quarta-feira, 26 de março de 2014

Água: um bem comum

Nada como um verão tórrido e seco, como este de 2014, para a gente pensar na bendita água. Isto é particularmente relevante para São Paulo e Rio de Janeiro

Cândido Grzybowski (*)

A água bem merece um dia seu no nosso calendário, o 22 de março. Este reconhecimento só se deu em 1993, após a Eco-92. No fundo, deveríamos celebrar a água todos os dias, o dia inteiro. Mas só lembramos dela na sua falta ou no seu excesso. Quem vive em territórios áridos ou semiáridos, dada a sua relativa escassez, organiza a vida em torno à água. No Brasil, isto vale para a grande Região Nordeste, que possui 30% da população brasileira e só 3% da água. São seculares as secas no Nordeste, tanto quanto a nossa incapacidade de gerir a questão. Afinal, no nosso semiárido até chove mais do que na Argélia, por exemplo. Por que, com mais água, nosso povo sofre tanto?

Açudes, represas e poços foram feitos ao longo do tempo para estocar água, mas muito investimento acabou sendo privatizado pelo nosso secular patrimonialismo, que beneficia sistematicamente os grandes proprietários de terras. Mas, há que se reconhecer, é no Nordeste rural que, nos anos recentes, se desenvolve a experiência participativa mais promissora de gestão da água: a Articulação do Semiárido Nordestino, com a experiência de construção comunitária de cisternas familiares coletoras de águas das chuvas, já mais de 500 mil.

Nada, porém, como um verão tórrido e seco, como este de 2014, para a gente pensar na bendita água. Isto é particularmente relevante para as duas maiores regiões metropolitanas do Brasil, São Paulo e Rio de Janeiro. Para milhões de pessoas a água faltou nas torneiras e chuveiros. As notícias e as imagens alarmantes de represas vazias e o inevitável racionamento, especialmente em São Paulo, apavoram. A enorme estiagem significa também reservatórios hidrelétricos no limite e possibilidade de falta de eletricidade logo aí. Enfim, é a água mostrando que está nas nossas vidas mais do que a gente pensa.

Mas também esquecemos. Estamos vendo imagens de enormes inundações na Região Amazônica. Como seria bom se tanta água fosse melhor distribuída. No entanto, esquecemos que em dezembro, alguns meses atrás, as inundações foram aqui na Região Sudeste. A Baixada, na área metropolitana do Rio, foi devastada por duas enxurradas antes do Natal. O pior aconteceu no Espírito Santo, que quase virou mar. Bem, agora a seca. Será que isto tudo são catástrofes? Ou não sabemos lidar com a água? 

A água e a vida

Não existe vida sem água. E a água mal gerida por nós pode significar morte. É tão simples e trágico assim! A água ocupa um dos lugares centrais no ciclo da vida e do conjunto de sistemas ambientais que regulam a vida, o clima e a própria integridade do planeta Terra.

A água é tão presente no nosso cotidiano que a gente só lembra dela quando falta. É como o ar que respiramos, nunca pode faltar. Mas como somos negligentes com a água! Esperamos que ela flua, venha até nós e passe, pronto. Esquecemos que sem ela não há vida, nenhuma vida. No nosso modo de vida, ainda mais em grandes metrópoles, vivemos um cotidiano sem pensar na água, como se não fosse algo relacionado a uma condição vital, que deveria estar no centro da própria organização social urbana.

Como recurso natural, a água é um estoque dado, uma quantidade na natureza de tamanho determinado: 97,5% da água forma os mares, mas só uma pequeníssima parcela da água doce restante é disponível para consumo, pois muita água está congelada ou armazenada no alto de cordilheiras e na Antártica (O GLOBO, 2014, P.14). A água doce seria suficiente não fosse a forma predatória como a utilizamos. Ela se mantem e renova num ciclo ambiental definido: dos estoques em aquíferos flui para nascentes, córregos, riachos, rios e deságua no mar, evapora, forma nuvens, chove, irriga a terra e alimenta os aquíferos, e o ciclo recomeça. Isto, de um modo simplificado, mostra o funcionamento de um dos sistemas mais essenciais e, ao mesmo tempo, mais ameaçados hoje em dia, que está no centro das mudanças climáticas. A água é um sistema ambiental complexo, que afeta outros sistemas fundamentais e é por eles afetado: atmosfera e clima, biodiversidade e florestas, oceanos e evaporação. A água fresca, tão essencial, como estoque dado, precisa se renovar no seu ciclo natural.

São afetados e interagem com a água, condicionando, portanto, a vida, toda a vida, mudanças provocadas pela ação humana sobre o meio ambiente: as mudanças climáticas, a acidificação dos oceanos, as emissões de aerosol e o buraco de ozônio, o uso da terra, a perda da biodiversidade, a composição química do meio ambiente (poluição). Hoje a humanidade é uma força que afeta o funcionamento do conjunto dos sistemas ambientais vitais, ultrapassando os umbrais do tolerável para que eles funcionem e não provoquem mudanças imprevisíveis e irreversíveis.

Tomando o exemplo da água, precisamos pensar como formamos o nosso habitat humano, os territórios em que nos organizamos como sociedade. Talvez o exemplo mais emblemático dessa distorção seja o da água mesmo. As águas, pelo seu próprio ciclo, são complexos sistemas de drenagem com suas bacias hidrográficas. Elas estão no centro natural de territórios de todo planeta. No entanto, ao longo da história, tendemos a transformar as bacias em fronteiras humanas, ao invés sistemas naturais integradores. Quantos rios no mundo não passam de fronteiras entre países! E pior, mesmo no interior de Estados, muitos rios e baciais são fronteiras naturais entre divisões territoriais, chegando até a pequenas unidades administrativas, como os municípios entre nós.

Enfim, neste exemplo sobre a água é possível examinar a tragédia que a ação humana pode provocar. Estamos diante de uma ruptura insustentável entre humanidade e natureza, isto na religião, na filosofia, na economia, na política, na organização social e no conjunto de nossas práticas pela sobrevivência. Negamos a nossa própria condição de natureza e nos consideramos acima dela, feitos para dominá-la, para violar os seus segredos, segundo Bacon. Agredimos a natureza sem ética, como que negando a ela o direito de ser o que é. O desastre está na nossa porta. A ruptura entre natureza e seres humanos é a causa da insustentabilidade do modo de vida que temos. A água é o exemplo mais palpável.

A crise mundial da água

Já estamos vivendo a crise mundial da água, mas fazemos de conta que não. A humanidade é a principal causa de mudança no ciclo de água fresca, que torna possível a vida no planeta Terra. Hoje, estima-se que 80% dos rios no mundo estão em perigo e 25% deles chegam secos antes de desaguar no mar, o que se soma ao fato de já termos passado do limite natural na acidificação dos oceanos (RISILIANCE ALLIANCE, 2012). Nunca é demais lembrar aqui a tragédia do rio Jordão, no centro da guerra territorial entre Palestina e Israel, que chega seco ao mar Mediterrâneo devido ao uso intenso de suas águas para irrigação pelos israelitas. A antiga União Soviética, devido ao intenso uso agrícola, secou um imenso lago na Europa Central.

Segundo Maude Barlow, do Council of Canadians, a cada dia jogamos de esgoto e de resíduos industriais e agrícolas no sistema mundial de águas o equivalente ao peso mundial de toda a população humana (2 milhões de toneladas). A indústria de mineração no mundo deixa nos territórios, como veneno, o equivalente a cerca de 800 trilhões de litros, a cada ano. Estima-se que um terço de todo o fluxo de água é usado hoje para a produção de agroenergia, água suficiente para satisfazer a necessidade de toda a população mundial. Por isto, a água é uma das maiores ameaças ecológicas para a humanidade. A água contaminada mata mais crianças por dia do que HIV-AIDS, malária e as guerras juntas (BARLOW, 2010).

Não falta água, nós é que criamos a escassez de água pelo modo com que a usamos. Devido a escassez criada, a água se transformou num negócio global. Por que? Para que? Nada mais emblemático do absurdo do negócio da água do que o trágico acidente no grande túnel de passagem entre Itália e França no Mont Blanc, anos atrás. O acidente foi provocado por dois caminhões... carregados de água, um da Itália para a França e outro da França para a Itália! 

Estamos diante de um eminente risco da água virar mais uma commodity, de ser transformada em um produto comercializável, que se adquire pelo preço determinado de quem a explora. Aliás, isto é precisamente o que está sendo proposto sob o belo nome de economia verde e sustentável, que estende o domínio do capitalismo e dos mercados a toda a natureza e seus chamados “serviços”. Está em jogo o próprio direito de viver. Cobrar taxa para que a água jorre na torneira de casa, um direito fundamental, já é discutível. Mas ter que pagar pelo monopólio privado da água é estar submetido a uma violação absurda de um direito básico. 

A gradativa escassez gerada e a mercantilização da água afetam tudo na vida humana e na natureza: a diversidade de culturas humanas, a biodiversidade natural, o alimento, a segurança ecológica e o funcionamento dos sistemas ambientais, que vão do sequestro de carbono da atmosfera, da resiliência dos sistemas aquáticos e terrestres, à regulação do clima. A água, num certo sentido, resume nela a crise do desenvolvimento que temos, que produz luxo e lixo ao mesmo tempo, tudo em nome da acumulação de riquezas.

As lutas pela água

Neste final de verão e início de outono, entre tantas questões que alimentam as inquietações do nosso cotidiano, surgiu a questão do uso das águas do rio Paraíba do Sul. Com nascentes em São Paulo, mas correndo em direção ao Nordeste, sendo o principal rio e atravessando todo o Estado do Rio de Janeiro, suas águas viraram uma controvérsia federativa. Com falta de água, São Paulo quer interligar a bacia do Paraíba do Sul ao sistema Cantareira, que abastece a Grande São Paulo, hoje sob ameaça de “estresse” hídrico. Sem entrar nos meandros técnicos, o fato soa como uma ameaça, uma guerra federativa. Por que? Não desenvolvemos uma cultura de gerir nossas águas como um bem comum.

A água já está no centro de importantes conflitos sociais pelo mundo. A lista de exemplos é longa. Basta lembrar alguns. Além da disputa do rio Jordão entre Palestina e Israel, importa lembrar aqui a questão do Tibet, ocupado militarmente pela China por causa exatamente da água, pois os dois grandes rios chineses são abastecidos naturalmente pelo degelo das montanhas do Himalaia. Em 2000, devido à tentativa de privatização do abastecimento de água em Cochabamba, na Bolívia, explodiu a guerra popular pela água, obrigando o governo a rever a sua decisão. Na Índia, alastrou-se um grande movimento contra a Coca-Cola, devido ao crescente controle dessa multinacional de refrigerantes de fontes naturais de água fresca, logo num país onde a água não é exatamente abundante. Cabe lembrar que a Coca-Cola usava 3 litros de água fresca para produzir 1 litro de seu refrigerante. Foi em Mumbai, na Índia, em 2004, durante o Fórum Social Mundial, que a comercialização da Coca-Cola foi proibida no espaço de realização do evento. Talvez isto tenha ajudado a empresa a adotar práticas um pouquinho mais responsáveis, pois em 2009, conforme publicação da própria empresa, se consumia 2,04 litros de água para cada litro de produto (COCA-COLA, sd). 

Mas a água não é só disputada pelo seu consumo imediato. Ela representa complexos sistemas, que muitas vezes são agredidos em nome do desenvolvimento. No momento, é possível ver isto na questão que envolve a construção das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, e de Belo Monte, no Xingu. O uso da água para gerar energia elétrica é uma forma de extrativismo agressivo social e ambientalmente, apesar de ser contabilizada como energia limpa nas estatísticas do país. Para construir hidrelétricas é preciso agredir o rio e o que ele significa para a população que vê no rio agredido uma parte fundamental de seu território e seu modo de vida. Na bacia do Xingu vivem importantes povos indígenas, com seu direito ao território reconhecido em nossa constituição democrática.

Interessante lembrar aqui o caso de Itaipu, hidrelétrica construída pela ditadura nos anos 70 do século passado. O Rio Paraná, em Itaipu, é fronteira entre Paraguai e Brasil. Para usá-lo na produção de energia foi importante um acordo que divide ao meio, entre os dois países, a energia produzida. Mas como ficou a população a ser “inundada”? Eram milhares de pequenos produtores familiares só do lado brasileiro. O processo de exclusão da área foi feito à força, com indenizações que não garantiam a reprodução das mesmas condições de vida em outro lugar. Surgiu, então, o movimento dos atingidos por barragens e, dado que havia sem-terra, o MST tem uma da origens por lá. Acontece que ninguém pensou nos índios Guaranis, ocupantes ancestrais de todo o território. Só depois, muito depois, é que a questão mereceu atenção e foram cedidos territórios específicos para os Guaranis. Mas o interessante é como a questão da água do rio mudou no decurso do tempo. Usina hidrelétrica depende de água como qualquer ser vivo. O Oeste do Paraná é uma das áreas de maior intensidade de exploração agrícola e pecuária intensiva. O assoreamento do lago de Itaipu avançava espantosamente.

Foi por iniciativa da própria Itaipu que, desde 2003, se desenvolve o exemplar programa “Cultivando Água Boa”, de sustentabilidade das águas e do modo de vida dos municípios brasileiros do entorno. Á água, ontem agredida e usada como mero recurso, hoje é cuidada, das microbacias dos rios, que alimentam o lago, ao alimento orgânico produzido para as escolas da região.

Enfim, existem conflitos sociais porque a água é de algum modo ameaçada como bem comum, que está aí no centro de toda a vida. O aprisionamento da água para o seu uso privado, para a sua mercantilização direta ou na forma de minérios, energia, insumo na produção agrícola e industrial, é o que a torna escassa e motivo de disputa. Na verdade, hoje em dia, todos os conflitos de água se referem a territórios específicos, territórios entendidos como as condições dadas, as naturais e as criadas pela ação humana passada, e os modos de vida atuais que os organizam. Aí a água pode ser tratada como um mero recurso natural, na visão de empresas e, muitas vezes, governos, ou como um bem essencial à própria vida de quem aí vive. A disputa, simplificadamente, é entre tais visões diametralmente opostas.

A Água como bem comum

Aqui é essencial destacar a água como bem comum fundamental da vida, de toda vida. Os bens comuns, ou simplesmente comuns, são parte intrínseca da integridade das condições de vida de todos e todas. São bens comuns: o próprio planeta Terra, a atmosfera (o ar e o clima), o espaço sideral (órbitas geoestacionárias) e o espectro de ondas (para frequências de comunicação), a biodiversidade, as terras férteis, as montanhas, os oceanos, os rios, as águas....Bens que existem em um estoque dado. São também comuns bens produzidos como a língua e a cultura, o conhecimento, a informação, a internet... , todos bens que se multiplicam e se enriquecem com o seu uso humano. A cidade, como um conjunto coletivo, é um bem comum, convivendo com propriedades privadas de casas, apartamentos, casas comerciais e de serviços, indústrias, em seu interior. Nenhum bem é comum por si, torna-se comum, faz-se comum pelas relações sociais (ver: VIEIRA, 2012; HELFRICH et alii, 2009; GRZYBOWSKI, 2011).

O que faz um bem ser comum é o indispensável compartilhamento e o necessário cuidado. A percepção da necessidade de compartilhar e cuidar de certos bens leva os grupos humanos a se organizar e a tratá-los como comuns. Por isto é que socialmente se criam bens comuns. Voltar a tornar comum o que foi privatizado está no centro de muitas indignações e insurgências pelo mundo. O caso da água é um dos mais evidentes e emergentes hoje em dia. A água só é garantida de fato quando tratada como bem comum. No Fórum Social Mundial, ainda na primeira edição em 2001, em Porto Alegre, começou a se formar a rede mundial do direito à água como bem comum, uma das maiores redes de cidadania no mundo. Na luta contra a privatização e pela volta a formas de tratar a água como bem comum vale lembrar aqui os casos de Roma e de Paris, hoje com o abastecimento de água sob a gestão da municipalidade e sob controle direto cidadão.

Ser comum é ser um direito coletivo. Não é uma questão de propriedade. Não é “de ninguém”, mas de todos. Não é só ser público que garante ser de todos. O ar é comum porque é de todos, mas é difícil imaginá-lo público ou, ainda mais difícil, privado. A rua é comum porque pública, também de todos, mas temos experiências de sobra sobre a sua privatização, com cancelas e guardas armados. A água é um direito coletivo porque comum, só que pode ser privatizada na medida em que pode ser aprisionada. Não é automático que a gestão pública da água a trate como um bem comum, mas estar sobre gestão pública muda a natureza do conflito pelo direito coletivo à água.

O privado é o que é controlado privadamente, segundo interesses particulares. O que é público, controlado ou não pelo Estado, deve atender a interesses coletivos, de todas e todos. Mas para isto necessariamente precisa ser visto e tratado como um comum, um direito igual de todos e todas da coletividade. Só a cidadania em ação pode garantir o caráter comum de um bem. A água merece ser mais do que uma tragédia, por sua falta ou excesso. Está no hora de instituirmos publicamente a água como um bem comum. Não esqueçamos que somos gestores de 12% da água doce do mundo!

Para finalizar

Toda a minha análise sobre a água tem como referência o indispensável tratamento que devemos a ela como um bem comum vital. Devemos trazê-la para a agenda pública, para o centro da ação cidadã. Não vamos conseguir enfrentar nossos problemas de justiça social e ambiental sem resgatar a água do seu aprisionamento como recurso na produção e como mercadoria rara por agressivas forças privatizantes. Mas não vamos progredir muito sem lutar para que o Estado garanta o caráter comum da água, como bem a ser compartilhado entre todos e todas, sem discriminações e exclusões.


(*) Sociólogo, diretor do Ibase

(**) Este artigo é uma adaptação e atualização de palestra do autor no Seminário “Sustentabilidade – Múltiplos Olhares: Água e Saneamento & Resíduos Sólidos”, organizado pelo Museu Ciência e Vida, Fundação CECIERJ, Duque de Caxias, 07/11/2012.

Referências

• BARLOW, Maude. “Every now and then in history, the race takes a collective step forward in ist evolution”. On the Commons. 2010 (Disponível em: <http://onthecommons.org-commons-future-already-here>. Acesso em 15 out 2012)

• COCA-COLA Brasil. Guia de Sustentabilidade. sd

• GRZYBOWSKI, Cândido. Caminhos e descaminhos para a biocivilização. Rio de Janeiro, Ibase, 2011 (Disponível em <http://www.ibase.br/pt/wp-content/uploads/2011/08/Caminhos-descaminhos.pdf>

• HELFRICH, Silke et alii. Biens Communs – La prospérité par le partage. Berlin, Heinrich Böll Stiftung, 2009.

• O GLOBO. Amanhã. Rio de Janeiro, 11/03/2014

• RESILIENCE ALLIANCE. Planetary Boundaries: exploring the safe operatin space for humanity. Ecology and Society. London, v.14 (Disponível em <www.ecologyandsociety.org/vol14/art32> Acesso em 15 out 2012)

• VIEIRA, Miguel Said. Bens comuns intelectuais e bens comuns globais: uma breve revisão crítica. São Paulo, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 2012.

Texto original: CARTA MAIOR

segunda-feira, 24 de março de 2014

Paul Krugman e Banco Mundial sobre o Brasil apesar da sonegação

O Nobel de economia, Paul Krugman, na abertura do Fórum Brasil em São Paulo, destacou a visível e duradoura vitalidade de nosso parque econômico.

José Carlos Peliano (*)

A semana passada foi especialmente rica em declarações sobre a economia brasileira. De 17 a 21 de março fontes insuspeitas e diferenciadas apontaram pelo menos dois pilares que sustentam o desempenho do país e, apesar disso, um vírus que tenta desarticular as contas públicas. Tudo isso a mercê dos vendavais que vira e mexe sacodem as expectativas, as previsões e as manchetes.

De início, o Nobel de economia, Paul Krugman, na abertura do Fórum Brasil em São Paulo, destacou a visível e duradoura vitalidade de nosso parque econômico. Este o primeiro pilar de sustentação. Contrariamente aos arautos oposicionistas de catástrofes iminentes, registrou em especial a capacidade de adaptação da economia brasileira aos trancos e barrancos da crise mundial e às opções e aos rumos seguidos pelo mercado interno. Chamou-lhe a atenção em particular a flexibilidade demonstrada pela política econômica e pela economia em responder aos cenários negativos. E se sair bem.

Enumerou o economista americano três vantagens em relação às demais economias em crise que não se recuperam mesmo em cenários de juros baixos e inflações no chão tampouco conseguem estimular investimentos. 

A primeira vantagem é a nossa menor exposição aos riscos cambiais por conta de uma dívida externa levada a rédeas curtas. E de uma reserva cambial sólida e crescente. O lado externo, portanto, não assusta mais como em décadas anteriores.

As duas vantagens complementares são a inflação controlada e a política fiscal bem administrada. De fato, esses pilares econômicos têm mantido nosso país resistindo a ataques especulativos, a reduções de exportações e a pressão de importações. O lado interno vira gente grande em contraste com administrações federais de períodos passados.

O único senão anunciado por Krugman foi a dinâmica econômica da China cujo motor pode eventualmente desacelerar mais e afetar negativamente nossa pauta de exportações de commodities. E daí conturbar a balança de pagamentos. Enquanto a economia mundial não voltar a crescer, todo o cuidado com a expansão chinesa é pouco. No mais, segundo ele, pista livre para os motores de nossa indústria, serviços e agricultura permanecerem ligados e operando nos limites de suas capacidades.

Nessas condições, portanto, o lado econômico de nosso país caminha bem e ainda com fôlego para continuar roncando motores pelas pistas mesmo experimentando terrenos difíceis e muitas vezes velocidades menores. Mas ainda assim à frente dos motores em ritmo de tartaruga da maioria das demais economias. 

E o lado social? O lado social igualmente vai indo bem e com bons resultados. Este o segundo pilar de sustentação. Repisando caminhos anteriores, o Brasil conseguiu reduzir marcadamente a desigualdade nos últimos 10 anos. Um dos elementos fundamentais dessa conquista foi a retirada de famílias da pobreza para inserção nos mercados de trabalho e consumo. Intento sem precedentes na histórica econômica do país e sem comparação no mundo moderno.

Esse intento foi lembrado também na semana anterior quando ocorreu o lançamento no Rio de Janeiro do Fórum de Aprendizagem Sul-Sul sobre política social. Ministros de 70 países, cerca de 200 responsáveis de políticas públicas e mais peritos internacionais participaram do evento intitulado Mundo Sem Pobreza. A ideia é de viabilizar um Portal Virtual para a obtenção de informações sobre programas e projetos para a redução da pobreza e da desigualdade social.

Apoiado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Banco Mundial, o encontro destacou-se pela apresentação da experiência brasileira com o Programa Bolsa Família que conseguiu viabilizar a entrada na sociedade de consumo de cerca de 50 milhões de pessoas possibilitando melhoria de renda e obtenção de trabalho. 

A ministra de Solidariedade Social de Djibouti destacou ser a ferramenta virtual um dos instrumentos mais importantes para a construção de sistemas de proteção social. Já a diretora do Banco Mundial no Brasil, Deborah Wetzel, afiançou ter sido oferecida uma oportunidade para acelerar e expandir as lições de aplicação de política social no país.

Por fim, a menção ao vírus completa os destaques da semana anterior, quando o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), através da campanha “Quanto custa o Brasil para você?”, divulgou que em quase 100 dias neste ano o país perdeu cerca de R$ 106 bilhões com a sonegação de impostos. Muito dinheiro fora dos cofres públicos que ficou nos caixas de empresas e bolsos dos cidadãos.

O tamanho da sonegação, o Sonegômetro, placar que registra o quanto de tributos devidos não chega aos cofres públicos pelo recolhimento dos contribuintes (pessoas físicas e jurídicas), calculou que em 2013 o total atingiu cerca de R$ 415 bilhões, o que representa perto de 8,6% do PIB.

Argumenta o sindicato com razão que o dinheiro sonegado, que poderia vir a ser investido na saúde ou educação, sai pelo ralo e perde uso coletivo. A administração pública não consegue ir atrás dos grandes devedores sacrificando assim cada vez mais os pobres e a classe média.

Dos três eventos citados acima sobre o desempenho da economia brasileira fica a lição: apesar dos sonegadores minarem os cofres públicos, ao reduzir os recursos que poderiam ser aplicados em ampliação de programas sociais e reforços de gastos de custeio e de investimentos, o país segue economicamente seguro e socialmente responsável. Cumpre bem seu papel entre os países emergentes e dá lição de competência na administração econômica e na proteção social. Mas como santo de casa não faz milagres, é preciso que os de fora tratem o país como gente grande, exemplo a ser referenciado e parceiro confiável.

Imagine se o sonegômetro viesse a registrar valores menores de ano a ano, a economia brasileira continuasse a resistir à crise mundial e a desigualdade social mostrasse uma cara menos sofrida e mais saudável? Com certeza teríamos condições seguras e razoáveis de pensar em nos mostrarmos ao mundo como sociedade mais justa e igualitária e nação mais forte e exemplar.

Texto original: CARTA MAIOR

quinta-feira, 20 de março de 2014

O ANO QUATORZE


(Revista do Brasil) - Desde a criação do calendário, pelos sumérios, há quatro mil anos, o desenrolar dos acontecimentos deixou de depender exclusivamente do acaso, para incluir feriados e eventos religiosos e políticos que passaram a datar e servir de palco para a história.

O Brasil, neste décimo quarto ano do milênio, contará com dois grandes marcos desse tipo: a Copa do Mundo e as eleições de 2014.

Eles contribuirão para chamar ainda mais a atenção da população mundial para um país que já é importante, por si só, globalmente. Com todos os nossos problemas, e o complexo de vira-lata de amplos setores da sociedade brasileira, somos o quinto maior país em território e população, o segundo maior exportador de alimentos, a sétima economia e o terceiro maior credor individual externo dos Estados Unidos.

Tudo isso obriga não apenas a que o Brasil não possa ser ignorado, mas faz, também, com que nosso país seja cobiçado, e esteja sendo ferrenhamente disputado, nos mais variados aspectos da economia e da geopolítica, pelos principais blocos, nações e empresas do mundo.

O crescimento da dimensão política e econômica da Nação, nestes primeiros anos do século XXI, transformou o Brasil na bola da vez de uma permanente batalha, entre espoliação e independência, o modelo que prevaleceu nos últimos 200 anos - e outras visões de mundo, voltadas para a busca de caminhos alternativos para a construção do desenvolvimento econômico e social da humanidade.

As antigas potências coloniais e neocoloniais, que lutam para manter nosso país, ou amplos setores dele, sob sua influência, sabem que esse embate se dará, na economia, na política, na comunicação, e tem plena consciência do que esta em jogo, no Brasil, neste ano.

Na economia, e de se esperar, que elas reforcem, nos próximos meses - sempre com a dedicada ajuda da grande mídia - o discurso de esvaziamento da importância econômica do Mercosul; de valorização de mitos neoliberais como o da Aliança do Pacífico; de fragilidade dos fundamentos de nossa macro economia; da existência de um suposto protecionismo brasileiro, teoricamente responsável pela diminuição de nosso percentual de participação no comércio mundial - para o qual só haveria um remédio - estabelecer rapidamente acordos de livre comércio com os países mais ricos.

Essa é a estratégia que deverá ser aprofundada nos próximos meses. Pressionar o país permanentemente, apresentando cada eventual percalço como fruto de um suposto afastamento, no sentido econômico e político, do Brasil com relação aos países “ocidentais”.

Assim, enquanto a mídia - nacional e internacional – distrai determinadas parcelas da opinião publica, com alertas sobre a Argentina, Nicolás Maduro e a “bolivarianização” do Brasil e do Mercosul, os EUA e a Europa aproveitam para avançar sobre nosso mercado interno, aumentando, como fizeram em 2013, seus superávits em 50% e 1.000%, respectivamente, para 11,4 e 5,4 bilhões de dólares.

As potencias ocidentais e aos seus prepostos não interessa divulgar que elas diminuíram quase que na mesma proporção suas importações de produtos brasileiros no ano passado.

Como não é conveniente ressaltar, também, o fato de que, no comércio com países “bolivarianos”, como a Venezuela e a Argentina, tivemos um superávit somado de mais de 10 bilhões de dólares em 2013, sem o qual teríamos tido um enorme deficit balança comercial.

O mesmo esforço, de distorção e manipulação, continuará ocorrendo, neste ano, com a “glamourização”, da Aliança do Pacífico, pseudo organização fomentada pelo México com a ajuda dos EUA e a Espanha, como a última limonada do deserto em termos de associação comercial. A situação real da AP é tão boa, que seu maior expoente - justamente o país de Zapata – teve um crescimento de 1,2% no ano passado, menos da metade dos 2,5% estimados, no mesmo período, para o Brasil.

Obedecendo á mesma estrategia, os meios de comunicação europeus e norte-americanos - secundados pela mídia conservadora brasileira e latino-americana - subirão o tom de sua campanha contra os BRICS, aproveitando momento em que o Brasil ocupa a Presidência de turno, e organiza, como anfitrião, a Cúpula Presidencial que reunirá os lideres do Brasil, Índia, China e Africa do Sul, em Brasilia, em junho deste ano.

Naturalmente, como ocorre com o nosso comércio com países como a Venezuela, a grande mídia devera ocultar ou relativizar a informação de que, nos últimos 12 meses, além do Mercosul, foi também para a China, e não para os países ocidentais, que aumentamos fortemente nossas exportações, em 10,4%, e nosso superávit, para quase 9 bilhões de dólares.

Considerando-se o que estão ganhando por aqui, e natural que aumentem, também neste ano, as pressões favoráveis a uma rápida assinatura de um Acordo Comercial entre o Brasil – com ou sem Mercosul – e a União Européia, o que abriria as portas para futuro entendimento desse tipo com os próprios EUA.

Essa é uma hipótese que o Brasil terá que analisar sem pressa e com todo o cuidado. Somadas as remessas de lucro, estimadas em 24 bilhões de dólares em 2013, e o déficit de 26 bilhões no comércio exterior, apenas com a Europa e os EUA, já estamos contribuindo - sem ter assinado ainda esse acordo de livre comércio - com uma sangria de meia centenas de bilhões de dólares por ano para ajudar as potências ocidentais a enfrentar a crise em que se encontram.

Se compararmos esses 50 bilhões de dólares, com um ganho quase equivalente obtido pelo Brasil no comércio com países emergentes - principalmente América Latina, Caribe, BRICS e Mercosul - fica fácil perceber quem está nos espoliando, e com que tipo de parceiros é interessante nos associarmos, prioritariamente, no futuro.

Como está ficando difícil, para quem não abdica de continuar explorando, do jeito que puder, nossos recursos e mercado, colocar no poder governos direta e assumidamente alinhados com seus interesses, o objetivo, em 2014, continuará sendo sabotar institucionalmente o Brasil, mesmo que ele esteja gerando extraordinários ganhos.

A estratégia, nesse caso, passa não apenas pelo desmantelamento da imagem da nação do ponto de vista econômico, mas também pela promoção do caos, para dificultar a governabilidade, e colocar em questão, dentro e fora de território brasileiro, nossa capacidade de gestão e de realização. È essa linha de ação que alimenta a tese de que não estamos preparados para organizar grande eventos, como a Copa e as Olimpíadas, mesmo que, para fazer a omelete, quebrem-se alguns ovos, prejudicando também a imagem e a situação politico-administrativa de estados e municípios governados pela oposição, que estão envolvidos com a Copa do Mundo.

Não será de estranhar, portanto, se houver, nos próximos meses, infiltração, aproveitamento ou criação de novos “movimentos”, nos moldes dos rolézinhos, passíveis de se espraiar para as ruas, e eventuais ações voltadas para a intimidação do público turístico que nos visitará este ano, como a sabotagem dos sistemas de transporte e de hospedagem, o cerco a estádios, incêndios e fechamentos de ruas, etc.

A tudo isso, se soma a percepção, pelo cidadão comum, da ausência de um debate politico de melhor nível, que possa levar a discussão de propostas para a formatação de um novo projeto nacional.

Ate que ponto isso poderá influenciar a posição do eleitorado nas eleições de novembro?

O governo tem realizado avanços, mas, decide, cada vez, mais, sob pressão das circunstancias, dos meios de comunicação, do Congresso, da aproximação das eleições e de uma base aliada fragmentada, cada vez mais preocupada com seus próprios interesses do que com a situação do pais.

E a criminalização da politica - tema preferencial da grande mídia - ajuda a distorcer ainda mais esse quadro, aos olhos do eleitor, nivelando todos os homens públicos por baixo e facilitando o trabalho de uma minoria radical, cada vez mais atuante, que odeia a democracia e sonha com a volta da ditadura e a derrocada do Estado de Direito.

Texto original: MAURO SANTAYANA

domingo, 16 de março de 2014

De garis e entulhos racistas: quem varre o quê

O brasileiro tem vergonha de se demonstrar racista, mas está perdendo essa vergonha. O Brasil é tão racista quanto qualquer outro país. (Joel Rufino dos Santos)

Jacques Gruman

Antigamente, a gente ia ao cinema para ver mais do que o filme. Dentro dos cinejornais, aguardávamos com ansiedade a hora do Canal 100. Numa época em que as televisões engatinhavam, com tecnologias a lenha, as imagens do Carlinhos Niemeyer nos permitiam quase entrar nos estádios, com closes espetaculares, detalhes impossíveis de captar com as paquidérmicas câmeras de TV.

E não se diga que a paixão rubro-negra do Carlinhos privilegiava o Mais Querido. Tudo ao som viciante do Na cadência do samba (Que bonito é/as bandeiras tremulando/a torcida delirando/vendo a rede balançar...). Na era romântica do futebol, o Canal 100 foi um banquete. Tudo devagar, sem essa incontinência digital, que está fazendo o planeta nadar em informação e patinar em ignorância. Dizem que, até 2020, a produção de dados no mundo dobrará a cada dois anos. A criançada está cada vez mais conectada em máquinas e mais carente de contatos e conversas. Um psicólogo que escreveu sobre o assunto disse que já tinha visto um garoto escrevendo uma mensagem enquanto andava de bicicleta. Não é por nada não, mas isso é uma definição precisa de filme de terror, que as novas gerações já estão protagonizando. Eu, hein, Rosa?

Voltando à vaca fria. Inspirado em velhos cinejornais, escolho dois assuntos para exibir à distinta plateia. Não são tão voláteis quanto as inaugurações de estradas e os concursos de miss, arroz de festa das Atualidades Atlântida. O primeiro, se me permitem o bairrismo, foi a greve de garis no Rio. Em meio a declarações policialescas do prefeito Paes, nada espantosas na praia do engomado alcaide, creio que há algumas questões subterrâneas, estruturais, que merecem um olhar menos enviesado. Vamos a elas.

Antes de mais nada, o nível de desrespeito ao espaço público no Rio é descomunal. Não se trata apenas dos porcalhões, que, como o prefeito Paes, jogam restos de tudo no chão. Trafegar em automóveis nos acostamentos das estradas e nas faixas seletivas exclusivas de transportes coletivos, caminhar em ciclovias, pedalar em áreas de lazer restritas a pedestres, fumar e ouvir música em ônibus, estacionar em locais proibidos, pagar propina ao guarda de trânsito, pedir ao motorista de ônibus para dar um “jeitinho” e parar fora do ponto. São tantas as “pequenas” delinquências diárias que sumiram as fronteiras para elas se expandirem. Estamos em pleno vale tudo. Muitos cariocas, muitíssimos aliás, se julgam ixpertos, quando, em realidade, não passam de agentes conscientes da destruição da cidade. O que parece uma escala molecular, evolui em ondas e resulta numa convivência irrespirável. Neste contexto, reclamar do lixo acumulado durante uma greve pode parecer legítimo, mas não passa de ruído da multidão que tem enorme telhado de vidro.

Também me chamou a atenção um aspecto hipocritamente ignorado pelos meios de comunicação: as péssimas condições de trabalho dos garis. Ganhando menos de dois salários mínimos mensais, muitos deles são obrigados a inalar permanentemente lixo orgânico em decomposição, sem qualquer equipamento de proteção. Não há adicional de insalubridade que compense esta alimentação involuntária. Sim, alimentação. Tive um professor na faculdade que demonstrou que, ao cheirarmos, nosso organismo reage como durante o processo de ingestão de alimentos. Os garis comem, literalmente, porcaria.

São esses os trabalhadores que jornalistas inidôneos pediam, aos gritos, que voltassem logo ao trabalho, sem dar a eles o direito de defenderem suas reivindicações. Uma cobertura desprezível, patronal, de uma greve com aspectos complexos. Deu-se a palavra ao presidente da Comlurb e ao alcaide. O microfone e os monitores, no entanto, foram negados às lideranças grevistas. Qual foi o jornalista que pautou, por exemplo, uma reportagem sobre a rotina dos garis, para mostrar à população os que estavam sendo forçados a cruzar os braços, ameaçados de demissão?

Apesar de serem concessões públicas, os canais de televisão se comportaram, como de praxe, como braço intelectual da ideologia privada. O direito à informação abrangente foi sonegado.

Quando dois sindicatos, o dos petroleiros e o dos professores, hipotecaram solidariedade ativa aos grevistas, veio a tradicional reação pavloviana: estão politizando o movimento! Parece um déjà-vu da época da ditadura civil-militar. Política é crime, já diria o célebre filósofo-de-quepe Newton Cruz, o Nini de sei-lá-quantas estrelas. Ora, bolas, por que a burguesia pode internacionalizar-se, organizar-se horizontal e verticalmente, constituir organismos de autoproteção globalizados, e os trabalhadores devem restringir-se aos limites de suas categorias profissionais? Mais uma vez, a mídia reverbera, muito mais do que um preconceito, os imperativos de classe dos patrões.

Por fim, a greve atualizou uma velha questão do movimento sindical, abordada com propriedade por Lenin em Esquerdismo: a doença infantil do comunismo. O que fazer quando um sindicato se fossiliza e deixa de representar os interesses dos trabalhadores? Historicamente, se apresentavam duas alternativas. A primeira, tentadora, era abandonar o sindicato e trabalhar exclusivamente por fora da institucionalidade (o que Lenin criticava). A segunda impunha a luta dentro do aparato legal, único reconhecido pelos trabalhadores em condições não revolucionárias. Os garis que divergiram da direção sindical conseguiram uma importante vitória ao serem reconhecidos como interlocutores na negociação com a prefeitura. Agora, enfrentarão o dilema: conquistam o sindicato pelego e mudam sua orientação ou criam uma estrutura paralela? Qual será a melhor forma de organizar a massa de garis?

Passo ao segundo assunto. Desde moleque ouço dizer que o Brasil não é racista, que os casos detectados são isolados, que aqui a discriminação racial não sentou praça. Como se já não existissem provas fartas de que isso não passa de uma perigosa bobagem, agora vem o futebol para confeitar o bolo venenoso. Em poucos dias, um juiz e um jogador foram insultados por idiotas racistas. Não faz muito, um jogador do Cruzeiro foi vítima de racismo no Peru. Será uma escalada? O ódio racial nos estádios brasileiros terá saído do armário ? Difícil dizer. Como o futebol tem raízes fundas no imaginário brasileiro e, bem ou mal, reflete o que somos, cabe dar um trato na matéria.

A exclusão social, que, não raro, se confunde com vários preconceitos, está na origem do futebol no Brasil.

Em São Paulo, os primeiros times foram todos compostos pela elite branca, especialmente os oriundos das colônias inglesa e alemã. Quando o povo começou a organizar suas peladas em várzeas e pensou em aderir a uma proposta liga metropolitana, os clubes dos abonados se recusaram a misturar-se com os “canelas negras”, como desdenhosamente chamavam os varzeanos.

No Rio de Janeiro, há o caso da torcida do Fluminense. Em 1914, um século pois, chegou ao clube um jogador do América. Negro. Temeroso da reação dos torcedores, gente de nariz empinado, cobriu-se com pó de arroz para disfarçar a cor de sua pele. Foi só com muita luta que essas barreiras foram rompidas. Como, aliás, acontece com todas as causas populares.

Dos episódios recentes, sobram muitas constatações e perguntas. Os técnicos, mal chamados de “professores”, se omitem. A exceção é Muricy Ramalho. Felipão prefere distância indecente dos acontecimentos, achando que melhor é ignorar o racismo. Os cartolas fingem indignação, mas a revolta fica na retórica vazia de sempre. Os jogadores, sem lideranças reconhecidas e totalmente despolitizados (onde está o Bom Senso F. C. ?), vão a reboque dos acontecimentos.

Se tivessem um pouco de organização, não esperariam pelas nunca tomadas providências e se recusariam a continuar os torneios enquanto não se punissem as ofensas. Yaya Touré, da seleção de Costa do Marfim, propôs que os jogadores negros boicotem a Copa do Mundo da Rússia, em 2018, por conta do racismo de torcidas locais. Será que isso não devia valer para qualquer país? Não se combate a intolerância racial com bons modos. No país da Copa das Copas (sic), este não é um assunto menor.

Abraço.

Texto original em: CARTA MAIOR

quinta-feira, 13 de março de 2014

Transpetro alcança marca de 10 navios lançados ao mar

A Transpetro lançou ao mar nesta sexta-feira (28/02) o navio Irmã Dulce, a décima embarcação do Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef) a atingir essa fase em um prazo de quatro anos. O navio foi transferido ao cais do estaleiro, onde passará por acabamentos antes da entrega para o início das operações. Logo depois do lançamento do petroleiro, foi realizado o batimento de quilha do terceiro navio da série de quatro panamax encomendados pelo Promef.

O Irmã Dulce é o segundo de uma série de quatro petroleiros do tipo panamax que serão batizados em homenagem a mulheres que ajudaram a construir a História do Brasil. O primeiro foi o Anita Garibaldi, que está na fase de acabamentos no mesmo estaleiro. Utilizados para o transporte de petróleo e derivados escuros, os navios desse tipo têm 228 metros de comprimento e capacidade de transportar 90,2 milhões de litros.

Das dez embarcações do Promef lançadas ao mar, sete já foram entregues à Transpetro: os navios de produtos Celso Furtado, Sérgio Buarque de Holanda, Rômulo Almeida e José Alencar, construídos pelo Mauá; e os suezmax João Cândido, Zumbi dos Palmares e Dragão do Mar, feitos pelo Estaleiro Atlântico Sul (EAS), em Ipojuca (PE). Desse total, seis estão em operação. O Dragão do Mar fará a sua primeira viagem ainda neste primeiro trimestre.

“Com a décima embarcação do Promef lançada ao mar, conseguimos mostrar que a indústria naval brasileira alcança, cada vez mais, o patamar da produtividade e da produção em série. O Promef garante a encomenda de navios no Brasil e o conteúdo nacional mínimo de 65%. Agora, estamos perseguindo a competitividade internacional para colocar de novo o nosso país na posição de player mundial na produção de navios”, afirma o presidente da Transpetro, Sergio Machado.

O Promef

O Promef impulsionou a reconstrução da indústria naval brasileira após uma crise de décadas, com investimento de R$ 11,2 bilhões na encomenda de 49 navios e 20 comboios hidroviários. O Brasil tem, atualmente, a terceira maior carteira mundial de encomendas de petroleiros e a quarta maior de navios em geral. A indústria naval, que chegou a ter menos de dois mil operários na virada do século, hoje emprega 78 mil pessoas, segundo dados do Sinaval.

Com os sete navios entregues, o índice de conteúdo nacional é superior a 65%, quantitativo estipulado para a primeira fase do programa, garantindo geração de emprego e renda no país. Apenas no Estaleiro Mauá, onde o Irmã Dulce está sendo construído, foram gerados 3.400 postos de trabalho.

O Promef tem três pilares:

- construir navios no Brasil;

- alcançar índice de conteúdo nacional mínimo de 65% na primeira fase, e de 70% na segunda fase;

- atingir competitividade internacional, após a curva de aprendizado.

Os dois primeiros pilares já foram alcançados. E, com eles, o Promef ajudou a retirar a indústria naval brasileira do abandono em que se encontrava há décadas.

O terceiro pilar, a busca por competitividade internacional, é o atual foco. Para atingir este objetivo, a Transpetro criou o Sistema de Acompanhamento da Produção (SAP), que tem como função avaliar os processos produtivos dos estaleiros e sugerir alternativas para melhoria da produtividade.

Os principais players da indústria naval internacional, como Japão, Coréia do Sul e China levaram, respectivamente, 63, 53 e 23 anos para atingir a maturidade do setor. Em apenas 13 anos, o Brasil já obteve resultados comparáveis aos do mercado chinês.

Perfil de Irmã Dulce (26/05/1914 – 12/03/1992)

Irmã Dulce (Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes) foi uma das mais importantes ativistas humanitárias brasileiras do Século XX. Também conhecida como Bem-Aventurada Dulce dos Pobres, a baiana de Salvador morreu em 1992, em sua cidade natal. Ela realizou obras de caridade para presidiários, mães lactantes, doentes, crianças, operários e pobres em geral, atividades que ganharam notoriedade no Brasil e no mundo.

Irmã Dulce pertencia à Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus e pode se tornar a primeira santa católica nascida no Brasil. A cerimônia de beatificação (última etapa antes da canonização), realizada em 2011, foi presidida pelo arcebispo emérito de Salvador, Dom Geraldo Majella Agnelo, designado para o evento pelo então papa Bento XVI.

Ficha técnica/navio Irmã Dulce:

· Tipo: petroleiro panamax
· Porte bruto: 72.900 Toneladas de Porte Bruto (TPB)
· Comprimento total: 228 m
· Boca: 40 m
· Calado:12 m
· Altura: 48,3 m
· Velocidade: 15 nós
· Transporta: petróleo e derivados escuros
· Capacidade para transportar 90,2 milhões de litros
· Característica: navio "shallow draft" (calado reduzido)

Etapas da construção de um navio

Segundo tradição da indústria naval mundial, a construção de um navio tem cerimônias que marcam etapas fundamentais das obras: o corte da primeira chapa de aço, o batimento de quilha, o lançamento ao mar e a entrega ao armador.

É importante ressaltar, sobretudo, a diferença entre o lançamento ao mar e a entrega ao armador:

Lançamento ao mar - Depois de concluída a edificação do casco, o navio é batizado e lançado ao mar, para os acabamentos finais. O lançamento libera o dique para o início das obras de uma nova embarcação. O navio em construção é transferido para o cais do estaleiro.

No cais, são feitas as obras de acabamento, as interligações dos vários sistemas e os últimos testes em equipamentos. Antes da entrega, o navio é geralmente levado de novo ao dique, para a limpeza do casco. Por fim, são feitas as provas de mar – viagens de curta duração que testam o desempenho geral da embarcação.

Entrega - Após a conclusão de todas as obras e testes, o navio é certificado por uma sociedade classificadora independente e entregue ao armador, para o início das operações.

Texto relacionado:

segunda-feira, 10 de março de 2014

Metade dos brasileiros já se informa pela internet

97% das pessoas assistem TV pelo menos uma vez por semana, 61% ouvem rádio e 47% acessam a internet, mas só 6% leem jornais e 1%, revistas.

Najla Passos


Brasília - A internet já é o principal meio de informação para metade dos brasileiros (47%), segundo a Pesquisa Brasileira de Mídia 2014, da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República. A TV continua como o meio de comunicação que mais atinge a população do país (97%), seguida pelo rádio (61%), mas ambos perdem terreno entre o público mais jovem, justamente onde a internet avança. Já os veículos impressos patinam em todas as faixas etárias: só 6% dos brasileiros leem jornal diariamente e apenas 1%, revistas.

A internet ganha mais peso quando os entrevistados indicam o meio de comunicação preferido, ainda que a quase totalidade deles usem mais de um para se informar. A TV continua na dianteira (76,4%), seguida pela internet (13,1%), pelo rádio (7,9%), pelos jornais impressos (1,5%) e pelas revistas (0,3%). Na internet, 32% dos entrevistados apontam as redes sociais como meio preferido, inclusive, para se informar.

“Todos nós tínhamos ideia clara que a importância da internet na informação vinha crescendo. Como não temos pesquisa anterior do mesmo tamanho, não se pode fazer uma comparação, mas se pode hoje dizer que sim, quase metade dos brasileiros se informa e usa a internet como meio cotidiano e rotineiro da informação. Isso é muito importante tanto para as políticas de comunicação quanto como retrato de como o brasileiro se informa”, afirmou o ministro-chefe da Secom, Thomas Traumann.

A pesquisa é a maior do gênero já realizada no país e a primeira que mostra de forma clara em que meio o brasileiro busca informações. O trabalho de campo deu-se entre os dias 12 de outubro e 6 de novembro de 2013, quando 200 pesquisadores aplicaram 75 perguntas a 18.312 brasileiros em 848 municípios, de todas as unidades da federação. A elaboração do questionário, a coleta de dados, a checagem e o processamento dos resultados estiveram a cargo do IBOPE Inteligência, contratado pela Secom, por meio de licitação.

O estudo mostra que a maior parte dos brasileiros assiste TV todos os dias da semana (65%). A pesquisa aponta também que 31% dos lares brasileiros são atendidos por um serviço pago de TV, em contraste com a ampla presença da TV aberta, que está em 91% dos domicílios. Em 24% dos casos, há os dois serviços.

No caso do rádio, um em cada cinco brasileiros (21%) ouve todos os dias, enquanto dois quintos (39%) nunca o fazem. Tal como a TV, o hábito é maior entre os mais velhos: sobe de 15% entre os mais jovens para 26% entre a população com mais de 65 anos.

O estudo mostra ainda que a mídia impressa desaparece aceleradamente da preferência dos brasileiros: 76% nunca leem jornais e 85%, revistas. Enquanto 24% ainda leem jornais pelo menos uma vez por semana, no caso das revistas o índice cai para 7%. Entre os jornais mais citados pelos entrevistados, figuram os meios regionais, que priorizam notícias locais. O Extra, do Rio de Janeiro, foi o mais lembrado, contando com 7,5% dos leitores. O Globo foi citado por apenas 3,5% dos entrevistados, a Folha de S. Paulo, por 1,3%, e o Estado de São Paulo, por 1,1%. Dentre as revistas, a Veja foi lembrada por 25,5% dos leitores, seguida pela Caras, citada por 9,3%.

Texto original : CARTA MAIOR

Texto relacionado: A GUERRA DOS SOFTWARES

sexta-feira, 7 de março de 2014

A GUERRA DOS SOFTWARES


(Hoje em Dia) - Na reunião da Cúpula Brasil-União Europeia, em Bruxelas, a Presidente Dilma discutiu, entre outros assuntos, a construção de um novo cabo ótico ligando diretamente a América do Sul à Europa, sem passar pelos EUA.

Teoricamente, a intenção é aumentar a segurança das comunicações entre os dois continentes, evitando que os dados sejam facilmente interceptados pelos norte-americanos. 

O cabo teria participação da Telebras, pelo lado brasileiro, e da empresa espanhola Islalink. Redes de comunicação de alta velocidade para se conectar com o mundo são, hoje, uma necessidade estratégica. 

O Brasil já se associou a outros países sul-americanos, para a construção do Anel Ótico da UNASUL. 

E, infelizmente, a Telebras, por falta de recursos – argumento inaceitável quando o BNDES empresta bilhões para multinacionais como a Vivo – acaba de retirar-se de uma parceria com a Angola Cables para construir um cabo ótico entre o Brasil e o continente africano.

O cabo Brasil-Europa pode ser uma boa ideia, mas teria sido melhor se a Telebras tivesse se associado a uma companhia estatal do outro lado do oceano, no lugar de escolher uma empresa privada, e ainda por cima espanhola, país que ficou conhecido nos últimos anos por sua abjeta sujeição aos EUA. 

Para dificultar o trabalho dos espiões norte-americanos, no entanto, não basta que cabos como esse deixem de passar pelos EUA.

Dados são interceptados com o uso de vírus e malwares a todo momento, e só se pode vencer um software com o uso de outro software para combatê-lo.

Esse é o caso do Sikur, um sistema desenvolvido por uma empresa gaúcha do mesmo nome, que está sendo usado pelo Ministério da Justiça e que deverá se estender para outros órgãos do governo.

Ele atua como uma plataforma online para escrever e receber recados que avisa por e-mail quando o usuário recebe uma mensagem. Como a mensagem só pode ser lida dentro da plataforma, vírus ou o serviço de e-mail do usuário não conseguem abrir, copiar ou interceptar os dados.

Além dessa plataforma, a empresa criou mais dois programas, o SK Vault, para guarda e intercâmbio de arquivos, e o SK Mobile, disponíveis na PlayStore e na Apple Store.

Se quisermos dar trabalho aos hackers que operam nas agências norte-americanas de inteligência e em instituições similares de outros países, teremos que desenvolver permanentemente nossos próprios programas e aplicativos. 

Para que iniciativas como o Sikur se multipliquem, será preciso que o governo faça pesados investimentos em software nacional, desenvolvido por programadores brasileiros que tenham lealdade para com quem encomendou o trabalho e amor pelo Brasil.

O software é o rifle de assalto, o submarino, o caça, o míssil, a ogiva nuclear da Guerra Eletrônica.

Se não pudermos passar à frente de nossos concorrentes, tentemos ao menos nos manter correndo.

Texto original : Mauro Santayana