segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

O Rio Doce azedou

As 735 barragens de Minas Gerais são verdadeiras bombas-relógio prestes a detonar a qualquer momento.


Há 377 mil nascentes na Bacia do Rio Doce, que é do tamanho de Portugal. O rio tem 850 km de extensão e dele dependem 3,5 milhões de pessoas. Agora, com o rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, resta um imenso curso de lama que destrói quase toda forma de vida que encontra pela frente. E a lama continua descendo todos os dias, sem que as autoridades tomem providencias.

As 735 barragens de Minas Gerais são verdadeiras bombas-relógio prestes a detonar a qualquer momento. 

O maior desastre ambiental da história do Brasil causou 19 mortes. As casas de 254 famílias foram soterradas por 55 milhões de metros cúbicos de lama (o equivalente a 20 mil piscinas olímpicas cheias de lama). Em torno do rio Doce há 300 mil habitantes sem água limpa para beber, 11 toneladas de peixes mortos, 120 nascentes e mangues soterrados.

Já dizia Hugo Werneck, de quem fui vizinho em Belo Horizonte: “A natureza não precisa de nós. Nós é que precisamos da natureza.” 

No capitalismo, empresa existe para dar lucros. Mais lucros e menos segurança! Proteção ambiental, investimento em pesquisas e qualidade de vida da população são questões secundárias...

As empresas sofrem pressão dos acionistas para aumentar a produção e vender mais e mais. Foi o que aconteceu com a Samarco/VALE. Já era tempo de aplicar tecnologias de extração de minério a seco, sem utilizar água. Ou reutilizar a água da lavagem, como fazem inúmeras empresas não mineradoras.

Em 2014, a Samarco, controlada pela Vale e a BHP Billiton, anglo-australiana, obteve um lucro líquido de R$ 2,8 bilhões. 

O governo brasileiro não tem visão estratégica. Tentou, mas fracassou nesse intento. Em 2007, criou a Secretaria de Assuntos Estratégicos, com status de ministério. Fechou-a em outubro de 2015, sem choro, nem vela, nem fita amarela.

Ainda que a tragédia de Mariana não houvesse ocorrido, a sentença de pena de morte da Bacia do Rio Doce já havia sido decretada pelos municípios que despejam esgoto em suas águas. Outro grave problema é o desmatamento da Mata Atlântica. Hoje, no vale do Rio Doce, a cobertura é de menos de 0,5% de floresta. 

Para os governos (municipal, estadual e federal) e a maioria das empresas, preservação ambiental é mera frase de efeito em discursos demagógicos. Falam maravilhas sobre sustentabilidade e compromisso social! Ora, basta conferir quanto, de fato, gasta-se nessa área.

Em Minas, o Sisema (Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos) recebe apenas 0,5% do orçamento público. Depois da Secretaria da Fazenda, quem mais arrecada é a do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). Mas todo o dinheiro, recolhido pela Secretaria do Planejamento, vai para outros gastos do Estado, resta no final uma ninharia para a Semad. 

A fiscalização nas empresas mineradoras ou é feita com olhos de cego, devido à pressão das empresas e a corrupção dos políticos, ou não é feita por causa da falta de pessoal qualificado, equipamentos, viaturas e pagamento de diárias. Embora o financiamento empresarial de campanhas políticas esteja proibido, por baixo do pano os políticos esperam “uma ajudazinha” das empresas e, por isso, temem ser rigorosos na imposição das leis e na apuração e punição de responsabilidades. 

Isso explica por que o Sisema, em apenas um ano, analisou e regulamentou mais de 6 mil processos de licenciamentos ambientais!

Enquanto economia e política não forem ecologizadas, outras tragédias semelhantes poderão ocorrer. A menos que a lei obrigue os diretores de mineradoras a erguer seus luxuosos condomínios à sombra das barragens... 

Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais, autor do romance “Minas do Ouro” (Rocco), entre outros livros.

Texto original: CARTA MAIOR

DE MASTINS E DE POODLES


No day after da aprovação pelo Senado de proposta que muda as regras do pré-sal, abrindo caminho para leilões de novos campos de petróleo e para a aprovação pela Câmara de projeto ainda mais vergonhoso, que prevê o fim do regime de partilha e a volta ao regime de concessão que vigia até 2010, estabelecido nos “fantásticos” tempos de FHC, autoridades norte-americanas movem mundos e fundos para impedir a compra, pela poderosa estatal chinesa ChemChina, da multinacional química Syngenta, por 44 bilhões de dólares.

Embora de origem suíça, a Syngenta tem forte presença no mercado agrícola norte-americano, onde está cotada em bolsa e conta com acionistas como o Bank of America e o fundo de investimentos Blackrock.

Com essa atitude, os EUA querem também evitar que Pequim reforce sua posição na área de transgênicos prejudicando direta e indiretamente grandes empresas norte-americanas do setor, como a Monsanto - ao contrário do que ocorre no Brasil, os chineses tratam as multinacionais de sementes e defensivos agrícolas estrangeiras com rigor e são extremamente cuidadosos na liberação da venda de seus venenos e organismos geneticamente modificados em seu território, um dos maiores mercados do mundo. 

A pseudo “massa” ignara, abjeta, fútil e fascista, que pulula pela internet e pela mídia conservadora brasileira, deveria aproveitar o seu pegajoso pró-norte-americanismo para aprender a diferença entre os EUA – e outros países com P maiúsculo na administração de seus interesses - e o Brasil: por lá, quando se trata da entrega de setores ou mercados estratégicos para potências concorrentes, os mastins nacionalistas dos Estados Unidos ladram e rugem - mesmo quando não se trata de empresas 100% norte-americanas – e arreganham os caninos, enquanto, por aqui, nossos delicados poodles entreguistas antinacionais fazem festa para os gringos, e balançam, arfantes e em êxtase, os rabinhos.

Texto original: MAURO SANTAYANA

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Objetivos do Milênio: aqui jaz o capitalismo esclerosado

Relatório da ONU mostra uma realidade ambiental assustadora. Ou criamos outro sistema, ou deixamos que o 1% acabe de fazer o serviço.

Najar Tubino


Jazer significa estar morto ou como morto. Esse é o caso do dito cujo. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, assinado por 189 países em 2000, definiu oito pontos principais, entre eles, combate a extrema pobreza, mortalidade infantil, igualdade de gênero, redução das doenças transmissíveis como AIDS, malária e tuberculose, ensino fundamental e um melhor gerenciamento do desenvolvimento. O prazo acabou em 2015, ano em que o 1% da população mundial detém 50% da riqueza. O ano mais quente da história recente, onde foram anunciados os eventos extremos meteorológicos ocorridos nos últimos 20 anos: 6.457 contando enchentes, tempestades, ondas de calor e secas. Morreram 606 mil pessoas, 4,1 bilhões ficaram feridas, sem abrigo ou necessitaram assistência de emergência. Mais: 87 milhões de casas destruídas, prejuízos anuais de 250 a 300 bilhões de dólares.

Metas importantes foram cumpridas, como a redução da pobreza, da mortalidade infantil, do acesso ao ensino, da assistência aos doentes, entre outras coisas. Entretanto, o relatório da ONU, de 76 páginas, aprovado no final do ano passado mostra uma realidade cruel da humanidade neste momento. E serve de argumento para decretarmos o estado do cadáver insepulto do capitalismo. Vamos lá:

A realidade do mundo em números

- 946 milhões de pessoas defecam ao ar livre, segundo o relatório, que de livre não tem nada, porque somente na Índia morrem 200 mil crianças por ano de diarreia, entre outras doenças espalhadas por moscas, mosquitos e outros insetos, que carregam restos de fezes humanas pelos trajetos usados- como cólera, desinteria, ebola, hepatite A.
- 880 milhões vivem em favelas, bairros de lata, que são comuns na Ásia.

- 2,4 bilhões, a maioria na zona rural, convive com instalações sanitárias não melhoradas, como registra o eufemismo dos burocratas.

- 32 milhões estão contaminados com o vírus HIV e não recebem tratamento.

- 16 mil crianças morrem diariamente antes de completar cinco anos. Em 2015 morreram 5,9 milhões, sendo um milhão ao nascer, outro milhão uma semana depois, e 2,8 milhões nos 28 dias do período neonatal.

- 57 milhões de crianças em idade de frequentar escola estão sem estudar.

- 60 milhões de pessoas abandonaram suas casas em 2014 em razão de conflitos e guerras, o nível mais elevado desde a segunda guerra mundial. A metade são crianças.

- 254 milhões estão desempregados – em 2015 -, um número que supera em 53 milhões os números de 1991. O desemprego entre os jovens entre 15 e 24 anos é três vezes superior ao dos adultos e no ano passado, onde 74 milhões de jovens estavam a procura de emprego.

- Em 2015, foram registrados 240 milhões de casos de malária com 472 mil mortes, e outros 300 milhões casos de dengue, sendo que as duas doenças são transmitidas por mosquitos e estão presentes em 100 países. Inclusive nos Estados Unidos, onde em 2009 ocorreu um surto na Flórida.

- 1,45 bilhão de trabalhadores em condições vulneráveis, ou seja, sem contrato de trabalho, sobrevivem com bicos ou por conta própria. A taxa global é de 45%, mas na África e no sul da Ásia passa dos 50%.

Defecar ao ar livre é um terror

Defecar ao ar livre é um terror para mulheres e crianças, isso no mundo digital, com quase quatro bilhões de conexões de internet espalhadas por todos os continentes. Enquanto 124 mil ultrarricos exibem o luxo de quem tem mais de 500 milhões de dólares. No ano da Declaração do Milênio o conceito de desenvolvimento envolvia a criação de um sistema comercial e financeiro aberto, previsível e não discriminatório. Se traçarmos a rota do crescimento mundial, no caso, a década de 1990 era usada como comparativo – PIB mundial de 27,5 trilhões de dólares – para mais de 80 trilhões em 2015. Entre 20 e 32 trilhões em paraísos fiscais, como aponta o estudo da Tax Justice Network, do Reino Unido, onde os 50 maiores bancos privados administram US$12 trilhões. Essa parte da previsão deve ter sido o “não discriminatório”.

A situação de quem vive em extrema pobreza realmente reduziu de 36% em 1990 para 15% em 2011, o acesso à água potável aumentou de 2,3 bilhões para 4,2 bilhões, a taxa de mortalidade infantil reduziu de 90 para 43 mortes por mil nascidos. Em 1990 a população mundial era de 5,2 bilhões, hoje de 7,2 bilhões. É preciso ressaltar, e isto está registrado no estudo da ONU citando o Banco Mundial, que metade de 155 países pesquisados não tem monitoramento sobre a situação da pobreza. Na África mais de 60% dos países não têm dados sobre a situação. Sem contar que apenas 60 países dos pesquisados contam com sistemas de registros de nascimento.

A cada minuto morrem 11 crianças no mundo

“- Os progressos para acabar com a fome foram importantes apesar do ambiente mundial difícil durante a última década. Os obstáculos incluem preços instáveis das matérias primas, preços mais elevados dos alimentos e energia, aumento do desemprego e recessões econômicas, no final da década de 1990 e em 2008/09. Os fenômenos meteorológicos extremos frequentes e os desastres naturais também contribuíram bastante para a perda de vidas e dos meios de subsistência e prejudicaram o progresso no sentido da segurança alimentar mundial”, registra o estudo da ONU.

As instabilidades políticas e as guerras civis agravaram os efeitos dos desastres naturais – caso da África que contabilizou 77 secas no período -, que resultou em várias crises humanitárias significativas. O relatório dos Objetivos do Milênio também ressalta:

“- Os ODMs conduziram progressos dramáticos e sem precedentes na redução das mortes infantis. Tratamentos eficazes e a custo acessível, melhoria nos serviços de saúde e compromisso político contribuíram para isso. Mesmo assim, a cada minuto, em todo o mundo, 11 crianças morrem antes de completar cinco anos, a maioria de causas evitáveis.”

900 milhões de mosquiteiros com inseticidas

Também morrem 800 mulheres grávidas, no parto ou logo após, a maior causa morre por hemorragia – 27%. A mortalidade de crianças e mulheres também é maior nas zonas rurais. Na Ásia, 50% da população ainda vivem em comunidades no campo. Onde os mosquitos atacam mais. Onde a ONU, através dos programas de saúde distribuiu 900 milhões de mosquiteiros tratados com inseticidas, reduzindo o índice de mortalidade da malária nos últimos anos. Mas também aumentando o faturamento das corporações internacionais de veneno, que também são as mesmas que nunca se interessaram em produzir uma vacina contra a picada do mosquito Anopheles, assim como nunca se preocuparam com o alastramento da dengue e a suas complicações, que hoje se tornaram uma emergência mundial, conforme comunicado da Organização Mundial de Saúde. Em 2014, um “cluster”, um agrupamento de evidências de distúrbios neurológicos e malformações neonatais foram registrados nas ilhas da Polinésia Francesa e depois na Ilha da Páscoa, antes do surto de 2015 no Brasil.

Deixamos que o 1% acabe o serviço

Um dos pontos dos Objetivos do Milênio é a sustentabilidade ambiental, uma situação que precisava ser revertida, conforme a declaração do ano 2000. Aconteceu o contrário. Piorou totalmente. Segue a lista das extinções, do desmatamento, do aumento dos gases estufa, a escassez de água, que afeta mais de 40% da população mundial e a queda do estoque pesqueiro – em 1996 a pesca era de 88 milhões de toneladas, em 2013 foi de 82 milhões, sem contar a extinção de espécies, a sobrepesca, a poluição, a acidez dos oceanos. 

A Organização das Nações Unidas discute as metas para os próximos 15 anos. A essência do documento deve ser a situação de “como morto” do capitalismo esclerosado. Porque certamente nos próximos 15 anos a vida no Planeta continuará caminhando no rumo do desastre, se o atual sistema econômico não for enterrado. O desafio é óbvio: ou criamos outro sistema, ou deixamos que o 1% acabe de fazer o serviço, que já está quase completo.

Texto original: CARTA MAIOR

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Crise mundial: petróleo derrete, republicanos celebram o carvão

Os Estados Unidos não estão nem um pouco interessados em abrir mão do seu estilo prepotente para conter o aquecimento global.

Najar Tubino


O capitalismo esclerosado está em convulsão mais uma vez. As maiores petrolíferas do mundo demitiram mais de 100 mil pessoas em 2015, 30 mil somente na Noruega. O gás de xisto, considerada a última maravilha do neoliberalismo dá sinais de falência literal – as empresas prestadoras de serviço como Saipem, Schlumberger, Weatherford, Baker and Hughes e Halliburton foram responsáveis por quase 50 mil demissões. Isso no ano passado e o setor de petróleo e gás se prepara para a segunda onda de demissões, corte de investimentos e fechamentos de poços em 2016. Em 10 anos, os bancos dos Estados Unidos emprestaram US$1 trilhão para estas empresas. Como forma de multiplicar os lucros, fatiaram os negócios e venderam ao mercado. As agências de classificação como Standard & Poors e Moody’s rebaixaram as notas de empresas como Chevron e Shell, além de outras dez menos conhecidas. A ExxonMobil, maior petrolífera do mundo está ameaçada de perder o AAA.

Incluindo a BP, do Reino Unido, todas estão cortando despesas, tiveram queda no faturamento e reduziram os lucros, desde o ano passado. A Exxon em 20%, a Shell em 57%, a Chevron em 30%. A redução de investimentos alcançará mais de 75 bilhões de dólares – em 2015 foi de US$595 bilhões e a previsão para 2016 é que não passe de US$520 bilhões. Mas este ainda não é o maior problema, além da redução histórica nos preços do barril do petróleo. Os contratos na Bolsa Mercantil de Nova York com vencimento em março apontam para uma cotação do petróleo leve (WTI) a US$27,94 e o Brent, usado como referência na Europa, a US$30,51.

Bolsas já perderam US$15 trilhões

As petrolíferas precisam de dinheiro até abril para pagar US$31 bilhões em dividendos aos seus acionistas, principalmente fundos de pensão, aposentados e fundos especulativos que têm nas ações da Exxon, Shell, BP, Crevron e Conocophilips uma garantia de renda anual. A Exxon aumenta os dividendos há 33 anos seguidos e a Shell desde 1945 não deixa de pagá-los. Entretanto, os títulos e ações do setor de petróleo e gás se arrastam no tufão que tomou conta das bolsas no mundo inteiro, em 2016 já perderam US$15 trilhões. O setor do fracking dos Estados Unidos tem um déficit de US$169 bilhões – em 2010 era de US$81 bilhões.
Existem mais de um milhão de poços de exploração de gás de xisto nos Estados Unidos – a rocha sedimentar que tem entre 5 e 10% de betume, que a criatividade industrial suga através da injeção de água misturada com areia e fluídos de hidrocarbonetos como benzeno, tolueno e etil benzeno, ou até mesmo óleo diesel. São 240 bilhões de litros de água poluídas que saem desses poços, sem contar o metano liberado na atmosfera.

Sim, nós mandamos

Para coroar a convulsão perfeita do mercado, a Suprema Corte dos Estados Unidos, numa contagem de 5 a 4 – cinco conservadores, segundo a mídia – trancou o Plano de Energia Limpa do presidente Barack Obama, que está ameaçado de entrar para a história como o maior demagogo do planeta, ao anunciar na COP 21 que os Estados Unidos cortariam 32% das emissões de gases das usinas de eletricidade, a maioria movida a carvão até 2030. O refrão “sim, nós podemos”, virou “sim, nós mandamos” dos republicanos como Paul Ryan, presidente da Câmara dos Deputados que pretende enterrar definitivamente a pretensão de Obama.

“- Essa regulação deve ser derrubada de forma permanente, antes que a indústria de carvão seja completamente destruída e os consumidores americanos sejam condenados a pagar mais caro pela energia”, disse ele, depois do anúncio da Suprema Corte, que ainda passará por uma revisão em junho num Tribunal de Recursos do Distrito de Colúmbia.

Ninguém sabe o que acontecerá em 2016

O poder conservador mostra que não está nem aí para o aquecimento global ou o que o restante da humanidade pensa sobre o grave problema que afeta os sete bilhões de habitantes. Foi uma decisão inusitada, a toque de caixa, para repercutir na campanha presidencial, e mostrar ao mundo que os Estados Unidos não estão nem um pouco interessados em abrir mão do seu estilo – carro, sanduíche gorduroso, obesidade e prepotência.

Mesmo assim o mercado continua derretendo. A briga entre Arábia Saudita e Irã é apenas uma face do problema. No rolo atual todos estão jogando mais petróleo no mercado, o Iraque vende a 25 dólares o barril para a Ásia, Noruega e Canadá vendem a 22 dólares. Não há mais parâmetro. Nenhum banco consegue prever petróleo custando mais do que 60 dólares durante 2016. A Agência Internacional de Energia prevê um milhão de barris dia a mais no mercado este ano e considera que o ponto de equilíbrio entre oferta e demanda ocorrerá em 2019.

Fracking é a última bolha especulativa

A questão é que as previsões são viciadas, na verdade ninguém está entendendo o que acontece. Desde 2012, a AIE anuncia uma previsão de consumo acima de 90 milhões de barris/dia no mundo. Em 2015 deveria ser 92 milhões de barris/dia. Não há informação de quanto foi consumido no ano passado, com a queda no consumo da China e a recessão na Europa e nos países emergentes. Pior: a previsão da Agência Internacional de Energia é para um consumo de 120 milhões de barris/dia em 2020, ou seja, daqui quatro anos. Na realidade as previsões escondem as intenções do mercado de continuar vendendo petróleo, combustível, carros, ou seja, perpetuando o ciclo do combustível fóssil, que os 195 países presentes na COP 21 recentemente fizeram juras para mudar, depois de 2020.

O “milagre” americano do fraturamento hidráulico é a última bolha especulativa do capitalismo esclerosado, os últimos estudos de várias universidades americanas apontam para a queda na produção antes de 2020. O analista da Moody’s, Terry Marshall declarou ao Financial Times “que o mercado de capitais tem sido tão forte e tão aberto para as empresas de petróleo e gás que muitas delas acabaram criando um monte de dívidas”. O filme é o mesmo de 2008, agora azar é de quem ficou com o mico nas mãos, no caso os títulos fatiados dos empréstimos das empresas do setor que vão virar pó. O diretor de pesquisa de Commodities do Citi Group na mesma matéria do FT disse:

“- Assim como o mercado de capitais guiou a indústria a um crescimento espetacular, o setor financeiro vai conduzi-la à consolidação e a contração”.

Texto original: CARTA MAIOR

domingo, 14 de fevereiro de 2016

O jornalismo cínico e o ponto de não-retorno

O Jornalismo tentou se afirmar como espaço de informação e conhecimento, mas passou a ser um subproduto dentro dos conglomerados midiáticos.



Francisco José Castilhos Karam - Observatório da Imprensa

Em 1988, o psicanalista Jurandir Freire Costa alertava que a sociedade brasileira poderia estar chegando a um perigoso ponto de não-retorno. Ela estaria incorporando quatro valores: cinismo, narcisismo, violência e delinquência. À época, seus estudos tinham como referência, entre outros, as ideias de Peter Sloterdijk. O filósofo alemão havia escrito, desde a década de 1970, artigos sobre o cinismo. Suas ideias culminariam no clássico livro “Crítica da razão cínica”, publicado na Alemanha no início dos anos 80, com grande repercussão naquele País e Europa em geral. Mais tarde, além de outros idiomas, foi traduzido para o espanhol (1989) e para o português (2012). Nele, o autor aborda o crescimento do cinismo em escala institucional e pessoal na contemporaneidade. Para Sloterdijk, sob a capa das instituições e grupos, e em contrapartida com discursos de interesse público, crescem os componentes cínicos que se amparam em interesses privados.

Sloterdijk era cético com o destino das instituições. Em relação à mídia, considera viver num mundo aparentemente “superinformado” e, no entanto, de notícias “hipertrofiadas”. Estudioso do cinismo que se agigantava, o autor alemão era descrente em relação às potencialidades midiáticas tradicionais para a democracia. E, por extensão, do jornalismo com sua volumosa informação, que para ele era cada vez mais um espaço de mediação pública de interesses privados. E com a colaboração crescente de jornalistas que incorporam tal “valor”, de forma ingênua ou não, conscientemente ou não…

Já o ponto de não-retorno de Freire Costa atingiria diversas instituições e o comportamento individual. Segundo o psicanalista, a cultura do cinismo deriva da cultura narcísica e “se não há como recorrer a regras supraindividuais, historicamente estabelecidas pela negociação e pelo consenso, para dirimir direitos e deveres privados, tudo passa a ser uma questão de força, de deliberação ou de decisão, em função de interesses particulares. Donde o recurso sistemático à violência, à delinquência, à mentira, à escroqueria, ao banditismo ‘legalizado’ e à demissão de responsabilidade, que caracterizam a ‘cultura cíniconarcísica’ dos dias de hoje” (Costa: 1989, p. 30-31).

O que o Jornalismo tem a ver com isso?

O Jornalismo tentou se afirmar, nos últimos 300 anos, como espaço de informação, conhecimento e esclarecimento sociais, baseado na crença de que tem legitimidade social para isso e fundamentado na credibilidade das informações que por ele circulam. Desde a década de 1970 passou a ser quase um subproduto dentro dos conglomerados midiáticos, em que cada vez mais sócios de empresas de fora da mídia atuam dentro dele, a ponto de não se saber quem investe em quem: se acionistas investem na produção informativa e interferem na adequação a seus interesses; se empresários da mídia e do jornalismo investem em empresas de fora da área para fortalecer interesses particulares que não estão mais no próprio modelo de negócios; ou, afinal, se são um só faz muito tempo e hoje as coisas ficaram apenas mais claras, mais descaradas…

O que vem acontecendo, de forma reiterada, é de uma desfaçatez enorme diante da ideia de esclarecimento público e da defesa de que o jornalismo é o porta-voz da controvérsia e, portanto, a liberdade de expressão é sagrada, bandeira não só dos profissionais – a maioria honestos -, mas também de empresários – a maioria envolvida em sonegação de impostos, achaque dos cofres públicos e política de demissões e rotatividade sem qualquer piedade, embora sempre defendam o jornalismo, em quaisquer circunstâncias oficiais, como vinculado ao interesse público, à informação de qualidade, à fidelidade sobre a história do cotidiano.

Talvez por isso que Sloterdijk tenha escrito que “cinicamente dispostas estão estas épocas de gestos vazios e de fraseologia refinadamente tramada, em que sob cada palavra oficial se ocultam reservas privadas” (1989: v. II, p. 209);

O cinismo e o narcisismo tem se configurado em diversas coberturas, opiniões, comentários e tratamentos dos fatos, apesar de vários profissionais darem o melhor de si para a profissão e a sociedade em muitas matérias, em variadas notícias e reportagens. E sejam honestos em comentários. No entanto, isso parece ser cada vez mais exceção na grande empresa jornalística. O processo que engole e ameaça jornalistas é dilacerante para a profissão e presume que o jornalismo, para sobreviver com o melhor que conseguiu nos últimos séculos, estaria fora do modelo de negócios tradicional, este hoje e de forma inexorável muito mais pautado pelos critérios de audiência do que por relevância temática social. E acentua de forma descarada esta vertente a cada dia…

Rapidamente, três exemplos:
  1. Na semana de 25 a 29 de janeiro, o Jornal Nacional exibiu série de reportagens sobre os problemas da saúde no Brasil, focando, claro, no setor público, tratando do SUS, dos hospitais públicos… O JN esmerou-se em retratar as mazelas pelas quais passa o povo brasileiro em atendimento médico e em tratamento de doenças como câncer e várias outras: filas, espera, mau atendimento, falta de estrutura e tantos outros problemas foram apontados. Isso para o tratamento público e gratuito. Situações reais. Mas durante muito tempo, e hoje, todo o jornalismo da Rede Globo, e especialmente o JN, fez campanha aberta pela redução dos gastos públicos, pelo enxugamento da máquina pública. Depois de intensa e sistemática campanha ao longo de anos, mobilizando a sociedade para cortes em todas as áreas do Estado, há um claro cinismo – e responsabilidade – quando falta dinheiro para qualquer área social, incluindo a saúde. Além disso, o JN esquece de dizer que uma parte da estrutura e do dinheiro que falta é responsabilidade da própria emissora e do grupo que representa, sonegador de impostos e com dívidas que ultrapassam a casa do bilhão de reais com a União. Se a dívida fosse paga, certamente seria de muita valia para o uso na área da saúde, como de resto tem sido o atendimento feito, se não perfeito, em geral bem razoável, por exemplo, pelos postos de saúde, hospitais públicos e o setor em geral e que tem logrado salvar muita gente. E ainda mais quando o próprio grupo do qual faz parte o JN esperneia quando o governo ameaça cortar gastos de publicidade, bilionário ao longo dos anos. É o cinismo que beira à delinquência jornalística, à escroqueria: o grupo Globo recebeu do Estado brasileiro – ou seja, “saiu do meu bolso, do seu bolso, da saúde” – mais de seis bilhões de reais nos últimos 12 anos;
  2. Na edição de 30/01/2016, a Folha de S. Paulo traz matéria, quase humorística, assinada por Flávio Ferreira. Em editoria específica de “brasil em crise” (em minúsculo mesmo), o critério de noticiabilidade utilizado pela Folha colocou, no primeiro plano e em tom acusatório, a sensacional informação de que “Mulher de Lula adquiriu barco para sítio”. Um barco que não chega a cinco mil reais; uma propriedade que não se compara em valor às de Aécio Neves, Fernando Henrique Cardoso e a de tantos outros ex-presidentes, parlamentares, mulheres de parlamentares e de presidentes. E que jamais foi notícia. Trata-se de uma peça jornalística que beira à delinquência e ao cinismo, feita a mando talvez para tentar corrigir os continuados dados equivocados sobre o triplex de Lula, sobre os imóveis e negócios comprados sem prova alguma por filho de Lula (Havan, entre eles), pelos “ilícitos” nunca provados feitos pelo ex-presidente, que além de não serem ilegais, muitas vezes foram feitos à luz do dia e em função de parcerias de governo, seja com Estados Unidos ou Cuba, conforme deve ser em qualquer relação comercial entre dois países. Suspeitas, sempre suspeitas, e mais suspeitas… Se houvesse provas já haveria faz muito tempo. O mesmo ocorreu quando parte do jornalismo brasileiro insistia em atacar Leonel Brizola sem nunca provar nada;
  3. É quase autoexplicativa a seleção feita pelo site/blog Mídia Independente Coletiva, feita a partir do site do G1 (Rede Globo) e como este trata determinados assuntos. É exemplar e pedagógica. O cinismo bate à porta e ocupa o posto do jornalismo:
O crescente número de agressões e processos contra profissionais e empresas está num quadro de perda de legitimidade e de credibilidade, valores que precisam ser arduamente recuperados. No entanto, na lógica empresarial em que se move o jornalismo tradicional, e na submissão de grande parte de seus profissionais em questões-chave de economia e de política, está cada vez mais distante o reconhecimento público à atividade e o respeito a uma profissão que lutou muito, por suas entidades, para adquirir um estatuto profissional específico e uma moral ancorada no interesse público, coisa que ainda as escolas estão a propor e a realizar. Mas que encontra cada vez mais espaço fora do jornalismo de referência histórica e encontra mais possibilidades dentro de modelos alternativos que surgem, dentro ou fora das redes sociais. Parece ser um caminho para continuar chamando Jornalismo de Jornalismo, driblando os quatro vértices elencados por Freire Costa: cinismo, narcisismo, violência e delinquência. Quem sabe assim o jornalismo, sobretudo o tradicional, escape do que inevitavelmente tem sido a sua marca atual: o perigoso ponto de não-retorno. Ali onde o pêndulo da dialética que sempre marcou a sua história – entre o capital/interesse privado versus interesse público – tem pendido sempre para o lado do primeiro. Pelo menos corresponderia em parte ao que se propôs historicamente.

Referências

COSTA, Jurandir Freire. Psicanálise e Moral. São Paulo: Educ, 1989.

SLOTERDIJK, Peter. Crítica de la razón cínica. Madrid: Taurus, 1989, 2v.

Texto original: CARTA MAIOR

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Bem-vindos ao Antropoceno: É o capitalismo, estúpido!

The Economist

Em editorial publicado na sua última edição, a prestigiosa revista liberal britânica The Economist adverte sobre as profundas mudanças que o homem vem provocando no meio ambiente nas últimas décadas. A taxa de extinção hoje, adverte o texto, é bem mais rápida que durante períodos geológicos normais. Estamos vivendo uma era de maior instabilidade. O curioso no texto é que ele não menciona única vez o termo 'capitalismo' ao longo das 1.105 palavras do ensaio sobre a transformação do planeta sob a influência humana. 

No entanto, toca em vários pontos assustadores intrínsecos à dinâmica do dito sistema. De modo que, implicitamente, mesmo sem querer, comete uma estrondosa denúncia do modo de produção do qual é porta-voz. Um título alternativo para o referido editorial poderia ser: "É o capitalismo, estúpido!"

Publicamos a seguir a íntegra do editorial, publicado originalmente em português no Vi o Mundo:


Bem-vindos ao Antropoceno

A Terra é uma coisa grande: se fosse dividida de forma equânime por todos os 7 bilhões de habitantes, cada um ficaria com quase um trilhão de toneladas. Pensar que o funcionamento de um ente tão vasto poderia ser mudado de forma duradoura por uma espécie que tem corrido pela superfície dele por menos de 1% de 1% de sua história parece, considerando apenas isso, absurdo. Mas não é. Os humanos se tornaram uma força da natureza que muda o planeta em escala geológica — mas numa velocidade mais rápida que a geológica.

Só um projeto de engenharia, a mina de Syncrude nas areias betuminosas de Athabasca, envolve o movimento de 30 bilhões de toneladas de terra — duas vezes mais que a quantidade de sedimento que flui em todos os rios no mundo em um ano. Aquele fluxo de sedimento, enquanto isso, está encolhendo: quase 50 mil grandes represas no último meio século reduziram o fluxo [de sedimento nos rios] em quase um quinto. É uma das razões pelas quais os deltas da Terra, onde vivem centenas de milhões de pessoas, estão erodindo num ritmo que impede que sejam reabastecidos.

Os geólogos se importam com sedimentos, martelando neles para descobrir o que têm a dizer sobre o passado — especialmente sobre as grandes porções de tempo que a Terra atravessa de um período geológico a outro. Com o mesmo espírito os geólogos olham para a distribuição de fósseis, para traços das geleiras, para o nível dos oceanos. Agora, um número destes cientistas argumenta que futuros geólogos, observando este momento do progresso da Terra, vão concluir que algo muito estranho está acontecendo.

O ciclo do carbono (e o debate sobre o aquecimento global) é parte da mudança. Assim também é o ciclo do nitrogênio, que converte nitrogênio puro da atmosfera em químicos úteis, e que os humanos ajudaram a acelerar em mais de 150%. Eles e outros processos antes naturais foram interrompidos, remodelados e, principalmente, acelerados. Os cientistas estão crescentemente usando um novo nome para este período. Em vez de nos colocar ainda no Holoceno, uma era particularmente estável que começou há cerca de 10 mil anos, os geólogos dizem que já estamos vivendo no Antropoceno: a idade do homem.

The new geology leaves all in doubt
O que os geólogos escolhem chamar de um período histórico normalmente importa pouco para o resto da humanidade; disputas na Comissão Internacional de Estratigrafia sobre os limites do Período Ordoviciano normalmente não capturam as manchetes. O Antropoceno é diferente. É um daqueles momentos em que cai a ficha científica, como quando Copérnico entendeu que a Terra girava em torno do sol, momentos que podem mudar fundamentalmente a visão das pessoas sobre coisas muito além da ciência. Significa muito mais que reescrever alguns livros didáticos. Significa repensar a relação entre as pessoas e seu mundo — e agir de acordo com o resultado.

A parte de “repensar” é a mais fácil. Muitos cientistas naturais abraçam a confortável crença de que a natureza pode ser pensada, na verdade deveria ser pensada, separadamente do mundo humano, com as pessoas como meras observadoras. Muitos ambientalistas — especialmente aqueles da tradição norte-americana inspirada em Henry David Thoreau — acreditam que “o mundo selvagem é a preservação do mundo”. Mas as regiões isoladas, para o bem e para o mal, estão se tornando crescentemente irrelevantes.

Quase 90% da atividade vegetal do mundo, por algumas estimativas, é encontrada em ecossistemas onde o homem tem um papel significativo. Embora a agricultura tenha mudado o mundo por milênios, o evento Antropoceno dos combustíveis fósseis, da engenharia agrícola e, principalmente, dos fertilizantes artificiais à base de nitrogênio, incrementaram vastamente o poder da agricultura. A relevância das regiões preservadas para nosso mundo encolheu em face deste avanço. A quantidade de biomassa que agora anda sobre o planeta em forma de humanos ou animais de criação pesa muito mais que todos os outros grandes animais juntos.

Os ecossistemas do mundo são crescentemente dominados por um grupo limitado e homogêneo de culturas, animais de criação e criaturas cosmopolitas que se dão bem em ambientes dominados por humanos. Criaturas menos úteis ou adaptáveis se dão mal: a taxa de extinção hoje é bem mais rápida que durante períodos geológicos normais.

Recycling the planet
O quanto as pessoas deveriam se amedrontar com isso? Seria estranho se não se preocupassem. A história do planeta contém muitas eras menos estáveis e clementes que o Holoceno. Quem pode garantir que a ação humana não pode empurrar o planeta para nova instabilidade?

Alguns vão querer simplesmente voltar o relógio. Mas retornar às coisas como eram não é realista, nem moralmente alcançável. Um planeta que em breve pode sustentar 10 bilhões de seres humanos precisa trabalhar de forma diferente de que quando sustentava 1 bilhão de pessoas, a maioria camponeses, 200 anos atrás. O desafio do Antropoceno é usar a engenhosidade humana para ajeitar as coisas para que o planeta possa cumprir sua tarefa do século 21.

Aumentar a resiliência do planeta vai provavelmente envolver algumas mudanças dramáticas e muitos pequenos ajustes. Um exemplo do primeiro pode vir da geoengenharia. Hoje o abundante dióxido de carbono emitido na atmosfera fica para a natureza recolher, o que ela não pode fazer suficientemente rápido. Embora as tecnologias ainda sejam nascentes, a ideia de que os humanos possam remover o carbono dos céus da mesma forma que ele é colocado lá é uma razoável expectativa do Antropoceno; não evitaria o aquecimento global a curto prazo, mas poderia reduzir seu impacto, com isso reduzindo as mudanças na química dos oceanos causadas pelo excesso de carbono.

Mais frequentemente a resposta estará nos pequenos ajustes — em encontrar formas de aplicar o músculo humano em favor da natureza, em vez de contra ela, ajudando assim a tendência natural de reciclar as coisas. A interferência humana no ciclo do nitrogênio tornou o nitrogênio muito mais disponível para plantas e animais; fez muito menos para ajudar o planeta a lidar com todo aquele nitrogênio quando as plantas e animais se satisfazem. Assim, sofremos cada vez mais com as “zonas mortas” costeiras, invadidas pelo brotar de algas alimentadas por nitrogênio. Pequenas coisas, como uma agricultura mais inteligente e melhor tratamento de esgoto, poderiam ajudar muito.

Para os homens, ter um envolvimento íntimo com vários processos interconectados numa escala planetária envolve muitos riscos. Mas é possível acrescentar à resiliência do planeta, em geral com medidas simples e graduais, se elas forem bem pensadas. E uma das mensagens do Antropoceno é que as ações graduais que nos trouxeram até aqui podem rapidamente se somar para provocar mudanças globais.

TraduçãoVi o Mundo

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Porto Alegre: No rastro do antropoceno

As marcas da espécie humana na superfície e na atmosfera do planeta, foram visíveis no temporal de Porto Alegre que deixou grande parte da cidade sem luz.

Najar Tubino


Porto Alegre Domingo, dia 31 de janeiro, quase dois dias depois de uma tempestade com ventos de 120 km e com impacto de um furacão categoria 1, conforme definição do Metroclima, serviço meteorológico da cidade, metade da população está sem água e 140 mil residências sem luz. Moro no alto da Avenida Oscar Pereira, zona periférica, onde no início da manhã os moradores fizeram um bloqueio com paus e árvores queimando, mas em casa temos luz, desde a madrugada. Sem água. O calor que chegou a 39,3 graus na sexta-feira, dia do temporal ontem passava dos 30. Sem luz, três das seis estações de abastecimento de água da capital gaúcha, continuam sem funcionar. O Presídio Central, onde estão mais de quatro mil detentos continua sendo abastecido com carro pipa. Os bairros Menino Deus, Cidade Baixa e Bom Fim foram os mais atingidos – trata-se do coração cultural e boêmio da cidade.

Sábado, dia 30, 9 horas. Como de costume cheguei à feira ecológica para as compras da semana. Pelo caminho, sinaleiras sem funcionar, muitas árvores caídas – mais de 300 no total -, vidros quebrados, telhados que despencaram – incluindo o do Shopping Praia de Belas, empresa que a RBS participa. Cenário de destruição. Na rua do Brique, como chamamos a José Bonifácio, as velhas tipuanas, a espécie que predomina, estavam detonadas, muitas no chão e galhos espalhados pela via. Ao lado, onde já é o Parque da Redenção, o cenário era pior. Muitas árvores estraçalhadas. Muitas pessoas estavam no local fotografando, todos chocados, incluindo eu, que tive vontade de chorar.


Raios que caíram durante 60 minutos


O rastro do Antropoceno, a marca da espécie humana na superfície e na atmosfera do planeta, era visível. Uma energia muito grande e concentrada tinha se dissipado sobre Porto Alegre, na forma de chuva, raios e muito vento. Na sexta-feira, observava a concentração do calor da janela de casa, em frente ao Morro da Embratel, assim chamado porque concentra a maioria das antelas da cidade. Embaixo o vale, onde fica o bairro 1º de Maio. Desde que comecei a identificar os ventos do ciclo extratropical que chegam à costa do Rio Grande do Sul, associei o barulho que fazem as árvores no topo do morro com a velocidade dos ventos. Se o barulho é ensurdecedor os ventos estão acima de 100 km. Foi o que ocorreu na sexta-feira, às 22 horas. Marquei no relógio e fiquei acompanhando. Logo em seguida, as nuvens avançaram por dentro do vale e no topo do morro. E os primeiros estrondos iniciaram. Uma sequência que durou exatamente 60 minutos. Um atrás do outro, com relâmpagos que clareavam a noite.

O fato de morar perto das antenas aumenta o pavor, quando a sequência de raios é alucinante. Nunca tinha visto isso. Clarões durante uma hora e estrondos em série. Em julho de 2014 outra tempestade desse tipo varreu o estado. Caíram raios a cada três segundos. Nesta, do dia 29 de janeiro, não dava para contar até três. No Brasil caem 50 milhões de raios todos os anos. Entretanto, a questão maior é que o aquecimento global tem aumentado o número de eventos climáticos extremos e acelerando a intensidade e, em consequência, seus estragos. Em duas décadas foram mais de 600 mil mortos. A Organização Meteorológica Mundial, da ONU, divulgou no final de 2015, que o El Niño em vigor é o mais forte desde 1950. O El Niño já é um fenômeno climático extremo envolvendo o aquecimento das águas do Pacífico – ficaram mais de dois graus acima da média.


Não vemos o CO2, mas ele é uma ameaça real


O Secretário executivo da OMM, Michel Jarraud disse no início de 2016 que as temperaturas no ano passado estiveram um grau acima da média, desde a era pré-industrial, como resultado de uma mistura de um El Niño excepcionalmente forte e as mudanças climáticas:

“- A temperatura média da superfície em 2015 quebrou todos os recordes anteriores por uma grande margem. Além disso, 15 dos 16 anos desse século foram os mais quentes, sendo que 2015 superou os anos anteriores no aumento da temperatura. O El Niño e a mudança climática devem interagir e um modificar o outro de forma nunca vista antes. Em breve iremos viver em uma atmosfera em que o teor médio de CO2 irá exceder 400ppm – partes por milhão. Não vemos o CO2, que é uma ameaça invisível, mas ele é uma ameaça real”, disse Michel Jarraud, ao anunciar o relatório completo da OMM para março próximo.

O Metroclima da Prefeitura de Porto Alegre classificou a tempestade como “macroburst”, um fenômeno meteorológico incomum, onde uma forte corrente descendente de vento se espalha de modo radial, a partir de um ponto cultural, sendo capaz de gerar rajadas tão fortes e destruidoras quanto as de um tornado intenso. Os caminhões do departamento de limpeza pública já recolheram mais de 360 toneladas de restos de árvores. Não há previsão de quando a água voltará. O governador não está na cidade, nem o prefeito, os respectivos vices comandam os trabalhos. 

Texto original:
CARTA MAIOR

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Antropoceno: a era da manipulação da informação

85,5% das importações audiovisuais da América Latina são originárias dos EUA, e elas estão tentando construir a ideia de que não existe aquecimento global.

Najar Tubino

Enojar é o verbo inspirador deste texto. Depois de muito pesquisar sobre a concentração de poder no mundo hoje, onde 147 transnacionais controlam outras 43 mil, o que corresponde a 40% do mercado mundial, onde os três principais veículos de economia do mundo ocidental fazem parte da carteira de clãs conhecidos há séculos, como os Rothschild, Agnelli, ou já na era moderna, os Murdoch, donos do The Wall Street Journal, do Dow Jones e da Fox News, que divulga diariamente as mentiras sobre as mudanças climáticas e o aquecimento global. The Economist, a revista inglesa de 1873 é a outra fonte, muito celebrada pelos neoliberais e conservadores por sua respeitabilidade, transparência e ética.

Ao iniciar 2016, a revista publicou uma capa sobre o Brasil quebrado e desorganizado, com uma foto da presidenta Dilma Rousseff cabisbaixa. Em agosto de 2015 a Pearson, dona da revista vendeu 50% das ações – 27,3% foram compradas pela família Agnelli, os outros 23,7% pelo próprio Grupo Economist. Ocorre o seguinte: os outros 50% pertencem aos Rothscild, aos agentes financeiros Schroder, aos Agnelli e a Cadbury, maior fabricante de doces do Reino Unidos, que foi engolido pela Kraft Foods, dos Estados Unidos. O detalhe: estas famílias detêm a maioria das ações classe A, que dão direito a indicar a maioria dos 13 membros da diretoria. Ou seja: eles mandam e estabelecem as diretrizes editoriais.


Negócio perfeito no capitalismo


Pior: o grande negócio da The Economist é o Economist Intelligence Unit, que em 2014 faturou US$93 milhões, mais do que os US$37 milhões do Financial Time Group, que publica o jornal FT, que também era da Pearson e foi vendido no ano passado para o grupo japonês Nikkei por US$1,3bi. Este é o funcionamento perfeito do capitalismo: os cães farejadores levantam a situação das empresas, dos setores econômicos em todo o mundo – inclusive faturando com a publicidade- depois entregam para os seus patrões, que no mesmo momento, sairão pelo mundo comprando ações, empresas, terras, de barbada. Um golpe que o clã dos Rothschild britânico instituiu no então poderoso império por Nathan, que se instalou na City londrina em 1809.
A estratégia límpida e transparente, naquela época não tinha o sustentável, conhecida historicamente como o Golpe na Bolsa de Londres consistiu no seguinte: seus informantes presentes na Batalha de Waterloo forneceram o resultado final da carnificina ao patrão, logo em seguida começou a vender os papéis na Bolsa espalhando o boato que Napoleão vencera. Ao mesmo tempo, seus agentes passaram a comprar os papéis por ninharia. Logo depois, o poderoso império ficou sabendo da vitória do seu exército e os papéis explodiram. Então caía o Império Napoleônico e nascia oficialmente o império especulativo dos Rothschild.


No Planeta Mentira não há mudanças climáticas


Mas vamos voltar ao Antropoceno, o novo período geológico que será definido este ano, com as mudanças da espécie humana. Na realidade os mais de sete bilhões de habitantes do mundo não sabem exatamente em que planeta vivem. O controle exercido pelos 30 maiores conglomerados de mídia expõe apenas a sua visão da Terra. Nela, as mudanças climáticas, a destruição de florestas, a extinção de espécies, da miséria da própria espécie são apenas ingredientes do mercado, do sistema econômico que necessita crescer infinitamente, porque sem crescimento não haveria planeta. E afinal, como os 85 bilionários – com mais de 20 bilhões de dólares - poderiam viver e usufruir das maravilhas da natureza, com seus iates, seus clubes de golfe, seus carros esportivos, suas ilhas exclusivas?

Sem contar os outros 300, que estão na lista da Bloomberg, que possuem juntos US$3,7 trilhões e que ao longo de 2014 ganharam mais US$524 bilhões, segundo a pesquisa do professor Luiz Marques, no livro “Capitalismo e Colapso Ambiental”. Para reforçar um pouco mais o poder: as sete principais holdings financeiras dos Estados Unidos – JP Morgan Chase, Bank of America, Citigroup, Wells Fargo, Goldman Sachs, Metlife e Morgan Stanley detêm mais de US$10 trilhões em ativos consolidados, o que corresponde a 70,1% de todos os ativos dos Estados Unidos. São eles que controlam a riqueza mundial, dos 147 grupos que controlam os 43 mil – uma pesquisa do ETH Instituto Federal Suíço de Pesquisas Tecnológicas, de Zurique, selecionaram as 43 mil corporações entre 30 milhões.


Ricos não podem pagar impostos


Eles constataram que os banqueiros são os intermediários que possibilitam a articulação da rede. É claro que as famílias bilionárias do mundo participam de tudo isso. Sem esquecer, que parte desta fortuna, segundo a Tax Justice Network, pelo menos US$21 trilhões estão em paraísos fiscais. Porque o Planeta ficcional criado pelos conglomerados da mídia instituiu que os ricos não podem pagar impostos. Prejudica os negócios, o crescimento. Uma citação do final do livro de Thomas Piketty – O Capital no século XXI – que definiu 300 anos de dados sobre a desigualdade econômica em 669 páginas:

“- A desigualdade entre a taxa de crescimento do capital e da renda e da produção faz com que os patrimônios originados no passado se recapitalizem mais rápido do que a progressão da produção e dos salários. Essa desigualdade exprime uma contradição lógica fundamental. O empresário tende a se transformar, inevitavelmente, em rentista e a dominar cada vez mais aqueles que só possuem sua força do trabalho. Uma vez constituído o capital se reproduz sozinho, mais rápido do que cresce a produção. O passado devora o futuro”.


A desigualdade será a norma no século XXI


E pode investir em educação, conhecimento e tecnologias não poluentes, nada disso elevará as taxas a 4 ou 5% ao ano, como rende o capital. A experiência histórica indica que apenas países em recuperação econômica, como a Europa nos 30 anos gloriosos pós- segunda guerra, ou a China e os emergentes podem crescer neste ritmo por um tempo.

“- Para os que se situam na fronteira tecnológica mundial e em última instância para o planeta como um todo, tudo leva a crer que a taxa de crescimento não pode ultrapassar 1 a 1,5% ao ano, no longo prazo, quaisquer que sejam as políticas a serem seguidas. Com o retorno médio do capital na ordem de 4 a 5% é provável que a desigualdade das taxas de crescimento já citadas voltem a ser a norma no século XXI, como sempre foi na história.”


O divertimento ao invés da realidade


Conclusão: o Planeta criado pelos conglomerados continua executando a mesma plataforma, desde o século XIX, sendo que somente nos períodos posteriores às guerras mundiais que as fortunas foram taxadas. E o que faremos nós no século XXI? Já sabemos que o aquecimento aumenta, os eventos climáticos se aceleram e o agronegócio continua dominando mais áreas de floresta do planeta. Neste momento, entra a outra parte dos conglomerados de mídia – o entretenimento. A força da Disney Company – faturou US$45 bi em 201- e pagou US$21bilhões pela franquia da séria Star Wars e ainda produzirão outros cinco filmes.

E pretendem vender US$5 bilhões em produtos licenciados – videogames, publicações, música, brinquedos. O mercado é grande: parques temáticos em Paris, Hong Kong, Tóquio, agora em 2016, Shangai, na China. Compraram todos os talentos, a Pixar, de Steve Jobs- era o maior acionista individual da Disney -, os heróis em quadrinhos da Marvel, na figura canhestra do Homem de Ferro, rico, cibernético e arrogante. Depois ainda compraram os estúdios de George Lucas. Total: mais de US$15 bilhões. Ou seja, não acreditem em caos climático, divirtam-se.


No Planeta de mentira informação é entretenimento


A revista das famílias poderosas, a The Economist – fez uma daquelas matérias pegajosas sobre “a força” da Disney, em dezembro de 2015. Um trecho:

“- A estratégia deles é a seguinte: os filmes aparecem no centro, a sua volta estão os parques temáticos, os licenciamentos, a música, as publicações e a televisão, Cada unidade da companhia produz conteúdo e impulsiona as vendas das demais”.

É perfeito, se aliar isso a canais de esportes – ESPN – que fatura a metade da grana na Disney, que é uma das quatro líderes mundiais. As outras são: Google, que mais fatura em publicidade, depois a Comcast, que tem a maior rede de televisão a cabo do mundo, e é proprietária da rede NBC e da Universal. Depois vêm a 21st Century Fox, da News Corporation, de Rupert Murdoch; Viacom, dona da MTV e da Paramount, mas dividiu a corporação, criando a CBS Corporation, outra rede dos Estados Unidos. Na lista agora constam Facebook e Baidu, o Google chinês, em faturamento de publicidade.


85,5% das importações audiovisuais dos Estados Unidos


Mas eles não têm o poder dos conglomerados tradicionais. Faltou a Time Warner Company, dona da CNN, que é outra das bases de informação no mundo, além do Carlos Slim, dono da telefonia na América Latina, que agora tem 16,8% das ações do The New York Times, maior acionista individual. Último dado enjoativo desta que é a praga maior desta era geológica: 85,5% das importações audiovisuais da América Latina – 150 mil horas de filmes, seriados e programas jornalísticos- são originários dos Estados Unidos. E em todos estes conglomerados tem a participação acionária dos maiores fundos de investimento ou de pensões do mundo, como é o caso da Vanguard Group – 160 fundos nos Estados Unidos e 120 fora deles -, que estão processando a Petrobras nos Estados Unidos, e que os Rothschild são acionistas.

A família Rothschild – significa a casa do escudo vermelho, baseado no escudo da cidade de Frankfurt, onde Mayer Amschel Bauer, considerado o primeiro banqueiro internacional começou o império. Segundo a versão popular, com uma fortuna do nobre alemão Guilherme IX, que fugia de Napoleão, e deixou três milhões de libras esterlinas em dinheiro e obras de arte, para ele administrar.


Outros negócios dos Rothschild


Ele investiu bem, conta a lenda, que não dividiu um centavo dos lucros. Também diz a lenda que não são judeus étnicos, mas se converteram ao judaísmo no século oito da era cristã. Os Rothschild, em seus vários ramos, são detentores de tudo o que é importante no mundo. A De Beeres, maior empresa de exploração, lapidação e comércio de diamantes, os extratores de minérios Rio Tinto e Anglo American, como acionistas. O Barão francês Edouard, já falecido, em 2005 comprou 37% do jornal Liberation, considerado um veículo que defende ideias de esquerda.

Recentemente se associaram com os Rockfellers na Rússia unindo ativos de US$40 bilhões. Até hoje, as cotações do ouro são definidas no prédio da N M Rothschild & Co, que no Brasil se chama Rothschild, e trabalha no ramo de assessoria financeira, focada em fusões e aquisições, reorganizações societárias. Conta com 50 escritórios espalhados pelo mundo. No Brasil já prestaram serviços para o Itaú Unibanco, no fechamento de capital da Redecard, fizeram o laudo de avaliação do Santander Brasil, que vendeu parte do controle, além da BM&F, Camargo Corrêa, OI e Ambev.

No Laudo de avaliação do Santander, a Rothschild Brasil esclarece: que não possui informações comerciais e creditícias de qualquer natureza que possam impactar o laudo; não possui conflito de interesse, que lhe diminua a independência necessária ao desempenho da função. E que receberia US$800 mil pelo laudo. Algumas linhas adiante: e mais US$4,5 milhões pelo trabalho de assessoria do Santander S.A., que não é o Santander Brasil. Entenderam: tudo ético, transparente e sustentável. E nós estamos ferrados com este planeta mentiroso, que os conglomerados inventaram. 

Texto original: CARTA MAIOR