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sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Henrique Meirelles e Consenso de Washington

Por Samuel Pinheiro Guimarães

1. O programa econômico do senhor Henrique Meirelles, atual Ministro da Fazenda; ex-Presidente do BankBoston entre 1996 e 1999 e do FleetBoston Financial; ex-Presidente do Banco Central de 2003 a 2010, e, entre 2012 e 2016, Presidente do Conselho de Administração da holding J&F, de Joesley Batista, é o Programa do Mercado.

2. É o programa desejado com ardor (e promovido com recursos) pelos banqueiros, rentistas, grandes empresários comerciais e industriais, grandes proprietários rurais, donos de grandes órgãos de comunicação, gestores de grandes fortunas, executivos de grandes empresas e seus representantes no Congresso.

3. O Mercado pode ser definido como sendo integrado por cerca de 200 mil pessoas que declaram, espontaneamente, ao preencher suas declarações anuais de Imposto de Renda, terem rendimentos mensais superiores a 80 salários mínimos (cerca de 80 mil reais por mês).

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

O Rio Doce azedou

As 735 barragens de Minas Gerais são verdadeiras bombas-relógio prestes a detonar a qualquer momento.


Há 377 mil nascentes na Bacia do Rio Doce, que é do tamanho de Portugal. O rio tem 850 km de extensão e dele dependem 3,5 milhões de pessoas. Agora, com o rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, resta um imenso curso de lama que destrói quase toda forma de vida que encontra pela frente. E a lama continua descendo todos os dias, sem que as autoridades tomem providencias.

As 735 barragens de Minas Gerais são verdadeiras bombas-relógio prestes a detonar a qualquer momento. 

O maior desastre ambiental da história do Brasil causou 19 mortes. As casas de 254 famílias foram soterradas por 55 milhões de metros cúbicos de lama (o equivalente a 20 mil piscinas olímpicas cheias de lama). Em torno do rio Doce há 300 mil habitantes sem água limpa para beber, 11 toneladas de peixes mortos, 120 nascentes e mangues soterrados.

Já dizia Hugo Werneck, de quem fui vizinho em Belo Horizonte: “A natureza não precisa de nós. Nós é que precisamos da natureza.” 

No capitalismo, empresa existe para dar lucros. Mais lucros e menos segurança! Proteção ambiental, investimento em pesquisas e qualidade de vida da população são questões secundárias...

As empresas sofrem pressão dos acionistas para aumentar a produção e vender mais e mais. Foi o que aconteceu com a Samarco/VALE. Já era tempo de aplicar tecnologias de extração de minério a seco, sem utilizar água. Ou reutilizar a água da lavagem, como fazem inúmeras empresas não mineradoras.

Em 2014, a Samarco, controlada pela Vale e a BHP Billiton, anglo-australiana, obteve um lucro líquido de R$ 2,8 bilhões. 

O governo brasileiro não tem visão estratégica. Tentou, mas fracassou nesse intento. Em 2007, criou a Secretaria de Assuntos Estratégicos, com status de ministério. Fechou-a em outubro de 2015, sem choro, nem vela, nem fita amarela.

Ainda que a tragédia de Mariana não houvesse ocorrido, a sentença de pena de morte da Bacia do Rio Doce já havia sido decretada pelos municípios que despejam esgoto em suas águas. Outro grave problema é o desmatamento da Mata Atlântica. Hoje, no vale do Rio Doce, a cobertura é de menos de 0,5% de floresta. 

Para os governos (municipal, estadual e federal) e a maioria das empresas, preservação ambiental é mera frase de efeito em discursos demagógicos. Falam maravilhas sobre sustentabilidade e compromisso social! Ora, basta conferir quanto, de fato, gasta-se nessa área.

Em Minas, o Sisema (Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos) recebe apenas 0,5% do orçamento público. Depois da Secretaria da Fazenda, quem mais arrecada é a do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). Mas todo o dinheiro, recolhido pela Secretaria do Planejamento, vai para outros gastos do Estado, resta no final uma ninharia para a Semad. 

A fiscalização nas empresas mineradoras ou é feita com olhos de cego, devido à pressão das empresas e a corrupção dos políticos, ou não é feita por causa da falta de pessoal qualificado, equipamentos, viaturas e pagamento de diárias. Embora o financiamento empresarial de campanhas políticas esteja proibido, por baixo do pano os políticos esperam “uma ajudazinha” das empresas e, por isso, temem ser rigorosos na imposição das leis e na apuração e punição de responsabilidades. 

Isso explica por que o Sisema, em apenas um ano, analisou e regulamentou mais de 6 mil processos de licenciamentos ambientais!

Enquanto economia e política não forem ecologizadas, outras tragédias semelhantes poderão ocorrer. A menos que a lei obrigue os diretores de mineradoras a erguer seus luxuosos condomínios à sombra das barragens... 

Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais, autor do romance “Minas do Ouro” (Rocco), entre outros livros.

Texto original: CARTA MAIOR

DE MASTINS E DE POODLES


No day after da aprovação pelo Senado de proposta que muda as regras do pré-sal, abrindo caminho para leilões de novos campos de petróleo e para a aprovação pela Câmara de projeto ainda mais vergonhoso, que prevê o fim do regime de partilha e a volta ao regime de concessão que vigia até 2010, estabelecido nos “fantásticos” tempos de FHC, autoridades norte-americanas movem mundos e fundos para impedir a compra, pela poderosa estatal chinesa ChemChina, da multinacional química Syngenta, por 44 bilhões de dólares.

Embora de origem suíça, a Syngenta tem forte presença no mercado agrícola norte-americano, onde está cotada em bolsa e conta com acionistas como o Bank of America e o fundo de investimentos Blackrock.

Com essa atitude, os EUA querem também evitar que Pequim reforce sua posição na área de transgênicos prejudicando direta e indiretamente grandes empresas norte-americanas do setor, como a Monsanto - ao contrário do que ocorre no Brasil, os chineses tratam as multinacionais de sementes e defensivos agrícolas estrangeiras com rigor e são extremamente cuidadosos na liberação da venda de seus venenos e organismos geneticamente modificados em seu território, um dos maiores mercados do mundo. 

A pseudo “massa” ignara, abjeta, fútil e fascista, que pulula pela internet e pela mídia conservadora brasileira, deveria aproveitar o seu pegajoso pró-norte-americanismo para aprender a diferença entre os EUA – e outros países com P maiúsculo na administração de seus interesses - e o Brasil: por lá, quando se trata da entrega de setores ou mercados estratégicos para potências concorrentes, os mastins nacionalistas dos Estados Unidos ladram e rugem - mesmo quando não se trata de empresas 100% norte-americanas – e arreganham os caninos, enquanto, por aqui, nossos delicados poodles entreguistas antinacionais fazem festa para os gringos, e balançam, arfantes e em êxtase, os rabinhos.

Texto original: MAURO SANTAYANA

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Objetivos do Milênio: aqui jaz o capitalismo esclerosado

Relatório da ONU mostra uma realidade ambiental assustadora. Ou criamos outro sistema, ou deixamos que o 1% acabe de fazer o serviço.

Najar Tubino


Jazer significa estar morto ou como morto. Esse é o caso do dito cujo. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, assinado por 189 países em 2000, definiu oito pontos principais, entre eles, combate a extrema pobreza, mortalidade infantil, igualdade de gênero, redução das doenças transmissíveis como AIDS, malária e tuberculose, ensino fundamental e um melhor gerenciamento do desenvolvimento. O prazo acabou em 2015, ano em que o 1% da população mundial detém 50% da riqueza. O ano mais quente da história recente, onde foram anunciados os eventos extremos meteorológicos ocorridos nos últimos 20 anos: 6.457 contando enchentes, tempestades, ondas de calor e secas. Morreram 606 mil pessoas, 4,1 bilhões ficaram feridas, sem abrigo ou necessitaram assistência de emergência. Mais: 87 milhões de casas destruídas, prejuízos anuais de 250 a 300 bilhões de dólares.

Metas importantes foram cumpridas, como a redução da pobreza, da mortalidade infantil, do acesso ao ensino, da assistência aos doentes, entre outras coisas. Entretanto, o relatório da ONU, de 76 páginas, aprovado no final do ano passado mostra uma realidade cruel da humanidade neste momento. E serve de argumento para decretarmos o estado do cadáver insepulto do capitalismo. Vamos lá:

A realidade do mundo em números

- 946 milhões de pessoas defecam ao ar livre, segundo o relatório, que de livre não tem nada, porque somente na Índia morrem 200 mil crianças por ano de diarreia, entre outras doenças espalhadas por moscas, mosquitos e outros insetos, que carregam restos de fezes humanas pelos trajetos usados- como cólera, desinteria, ebola, hepatite A.
- 880 milhões vivem em favelas, bairros de lata, que são comuns na Ásia.

- 2,4 bilhões, a maioria na zona rural, convive com instalações sanitárias não melhoradas, como registra o eufemismo dos burocratas.

- 32 milhões estão contaminados com o vírus HIV e não recebem tratamento.

- 16 mil crianças morrem diariamente antes de completar cinco anos. Em 2015 morreram 5,9 milhões, sendo um milhão ao nascer, outro milhão uma semana depois, e 2,8 milhões nos 28 dias do período neonatal.

- 57 milhões de crianças em idade de frequentar escola estão sem estudar.

- 60 milhões de pessoas abandonaram suas casas em 2014 em razão de conflitos e guerras, o nível mais elevado desde a segunda guerra mundial. A metade são crianças.

- 254 milhões estão desempregados – em 2015 -, um número que supera em 53 milhões os números de 1991. O desemprego entre os jovens entre 15 e 24 anos é três vezes superior ao dos adultos e no ano passado, onde 74 milhões de jovens estavam a procura de emprego.

- Em 2015, foram registrados 240 milhões de casos de malária com 472 mil mortes, e outros 300 milhões casos de dengue, sendo que as duas doenças são transmitidas por mosquitos e estão presentes em 100 países. Inclusive nos Estados Unidos, onde em 2009 ocorreu um surto na Flórida.

- 1,45 bilhão de trabalhadores em condições vulneráveis, ou seja, sem contrato de trabalho, sobrevivem com bicos ou por conta própria. A taxa global é de 45%, mas na África e no sul da Ásia passa dos 50%.

Defecar ao ar livre é um terror

Defecar ao ar livre é um terror para mulheres e crianças, isso no mundo digital, com quase quatro bilhões de conexões de internet espalhadas por todos os continentes. Enquanto 124 mil ultrarricos exibem o luxo de quem tem mais de 500 milhões de dólares. No ano da Declaração do Milênio o conceito de desenvolvimento envolvia a criação de um sistema comercial e financeiro aberto, previsível e não discriminatório. Se traçarmos a rota do crescimento mundial, no caso, a década de 1990 era usada como comparativo – PIB mundial de 27,5 trilhões de dólares – para mais de 80 trilhões em 2015. Entre 20 e 32 trilhões em paraísos fiscais, como aponta o estudo da Tax Justice Network, do Reino Unido, onde os 50 maiores bancos privados administram US$12 trilhões. Essa parte da previsão deve ter sido o “não discriminatório”.

A situação de quem vive em extrema pobreza realmente reduziu de 36% em 1990 para 15% em 2011, o acesso à água potável aumentou de 2,3 bilhões para 4,2 bilhões, a taxa de mortalidade infantil reduziu de 90 para 43 mortes por mil nascidos. Em 1990 a população mundial era de 5,2 bilhões, hoje de 7,2 bilhões. É preciso ressaltar, e isto está registrado no estudo da ONU citando o Banco Mundial, que metade de 155 países pesquisados não tem monitoramento sobre a situação da pobreza. Na África mais de 60% dos países não têm dados sobre a situação. Sem contar que apenas 60 países dos pesquisados contam com sistemas de registros de nascimento.

A cada minuto morrem 11 crianças no mundo

“- Os progressos para acabar com a fome foram importantes apesar do ambiente mundial difícil durante a última década. Os obstáculos incluem preços instáveis das matérias primas, preços mais elevados dos alimentos e energia, aumento do desemprego e recessões econômicas, no final da década de 1990 e em 2008/09. Os fenômenos meteorológicos extremos frequentes e os desastres naturais também contribuíram bastante para a perda de vidas e dos meios de subsistência e prejudicaram o progresso no sentido da segurança alimentar mundial”, registra o estudo da ONU.

As instabilidades políticas e as guerras civis agravaram os efeitos dos desastres naturais – caso da África que contabilizou 77 secas no período -, que resultou em várias crises humanitárias significativas. O relatório dos Objetivos do Milênio também ressalta:

“- Os ODMs conduziram progressos dramáticos e sem precedentes na redução das mortes infantis. Tratamentos eficazes e a custo acessível, melhoria nos serviços de saúde e compromisso político contribuíram para isso. Mesmo assim, a cada minuto, em todo o mundo, 11 crianças morrem antes de completar cinco anos, a maioria de causas evitáveis.”

900 milhões de mosquiteiros com inseticidas

Também morrem 800 mulheres grávidas, no parto ou logo após, a maior causa morre por hemorragia – 27%. A mortalidade de crianças e mulheres também é maior nas zonas rurais. Na Ásia, 50% da população ainda vivem em comunidades no campo. Onde os mosquitos atacam mais. Onde a ONU, através dos programas de saúde distribuiu 900 milhões de mosquiteiros tratados com inseticidas, reduzindo o índice de mortalidade da malária nos últimos anos. Mas também aumentando o faturamento das corporações internacionais de veneno, que também são as mesmas que nunca se interessaram em produzir uma vacina contra a picada do mosquito Anopheles, assim como nunca se preocuparam com o alastramento da dengue e a suas complicações, que hoje se tornaram uma emergência mundial, conforme comunicado da Organização Mundial de Saúde. Em 2014, um “cluster”, um agrupamento de evidências de distúrbios neurológicos e malformações neonatais foram registrados nas ilhas da Polinésia Francesa e depois na Ilha da Páscoa, antes do surto de 2015 no Brasil.

Deixamos que o 1% acabe o serviço

Um dos pontos dos Objetivos do Milênio é a sustentabilidade ambiental, uma situação que precisava ser revertida, conforme a declaração do ano 2000. Aconteceu o contrário. Piorou totalmente. Segue a lista das extinções, do desmatamento, do aumento dos gases estufa, a escassez de água, que afeta mais de 40% da população mundial e a queda do estoque pesqueiro – em 1996 a pesca era de 88 milhões de toneladas, em 2013 foi de 82 milhões, sem contar a extinção de espécies, a sobrepesca, a poluição, a acidez dos oceanos. 

A Organização das Nações Unidas discute as metas para os próximos 15 anos. A essência do documento deve ser a situação de “como morto” do capitalismo esclerosado. Porque certamente nos próximos 15 anos a vida no Planeta continuará caminhando no rumo do desastre, se o atual sistema econômico não for enterrado. O desafio é óbvio: ou criamos outro sistema, ou deixamos que o 1% acabe de fazer o serviço, que já está quase completo.

Texto original: CARTA MAIOR

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Crise mundial: petróleo derrete, republicanos celebram o carvão

Os Estados Unidos não estão nem um pouco interessados em abrir mão do seu estilo prepotente para conter o aquecimento global.

Najar Tubino


O capitalismo esclerosado está em convulsão mais uma vez. As maiores petrolíferas do mundo demitiram mais de 100 mil pessoas em 2015, 30 mil somente na Noruega. O gás de xisto, considerada a última maravilha do neoliberalismo dá sinais de falência literal – as empresas prestadoras de serviço como Saipem, Schlumberger, Weatherford, Baker and Hughes e Halliburton foram responsáveis por quase 50 mil demissões. Isso no ano passado e o setor de petróleo e gás se prepara para a segunda onda de demissões, corte de investimentos e fechamentos de poços em 2016. Em 10 anos, os bancos dos Estados Unidos emprestaram US$1 trilhão para estas empresas. Como forma de multiplicar os lucros, fatiaram os negócios e venderam ao mercado. As agências de classificação como Standard & Poors e Moody’s rebaixaram as notas de empresas como Chevron e Shell, além de outras dez menos conhecidas. A ExxonMobil, maior petrolífera do mundo está ameaçada de perder o AAA.

Incluindo a BP, do Reino Unido, todas estão cortando despesas, tiveram queda no faturamento e reduziram os lucros, desde o ano passado. A Exxon em 20%, a Shell em 57%, a Chevron em 30%. A redução de investimentos alcançará mais de 75 bilhões de dólares – em 2015 foi de US$595 bilhões e a previsão para 2016 é que não passe de US$520 bilhões. Mas este ainda não é o maior problema, além da redução histórica nos preços do barril do petróleo. Os contratos na Bolsa Mercantil de Nova York com vencimento em março apontam para uma cotação do petróleo leve (WTI) a US$27,94 e o Brent, usado como referência na Europa, a US$30,51.

Bolsas já perderam US$15 trilhões

As petrolíferas precisam de dinheiro até abril para pagar US$31 bilhões em dividendos aos seus acionistas, principalmente fundos de pensão, aposentados e fundos especulativos que têm nas ações da Exxon, Shell, BP, Crevron e Conocophilips uma garantia de renda anual. A Exxon aumenta os dividendos há 33 anos seguidos e a Shell desde 1945 não deixa de pagá-los. Entretanto, os títulos e ações do setor de petróleo e gás se arrastam no tufão que tomou conta das bolsas no mundo inteiro, em 2016 já perderam US$15 trilhões. O setor do fracking dos Estados Unidos tem um déficit de US$169 bilhões – em 2010 era de US$81 bilhões.
Existem mais de um milhão de poços de exploração de gás de xisto nos Estados Unidos – a rocha sedimentar que tem entre 5 e 10% de betume, que a criatividade industrial suga através da injeção de água misturada com areia e fluídos de hidrocarbonetos como benzeno, tolueno e etil benzeno, ou até mesmo óleo diesel. São 240 bilhões de litros de água poluídas que saem desses poços, sem contar o metano liberado na atmosfera.

Sim, nós mandamos

Para coroar a convulsão perfeita do mercado, a Suprema Corte dos Estados Unidos, numa contagem de 5 a 4 – cinco conservadores, segundo a mídia – trancou o Plano de Energia Limpa do presidente Barack Obama, que está ameaçado de entrar para a história como o maior demagogo do planeta, ao anunciar na COP 21 que os Estados Unidos cortariam 32% das emissões de gases das usinas de eletricidade, a maioria movida a carvão até 2030. O refrão “sim, nós podemos”, virou “sim, nós mandamos” dos republicanos como Paul Ryan, presidente da Câmara dos Deputados que pretende enterrar definitivamente a pretensão de Obama.

“- Essa regulação deve ser derrubada de forma permanente, antes que a indústria de carvão seja completamente destruída e os consumidores americanos sejam condenados a pagar mais caro pela energia”, disse ele, depois do anúncio da Suprema Corte, que ainda passará por uma revisão em junho num Tribunal de Recursos do Distrito de Colúmbia.

Ninguém sabe o que acontecerá em 2016

O poder conservador mostra que não está nem aí para o aquecimento global ou o que o restante da humanidade pensa sobre o grave problema que afeta os sete bilhões de habitantes. Foi uma decisão inusitada, a toque de caixa, para repercutir na campanha presidencial, e mostrar ao mundo que os Estados Unidos não estão nem um pouco interessados em abrir mão do seu estilo – carro, sanduíche gorduroso, obesidade e prepotência.

Mesmo assim o mercado continua derretendo. A briga entre Arábia Saudita e Irã é apenas uma face do problema. No rolo atual todos estão jogando mais petróleo no mercado, o Iraque vende a 25 dólares o barril para a Ásia, Noruega e Canadá vendem a 22 dólares. Não há mais parâmetro. Nenhum banco consegue prever petróleo custando mais do que 60 dólares durante 2016. A Agência Internacional de Energia prevê um milhão de barris dia a mais no mercado este ano e considera que o ponto de equilíbrio entre oferta e demanda ocorrerá em 2019.

Fracking é a última bolha especulativa

A questão é que as previsões são viciadas, na verdade ninguém está entendendo o que acontece. Desde 2012, a AIE anuncia uma previsão de consumo acima de 90 milhões de barris/dia no mundo. Em 2015 deveria ser 92 milhões de barris/dia. Não há informação de quanto foi consumido no ano passado, com a queda no consumo da China e a recessão na Europa e nos países emergentes. Pior: a previsão da Agência Internacional de Energia é para um consumo de 120 milhões de barris/dia em 2020, ou seja, daqui quatro anos. Na realidade as previsões escondem as intenções do mercado de continuar vendendo petróleo, combustível, carros, ou seja, perpetuando o ciclo do combustível fóssil, que os 195 países presentes na COP 21 recentemente fizeram juras para mudar, depois de 2020.

O “milagre” americano do fraturamento hidráulico é a última bolha especulativa do capitalismo esclerosado, os últimos estudos de várias universidades americanas apontam para a queda na produção antes de 2020. O analista da Moody’s, Terry Marshall declarou ao Financial Times “que o mercado de capitais tem sido tão forte e tão aberto para as empresas de petróleo e gás que muitas delas acabaram criando um monte de dívidas”. O filme é o mesmo de 2008, agora azar é de quem ficou com o mico nas mãos, no caso os títulos fatiados dos empréstimos das empresas do setor que vão virar pó. O diretor de pesquisa de Commodities do Citi Group na mesma matéria do FT disse:

“- Assim como o mercado de capitais guiou a indústria a um crescimento espetacular, o setor financeiro vai conduzi-la à consolidação e a contração”.

Texto original: CARTA MAIOR

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Petróleo: mercado arde e as petrolíferas conspiram

Rússia, Irã e Venezuela são os mais afetados hoje, mas se a indústria do xisto não paga os empréstimos aos bancos, está formada a crise mundial.

Najar Tubino

Trata-se de uma trama para jogar a humanidade cada vez mais no buraco. É um jogo extremamente perigoso, mas que faz parte da indústria petrolífera mundial, desde que furaram o primeiro poço na Pensilvânia no século XIX. Primeiro ponto: até a década de 1950 as chamadas Sete Irmãs – Exxon, Mobil, Shell, BP, Chevron, Texaco e Gulf Oil – detinham 55% da produção mundial. Com exceção da Shell, anglo-holandesa, as outras são petrolíferas nascidas nos Estados Unidos, na verdade quase todas descendentes do primeiro truste do mundo montado por John Rockfeller. Hoje são quatro “majors” e elas detêm 10% da produção e 5% das reservas mundiais. Os dados são do professor da Escola Politécnica da UFRJ, Marcelo Marinho Simas, que também integra o corpo técnico da Petrobras.

O trabalho elaborado por ele chamado “O Novo Papel das National Oil Companies” cita as maiores consultorias do setor, como a Accenture e a PFC Energy que mostram a nacionalização das reservas petrolíferas mundiais – 77% das reservas de petróleo e 51% das reservas de gás. Até a década de 1970, antes do embargo dos árabes de 1973, as Sete irmãs nadavam de braçada, faziam o que queriam no Oriente Médio, no Golfo Pérsico, era a “bandeira na frente e os negócios”, como diziam os executivos. O trânsito era livre, porque mesmo pagando apenas 50% dos contratos aos governos ou monarquias locais, as corporações manipulavam a tecnologia. Apenas em 1976, que os sauditas assumiram o controle da Aramco, uma petrolífera montada com quatro sócios estadunidenses. Conforme relato do livro de Daniel Yerguin – Petróleo, um dossiê de quase mil páginas.

Corporações precisam de reservas

Então as corporações precisam de novas reservas. Claro que tiveram que investir nas areias de piche de Alberta, no Canadá, no xisto betuminoso de Dakota do Norte e do Texas, e em águas profundas na África, no sudeste asiático e no Brasil. Em setembro do ano passado, um relatório da Agência de Informações de Energia dos Estados Unidos criticava a posição do Brasil por nomear a Petrobras como única operadora do pré-sal, com exigências de 60% local nos conteúdos dos equipamentos. “as operadoras reclamam para si o direito de operarem no pré-sal”, registra uma matéria do Brasil Econômico de setembro de 2014.

Como diz o professor Marcelo Simas as “IOCs” – International Oil Companies – precisam redefinir seu papel no mercado mundial, ou se tornarão prestadoras de serviços de alta tecnologia para as companhias nacionais. É preciso esclarecer que o negócio do petróleo rende lucros altos em dois segmentos: exploração (extração) e na produção, que os técnicos chamam de “upstream”. O restante, refino, comercialização, distribuição e varejo chamado de dowstream, o retorno é baixo. A vantagem da Arábia Saudita está neste fato: custo de produção de no máximo 10 dólares por barril, enquanto um barril do xisto custa entre 50 e 70 dólares e das areias de piche (betuminosas) entre 70 e 90 dólares. No caso do pré-sal, ou exploração em águas profundas, o custo é de 60 a 80 dólares.

Estados Unidos inflaram reservas de xisto

Porque o mercado arde? Esta semana a cotação do barril Brent fechou abaixo dos 50 dólares. O economista francês Jacques Safir, diretor de pesquisa da Escola Superior de Ciências Sociais, diz que a rentabilidade da indústria do xisto nos Estados Unidos começa quando a cotação do petróleo atinge 80 dólares. Também é conhecido o fato de que pelo menos 50% das empresas que exploram xisto nos Estados Unidos são independentes. Lá basta ter uma terra e algo embaixo, que está liberado. Fura, cava o poço e o resto vai pro beleléu, inclusive a concorrência. O cálculo varia, mas está entre 4 e 6 milhões de poços exploratórios de xisto, uma indústria que alavancou a economia estadunidense injetando 800 bilhões nos últimos cinco anos. Porém, a exploração depende de financiamento dos bancos. E aí o negócio complica. Segundo o analista da Casey Research, Marin Katusa, desde 2008 o mercado corporativo do xisto aumentou sua dívida corporativa em US$150 bilhões.

“- Com 45 dólares o barril não é possível refinanciar a dívida, isso é uma má notícia para a indústria do xisto”, diz ele, numa nota publicada na Voz da Rússia, no final de 2014.

Ainda em dezembro as notícias para a indústria do xisto, que os estadunidenses consideram a revolução da energia barata e ao mesmo tempo quase a autossuficiência – os cálculos são de produção de 40% da produção de gás nos próximos 20 anos – pioraram. Na edição da Revista Nature de dezembro, um estudo da Universidade do Texas apontava para uma redução das reservas do país. Simplesmente, o estudo desmente a versão otimista do xisto, com base na análise das quatro maiores reservas. Os pesquisadores da área de petróleo sabem muito bem que a produção do xisto decai muito rapidamente depois da primeira leva de óleo retirada. Cai pela metade. Ou seja, os pesquisadores da Universidade do Texas estão dizendo que em 2030 os Estados terão metade dos 18 bilhões de metros cúbicos, total das reservas divulgados oficialmente.

Risco iminente – a indústria do xisto não pagar empréstimos

As corporações petrolíferas não gostam de concorrentes. Quando uma empresa quis construir um oleoduto na Pensilvânia para tirar o monopólio da Standard Oil, de John Rockfeller, ele mandava jogar água fervendo nos trabalhadores que escavavam o oleoduto, das locomotivas que margeavam a construção. Ou seja, quebrar as pequenas concorrentes do gás de xisto, que certamente serão incorporadas logo em seguida, faz parte do jogo. Os sauditas também não gostam da concorrência do xisto, mas mesmo assim comunicaram aos russos, que a política de queda de preços vai continuar. A Rússia depende 97% do petróleo e gás para movimentar sua economia. Produz 10 milhões de toneladas de petróleo por dia e tem a maior reserva do gás do mundo – 45 trilhões de metros cúbicos. Os dois prejudicados, em seguida, são Irã e Venezuela. Se a indústria do xisto não paga os empréstimos aos bancos está formada a crise mundial. A oferta de petróleo aumenta, os preços continuam desabando. Nunca esquecendo: as petrolíferas também compram petróleo quando o preço está muito baixo. E se houver instabilidade nos países produtores, que possuem grandes reservas, quando alguns setores internos começam a pregar a privatização das empresas nacionais, quem ganhará? As quatro irmãs. Um trecho do trabalho do professor Marcelo Simas:

“-Nos anos 1990, com as fusões e aquisições da Exxon-Mobil, BP-Amoco, Arco, Elf-Total-Fine, Chevron-Texaco, Repsol-YPF e Conoco Philips as ‘majors’ voltaram a ganhar espaço no mercado devido à falta de tecnologia de alguns produtores para exploração de petróleo, além da exigência de abertura de mercados, desregulação e privatizações promovidas no mundo inteiro pelas ideias neoliberais de Margareth Thatcher e Ronald Reagan. As ideias foram introduzidas nos pacotes de assistência dos países em dificuldades que iam ao FMI e ao BIRD, para renegociar suas dívidas”.

Nesta época, Margareth Thatcher vendeu 51% das ações que o governo possuía na Brites Petróleo, desde que os ingleses, ainda na época de Wilson Churchill, entraram na Pérsia para explorar petróleo com a empresa então chamada Anglo Perdiam, com participação governamental. E ali permaneceram por 75 anos, incluindo o golpe que colocou o Xá Rezha Pavlevi no poder por 26 anos – até a queda em 1979.

Petróleo vai continuar dominando

Agora vamos à trama. É por demais conhecido que vivemos uma época de mudança climática e que as emissões de gás carbônico, o maior dos gases estufa, precisam ser reduzidas. Em 2012, elas atingiram 31,6 gigatoneladas. E até 2020, ou seja, daqui a cinco anos, não podem passar de 44 gigatoneladas, para que o mundo não sofra um aumento de dois graus centígrados na temperatura. São números oficiais da Agência Internacional de Energia, criada em 1974, logo após o embargo do petróleo realizado pelos árabes e que só tem 28 sócios. A mesma AIE considera que o consumo dos combustíveis fósseis precisa ser reduzido em 50% até 2050. Um número considerado irrealista pelas petrolíferas, conforme está registrado no relatório Panorama Energético Mundial, publicado há mais de 50 anos pela Exxon, a maior petrolífera do mundo, com lucro de US$40 bi em 2012.

“- O petróleo e outros combustíveis líquidos continuarão sendo a maior fonte de energia do mundo em 2040. O gás natural será o combustível com maior crescimento até 2040, com uma demanda crescente na ordem de 60%. Em 2040, 90% dos transportes globais será feito por combustíveis baseados em petróleo bruto, comparado a 95% nos dias de hoje. As emissões de CO2, relacionadas à energia global serão estabilizadas por volta de 2030, permanecendo inalteradas em 2040”.

A corporação deixa claro o seguinte: “considerar todos os aspectos da energia não é um exercício acadêmico para a ExxonMobil, porque investimos bilhões de dólares em projetos a cada ano com base nas previsões encontradas no Panorama Energético.” Vou acrescentar um adendo, agora, da Chevron:

“- O mundo já produziu um trilhão de barris de petróleo até agora e ao longo do século, cerca de dois trilhões de barris se espera sejam produzidos a partir de reservas provadas convencionais e não convencionais – xisto e areias betuminosas”.

Querem enterrar 10 bilhões de toneladas de carbono

No relatório de sustentabilidade da Shell de 2013 comecei a entender porque as petrolíferas continuarão extraindo petróleo e as emissões de CO2 serão “estabilizadas”. Muito simples: chama-se tecnologia CCS – carbon captured and storage, ou seja, captura e armazenamento do carbono no subsolo. Popularmente: enterrar a sujeira embaixo da terra, usando poços de óleo e gás vazios, aquíferos salinos embaixo do mar ou formações de leito de carvão. Mais isso não é o mais impressionante. Outro pesquisador da Escola Politécnica da UFRJ, Victor Paulo Peçanha Esteves, no trabalho intitulado “Política e regulação de captura e armazenamento geológico de carbono – desafios para o Brasil” registrou a informação: num relatório do G-8 de 2010 foram apontados que 80 projetos de CCS começam a operar entre 2015 e 2020 – 73 deles em países desenvolvidos. Entretanto, até 2050 são previstos 3.400 novos projetos de CCS, 65% em países em desenvolvimento. A Agência Internacional de Energia confirma que 15% do CO2 emitido será enterrado até 2050.

Quanto eles pretendem enterrar de CO2, eis a questão. Somente 10 bilhões de toneladas, isso mesmo, 10 gigatoneladas. O que pode acontecer com um poço de milhão de toneladas de CO2 armazenado?

“- Quando um carboduto de alta pressão sofre um vazamento, a pressão irá cair rapidamente, desprendendo uma grande quantidade de energia. Essa energia irá fazer com que o solo acima do carboduto seja ejetado causando possíveis danos materiais e de vida. A dispersão se dá em forma de uma nuvem, que se move perto da superfície. A concentração de 15% do volume em CO2 leva a perda da consciência em menos de um minuto”, explica o pesquisador da Escola Politécnica.

Canadá inaugurou projeto de CCS

Um poço pode sofrer corrosão, defeitos de material, problemas na construção, tremores de terra, inundações subterrâneas, atividades humanas no entorno. A Shell, por exemplo, queria instalar um projeto para captura de 10 milhões de toneladas da planta de gaseificação de hidrogênio na Usina de Pernis, perto de Roterdã. O CO2 seria transportado por um carboduto de 20 km e injetado em dois campos vazios a 1.852 metros, sob a cidade de Barendrecht. O projeto foi aprovado pelo governo central, pelo alto parlamento, mas a municipalidade vetou, e ele foi cancelado.

O primeiro projeto global de captura e armazenamento de carbono começou a funcionar no Canadá em outro do ano passado, na localidade de Estevan, província de Saskatchewan do Sul, numa usina termoelétrica movida a carvão com 110MW de potência. Vão capturar um milhão de toneladas por ano. Os Estados Unidos tem 1.266 usinas térmicas movidas a carvão, que é o combustível fóssil que mais emite CO2. A Noruega e o Reino Unido estão testando, desde 1996, usar um aquífero salino no Mar do Norte para enterrar carbono. Chama-se Utsira e tem capacidade para 42 gigatoneladas. O projeto pretende enterrar as emissões da Noruega, do Reino Unido e parte da Bélgica e da Alemanha.

O mercado do petróleo arde, além disso, os poderosos pretendem enterrar a sujeira explosiva, enquanto discutem as metas da Conferência do Clima em 2015.

Créditos da foto: - POD - / Flickr

Texto original: CARTA MAIOR

domingo, 21 de dezembro de 2014

Famílias com até dois mínimos arcam com 48,9% dos impostos

publicado em 28 de novembro de 2014 às 19:19

Para os donos da grana, céu de brigadeiro

Reforma tributária: afinal, quem paga a conta?


A continuidade do processo político-econômico de redução das desigualdades e injustiças sociais depende da reforma tributária. O caráter regressivo do sistema tributário brasileiro dificulta o fortalecimento do mercado interno de consumo popular e desestimula o investimento, a variável por excelência para um crescimento autônomo e sustentável

“…o grau em que um sistema [de tributação] produz igualdade econômica, em comparação com o grau de igualdade econômica que prevaleceria sem ele, é uma questão que trata do sentido de justiça social dentro dessa comunidade. Depende da questão, puramente política, de quanta desigualdade quer tolerar a sociedade.” Nicholas Kaldor, economista húngaro

No debate tributário, a primeira pergunta a ser feita é: afinal, quem paga a conta? Quem arca com o ônus do financiamento do Estado?

Dito de outra forma, quais os segmentos sociais suportam, por meio dos tributos arrecadados, o financiamento das políticas públicas? Essa é a questão central.

A pergunta é fundamental também para nos certificarmos, ou não, da eficácia redistributiva do sistema fiscal como um todo, ou seja, para sabermos se o Estado não está dando com uma mão e tirando com a outra.

Entretanto, é notório que o tema da tributação chega à população de forma, propositadamente, superficial e distorcida. O motivo é óbvio: um debate mais profundo sobre o sistema fiscal em geral e a tributação em especial não interessa aos endinheirados e detentores da riqueza. Não interessa, em particular, aos que detêm a riqueza financeira, hoje, crescente no Brasil e no mundo.

De outro lado, as vítimas do sistema tributário vigente, potenciais interessados na questão, muito pouco participam do debate.

Mesmo entre os segmentos populares organizados, nem sempre o debate atinge a questão central e, por vezes, certas reivindicações acabam por reproduzir a ideologia dominante e legitimar as distorções e injustiças existentes.

Na academia, a hegemonia sobre o assunto ainda é da escola liberal, que não só orientou a construção do atual sistema tributário brasileiro como continua pautando as questões sob o seu ponto de vista.

Até mesmo no campo progressista das ideias, gente bem-intencionada, não raramente, reproduz conceitos e formulações no tema tributário cujas premissas fazem parte do edifício conservador.

Há que reconhecer, no entanto, que no interior de partidos de esquerda, como o PT, dos sindicatos mais combativos, de algumas organizações do movimento social e das universidades existe um esforço crescente de militantes políticos e intelectuais com o objetivo de resgatar a importância da tributação para além de sua função meramente arrecadatória, incorporando ao debate sua função regulatória e, sobretudo, redistributiva de renda e de riqueza.

Enfim, levar o debate da questão tributária a amplos setores da população brasileira é uma necessidade e um desafio de todos aqueles que lutam por um sociedade mais justa e solidária.

Tributação e desigualdade

Em janeiro de 2014, a Oxfam, rede internacional de organizações que combatem a pobreza, revelou que as 85 pessoas mais ricas do mundo possuíam a mesma riqueza que a metade mais pobre da humanidade. Em relatório recente, a Oxfam afirma que, entre março de 2013 e março de 2014, essas 85 pessoas aumentaram sua riqueza em US$ 668 milhões a cada dia.

Calcula-se que, se quisesse utilizar toda a sua riqueza e gastasse US$ 1 milhão por dia, Bill Gates necessitaria de 218 anos para acabar com sua fortuna. O relatório demonstra que a desigualdade no mundo intensificou-se nas últimas décadas. De cada dez pessoas, sete vivem num país em que a desigualdade aumentou nos últimos trinta anos. Em países de todo o mundo, é cada vez maior a participação da minoria rica na renda nacional.

Sobre o Brasil, ressaltam-se duas observações relevantes. A primeira é que, ao contrário da tendência mundial, a desigualdade, no país, foi reduzida.

A Oxfam utiliza o Brasil como exemplo de que outro caminho é possível, que o aumento da desigualdade não é consequência inevitável de fatores econômicos supostamente elementares ou um efeito secundário necessário, ainda que desafortunado, da globalização e dos avanços tecnológicos. A desigualdade é o resultado de decisões econômicas e políticas deliberadas.

A segunda referência que vale destacar, pois interessa diretamente ao nosso debate, se refere à regressividade dos sistemas fiscais dos países em desenvolvimento, justamente, diz o relatório, aqueles em que o gasto público e a redistribuição são mais necessários.

O estudo mostra que, após a incidência dos tributos e a efetivação dos gastos públicos pelas transferências governamentais, a redução da desigualdade, medida pelo coeficiente de Gini, alcança menos de 10% na média dos países da América Latina e Caribe.

Nesse caso, o Brasil não é diferente dos demais. Nosso sistema fiscal pouco reduz a desigualdade, o índice é levemente superior aos de nossos vizinhos.

A média de redução obtida pelos sistemas fiscais dos países da OCDE representa algo em torno de 35%. Finlândia e Áustria são citadas como exemplos de países que reduzem a desigualdade de renda à metade graças a um sistema tributário progressivo e eficaz acompanhado de um gasto social bem orientado.

Um sistema fiscal compreende duas frentes: a política de captação de recursos, em que a tributação tem grande importância, e a política de aplicação de recursos, que podem ou não ter finalidades sociais.

No caso brasileiro, não obstante o peso excessivo dos encargos financeiros suportados pelo Estado, freio ao perfil social esperado do gasto público, é evidente que a baixa eficácia do sistema fiscal em reduzir a desigualdade econômica responsabiliza muito mais a tributação, pelas suas fortes características regressivas, do que os gastos.

O sistema fiscal brasileiro repassa às famílias mais pobres, sob a forma de gastos sociais, recursos pouco maiores aos que lhes foram retirados por meio dos tributos.

A regressividade caracteriza-se por tributar proporcionalmente mais os que recebem menos, e vice-versa. Segundo dados do Ipea, em 1996, famílias com renda até dois salários mínimos arcavam com uma carga tributária de 28,2%; em 2003, o ônus tributário elevou-se para 48,9%.

Na faixa de renda familiar superior a trinta salários mínimos também houve elevação da carga tributária, mas em menor proporção, de 17,9% para 26,3%, no mesmo período.

A principal razão da acentuada regressividade da tributação brasileira é sua concentração em impostos indiretos, que incidem sobre mercadorias e serviços, como o ICMS, a Cofins, o IPI, o ISS, entre outros.

Sendo passíveis de transferências aos preços, apesar de recolhidos pelas empresas, esses tributos são, de fato, suportados pelos consumidores finais.

Os mais pobres, por consumirem o equivalente a toda a sua renda, são também nesse caso são os mais onerados. Considerados os três níveis de governo, mais da metade da arrecadação nacional provém da tributação indireta, também chamada de tributação sobre o consumo.

Sobre a tributação da renda, o dito popular “quem paga imposto é o assalariado” encontra pleno respaldo na realidade brasileira.

A maior alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Física (27,5%) pode ser considerada alta em relação aos rendimentos recebidos pela classe média.

Na outra ponta, a fatia significativa das altas rendas é destinada aos sócios e acionistas, beneficiários de lucros e dividendos distribuídos pelas empresas, e não se submete à tabela de incidência do IR, pois a partir de 1996 esses ganhos tornaram-se “rendimentos isentos e não tributáveis”.

Também não se submetem à tabela do IR os beneficiários de aplicações financeiras, para as quais estão previstas diferentes alíquotas, sempre inferiores às aplicadas aos assalariados, e em alguns casos a isenção. Atualmente, a tributação sobre a renda representa cerca de um terço da arrecadação, mas em 2000 respondia por apenas 25% do total.

A tributação sobre o patrimônio não ultrapassa os 4%. É uma vitamina para a concentração de riqueza. O maior percentual dos recursos correspondentes vem da cobrança do IPVA.

O propalado fato de os jatinhos não pagarem esse tributo é somente um emblema dos privilégios aos de cima.

No que se refere à tributação do patrimônio, disputam o topo da lista das principais injustiças tributárias: a dificuldade, bem conhecida dos governos municipais de orientação popular, em fazer valer a progressividade do IPTU, prevista na Constituição Federal; a ínfima tributação das grandes extensões de terra, pois o Imposto Territorial Rural não atinge um milésimo da arrecadação nacional, neste país de enorme concentração fundiária; as reduzidas incidências dos tributos sobre a transmissão de bens e direitos, inter vivos ou por herança; e a postergação continuada da instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas, já previsto na Carta de 1988.

Inversamente ao que ocorre no Brasil, nos países desenvolvidos a tributação sobre a renda e o patrimônio corresponde a cerca de dois terços da arrecadação, conforme dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

É importante destacar, ainda, que os fluxos de capital desregulado e livre de tributação, além do potencial desestabilizador às economias nacionais, aprofundam a regressividade.

Do mesmo modo, a utilização dos paraísos fiscais resulta em significativa evasão de tributos. O enfrentamento dessas questões requer um conjunto de ações combinadas, no plano nacional e internacional.

Herança patrimonialista e a persistência da injustiça tributária

Aqui ou em qualquer parte do mundo, a questão tributária embute em seu núcleo central um conflito distributivo fundamental sobre o ônus de financiar o Estado e as políticas públicas. Trata-se de uma das expressões do conflito de classes. Por isso, é preciso enfatizar que a ideologia, no sentido de mascaramento da realidade social, sempre permeou esse debate.

No caso brasileiro, é preciso acrescentar alguns elementos históricos. Inserida na ordem de valores de uma sociedade nascida do colonialismo, da escravidão e do latifúndio, remanesce, com força, a ideia de tributo como agressão ao patrimônio individual, que remonta aos tempos do Império.

A Constituição de 1824 previa a necessidade de possuir patrimônio ou renda para ser eleitor ou eleito. Resulta disso que qualquer lei tributária seria potencialmente agressora aos considerados “cidadãos”.

“Essa ideia de um Estado patrimonial vem até 1937, porque se mantém a regra que exclui o mendigo do processo político de formação da vontade de Estado (não pode ser eleitor). É um Estado que não aceita qualquer do povo no processo de participação da formação de sua vontade. Exclui os que não têm patrimônio. Por essa razão, a ideia do patrimônio assume, naquela época, o mesmo nível de prestígio que a ideia de liberdade”, afirma o jurista Marco Aurélio Grecco.

“Ora, se o tributo é visto como agressão ao patrimônio individual, o Direito Tributário – como conjunto de normas que regulam o exercício desse poder – passa a ser o escudo para o cidadão defender-se contra uma invasão do Estado”, conclui.

Desnecessário dizer que o liberalismo econômico foi bem acolhido pela elite dominante deste país. No que diz respeito à tributação, até os dias de hoje os liberais assentam sua concepção na ideia de liberdade econômica, inscrita na ordem jurídica como liberdade de iniciativa.

É como se o exercício dos direitos advindos desse princípio não encontrassem limites em outros, igualmente previstos na Carta Constitucional: da função social da propriedade, da solidariedade social, da dignidade da pessoa humana, da isonomia – também chamado de princípio da igualdade – e, especificamente dirigido à tributação, o da capacidade contributiva.

No plano econômico e social, os (neo)liberais querem nos fazer crer que os tributos devem ser instrumentos neutros para financiar o modelo de Estado que lhes convém.

Em sintonia com a defesa extremada da liberdade de iniciativa no arcabouço do Direito, o princípio orientador de sua concepção é o da neutralidade, traduzido pela não interferência da tributação sobre a posição dos agentes econômicos, considerada a situação econômica anterior e posterior à sua incidência.

Segundo sua concepção, não lhe diz respeito qualquer função redistributiva em relação à renda ou à riqueza. Regulação, só em casos extremos. Dizem também que a tributação não deve orientar investimentos.

Do ponto de vista das despesas públicas, admitem medidas compensatórias por meio de gastos focalizados.

As bases do atual sistema tributário brasileiro foram estabelecidas há quase cinquenta anos, com a aprovação do Código Tributário Nacional em 1966. De lá para cá, esse sistema nunca mereceu ser chamado de progressivo, mas já proporcionou dias melhores em comparação ao que se viu durante o vendaval neoliberal.

Nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso, a carga tributária foi elevada em quase 6% do PIB. Ocorre que esse incremento se deu em período de predomínio de crise econômica e recaiu sobre a base do consumo e da renda do trabalho. A tributação dos assalariados cresceu até mesmo no período em que houve queda da massa salarial, de 1998 em diante.

De outro lado, houve vontade política bastante para promover a desoneração tributária sobre a renda do capital logo no início do governo, em plena obediência ao preceito neoliberal de que a igualdade é um valor positivo.

O efeito só poderia ser a redistribuição da carga com sentido negativo, criando um paraíso fiscal para os beneficiários do capital e um inferno fiscal para os assalariados.

O brutal aumento da carga tributária foi motivado pela explosão da dívida pública alimentada pelos juros estratosféricos praticados no período, efeito colateral do Plano Real. Assim, o sistema fiscal passou a ser um Robin Hood às avessas: tirava dos pobres, por meio da tributação regressiva, e transferia à banca detentora dos títulos públicos mais bem remunerados do planeta.

Os condutores de tal política gabavam-se de ter realizado uma reforma tributária “silenciosa”. Foi sorrateira, isso, sim.

Pelo menos, trouxe mais uma evidência empírica à advertência de Lester Thurow, professor do MIT, para quem o segredo das reformas tributárias é fazer uns pagarem pelos outros e, normalmente, isso ser apresentado como a mais fantástica obra da ciência das finanças. O aprofundamento da regressividade tributária desse período, com todas as suas consequências sociais, não deveria ser algo a se orgulhar.

Estudo do Inesc constata que, de 2000 a 2011, os tributos incidentes sobre o consumo recuaram, passando de uma participação de 59,75% para 55,74% sobre o total da arrecadação nacional. “Por outro lado, os tributos incidentes sobre a renda evoluíram de 8,57% do PIB em 2000 para 10,76% do PIB em 2011, representando 30,48% do montante de tributos arrecadados em 2011. A carga tributária sobre o patrimônio teve um crescimento de 0,94% do PIB em 2000 para 1,31% do PIB em 2011”.

As alterações na participação relativa de cada uma das bases de tributação no total da arrecadação refletem, sobretudo, os efeitos da retomada do crescimento econômico com resultado no aumento da lucratividade das empresas, além dos efeitos das políticas de emprego e renda.

Quanto às desonerações de impostos e contribuições sociais, é preciso reconhecer que, na maioria dos casos, resulta em redução dos preços ao consumidor e, portanto, em aumento da renda disponível líquida dos consumidores. Entretanto, a queda na arrecadação de contribuições sociais retira recursos importantes da seguridade social, neutralizando parte dos efeitos positivos sobre os mais pobres.

Uma alternativa de caráter progressista seria substituir a fonte de recursos da qual a União abriu mão por outra contribuição social, incidente sobre a base renda ou patrimônio.

As pequenas mas importantes alterações na composição da carga de tributos não foram suficientes para uma reversão do quadro predominante de regressividade tributária no Brasil.

O imperativo político da reforma tributária

Nestas semanas turbulentas que se seguem à reeleição de Dilma Rousseff, no contexto de um processo eleitoral polarizado e marcado pelo ódio e pela intolerância, e em que se vislumbra a expectativa de uma composição predominantemente conservadora do Congresso Nacional, é natural que alguns duvidem da viabilidade de realizar, e até mesmo de propor, uma reforma tributária de caráter estrutural. Mas o que significa não enfrentar essa questão, se a continuidade do processo político-econômico que beneficiou a parte de baixo da sociedade brasileira depende, inevitavelmente, de maior contribuição da parte de cima da pirâmide social?

Como nas últimas eleições, as manifestações de junho de 2013 não nos deixaram esquecer que, apesar dos avanços sociais dos governos Lula e Dilma, parcela substancial da população brasileira, ao mesmo tempo em que questiona o atual sistema de representação política, espera do Estado muito mais e cobra, efetivamente, a ampliação e a prestação de serviços públicos de qualidade bem melhor.

Esse conjunto de lutas atualiza históricas reivindicações populares, a começar pelo transporte público nas grandes cidades, mas também incorporando educação, saúde e segurança pública, assistência social e previdência, saneamento básico, meio ambiente, habitação, cultura e lazer, além da demarcação das terras indígenas e do reforço à pequena agricultura familiar, das políticas afirmativas e do combate às discriminações de todo tipo.

O primeiro fato inconteste diz respeito à urgência no atendimento às demandas sociais, que não pode nem deve ser postergado. A expectativa dos que deram e dão sustentação ao atual projeto político nunca foi tão forte.

O segundo nos remete ao obstáculo a ser transposto pelos governos para a satisfação das principais demandas: a insuficiência de recursos compatíveis com a produção de bens públicos em ordem de grandeza muito superior à atual e com maior agilidade.

O fortalecimento da capacidade financeira do Estado, como é de esperar, irá se defrontar com a obstinada resistência dos herdeiros da casa-grande, que sempre estão na contramão do processo civilizatório. Não há outra saída, é preciso enfrentá-la e superá-la.

No mesmo sentido, se é verdade ter sido possível conduzir um processo de crescimento econômico com elevação da renda e dos níveis de emprego nos últimos anos, com efeitos importantes na redução da pobreza e da miséria, sem precisar lançar mão de reformas estruturais, este ciclo apresenta sinais de fadiga e, ao que tudo indica, está chegando ao fim.

O caráter regressivo do sistema tributário dificulta o fortalecimento do mercado interno de consumo popular e desestimula o investimento, a variável por excelência para um crescimento autônomo e sustentável.

O projeto de desenvolvimento com inclusão social e redistribuição de renda e riqueza pressupõe a revisão da estrutura tributária e a ampliação da tributação sobre os que recebem altas rendas e os que possuem elevado patrimônio, entre outras políticas interligadas.

Pressupõe também a regulação dos fluxos financeiros por meio de uma tributação seletiva dirigida especialmente ao capital especulativo.

A continuidade do processo político-econômico de redução das desigualdades e injustiças sociais depende da reforma tributária. É uma questão a ser enfrentada com toda a determinação, sob pena de derrota não muito distante do projeto político popular e grande retrocesso, com prejuízos sociais aos mesmos que reelegeram Dilma.

A reforma deve, sim, ser uma bandeira dos governos de orientação popular. Mas, sabemos todos, só vingará se o movimento social for o grande protagonista.

Boaventura de Souza Santos, lucidamente, nos conclama: “Sem uma profunda reforma política, não haverá uma reforma tributária e, sem esta, o Brasil continuará a ser um país injusto apesar de todas as políticas de inclusão”.

Paulo Gil Introíni é auditor-fiscal da Receita Federal do Brasil. Foi presidente do Unafisco Sindical entre 1999 e 2003

Leia também:
Altamiro Borges: A malandragem de O Globo com o manifesto que rejeitou Levy e Kátia

Texto original: VI O MUNDO

terça-feira, 12 de novembro de 2013

A MOBILIDADE URBANA, IMÓVEL! (I)


Está se tornando comum nas, grandes cidades, se retirarem os canteiros
centrais das avenidas, se retirarem ou diminuírem o tamanho das calçadas
  para darem lugar aos carros.
A falta de Mobilidade Urbana, nas nossas grandes cidades, geralmente, é colocada como consequência da grande quantidade de veículos circulando na cidade. Mas, será que é só isso, ou é a falta de planejamento, somada a existência de uma visão deturpada do que é progresso e do que é ser uma cidade moderna? Basta ver que algumas pessoas tendem a achar que a existência de tantos viadutos em uma cidade é sinal de progresso e modernidade!!!

Vamos fazer um histórico de como o trânsito ficou caótico na maioria das nossa grandes cidades e até mesmo em cidades de porte médio. Alias, o que faz o transito ficar caótica não é: o tamanho da cidade, e sim, a grande quantidade de veículos existentes por habitantes , aliado a falta de planejamento do espaço urbano. Claro, para isso tem o problema cultural do que é uma cidade moderna e com progresso

Sempre estamos denunciando e sentindo as consequências da falta de Mobilidade Urbana e quando se observa atentamente, iremos notar que algumas medidas que poderiam para se minimizar o problema das dificuldades no deslocamento dentro das nossas cidades não são implantados por nossos administradores, entre elas: 

  1. Falta de melhor distribuição dos órgãos pertencentes ao Estado e os órgãos pertencentes aos municípios;  
  2.  falta de uso e incentivo ao transporte ferroviário; 
  3. falta de construção de avenidas de escoamento do trânsito; 
  4.  uso de faixas exclusivas para passagem de ônibus; 
  5. exigência nas construções de novas edificações com garagens e estacionamentos para visitantes;
  6.  construção das novas avenidas com ruas paralelas de escoamento de transito; 
  7. construção de ciclovias sinalizadas; 
  8. controle de trânsito; 
  9. falta de sinalização adequada em locais de muito movimento de pedestres e automóveis;
  10. construção de calçadas tecnicamente padronizadas levando em consideração a locomoção dos pedestres.
Claro que nosso administradores não abandonam as alternativas citadas acima por mera falta de conhecimento e sim por pressão de vários setores da sociedade. Cada setor da sociedade tem seus motivos e interesses para que os itens acima sejam ou deixem de ser respeitados, entre eles podemos citar:
a) especulação imobiliária; b) interesses comerciais; c) pressão da impressa; d) interesses políticos; e) formação cultural.

As vezes se concentram várias empresas estatais e privadas, em determinados locais, visando valorizar os terrenos próximos, tornar o comércio mais movimentado, mais rentável e a região mais segura! Na realidade estão organizando o espaço e se aproveitando da formação cultural e informações passada pelos meios de comunicação visando atender os interesses financeiros em primeiro lugar.


Entrada do Hipermercado GBarbosa em Aracaju(SE)
Os interesses em organizar os trânsito e orientar o crescimento da cidade, visando interesses imobiliários e comerciais em primeiros lugar, são os mesmo interesses que levam a criarem uma cidade sujeita a grandes congestionamentos no trânsito e grandes alagamentos em época de chuvas.

Antônio Carlos Vieira
Licenciatura Plena - Geografia (UFS) 

Textos relacionados:

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

A Fome no Mundo

Comer é verbo e não substantivo: mercado ou soberania alimentar?

Em meados de fevereiro, o Banco Mundial comunicou que devido ao incremento nos preços da comida, o número de famintos estava se aproximando do 1 bilhão, quando os últimos dados da FAO falavam em 925 milhões. Outras 44 milhões de pessoas estão atravessando a fronteira da extrema pobreza porque suas débeis economias familiares foram desestabilizadas pelos preços elevados da comida. A situação é gravíssima, mas os preços seguem aumentando e, em uma economia globalizada, fenômenos climáticos locais – tempestades na África, geadas no México, secas na China, etc. – se convertem em um quebra-cabeças mundial. O artigo é de Vicent Boix.

Vicent Boix – Belianís

“Entre 2010 e 2011, os preços dos alimentos bateram recordes por sete meses consecutivos (...) Os aumentos nos preços dos produtos básicos se converteram em um fator desestabilizador da economia mundial, provocando tensões e distúrbios em vários países em desenvolvimento e, mais recentemente, na Argélia, Tunísia e Egito”. As afirmações são do Parlamento Europeu em uma resolução aprovada no dia 17 de fevereiro, que acrescentou: “...os altos preços dos alimentos lançam milhões de pessoas na insegurança alimentar e ameaçam a segurança alimentar mundial no longo prazo” (1).

Diante desta nova e trágica crise alimentar, repete-se uma e outra vez que a causa principal da alta dos preços é um desequilíbrio entre uma menor oferta e uma maior demanda em nível mundial, ou seja, cada vez se exigem mais cultivos e este ano os rendimentos foram piores. Mas, em um artigo anterior (2) indiquei que durante os anos 2003-2004 a situação em nível mundial quanto à quantidade de alimentos básicos como os cereais tinha sido pior que a de 2007 até agora. Contrariamente e tomando como referência o “Índice para os Preços dos Alimentos”, utilizado pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), os preços em 2003-2004 foram cerca de 50% inferiores em comparação com os da crise de 2008 e 100% inferiores em relação a janeiro de 2011.

Portanto, algo está manipulando e alterando os mercados e esse algo é a especulação que, segundo o Parlamento Europeu, é a culpada por 50% dos aumentos recentes. A própria FAO reconhece que só 2% dos contratos de futuros termina com a entrega da mercadoria e a maioria é negociada novamente, por isso “...esse tipo de contratos atraem um número cada vez maior de especuladores financeiros e investidores, já que seus lucros podem ser mais atrativos em relação a como se comportam os de ações e bônus” (3).

O problema não é de escassez ou de uma menor oferta de alimentos, como se diz sem parar, mas sim de alguns preços inflados por especuladores como constata a Eurocâmara em uma resolução anterior: “...na atualidade, o fornecimento total mundial de alimentos não é insuficiente (...) é mais a inacessibilidade dos mesmos e seus elevados preços os fatores que privam muitas pessoas da segurança alimentar” (4).

No entanto, a especulação, causadora das altas de preços, não é propriamente a raiz do problema. Ela deveria ser freada, mas os preços dos alimentos seguiriam sujeitos aos movimentos da oferta e da demanda, em uma época na qual cresce o interesse por agrocombustíveis e as grandes transnacionais controlam os diferentes níveis da cadeia alimentar. 

Ou seja, enquanto as nações marginalizarem sua autossuficiência e a panaceia for comprar alimentos básicos no grande supermercado global, ao mesmo tempo em que se exporta para esse mercado matérias primas e cultivos exóticos (soja para pastagem, algodão, plátanos, flores, pinus, café, milho para etanol, etc.), a alimentação seguirá sujeita à dinâmica de um mercado manejado por certos polvos que pouco entendem de fome.

Não se diz com isso que podemos prescindir do mercado internacional, mas é vital sus regularização e, sobretudo, que as nações priorizem sua soberania alimentar entendida como a faculdade dos povos e dos agricultores de decidir suas políticas agrárias para garantir a segurança alimentar. Nos tempos que correm talvez seja uma heresia, mas curiosamente, no mesmo comunicado de imprensa em que a FAO há pouco anunciava que os preços dos alimentos tinham alcançado um recorde histórico, um economista desta instituição indicava que “o único fator alentador até o momento provém de um certo número de países nos quais – devido a boas colheitas – os preços domésticos de alguns alimentos básicos permanecem baixos comparando-se com os preços mundiais (5).

Dito de outra maneira, estes países poderão abastecer-se de comida barata porque eles mesmos a cultivam e não tem que adquiri-la nos “reinos” das multinacionais e dos fundos de investimento. Mas apesar deste dado, a tendência é mais a contrária. A liberalização anima o investimento e o deslocamento da produção para os países do Sul, cujas terras deixam de produzir alimentos para transformarem-se em propriedades onde brotam os agrocombustíveis, as pastagens e as sobremesas das nações abastadas. Essas terras se concentram nas mãos de ricos latifundiários e de investidores enquanto o camponês é expulso do campo. O resto de níveis da cadeia alimentar (sementes, intermediação, manufatura, etc) concentra-se em poucas mãos que ditam as condições, monopolizam os mercados, encarecem os alimentos do consumidor e arrastam o agricultor para a falência. A agricultura e a alimentação como sustentos básicos desaparecem em favor da visão mercantilista: o fim último não é garantir comida nem trabalho, mas sim fazer um bom negócio, não importando quem sucumba por isso.

Esse modelo baseado na exportação ao mercado internacional onde tudo é suscetível de ser cotizado, comprado ou vendido, não só é incoerente porque cria dependência alimentar do mercado exterior e seus preços, mas porque, além disso, cria dependência do petróleo para o transporte e porque a agricultura industrial necessita de abundantes agrotóxicos. Com as revoltas atuais em países como Líbia, novamente o petróleo se encarece o que aprofundará a crise dos alimentos como em 2008. Se consideramos que “mudança climática” e o “zênite do petróleo” são questões da atualidade, resulta ainda mais surrealista encomendar nossas calorias ao ouro negro.

O analgésico milagroso
Em meados de fevereiro, o Banco Mundial comunicava que devido ao incremento nos preços da comida, o número de famintos estava se aproximando do 1 bilhão, quando os últimos dados da FAO falavam em 925 (milhões). Outras 44 milhões de pessoas estão atravessando a fronteira da extrema pobreza porque suas débeis economias familiares foram desestabilizadas pelos preços elevados da comida (6)

A situação é gravíssima, mas os preços seguem aumentando e, em uma economia globalizada, os últimos fenômenos climáticos locais – tempestades na África, geadas no México, secas na China, etc. – se convertem em um quebra-cabeças mundial. Mas atenção, não se trata de um problema de escassez e os rugidos de 1 bilhão de estômagos vazios não são suficientes para que se dê o soco na mesa definitivo que ponha em seu devido lugar o mercado e os especuladores. Foram disparados muitos fogos de artifícios a título de boas intenções. Na recente reunião do G-20, por exemplo, falava-se de uma maior transparência nos mercados, limitação da especulação, melhor informação sobre os cultivos...Em resumo, nada que não tenha se ouvido antes e nada que não tenha resultado em nada, apesar de, no dia 17 de fevereiro, o Parlamento Europeus ter pedido ao G-20 “que se combata em escala internacional os abusos e manipulações dos preços agrícolas, dado que representam um perigo potencial para a segurança alimentar mundial”, além de reclamar “...a adoção de medidas dirigidas a abordar a excessiva volatilidade de preços...” (7).

As propostas de curto prazo implementadas para conter essa situação estão sendo tão injustas como ineficazes, porque se pretende solucionar o erro jogando no campo do mercado e acatando as suas regras em lugar de enfrentá-lo e frear seus desvarios. Nesta direção, por exemplo, a FAO reconheceu que desde julho de 2010 seu objetivo tem sido “acalmar os mercados” (8). Para isso o analgésico empregado por este organismo consistiu em bajular certos países que tinham restringido suas exportações – de cereais, sobretudo – para que as retomassem rapidamente e assim recuperassem o fluxo da oferta que amansaria os preços no mercado internacional.

Cabe registrar que estes países exportadores fecharam suas fronteiras, supostamente para garantir comida a seus cidadãos, primeiro porque as colheitas não foram boas, segundo porque a melhor maneira de não cair na crise de preços internacionais é com produções nacionais. Pois bem, algo que é minimamente normal e mesmo legítimo, foi considerado por muitos como a principal causa da crise de preços dos alimentos, porque sob a lógica do livre mercado estava se manipulando a oferta mundial dessa mercadoria chamada comida.

Mas enquanto estas nações são pressionadas a retomar as exportações e a não armazenar comida para suas populações, ninguém se atreve a denunciar a barbaridade de milhões de toneladas de milho estadunidense destinados à produção de etanol (14% do milho mundial) (9). Isso é assim porque sob o intocável prisma neoliberal dominante, os alimentos não têm porque alimentar estômagos, mas sim são mercadorias que inexoravelmente devem ser cotizadas no mercado, onde terão os preços condicionados, pois o fim último é aumentar os lucros e se estes crescem com os automóveis, que sigam roncando os estômagos.

Pão para hoje e fome para amanhã
Desde julho vem se tentando “acalmar os mercados” e o fracasso tem sido estrondoso. A restauração das exportações de alimentos não apagou o fogo que seguiu expandindo-se diante das notícias de colheitas menores e de fenômenos meteorológicos que só aumentaram a preocupação. Pediram-se concessões aos países exportadores que não aplacaram a crise e, no dia 26 de janeiro, de um modo um tanto desesperado, a FAO lançava um informe (10) com recomendações para que se apertasse o cinto, neste caso das nações importadoras, entre as quais se encontram majoritariamente os pobres. O pacote de medidas se centrava fundamentalmente em um único ponto: que os estados apliquem medidas econômicas e comerciais para reduzir o preço dos alimentos, como, por exemplo, subsídios diretos, empréstimos para o financiamento das exportações, incentivos fiscais, redução de impostos, redução de barreiras alfandegárias e de impostos para importações de comida, insumos, máquinas agrícolas, etc. Algumas destas recomendações – mais próximas à filosofia do FMI e do Banco Mundial – foram adotadas durante a crise de 2008 e alguns países já estão aplicando-as. A Guatemala, por exemplo, no início de fevereiro, anunciou a importação de milho com tarifa alfandegária zero para fazer frente à alta de preços (11).

Logicamente estas medidas debilitarão os cofres das nações que deixarão de arrecadar impostos ou subsidiarão diretamente alimentos com fundos dos orçamentos públicos, o que afetará no médio e largo prazo o financiamento de outros programas e serviços públicos. Para as nações que podem ter problemas com os orçamentos e a balança de pagamentos, a FAO recomenda, leia bem, que recorram aos programas do Banco Mundial e do FMI, o que dá na mesma, que se endividem mais para garantir os lucros brutais que o mercado e seus especuladores estão acumulando com a alta de preços.

Como pode se observar, e como foi repetido à saciedade neste artigo, ninguém fala nada sobre o agente causador da distorção, situado justamente entre os países que produzem e compram comida, que recebem pedidos de sacrifício e de adaptação aos caprichos do mercado, comprometendo inclusive suas próprias contas. As classes políticas destes países, vendo as imagens do Egito ou da Líbia, não se arriscam a sofrer problemas de falta de alimentos e bailam conforme a música.

Enquanto se esperam novos dados sobre os preços da comida, a situação começa a ser sumamente asfixiante e pode derivar em uma crise pior que a de 2008. Por isso, a verborreia grandiloquente tornou-se dispensável e urgem soluções reais e efetivas, porque para a humanidade comer é um verbo e não um substantivo pomposo e demagógico.

(*) Vicent Boix é escritor, autor do livro “El parque de las hamacas”, e editor de Ecologia Social darevista Belianís (Espanha).

NOTAS
(1)http://www.europarl.europa.eu/RegData/seance_pleniere/textes_adoptes/provisoire/2011/02-17/0071/P7_TA-PROV%282011%290071_ES.pdf

(2) http://www.elparquedelashamacas.org/html/diosmercado.html

(3) FAO: “Los mercados de futuros necesitan algún tipo de regulación”
Roma, 23 de junio de 2010.

(4) http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//TEXT+TA+P7-TA-2011-0006+0+DOC+XML+V0//ES&language=ES

(5) FAO: “Los precios mundiales de los alimentos alcanzan un nuevo
récord histórico” Roma, 3 de febrero de 2011.

(6) http://www.europapress.es/epsocial/noticia-numero-personas-sufren-hambre-cronica-acerca-mil-millones-2011021614184.html

(7)http://www.europarl.europa.eu/RegData/seance_pleniere/textes_adoptes/provisoire/2011/02-17/0071/P7_TA-PROV%282011%290071_ES.pdf

(8) FAO: “Puntualización por el Director General de la FAO” Roma, 27 de
enero de 2011.

(9)http://www.elperiodico.com/es/noticias/opinion/20110110/agrocarburantes-como-donde/657156.shtml

(10) http://www.fao.org/fileadmin/user_upload/ISFP/ISFP_guide_web.pdf

(11) http://www.agroinformacion.com/noticias/23/industria/34103/guatemala-importara-maiz-y-harina-con-arancel-0-para-hacer-frente-alza-precio.aspx


Tradução: Katarina Peixoto

* Matéria copilada do site:http://www.cartamaior.com.br

Texto retirado : Luta. Paz e Pão, Alex Prado.

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