11 de setembro de 2011, os norte-americanos trataram de encontrar tecnologias capazes de prevenir este tipo de atentados. Rapidamente se deram conta de que tinham nas mãos todas as informações necessárias. Por exemplo, os terroristas que cometeram os atentados do 11 de setembro tinham sido identificados antes, quando andaram de avião, ou quando dois deles se escreveram em escolas de pilotagem de aviões. Tinham até fotos deles sacando dinheiro de um caixa automático. No entanto, o que faltava era a metodologia para unir todos esses arquivos e informações. Neste processo, entraram em ação empresas que foram ao governo norte-americano dizer: “nós trabalhamos com arquivos e podemos ajudá-los a prevenir atentados. Assim nasceu o sistema de vigilância completa, Total Information Awareness, ITA, capaz de criar arquivos sobre qualquer pessoa no mundo, sobre todos os habitantes do planeta, a fim de ter um máximo de informações sobre cada pessoa e, assim, descobrir sinais de preparação de atentados terroristas.
A Acxiom, por exemplo, é uma destas empresas. Ela é totalmente desconhecida para o grande público, mas é uma das empresas que detém o maior de arquivos sobre os consumidores do mundo. A cada ano, realiza pesquisas sobre a comida que damos aos gatos, o tipo de papel higiênico que utilizamos ou os livros que lemos. Na França, a Comissão Nacional de Informática e Liberdades (CNIL) se opôs várias vezes às pesquisas da Acxiom.

Essa tecnologia deu lugar ao nascimento de uma espécie de mega-sistema de cálculo matemático que cria perfis segundo uma série aparentemente racional de informações.

Exatamente. Por exemplo, logo depois dos atentados em Londres se descobriu que os terroristas preparavam os atentados comprando antes refrigeradores de grande capacidade para armazenar os explosivos. Com base nisso, agora, quem compra congeladores de grande capacidade torna-se suspeito e, por conseguinte, é fichado e vigiado. O mesmo ocorre com os aviões. Se alguém embarca em um avião rumo aos Estados Unidos e viaja pela primeira vez em classe executiva ou primeira classe também passa a ser vigiado. Os assentos de primeira classe são muito controlados porque estão mais perto da cabine dos pilotos. Então, se alguém compra uma passagem nesta classe e, segundo o resumo dos gastos do cartão de crédito, essa pessoa não tem os meios para pagar um bilhete a esse preço, automaticamente estará sob vigilância.
Em resumo, os norte-americanos exploram todas as informações que obtém de uma pessoa. Eles são, ao mesmo tempo, paranoicos e amantes da tecnologia. Paranoicos porque há muito tempo vivem armados. E amantes da tecnologia porque, cada vez que há um problema tratam de encontrar uma solução técnica e não forçosamente social ou econômica.

O curioso é que boa parte desses dados utilizados pela NSA foram entregues voluntariamente pelos usuários.

Claro. Quando nos inscrevemos no portal de uma empresa norte-americana, Yahoo, Microsoft, Google ou outras, não lemos até o final as condições de utilização. No entanto, se prestarmos atenção veremos que ali é dito textualmente: “autorizo o armazenamento destas informações no território norte-americano”. Agora, se os dados que confiamos a Yahoo, Microsoft, Amazon, Facebook ou Google estão armazenados no território norte-americano, eles estão regidos pelo direito norte-americano. A lei votada depois dos atentados de 11 de setembro, o Patriot Act, permite a qualquer governo norte-americano requisitar os arquivos e dados que julgar necessários. Os dados que entregamos a essas empresas vão parar na NSA.

Há uma mudança fundamental na regra da constituição dos lobbies que atuam nos Estados Unidos. O lobby da defesa mudou de perfil com as tecnologias da informação.

Sim. Antes se falava de um lobby militar-industrial. Havia, de fato, uma conjunção entre a indústria e os militares. Agora não. O lobby atual é entre os especialistas nestes arquivos, os técnicos em informática e os militares. Não somos conscientes da quantidade de informações privadas que fornecemos a cada dia aos operadores privados da internet. Por exemplo, no Facebook se publicam a cada dia 350 milhões de fotos. Ao cabo de dez dias, há 3,5 bilhões de fotos, e em cem dias 35 bilhões. O Facebook é hoje a maior base de imagens do mundo. É uma incrível quantidade de informações que fornecemos. O Google, por exemplo, é capaz de prevenir a epidemia de gripes no mundo só calculando a quantidade de pessoas que, em um determinado lugar, busca informação sobre os sintomas da gripe e como curá-la. Além disso, os custos desta tecnologia, de armazenamento, memória ou microprocessadores, são cada vez mais baixos. A NSA é perfeitamente capaz de armazenar todas essas informações e analisá-las com programas especializados, incluindo os e-mails que enviamos e recebemos.

Como você demonstra em seu livro “Sillicon Valle, vale dos predadores?”, tanto a espionagem como o dinheiro que Google ou Facebook ganham na internet provém de nossa...digamos, inocência.

O Vale do Silício é o vale do Big Data. Empresas como Google ou Facebook vivem dos dados que nós fornecemos. Com eles, tratam de saber quais são nossos centros de interesse e, a partir daí, nos enviam publicidades que correspondem a nosso perfil. Um portal como o Facebook vive da publicidade e fará todo o possível para saber mais coisas sobre nós e nossos amigos, para incitar-nos a publicar mais e mais coisas sobre nós. Uma vez obtidos esses dados, o que fazem é materializar essas informações sob a forma de publicidades. A essas empresas só interessam nossos dados, nossas informações, querem ampliar o campo da vida privada. Na verdade, não querem que o que dizemos pertença ao campo da vida privada, mas sim ao da vida pública.
O Facebook é capaz de identificar e classificar as pessoas em função de suas preferências por determinadas práticas sexuais ou por certas drogas. Isso é muito perigoso porque, em alguns países, há práticas sexuais que estão proibidas. Por conseguinte, a esses regimes políticos basta ir ao Facebook, fazer uma busca por idade, diplomas, zonas geográficas e práticas sexuais para encontrar as pessoas que queiram. Qualquer regime político tem acesso a todas essas informações. Em resumo, assistimos a um fichamento sexual, ideológico, político e religioso.

A Europa, neste terreno, é um mero aliado sem influência, um cliente menor. O que ocorreu com os europeus que ficaram dormindo, sem capacidade tecnológica alguma?

O império norte-americano utiliza as rotas da informação para captar as informações a fim de garantir sua segurança e, também, para a espionagem econômica ou industrial. E nós, como europeus, estamos na periferia do império norte-americano e, além disso, enviamos informações para ele. Fomos incapazes de criar o equivalente do Google, Facebook ou Apple para conservar essas informações na Europa. Todas as informações que os europeus produzem transitam pelos Estados Unidos. O império norte-americano controla 80% de tudo o que passa através da internet no mundo. Imagine! O Google conta com mais de um bilhão de usuários no mundo. E toda a informação produzida por esse bilhão de usuários passa pelos Estados Unidos. No plano militar ocorre o mesmo. Quando a França lançou a ofensiva contra os militantes islâmicos radicais em Mali teve que pedir respaldo norte-americano. Os Estados Unidos forneceram a França informação, radares e drones. Os exércitos da Europa dependem hoje das informações fornecidas pelos Estados Unidos. Os únicos que conseguiram desenvolver algumas tecnologias próprias são os chineses.

Texto retirado: CARTA MAIOR

Texto relacionado: Estamos sob vigilância

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Ministro do STF denuncia superestimação de penas

O ministro Ricardo Lewandowski afirma que, para garantir cadeia para réus como José Dirceu e José Genoino, o STF superestimou as penas impostas aos condenados por formação de quadrilha. Enquanto em crimes como corrupção ativa as penas foram majoradas de 15% a 20%, no de formação de quadrilha chegaram a inusitados 75%. “É uma desproporção inaceitável”, apontou o revisor.

Najla Passos

Brasília - O Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou a análise dos embargos declaratórios da ação penal 470, nesta quinta (5), da mesma forma que deu início ao julgamento do mensalão, em agosto do ano passado: cercado por contradições e incongruências que, por muitos anos, ainda irão assombrar a credibilidade da mais alta corte do país.

Uma das mais graves, sem dúvida, foi a denunciada pelo ministro revisor da ação, Ricardo Lewandowski: para garantir cadeia para os principais condenados, os ministros superestimaram as penas para o crime de formação de quadrilha, criando uma desproporcionalidade que avilta qualquer princípio de justiça.

Enquanto as penas para o crime de corrupção ativa foram majoradas de 15% a 20%, as aplicadas ao de formação de quadrilha variaram de 63% (caso do ex-presidente do PT, José Genoino) a 75% (no do ex-ministro José Dirceu). “É claro que isso ocorreu para superar a prescrição e impor regime fechado a determinados réus. (...) É uma desproporção inaceitável”, denunciou Lewandowski.

A majoração excessiva prejudicou também o ex-tesoureiro do PT, Delúblio Soares (63%), os três sócios da agência de publicidade identificada como operadora do esquema: Marcos Valério (75%), Ramon Hollerbach (63%) e Cristiano Paz (63%), e os diretores do Banco Rural, apontado como braço financeiro da quadrilha: Kátia Rabello (63%) e José Roberto Salgado (63%).

Por meio de tabelas distribuídas aos ministros, Lewandowski justificou a necessidade de revisão nos votos. Teori Zavascki, que havia apontado o problema na sessão da quarta (4), acompanhou o voto proposto pelo revisor. Dias Toffoli e Marco Aurélio Mello também. Os outros sete ministros mantiveram os votos originais e, portanto, o resultado não foi alterado.

Embargos infringentes
Embora a tese de Lewandowski tenha sido derrotada por 7 votos a 4 na sessão desta quinta, conseguiu quórum suficiente para reabrir a discussão do problema, caso a corte decida pela admissibilidade dos embargos infringentes, recurso que permite novo julgamento aos réus condenados com pelo menos 4 votos contrários. A decisão sobre os infringentes, entretanto, foi adiada para a próxima sessão, na quarta-feira (11).




Texto retirado: CARTA MAIOR

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Esqueçam o que escrevi, diriam os jornais

O livro “O Príncipe da Privataria”, de Palmério Dória, é uma lista extensa de pecados dos governos tucanos que jamais tiveram atenção do Ministério Público ou da Justiça. O jogo mais pesado foi feito para aprovar a reeleição de Fernando Henrique, parte de um projeto político verbalizado pelo então ministro Sérgio Motta de manter os tucanos no poder por 20 anos. Por Maria Inês Nassif

O livro “O Príncipe da Privataria”, de Palmério Dória, lançado na semana passada, tem a qualidade de ser memória. Dez anos passados do final dos governos de Fernando Henrique Cardoso, um processo do chamado Mensalão que tomou oito anos de generosos espaços da mídia tradicional e uma viuvez inconsolável da elite brasileira – alijada do principal poder institucional, o Executivo, por falta de votos populares –, jogaram para debaixo do tapete a memória do que foi o processo de privatização brasileira e a violenta concentração de riqueza nacional que disso resultou.

Foi quase como se a mídia tradicional brasileira e a elite “moderna” que ingressou no capitalismo financeiro internacional na era Collor-Fernando Henrique Cardoso tivessem tirado as palavras da boca do próprio FHC. “Esqueçam o que eu escrevi”, teriam dito jornais e emissoras brasileiras, se perguntadas por que subtraíram de si próprios o mérito de ter, pelo menos, jogado luzes sobre a pesada articulação do governo tucano para dar mais quatro anos de mandato a Fernando Henrique, e sobre os interesses que se acumulavam por trás de um processo de privatização que, no mínimo, e para não dizer outra coisa, foi viciado.

Na ponta do lápis, a aprovação da reeleição a R$ 200 por cabeça (denunciada pela Folha, com três confissões de venda documentadas em gravações obtidas pelo jornalista Fernando Rodrigues, e uma previsão de que, no total, pelo menos 150 parlamentares venderam também o seu voto) e os prejuízos de uma privatização que concentrou pesadamente renda privada no país, além de desnacionalizar setores estratégicos para o crescimento brasileiro, resultam em valores muito, mas muito mais expressivos do que o escândalo do Mensalão, que os jornais (com a ajuda de declarações e frases feitas de ministros do Supremo Tribunal Federal) cansam em dizer que foi o maior escândalo de corrupção da história do país.

Nos dois casos – do governo Fernando Henrique e no escândalo maior do governo Lula, o Mensalão – os jornais denunciaram. A diferença para os dois períodos, todavia, foi a forma como a mídia enxergou os desmandos. No caso da compra de votos para a reeleição, jornais e tevês consideraram satisfatória a ação da Câmara, que cassou o mandado de três parlamentares que confessaram, para o gravador oculto do jornalista Fernando Rodrigues, terem recebido dinheiro para votar a emenda da reeleição. Os escândalos relativos à privatização foram divulgados muito mais como denúncias de arapongagem – escutas ilegais feitas por inimigos do programa de doação do patrimônio público a consórcios formados com dinheiro do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social, fundos de previdência das estatais e capital estrangeiro (em menor volume, mas com direito a controle acionário), do que propriamente indícios de ilícitos do governo.

O fato de os jornais, revistas e tevês simplesmente terem apagado de suas memórias edições desses períodos não chega, portanto, a ser uma contradição. Ideologicamente, nunca houve uma proximidade política tão grande entre os meios de comunicação e um governo eleito democraticamente no país. O projeto tucano era também o projeto de modernização acalentado pela mídia tradicional: uma economia aberta ao capital estrangeiro, desregulada, obedecendo à máxima liberal de que o mercado é o melhor governo para os dinheiros. Nos editoriais da época, os jornais centenários brasileiros expressam a comunhão, com o governo, dos ideais de um Brasil moderno, neoliberal, fundado na ordem que já havia ganhado o mundo e subvertido o Estado de Bem-Estar social europeu, que foi o modelo mais longevo de capitalismo com justiça social do mundo (talvez tenha sido este um golpe mais duro para a esquerda democrática do mundo do que propriamente a queda do Muro de Berlim).

Com ressalvas para denúncias de desvios que foram colocados na categoria de “pontuais”, jamais como “sistêmicos” – como se repisa no caso dos escândalos dos governos petistas – a imprensa embarcou no discurso a favor de “reformas estruturais” que, ao fim e ao cabo, representavam extinguir conquistas sociais e garantias de soberania da Constituição de 1988. No final dos governos FHC, os editoriais lamentaram não a corrupção sistêmica, mas o fato de o Congresso (e não o governo) não ter cedido ao Executivo e aprovado as demais reformas, que consistiam em reformar a Previdência e reduzir garantias do trabalho. Enfim, acabar com a herança getulista, como havia prometido FHC.

Quando se tira a história debaixo do tapete, conclui-se também que os oito anos de governos FHC, mais os tantos anos que sobraram do governo Collor – que sofreu o impeachment em 1991 – e os anos em que o governo Itamar Franco esteve dominado por intelectuais ligados a FHC e Serra e economistas da PUC do Rio, usaram todos os recursos disponíveis na atrasada política tradicional com o propósito declarado de “mudar” o país. Qualquer oposição era jurássica e estava exposta ao ridículo: a elite “moderna” desprezava o que considerava ser subdesenvolvimento cultural das esquerdas.

O jogo mais pesado foi feito para aprovar a reeleição de Fernando Henrique, parte de um projeto político verbalizado pelo então ministro Sérgio Motta de manter os tucanos no poder por 20 anos. A compra de votos foi generalizada no período, segundo farto material produzido pela mídia tradicional. Não houve ação da Polícia Federal, do Ministério Público ou da Justiça contra as fartas evidências de que a aprovação da reeleição foi uma fraude, proporcionada por mais de 150 votos comprados a R$ 200 mil cada um, segundo reitera a fonte de Fernando Rodrigues à época, agora entrevistado por Palmério Dória para o “Príncipe da Privataria”.

Da mesma forma, os indícios de vícios graves na formação dos consórcios que viriam a comprar o sistema estatal de telefonia, fatiado pelo governo tucano, nunca foram objeto de uma preocupação mais séria por parte do Ministério Público, ou jamais sofreram a contestação de um Supremo Tribunal Federal que, na era petista, imiscuiu-se em todos os assuntos relativos aos demais poderes da República.

Em 1994, consolidou-se um bloco hegemônico em torno de um governo. MP, STF, polícias – todos tinham chefe. Era FHC, mas o principal partido político não era o PSDB, e sim os jornais – assim como hoje eles se constituem no principal partido de oposição. O que aconteceu de 2002 para cá é que a unidade em torno do governo não existe mais, mas a hegemonia das outras instituições se impõe sobre os poderes instituídos pelo voto. O bloco hegemônico é o mesmo, exceto pelo governo e pelo Congresso, que dependem do voto popular. A unidade se faz em torno da mídia – que nega o que escreveu na última década do milênio. Dois pesos e duas medidas viraram uso corriqueiro por este bloco. Por isso é tão simples cunhar frases do tipo “nunca houve um governo tão corrupto” para qualquer um posterior ao período tucano, que vai de 1995 a 2002. E por isso esta simplificação não pode ser pedagógica: não reconhecer que há uma corrupção estrutural no sistema político é uma forma de mantê-lo inalterado. E, quando um presidente do bloco hegemônico for eleito, poderá usar esse sistema político atrasado, com o pretexto de “modernizar” o país, pagando o preço que ele cobrar.

Texto retirado : CARTA MAIOR

terça-feira, 3 de setembro de 2013

“Superpotência moral”? Dá um tempo.

É impossível afirmar que os Estados Unidos, país responsável pela maior parte do derramamento de sangue desde a Segunda Guerra Mundial na Ásia, América do Sul, Afeganistão e Iraque, seja dirigido por considerações morais. O ataque a Síria seria um Iraque II. Os EUA – que nunca foram punidos pelas mentiras do Iraque I e pelas centenas de milhares de mortos em vão nessa guerra - dizem que uma guerra similar deveria ser lançada. Mais uma vez, uma cortina de fumaça. 
 

Por Gideon Levy.


Um exercício de honestidade (e de duplo padrão de julgamento): o que aconteceria se Israel usasse armas químicas? Os Estados Unidos também afirmariam que iriam atacar? E o que aconteceria se os Estados Unidos mesmo tomasse essas medidas? É verdade, Israel jamais usaria armas de destruição em massa, embora as tenha em seu arsenal, exceto sob circunstâncias extremas. Mas o país já usou armas proibidas pelo direito internacional – fósforo branco contra a população civil em Gaza, bombas de fragmentação no Líbano – e o mundo não levantaria o seu dedo. E seria preciso poucas palavras para descrever as armas de destruição em massa usadas pelos Estados Unidos, das bombas nucleares no Japão ao Napalm no Vietnã.

Mas a Síria, é claro, é um outro assunto. Afinal de contas, ninguém pode seriamente pensar que um ataque a Síria sob o regime do Presidente Bashar Assad repousa em considerações morais. 100 000 mortos nesse país infeliz não convenceram o mundo a se coçar para tomar uma atitude, e apenas o informe da morte de 1400 por armas químicas – o qual não foi provado de maneira conclusiva – está persuadindo o exército da salvação mundial a agir.

Tampouco alguém poderia suspeitar que a maioria dos israelenses que apoiam o ataque – 67% de acordo com a pesquisa encomendada pelo jornal Israel Hayom – são motivados pela preocupação com o bem estar dos cidadãos sírios. No provavelmente único país do mundo em que uma maioria da opinião pública apoia um ataque, o princípio que o orienta é completamente estrangeiro: ataque aos árabes; não importa por que, apenas o quanto – muito.

Ninguém pode seriamente pensar que os Estados Unidos é uma “superpotência moral”, como Ari Shavit o definiu nas páginas deste jornal O país responsável pelo maior derramamento de sangue desde a Segunda Guerra Mundial – alguns falam em algo como 8 milhões de mortos em suas mãos – no sudeste da Ásia, na América do Sul, Afeganistão e Iraque – não pode ser considerado “uma potência moral”. Nem o pode o país no qual um quarto dos prisioneiros do mundo estão encarcerados, em que o percentual de prisioneiros é maior do que na China e na Rússia; e onde 1342 pessoas foram executadas – cumprindo pena de morte – desde 1976.

Até a afirmação de Shavit, de que “A nova ordem internacional que emergiu após a Segunda Guerra Mundial foi pensada para assegurar...que o cenário de horror e morte por gás não se repetisse” está desconectado da realidade. Na Coréia, no Vietnã, no Camboja, em Ruanda e no Congo, assim como na Síria, essa afirmação infundada pode somente causar um sorriso azedo.

O ataque assim seria um Iraque II. Os Estados Unidos – que nunca foram punidos pelas mentiras do ataque Iraque I e pelas centenas de milhares de mortos em vão nessa guerra - dizem que uma guerra similar deveria ser lançada. Mais uma vez, uma cortina de fumaça, com evidência parcial, e com linhas vermelhas traçadas pelo próprio presidente Barack Obama, e agora ele é obrigado a manter a sua palavra. Na Síria, uma guerra civil cruel se aproxima e o mundo deve tentar barrá-la; o ataque americano não fará isso.

Informes da Síria são aparentemente sobretudo tendenciosos. Ninguém sabe o que exatamente está acontecendo, ou a identidade dos mocinhos e dos bandidos, se assim podem eles ser definidos.

Devíamos escutar as sábias palavras de uma freira da Síria, a Irmã Agnes-Mariam de la Croix, que se queixou para mim, ao longo do fim de semana – do mosteiro em Jerusalém onde ela estava ficando, a caminho de volta da Malásia para a Síria – a respeito da imprensa mundial. A Irmã Agnes – Mariam descreveu o quadro de maneira diferente da maior parte da imprensa. Há uns 150 000 jihadistas na Síria, ela diz, e eles são os responsáveis pela maior parte das atrocidades. O regime de Assad é o único que pode barrá-los, e a única coisa que o mundo deve fazer é parar de fornecer-lhes militantes e de armá-los. “Eu não entendo o que o mundo quer. Ajudar a Al-Qaeda? Criar um estado jihadista na Síria?”.

Essa madre superiora, cujo mosteiro está localizado numa via que vai de Damasco a Homs, está certa de que um ataque americano só fortalecerá os jihadistas. “É isso o que o mundo quer? Um outro Afeganistão?”.

Talvez o mundo saiba o que quer, talvez não. Mas uma coisa agora parece clara: um outro ataque dos Estados Unidos poderá se tornar um outro desastre.

Tradução: Katarina Peixoto

Texto copiado de : CARTA MAIOR