quinta-feira, 25 de junho de 2015

Tragédia e sofrimento na riqueza mineral brasileira

Quando a mina se esgota, resta ao povo pilhas de rejeitos, contaminação do ar, solo, rios e lençóis freáticos, além de doenças e decadência econômica.

Najar Tubino

O Centro de Tecnologia Mineral, órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, publicou no ano passado o livro “Recursos Minerais e comunidade – impactos humanos, socioambientais e econômicos”, com 393 páginas e reúne 105 casos de extração mineral distribuídos por 22 estados e cinco regiões – grátis e está disponível aqui. Os editores são os pesquisadores Francisco Rego Fernandes, Renata de Carvalho Alamino e Eliana Rocha Araújo. O objetivo do livro é mostrar que a atividade mineradora gera riqueza e impactos negativos nas comunidades e no meio ambiente.

“- Não se pode deixar de mencionar os grandes passivos ambientais cujo número exato em todo o país é desconhecido, mas certamente ultrapassa as dezenas de milhares de minas e garimpos, inativos e abandonados, produto de mineração pretérita, mas ininterrupta, exercida no Brasil há mais de 500 anos. A mineração altera de forma substancial o meio físico, provocando desmatamento, erosão, contaminação de corpos hídricos, aumento da dispersão de metais pesados, alteração da paisagem, solo, além de comprometer a fauna e a flora. Afeta o modo de viver e a qualidade de vida das populações estabelecidas na área minerada e no seu entorno”.

Extração mineral e concentração de renda

No Brasil existem 3.354 minas em funcionamento, a maioria de pequeno porte – dentro dos dados oficiais, é óbvio - e 8.870 mineradoras registradas com licenciamento e lavra. Dos 105 casos registrados 34 estão no Sudeste, porque Minas Gerais, onde está o quadrilátero ferrífero – tem Itabira como centro – é o estado com maior atividade, não só de ferro, mas manganês, fosfato, gemas e com 53 mil trabalhadores na atividade. São 20 estudos sobre Minas Gerais. Em segundo lugar a região Norte, a nova fronteira mineral com 29 casos, com destaque para o Pará com 15 estudos. Os municípios de Parauapebas e Canaã dos Carajás, onde está localizada a maior província mineral do planeta – 18 bilhões de toneladas, suficientes para 250 anos – recolheram R$600 milhões com a compensação financeira pela extração mineral. Em Parauapebas os 20% mais ricos concentram 60% da riqueza e os 20% mais pobres somente 3,5%, além de 15% da população permanecer na linha de pobreza. O Pará é o antepenúltimo no ranking nacional medido pelo IDH com o índice 0,646.

Os pesquisadores fizeram também um resgate de casos de exploração mineral históricos, como a exploração de manganês em Serra do Navio (AP), o amianto em Bom Jesus da Serra (BA), a lavra de chumbo em Boquira (BA) e os 30 anos de garimpagem na bacia do rio Tapajós (PA). São apenas exemplos onde “a mina se esgota, a empresa transfere suas atividades para outra localidade e à população restam escavações abandonadas, pilhas de rejeitos, contaminação do ar, solo, rios e lençóis freáticos, além de doenças, decadência econômica e empobrecimento.” Cabe ao Estado reduzir os impactos negativos, assegurar a legalidade, promover a resolução de conflitos e garantir que as conquistas não sejam comprometidas, ponderam os pesquisadores.

Serra do Navio: a primeira experiência


O Brasil é um país urbano e litorâneo, onde a elite econômica está concentrada em três metrópoles e nada mais. O que acontece no interior do país, principalmente em regiões distantes como a Amazônia ou o interior do nordeste, não faz parte da versão histórica, muito menos do conteúdo dos veículos de comunicação. A extração de minerais é um grande negócio, comandado por poucas transnacionais e com destaque para a Vale S/A, uma ex-estatal, privatizada que está nesse grupo – a empresa será o tema do próximo texto. Então a divulgação dos empreendimentos sempre está ligada aos números, aos volumes e a grandiosidade da operação. Por isso, a importância de resgatar tais episódios, que ocuparam a história recente do Brasil, como o caso da Icomi em Serra do Navio.

Foi a primeira exploração empresarial de minerais na Amazônia e durou 40 anos – de 1957 a 1997. A cidade de pouco mais de quatro mil habitantes herdou uma pilha de rejeitos com um componente perigoso que é o arsênio, responsável por contaminar igarapés, rios e o lençol freático. A mineração sempre envolve grande quantidade de rochas, e a função dos extratores é separar o que interessa ao mercado e rejeitar o restante. No caso do manganês, a empresa construiu uma usina de pelotização em Porto Santana, a 20 km de Macapá, destino da ferrovia Serra do Navio, também construída pela empresa. A logística da extração mineral é: custo baixo da mina ao porto, normalmente envolve uma ferrovia, porque é o transporte mais barato.

Contrabando e exploração de mineral radioativo


Na Vila Elesbão, em Santana, ficaram as consequências da atividade econômica – a Icomi não retirou os rejeitos da barragem de contenção – 150 mil toneladas – depositou no solo coberto por plástico. Parte foi distribuído na cidade de Santana para ser usado em concreto asfáltico, aterro em quintais e jardins e na construção de casas. A Icomi, depois de 50 anos de concessão, se negou a entregar a infraestrutura do projeto ao governo federal e até hoje ainda correm na justiça no Amapá processos de indenizações aos moradores e ao governo estadual.

A disseminação de doenças como câncer no pulmão – o pó dos minérios, ou flocos, como acontece com o amianto – são relatos constantes em todos os 105 casos. Com agravantes como o arsênio encontrado com o manganês e o cianeto e o mercúrio usado na extração do ouro. Assim como a contaminação da água, do ar e do solo. Porém, tem um caso que é escandaloso e é tratado pela burocracia brasileira como algo corriqueiro. Trata-se da exploração ilegal, por garimpeiros de um mineral chamado torianita – 70 a 76% de tório, elemento radioativo – e de 8 a 10% de urânio.

A Polícia Federal já fez apreensões de até uma tonelada de torianita, que é um mineral granulado e muito denso – custa US$300 o quilo no mercado internacional. Em uma delas encontraram 560 quilos na casa de um fiscal municipal em Porto Grande. A PF desde 2009 não fez mais apreensões, pelo menos divulgadas, porque não conta com um local apropriado para estocar torianita, um mineral radioativo. A Comissão Nacional de Energia Nuclear levou o material apreendido para Poços de Caldas (MG). Em 2012, o jornal Correio do Estado, do Mato Grosso do Sul noticiou que o Exército, na operação Ágata VI estava procurando contrabandistas de mineral radioativo na região de Corumbá, fronteira com a Bolívia. Os relatos dos pesquisadores do Cetem mostram: “presume-se” que a exploração iniciou na década de 1990, em um garimpo próximo ao rio Araguari.

Destruição gerada pelo garimpo de ouro

Décadas de garimpagem de ouro na bacia do rio Tapajós desde a década de 1950 deixaram um rastro de violência, mortes e miséria nos municípios de Itaituba, Santarém, Aveiro e Rurópolis. A partir da década de 1980, auge do garimpo, com a instalação de dragas nos rios Tapajós, Crepori e Jamanxim a situação piorou. Foram registradas 432 pistas de pouso, mais de dois mil pontos de garimpo e uma produção superior a 700 toneladas de ouro – grande parte contrabandeada. O cálculo estima uma população de garimpeiros próxima de 100 mil. Em 1989 o Programa de Controle Ambiental da Garimpagem do rio Tapajós – do governo estadual – divulgou a destruição na região:

“- Destruição de nichos ecológicos, assoreamento e recobrimento de várzeas, alteração de cursos d’água, contaminação da biota, prejuízo à segurança alimentar e a subsistência das populações ribeirinhas, aumento dos custos do tratamento da água, geração de focos de doenças endêmicas e exposição da população à contaminação por mercúrio”.

Mercúrio no garimpo do rio Tapajós

Pesquisadores do Centro de Tecnologia Mineral e do Instituto Evandro Chagas contabilizaram uma emissão de 1,1 toneladas de mercúrio por ano e depois analisaram a contaminação de 30 espécies de peixes consumidos pela população. Em 65% das amostras o índice de contaminação era acima de 0,5% aceitável pela Organização Mundial de Saúde. Mas em determinadas áreas o teor de mercúrio encontrado nos peixes chegava a 40 vezes maior que o estipulado pela OMS. Outro trecho do livro do Cetem:

“-Na realidade, a exploração de ouro do Tapajós não tem conduzido ao desenvolvimento regional. Parte da riqueza advinda da extração do metal tem sido gasta em atividades efêmeras, parte está sendo utilizada para converter a floresta tropical em pastos e fazendas; o restante vem sendo aplicado fora da região em investimentos financeiros. Somente uma pequena parcela dos investimentos é direcionada à economia regional”.

Carvão amazônico para produzir ferro gusa

A Amazônia brasileira produz o melhor ferro gusa do mundo, usado principalmente na produção de peças automotivas – veículos e máquinas agrícolas – atividade exercida por siderúrgicas independentes, algumas de grupos econômicos nacionais como Queiroz Galvão e Gerdau, e com base no funcionamento de 1,2 mil carvoarias nas regiões de Açailândia (MA) e Marabá (PA). O ferro gusa, matéria prima do aço, é produzido com carvão vegetal da mata nativa. Para cada 48 árvores corresponde uma tonelada de gusa, ou exatamente, para cada tonelada de gusa são necessários 875 kg de carvão vegetal e 2.660 kg de madeira seca. Calcula-se que cinco milhões de metros cúbicos de floresta Amazônia tenham sido derrubados para sustentar os “rabos quentes”, como foram apelidados os fornos das carvoarias do Polo Siderúrgico de Carajás. O minério é fornecido pela Vale, que também garante a exportação do gusa, utilizando a logística da Estrada de Ferro Carajás, mais o porto na Ponta da Madeira (MA).

O projeto de industrialização da Amazônia Oriental é da ditadura militar. A verticalização da extração mineral. Depois que a China invadiu o mundo com aços laminados e outros produtos siderúrgicos, a geopolítica mudou totalmente. Somente os especialistas e burocratas brasileiros não entenderam isso. O que ficou na região é miséria, doença, destruição da floresta e poluição. O gusa amazônico tem alta qualidade porque o carvão vegetal não tem enxofre, e na ponta final, produz um aço bem cotado no mercado.

O amianto branco e a tragédia na Bahia

A contabilidade trágica da extração mineral não tem parâmetros definidos, é difícil identificar o que é pior, em termos humanos, socioambientais e econômicos. O caso da extração de amianto em Bom Jesus da Serra (BA) está inserido neste contexto. A primeira mina de amianto brasileira começou a ser explorada em 1937, no distrito de Poções no citado município do sudoeste da Bahia. As atividades foram encerradas em 1967, mas a Mineração de Amianto S/A (SAMA), transferiu o aparato para outro local, em Miniaçu, Goiás. A extração do amianto envolve de 5 a 10% das rochas, o que significa grande quantidade de rejeitos contaminando o ambiente. O que restou da mina localizada perto do ribeirão Bom Jesus, na bacia do rio de Contas, que deságua no mar? Uma cratera com quatro quilômetros de extensão e 200 metros de altura, que permanece cheia o ano inteiro, se transformou em área de lazer e, durante a seca, ainda abastece os carros pipa.

A SAMA é propriedade do Grupo Eternit, fabrica telhas e caixas d’água, entre outros produtos, já foi sócio do Grupo francês Saint Gobain, a marca Brasilit no Brasil. Este, por sua vez, desde 1997 não trabalha mais com o amianto, porque ele foi banido da França – e outros 51 países. No Brasil é permitida a exploração da crisotila, o amianto branco, porque a empresa e seu séquito de especialistas, políticos e seguidores, que é mais solúvel, o sistema respiratório elimina mais rápido.

O amianto, também chamado de asbesto, provoca a asbestose, uma lesão no tecido pulmonar causado pelo acúmulo de fibras no sistema respiratório – são flocos minúsculos desprendido da mina. O amianto é muito procurado por ter baixo custo e ser resistente ao calor e ao fogo.

A SAMA organizou uma tabela para indenizar ex-trabalhadores: R$7 mil aos que contraíram a placa pleural, R$12 mil com asbestose e R$20 mil quem tiver tumor maligno. O professor Paulo Pena, da Faculdade de Medicina, da Universidade Federal da Bahia, citado pelos pesquisadores do Cetem, diz que a uma epidemia invisível de câncer no estado. O Grupo Eternit manteve uma fábrica que produzia derivados do amianto em Simões Filho, na região metropolitana de Salvador, com 2.500 funcionários. E, agora, monitora a saúde de 11 mil trabalhadores e ex-funcionários em Miniaçu, a 504 km de Goiânia, onde continua explorando o amianto branco, com todo o apoio da bancada goiana e do governo estadual, que recolhe R$2,5 bilhões ao ano em impostos.

A ditadura militar definiu a ocupação da Amazônia

A tragédia e o sofrimento das comunidades envolvidas na mineração é um roteiro que começa na ditadura militar. Em 1965, os militares fizeram um convênio com a NASA e a Comissão Nacional de Atividades Espaciais. Um funcionário do Ministério das Minas e Energia fez um curso sobre radar, com tecnologia GEMS – Goodyear Eletronic Mapping System. Posteriormente o funcionário – professor Luiz Henrique Aguiar de Azevedo – sugeriu ao ministro da época usar a tecnologia para fazer um levantamento aerofotográfico dos recursos naturais. A experiência começou pelo quadrilátero ferrífero e depois se estendeu pela Amazônia e virou o Projeto Radam – 38 volumes de informações sobre todos os recursos naturais da região.

Em 1974, a ditadura militar lançou o Polamazônia, um programa para estabelecer polos agropecuários e agrominerais em 15 áreas estabelecidas por importância econômica dos recursos. Cinco delas no Pará, incluindo Carajás. Muitos anos depois, já durante a era FHC, foi implantado o Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM), um contrato de US$1,395 bilhão, pagos em 10 anos e financiado pelo EXIMBANK dos Estados Unidos, um banco de fomento. Quem ganhou a licitação? O Grupo Rhayteon, logicamente. Uma história até hoje mal contada. Isso para enfatizar uma realidade em 2015: a ditadura militar estabeleceu a estratégia de ocupação da Amazônia e os governos democráticos seguintes nunca alteraram esta lógica. A democracia nunca chegou a estes lugares dos confins do Brasil, onde os grupos econômicos nacionais ou estrangeiros fazem o que querem, com o apoio de políticos locais e da elite de sempre.

Créditos da foto: Mídia Ninja

Texto original: CARTA MAIOR

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Por que o assassinato de 9 negros não é considerado um ato de terrorismo?

Por que se um branco mata 9 negros ele é considerado 'doente mental', e não 'terrorista'? Isso mostra o racismo estrutural dos Estados Unidos.

Amy Goodman - Democracy Now

Porque tantos políticos e grande parcela da mídia teme chamar o tiroteio ocorrido na Carolina do Sul de um ato de terrorismo? Discutimos os padrões na cobertura de tiroteios realizados por agressores brancos com dois convidados: Anthea Butler, professora de religião e estudos africanos da Universidade da Pensilvânia; e Raphael Warnock, pastor sênior da Igreja Batista Ebenezer, em Atlanta, Georgia; que foi o lar espiritual de Martin Luther King Jr.

Amy Goodman: Professora Butler acaba de escrever um artigo publicado pelo The Washington Post; seu cabeçalho: "Atiradores negros são chamados 'terroristas' e 'bandidos'. Por que atiradores brancos são chamados de doentes mentais?" Anthea Butler, você poderia continuar a partir desse ponto? Fale sobre a questão de quem chamamos de terrorista e quem não chamamos.

Anthea Butler: A razão pela qual eu acredito que brancos são sempre - e atiradores brancos, especialmente homens brancos - são sempre chamados de "doentes mentais" é que isso é uma leve parte do racismo estrutural nos Estados Unidos. Sempre que se ouve falar que um mulçumano fez ou é suspeito de fazer alguma coisa, ou um homem negro ou uma mulher negra, eles são sempre 'terroristas'; é 'atividade terrorista'; há palavras pejorativas que são usadas para descreve-los; eles são desumanizados. Quando alguém branco faz alguma coisa no seu país, eles são absolvidos. Quando é a juventude branca, que é composta de homens como Dylann Roof, são chamados de "garotos". Eles são infantilizados. Um homem jovem como Trayvon Martin é chamado de "jovem pesadão". É um claro sinal da infra-estrutura racista sob esse país, e parte disso teve a ver com a mídia, com esses retratos e a repetição constante de todos estes esteriótipos raciais e religiosos que prejudicaram esse país.


Juan G.: No caso de Dylann Roof, isso tem sido particular. (...) você vê uma situação em que ele está algemado, mas também tem um colete à prova de bala, do qual eu não me lembro ser a situação, por exemplo, do jovem responsável pelo bombardeio da maratona de Boston ou muitos outros incidentes que tivemos. Até mesmo a imagem dos acusados que a mídia tem permissão pra ver é diferente.


Anthea Butler: Colocar o colete nele o fez parecer um tanto frágil, quando essa foi a mesma pessoa que estava num estudo bíblico por uma hora e depois fez aqueles disparos. Não há nada frágil no seu ato terrorista e no racismo cometido. (...) Está enraizado. É uma prática dos aplicadores da lei e da mídia nesse país. E o que está acontecendo agora, e eu acho que isso é realmente importante enfatizar, é que o impacto da democratização, das pessoas terem mídia social, câmera no celular, sendo capazes de mostrar essas discrepâncias e as coisas de uma forma profundamente diferente, mudou a percepção no país, e as pessoas estão começando a ver a verdade.

Amy Goodman: Na quinta, o apresentador da Fox News, Steve Doocy expressou incredibilidade de que o tiroteio em Charleston teria sido um crime de ódio. Ele, e seu convidado, pastor E.W. Jackson sugeriram que o atirador atacou a histórica igreja negra e suas visões bíblicas, não devido ao racismo:

E.W. JACKSON: Estou profundamente preocupado com o fato deste atirador ter escolhido ir à uma Igreja, porque isso passa a impressão de que existe um aumento da hostilidade contra os cristãos no país.
STEVE DOOCY: Mm-hmm.
E.W. JACKSON: — Por conta das nossas visões bilblicas.
STEVE DOOCY: (...) é porque era um garoto branco, aparentemente, em uma Igreja negra. Mas você tocou num ponto interessante sobre a hostilidade aos cristãos. (...)
E.W. JACKSON: Sim, sim. Eu não sei se a maioria das pessoas chega a esta conclusão sobre a questão racial. Eu espero pelo dia onde não teremos mais isso no nosso país. Mas nós não sabemos o porque ele foi à Igreja. Mas é fato que ele não escolheu um bar, ou uma quadra de basquete. Ele escolheu uma Igreja.

AMY GOODMAN: Essa é a Fox. Dr. Raphael Warnock, essa questão do terrorismo doméstico e dos crimes de ódio - imediatamente o Prefeito e o chefe da política de Charleston, ambos brancos, disseram que havia sido um crime de ódio. Mas a verdade é que a Carolina do Sul é um dos cinco estados, junto com a Georgia, Wyoming e Indiana, que não possui leis específicas sobre crimes de ódio. Você pode nos falar sobre o que seria estes crimes de ódio, e se você os enxerga como terrorismo, e o que isso significaria caso assim chamássemos?

REV. RAPHAEL WARNOCK: Isso é claramente um crime de ódio. O próprio criminoso assim o definiu. Ele demonstrou. Nós vimos fotos dele no Facebook onde ele ostentava a bandeira de Rhodesia, hoje Zimbabwe, nos dias em que este era um Estado de supremacia branca, o velho apartheid sul-africano. Então nós sabemos algo sobre a ideologia deste homem.

Mas isso foi também um ato de terror, e que é conectado historicamente com o longo reinado de terror perpetrado contra as comunidades Afro-Americanas. Ele disse à um dos sobreviventes, "Sim, eu vou deixar você sobreviver para então você contar a história." Ora, temos que nos perguntar: o que esta história produz? Não sou um advogado. Mas será interessante ver como os advogados lidarão com o caso, como discutirão as questões técnicas sobre isso, mas é claro que ninguém está se preocupando com isso, me parece, que isso é um ato de terror, cometido não porque estas pessoas eram cristãs, mas porque eram afro-americanos.

E ele ainda disse: "você está estuprando nossas mulheres, e está tomando o país." Devemos nos perguntar de onde ele tirou esta ideia de "estarem tomando o país"?

E a Fox News tem grande responsabilidade neste tipo de informação e discurso. Eles tem disseminado esta ideia de que "nós temos que tomar nosso país de volta". Este jovem de 21 anos, nascido no final dos anos 1990, me faz lembrar do meu sobrinho. Alguém, no entanto, o ensinou à odiar.

E por isso temos que condenar os crimes de ódio, condenar este ato de terror, mas temos também que condenar este discurso que usualmente sugere que o nosso atual presidente é de algum lugar outro lugar que não o nosso país, que ele não seria um de "nós".

Texto original : CARTA MAIOR

terça-feira, 16 de junho de 2015

Como se estuda Geografia do Brasil nos EUA

AInvasão Americana

Será que existe tal livro?


Como se Estuda a Geografia do Brasil nos Estados Unidos

sexta-feira, 12 de junho de 2015

EUA ampliaram vigilância na internet

Por Altamiro Borges


E ainda tem otário que considera os EUA a "pátria da democracia" e saia às ruas carregando faixas em inglês para rosnar pelo impeachment da presidenta Dilma. Na semana passada, o jornal "New York Times" e a organização "ProPublica" divulgaram novos documentos que comprovam que o governo ianque ampliou a vigilância na internet nos últimos anos. A desculpa utilizada agora é o da defesa de informações contra hackers estrangeiros; antes, era o fantasma do terrorismo. O resultado concreto é que milhões de cidadãos tiveram suas vidas monitoradas pelos serviços de "inteligência" do império. As liberdades individuais e a privacidade seguem sendo bens em extinção nos EUA.

A denúncia foi feita com base em documentos vazados por Edward Snowden, ex-analista da Agência Nacional de Segurança (NSA). Segundo o "NYT", o Departamento de Justiça redigiu, em 2012, dois memorandos secretos que permitem à NSA buscar, sem mandado judicial e em solo estadunidense, dados que pudessem estar ligados a ataques cibernéticos de governos estrangeiros. A agência, porém, também buscou dados sobre hackers sem vínculo comprovado com outros países, confirmam os documentos revelados na última quinta-feira (4).

Em abril, o diretor de Inteligência Nacional já havia citado os ataques cibernéticos como o principal desafio dos EUA entre 2013 e 2015, deixando o terrorismo em segundo plano pela primeira vez desde os atentados de 11 de setembro de 2001. À época, relatório da Defesa americana citou ameaças da Rússia e da China. "Não deveria ser uma surpresa que o governo dos Estados Unidos reúna dados de inteligência sobre potências estrangeiras que tentem penetrar redes americanas e roubar informações privadas de cidadãos e empresas", afirmou o porta-voz do diretor de Inteligência Nacional, Brian Hale, ao "NYT".

Na terça-feira passada (2), o presidente Barack Obama sancionou a chamada Freedom Act, a lei que restringe os poderes da NSA de monitorar as ligações telefônicas dos americanos, passando a exigir mandado judicial para fazê-lo. As buscas por informações de estrangeiros utilizando a infraestrutura de internet dos EUA, porém, não foi tratada na nova lei. Caso os golpistas brasileiros queiram deixar o Brasil, com medo do avanço do comunismo e com o seu complexo de vira-latas, é bom que evitem o uso da internet em Miami.

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Leia também:
- Governo Dilma e a espionagem dos EUA
- Nada justifica a espionagem dos EUA
- Espionagem dos EUA é um ato de guerra
- Dilma reage à espionagem dos EUA
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Texto original: BLOG DO ALTAMIRO BORGES

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Corredor ecológico é uma ameaça ao Brasil



Triplo A: a nova ameaça à soberania brasileira na Amazônia

do Sputnik, em 05.06.2015, sugerido por Ideraldo Souza

No Dia Mundial do Meio Ambiente, o Brasil se vê diante de uma proposta do presidente da Colômbia para criar um “corredor ecológico” que iria dos Andes ao Atlântico, passando pela Amazônia.

Segundo o professor Rogério Maestri, porém, as preocupações supostamente ambientais do projeto podem esconder interesses estrangeiros bem mais perversos.

“Esse tal corredor ecológico, que pra mim não é um corredor, é uma verdadeira ocupação. É o germe de uma ocupação de uma parte do Brasil com o objetivo de isolá-lo do norte, do Caribe, e a América do Sul da parte norte”, disse o especialista em entrevista à Sputnik.

Professor visitante de Engenharia Hidráulica na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Maestri se preocupa não apenas com os aspectos técnicos da questão ambiental, mas também com os fatores geopolíticos por trás de ideias como a do chefe de Estado colombiano, Juan Manuel Santos, que anunciou publicamente em fevereiro que iria propor ao Brasil e à Venezuela este “ambicioso” corredor ecológico.

“Será o maior corredor do mundo, com 136 milhões de hectares, que batizamos de Triplo A, pois seria andino, amazônico e atlântico, indo dos Andes até o Atlântico, no Brasil”, declarou Santos no programa oficial de televisão Agenda Colômbia, em 16 de fevereiro.

Segundo as palavras do presidente colombiano, a proposta serviria para “preservar a área e como uma contribuição da humanidade para a discussão sobre como deter as mudanças climáticas”. No entanto, de acordo com Maestri, é bastante provável que o discurso de Santos esconda intenções menos louváveis.

Em primeiro lugar, conforme aponta o professor, o termo “corredor ecológico” é impróprio para qualificar o projeto do Triplo A. “De acordo com o costume internacional, se fazem corredores com largura de, digamos, no máximo 1 km. (…) O que chamam de corredor ambiental é algo que varia aqui [no Triplo A] de 50km a 500km”, ressaltou.

“Pode ser qualquer coisa, menos corredor ambiental. É um rasgo que se faz no norte do Brasil”.

De fato, segundo lembra Maestri, um corredor ecológico legítimo na Amazônia, a saber, que levasse em conta a necessidade de preservar a integridade de uma determinada extensão de mata a fim de garantir o fluxo genético entre espécies e evitar a endogamia, deveria integrar outras regiões mais prejudicadas pela exploração humana na região, e não teria a necessidade ambiental de ir até o Atlântico.

“Por que ir até o Atlântico? Se é problema ambiental, era pra ir mais para o sul, mais para baixo da Venezuela, por exemplo, e não precisava ir exatamente até o Atlântico. Chegar de um lado a outro é claramente estratégico, e não é por acaso que [o Triplo A] teria dois pontos de acesso”.

Talvez seja interessante notar que a ideia inicial do “ambicioso” projeto de Santos seja atribuída a Martín von Hildebrand, fundador da ONG Gaia Amazonas e membro da Gaia Foundation, organização também não governamental, mas com fortes vínculos com a Casa Real Britânica.

Segundo o site oficial da ONG inglesa, o trabalho na Amazônia começou com a mediação do ambientalista brasileiro José Lutzenberg, que também atuou no ministério do governo Fernando Collor de Mello.

Na época, ele sofreu diversas críticas, sendo acusado inclusive de receber dinheiro indevido da Gaia Foundation, como noticiado pela revista Executive Intelligence Review, bem como de isolar os ambientalistas brasileiros das decisões políticas, preferindo o conselho de estrangeiros.

“Todas as cabeças coroadas europeias gostam muito de ONGs – não as que queiram fazer alguma coisa no seu próprio país, mas que queiram fazer nos outros países”, afirmou o professor da UFRGS.

De acordo com Maestri, de fato, o envolvimento da Gaia Foundation na proposta do Triplo A é mais um indício “de uma direção em termos de ocupação de espaço por outros países”.

“Se se olha a tradição europeia, vê-se que eles enxergam muito longe… Não é, por exemplo, como o americano, que é um pouco mais intempestivo, que tenta invadir no momento. Os ingleses, europeus, em geral, têm um raciocínio mais em longo prazo. Então eles vão implantando essas pequenas coisas, esse tal corredor ecológico, que pra mim não é um corredor, é uma verdadeira ocupação”.

Além disso, Maestri também chama a atenção para o fato de a ideia ser patrocinada pela Colômbia, um dos maiores aliados dos EUA na América Latina, onde Washington dispõe de sete bases militares.

“Do lado da Colômbia tem bases americanas, e do lado do Brasil pode ter bases francesas. Então nas duas extremidades ficam países do Norte, com grande possibilidade de ter acesso a esse ‘corredor’… a essa ocupação. Faz sentido dentro de uma lógica estratégica”, explica o professor.

Se efetuado, o Triplo A seria composto em 62% por território brasileiro, 34% por território colombiano e 4% por território venezuelano. Ou seja, a gestão do “corredor” teria que ser tripartite, o que, de acordo com Maestri, facilitaria a dominação estrangeira da região amazônica, especialmente porque o projeto da Gaia Foundation envolve o conceito de autogestão dos povos indígenas.

“Essas tribos estão em um processo de incorporação de tecnologias modernas, algumas ainda bem atrasadas, outras mais evoluídas. (…) Com essa autogestão, eles [os índios] ficam sujeitos à manipulação. É mais ou menos o que acontece em diversos países da África, que foram fragmentados ao extremo e agora são sujeitos a invasões permanentes de tropas neocoloniais. (…) Ou seja, essa visão de uma autodeterminação também serve [a interesses estrangeiros]; pode levar eles, daqui a um tempo, a escolherem o país que vai ser o seu suporte. Isso já contraria o princípio pétreo da Constituição que é a indivisibilidade do Brasil”, adverte o especialista.

“Essas comunidades têm todo o direito e devem ser preservadas (…). Porém, provavelmente com o tempo – e isso é mais ou menos lógico –, essas culturas indígenas não vão ficar satisfeitas em viver na ‘Idade da Pedra’ e vão querer mais. Bem, quem vai fornecer esse mais? Vai ser o Brasil, a Colômbia, a Venezuela, ou os países europeus?”, acrescentou.

A gigantesca área abrangida pelo Triplo A guarda enormes reservas de água, minérios e biodiversidade. Ou seja, seria uma imensa riqueza a ser pretensamente “gerida” por povos indígenas, que, segundo observa o professor, “podem ser enganados por qualquer um, um posseiro qualquer”, assim como “podem ser enganados por outros países”.

Outra evidência dos interesses econômicos por trás da proposta, segundo o professor, é o fato de que o corredor abarcaria a região acima do Rio Amazonas – partes mais altas que, sendo mais secas, seriam mais aproveitáveis para atividades lucrativas, como a criação de gado.

De qualquer forma, o presidente colombiano prometeu apresentar o projeto na próxima conferência ambiental da COP 21, que será realizada entre os dias 7 e 8 de dezembro em Paris. Na opinião de Maestri, entretanto, a ideia não deve dar frutos pelo menos dentro dos próximos cinco anos.

“É um projeto de longo prazo. Depois da COP 21, [a ideia] vai evoluindo, evoluindo, até que vão questionar a própria capacidade do Brasil de gerir essa parte. Como se eles, os europeus, americanos, fossem capazes de gerir. As florestas deles simplesmente foram acabadas. Onde teve colonialismo, acabaram com florestas imensas”, notou o professor.

“Somos tão incompetentes assim? Se a Amazônia existe, é porque tinha um governo brasileiro, que bem ou mal ainda conservou. Qual a moral que têm países que desmataram, que colonializaram ao máximo – e ainda colonizam, agora com o neocolonialismo –, em chegar e falar que o Brasil é incapaz?”

De acordo com Maestri, não se pode negar a importância da conservação da Amazônia, mas a tarefa deve ser levada a cabo “dentro da lógica nacional”.

O especialista defende, sobretudo, a “presença forte do Exército brasileiro impedindo o corte dessas matas”, o reforço da ocupação do Estado na região e uma “cobertura de satélites” para melhorar o monitoramento, tarefa que, segundo ele, pode ser feita em parcerias múltiplas com outros países, inclusive com o sistema de navegação GLONASS, da Rússia, que acaba de ganhar sua segunda estação no Brasil.

No entanto, Maestri ressalva que o Estado tem que se fazer presente não só na parte da defesa, mas também na esfera social. “A Amazônia não é um vazio”, diz o professor, defendendo a necessidade de dar assistência em saúde e educação às pessoas que habitam a região amazônica. “Ocupar a Amazônia para evitar ser ocupado”, resume ele.

Leia também:
Iberê Lopes: As vozes fascistas que tomam conta do Brasil

Texto original: VI O MUNDO

sábado, 6 de junho de 2015

O mercado é mesmo bom?


Por Luis Felipe Miguel, no Blog da Boitempo:

Há um elemento comum, nas manifestações recentes da direita brasileira – e não só brasileira: o discurso de que o Estado deve recuar e o mercado deve regular uma porção maior das interações humanas. Enquanto o Estado premiaria os “preguiçosos” por meio de suas políticas sociais, o mercado daria a cada um a recompensa justa pelo seu esforço. É o que diziam as faixas, nas manifestações de março e abril, que reivindicavam o direito daqueles que “trabalharam muito” a se dessolidarizar dos pobres e marginalizados. Por vezes, como quando denuncia as cotas nas universidades, este discurso ainda é tingido por um racismo indisfarçável.

É um entendimento que está presente mesmo em agentes que, à primeira vista, parecem mais motivados por uma pauta retrógrada no âmbito dos direitos individuais. Basta lembrar de Eduardo Cunha. Chegou à presidência da Câmara anunciando que barraria qualquer medida em favor do direito ao aborto, mas tratou de logo encaminhar, a todo vapor, a sacralização do financiamento privado de campanhas, seu principal interesse na “reforma política”, e o desmonte dos direitos trabalhistas, aprovando o PL 4330/2004. Jornalistas e advogados conservadores não tardaram a anunciar as vantagens da “terceirização”, que consistiriam exatamente em reduzir a regulação estatal das relações de trabalho, permitindo que a lógica do mercado opere mais livremente. Se a lógica do mercado opera, dizem eles, no final das contas todos ganham. Menos direitos trabalhistas gerariam mais lucro, logo mais riqueza, mais trabalho e maiores salários.

Será que é mesmo assim? Um conhecimento, mesmo que superficial, da história permite duvidar. Antes de que os trabalhadores conseguissem se organizar nos sindicatos e obter o reconhecimento público de alguns direitos, imperavam a jornada de 14 ou 16 horas, o trabalho infantil, a insalubridade e o salário de fome, sem descanso semanal e sem férias remuneradas. Eram essas as condições no século XIX. Engels as descreveu vividamente emA situação da classe trabalhadora na Inglaterra, mas quem tiver ojeriza pelo autor pode buscar qualquer historiador liberal sério que encontrará um retrato similar – efeito de um mercado de trabalho plenamente desregulado.

A ideia de que justiça é entregar a cada um aquilo a que seus méritos individuais dão direito entrou em certo senso comum, mas não é isenta de problemas. Afinal, “mérito” não é uma característica inata, mas fruto de um mundo social que valoriza certos atributos. A obtenção de tais atributos também depende centralmente das circunstâncias em que cada pessoa se encontra. E caso se prefira enfatizar os talentos naturais, não custa lembrar, como já anotava John Rawls, que eles são dádivas que recebemos gratuitamente, não configurando nenhuma forma de mérito subjetivo.

Mercado e justiça

Mesmo sem questionar o discurso da meritocracia, porém, é difícil aceitar a ideia de que o mercado realiza algum padrão de justiça, recompensando qualidades e punindo defeitos. A possibilidade de agir com eficácia no mercado depende sobretudo do controle de recursos que os próprios mecanismos de mercado distribuem de forma muito desigual e que refletem uma série de acasos, a começar pela loteria do nascimento. Ainda há quem pense que o fato de que os ricos são quase sempre filhos de ricos é uma demonstração da superioridade do material genético dos privilegiados, mas evidentemente é bem mais razoável aceitar que a relação causal é outra. O mercado não premia o mérito, seja lá o que isso for.

Até o mais competente defensor da ideia de que o mercado realiza um padrão de justiça, o falecido filósofo estadunidense Robert Nozick, reconhecia que tal justiça dependia de um momento inicial de igualdade de recursos. Uma vez que esse momento nunca existiu, toda distribuição posterior deve ser considerada injusta (conclusão de que Nozick fugia, mas que é inescapável). Uma proposta de produzir tal estado inicial ideal aparece no “socialismo de mercado” apresentado por John Roemer, em que o capital seria redistribuído equitativamente a cada geração. Deixando de lado as múltiplas dificuldades técnicas do projeto de Roemer, cabe observar que muitas das oportunidades dos filhos de famílias privilegiadas, como o acesso a bens educacionais e a redes de contatos, não dependem da herança que receberão e não são atingidas pela medida.

De resto, a “justiça” que o mercado realizaria ecoa uma visão de responsabilidade individual que nega espaço à solidariedade social. Uma aposta errada pode arruinar de maneira definitiva as possibilidades de vida de uma pessoa, mas isso não seria problema, já que cada um é responsável por seus próprios atos. E uma vez que se considera que cada um tem sua chance, não há nenhum compromisso em relação àqueles que estão em situação pior. Trata-se de uma visão de justiça que, além de fundada no pressuposto indefensável da absoluta autonomia decisória dos agentes, conduz a uma atomismo social bem pouco atraente. Por isso, muitos apologistas do mercado adotam um discurso diverso e admitem que ele pode gerar injustiças. Mas esse seria o preço a pagar pela garantia da liberdade, que o mercado produziria.

Mercado e liberdade

É corrente, nesse tipo de discurso, a oposição entre o Estado, esfera da coerção, e o mercado, espaço de interações livres e voluntárias. De fato, o cumprimento da lei é (ou pretende ser) obrigatório: não depende de minha vontade usar cinto de segurança ou pagar os impostos. Já no mercado, não sou coagido a comprar ou a vender nada; só me engajo nestas trocas se julgo que serão, de alguma maneira, vantajosas para mim. Trata-se, é claro, de uma visão ancorada num entendimento radicalmente negativo da liberdade, em que a autoridade política conta como coação, mas a necessidade material, não. Na verdade, as trocas livres e voluntárias do mercado ideal só existem nos modelos de seus ideólogos. A maior parte das pessoas age constrangida por necessidades prementes e esse é um elemento incontornável do funcionamento do mercado capitalista. Não por acaso, o capital se opõe a tudo aquilo que reduz a situação de privação do trabalho – acesso à terra, renda básica universal, pleno emprego.

Pelo menos o mercado permitiria expressar a intensidade das preferências individuais. Também é clássica a oposição entre o direito de voto, que vale o mesmo, quer eu deseje muito a vitória de um candidato, quer eu seja quase indiferente, e a troca mercantil, em que eu me disponho a pagar menos ou mais por um produto conforme minha vontade de possuí-lo seja menos ou mais intensa. Mas tal observação, que pode ser verdadeira para cada indivíduo, é falaciosa para o coletivo. Quanto mais dinheiro eu possuo, menor a utilidade marginal de cada real, logo com mais liberalidade ele pode ser dispendido. Por isso, ricos adquirem bens mesmo com preferência pouco intensa por eles, ao passo que pobres não adquirem mesmo aquilo que desejam fervorosamente. Em suma – e ao contrário da tradição liberal que opõe os dois valores –, qualquer medida de liberdade será enganadora na ausência de um patamar mínimo de igualdade.

Cabe lembrar que o quadro ainda é mais complexo, uma vez que as próprias preferências que seriam expressas “livremente” refletem assimetrias de mercado. O ambiente social em que as pessoas definem suas prioridades e anseios é influenciado pelos discursos de diversos agentes, entre os quais se encontram, com destaque, a publicidade comercial e a mídia por ela influenciada. No mercado, se manifestam preferências que o mercado busca induzir – a começar pela ideia de que o consumo é o caminho tanto para a solução dos problemas quanto para a autorrealização humana.

Se o mercado não se realiza como o espaço de liberdade que alguns de seus defensores desenham, ao menos ele seria crucial para garantir a liberdade na sociedade como um todo. De acordo com a visão pluralista, desenvolvida na metade do século passado e ainda vigorosa, sociedades de mercado permitiriam uma dispersão dos recursos de poder – em contraste com as economias estatistas, em que poder político e poder econômico estariam fundidos. Mais uma vez, tal narrativa não passa pelo crivo da investigação crítica. O poder econômico se transmuta facilmente em poder político, por meio do financiamento de campanhas, do lobby, da influência sobre a opinião pública e, enfim, da dependência estrutural que o Estado tem em relação ao investimento privado. Ele sobrevive da arrecadação de impostos, que reflete o nível de atividade econômica, que, por sua vez, reflete o nível de investimento. Com isso, os governantes, quaisquer que sejam suas simpatias políticas, precisam introjetar os interesses do capital, garantindo uma situação que estimule a manutenção de taxas elevadas de investimento econômico. Não é necessária nenhuma conexão especial com a elite política, nem a apresentação de algum tipo de chantagem ou ameaça por parte da classe capitalista; a estrutura econômica garante que seus interesses receberão uma atenção privilegiada por parte dos detentores do poder de Estado.

Uma linha auxiliar do argumento de que o mercado protege a liberdade foca em seu suposto caráter antidiscriminatório. Há quem afirme, por exemplo, que os mecanismos de mercado combatem o racismo (ou a discriminação contra pessoas com deficiência) melhor que qualquer política pública: firmas que se recusassem a contratar negros ou a vender para negros perderiam bons empregados ou bons clientes e seriam punidas na competição com seus concorrentes. É desnecessário dizer que isso não tem nenhuma comprovação empírica. Pelo contrário, regras que coíbam a discriminação racial se mostraram cruciais para impedir que as empresas respondam ao incentivo a práticas racistas que a existência de um público racista fornece. E como o racismo não é um desvio de caráter, mas um conjunto de dispositivos estruturais, ele faz com que os negros sejam marginalizados e tenham menor potencial para se tornar “bons empregados” ou “bons clientes”. Os remédios de mercado para o combate ao racismo simplesmente não funcionam.

Outras formas de preconceito também encontram incentivos em práticas de mercado. A manutenção das mulheres na posição de donas-de-casa e/ou de objetos sexuais favorece inúmeras indústrias, de eletrodomésticos a cosméticos, e é pesadamente reforçada pelo discurso publicitário. O sexismo aberto e renitente da publicidade reforça estereótipos tanto ao se dirigir às mulheres quanto ao se dirigir aos homens, a tal ponto que, ainda nos anos 1980, a solução proposta pelo Ombudsman dos Consumidores da Dinamarca para lutar contra ele foi a proibição da representação de qualquer ser humanos em anúncios. Na luta contra a desigualdade de gênero e os estereótipos contrários à emancipação das mulheres, o mercado certamente tem atrapalhado mais do que ajudado.

Mercado e progresso

Abandonados os valores mais elevados, como justiça ou liberdade, a defesa dos benefícios do mercado recua para vantagens mais instrumentais, como a “inovação” ou a ampliação geral da prosperidade. A concorrência e a busca do interesse próprio seriam os motores do progresso; sem elas, estaríamos fadados à estagnação. Se o colapso do modelo soviético, no final dos anos 1990, serve hoje de ilustração dessa tese, não custa lembrar que em outros momentos históricos um veredito oposto aparecia como igualmente óbvio. Quando escreveu seu libelo ultraliberal O caminho da servidão, em meados dos anos 1940, Friedrich Hayek justificou a superioridade do mercado unicamente em termos políticos, julgando que não valia a pena disputar a crença, amplamente dominante, de que a economia centralizada era mais eficaz.

A racionalização do processo produtivo parecia evitar vários dos problemas do jogo do mercado capitalista, como sua vulnerabilidade a crises cíclicas, e promover um desenvolvimento mais acelerado e constante. O fato de que hoje o planejamento de tipo soviético tenha sido desmoralizado não autoriza a ignorar os problemas associados à gestão puramente mercantil da economia, como as tendências à crise e à concentração da riqueza ou os elevados custos sociais e ambientais que implica. Uma prosperidade que é acompanhada pelo crescimento da pobreza, como ocorre há décadas no mundo capitalista, é a ressurreição da frase memorável do nada saudoso general Médici, que dizia que “a economia vai bem, mas o povo vai mal”.

Ao mesmo tempo, é reconhecido que os fundamentos da inovação tecnológica não são financiados pelo mercado. A pesquisa básica depende quase que integralmente de fundos públicos, mesmo nas economias capitalistas mais ricas. E nem tão básica: muito do que há de mais emblemático na “revolução tecnológica” atual nasceu diretamente da pesquisa sustentada pelo Estado, da biotecnologia à informática. Como escreveu a pesquisadora Mariana Mazzucato, da Universidade de Sussex, “todas as tecnologias que tornam ‘inteligente’ um iPhone foram bancadas pelo Estado, da tela sensível ao toque ao sistema de comando de voz Siri”.

Talvez seja difícil imaginar uma sociedade sem mercado. Talvez algum tipo de regulação mercantil da atividade econômica seja necessário, não “para sempre”, mas pelo menos até onde a vista alcança. Mas o projeto de uma sociedade mais justa, mais igualitária e mais livre – em que as pessoas tenham ampliado o exercício da sua autonomia – passa certamente pelo fortalecimento de um espaço abrangente de relações desmercantilizadas.

* Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, onde editama Revista Brasileira de Ciência Política e coordenam o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades – Demodê.

Texto replicado: BLOG DO ALTAMIRO BORGES

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Terceirização e a sociedade dos “ilustres desconhecidos”



Ilustração do Blog do farmacêutico Marcio Antoniassi 

Terceirização e a sociedade dos “ilustres desconhecidos”

por Jorge Luiz Souto Maior

Em recente reclamação trabalhista (processo n. 0000979-06.2012.5.15.0096) uma das reclamadas, a tomadora de serviços, para reforçar seu argumento de que não devia nenhum valor ao reclamante porque não era sua empregadora, acabou asseverando que o reclamante era um “ilustre desconhecido”.

Claro que essa afirmação é chocante e ofensiva, mas não se pode deixar de reconhecer que é provida de uma extrema honestidade, bem ao contrário, aliás, do que se verifica na argumentação daqueles que têm defendido, publicamente, a ampliação da terceirização, utilizando-se da retórica de que estão preocupados em melhorar as condições de trabalho e de vida dos trabalhadores em geral.

Ora, o que se pretende com a terceirização é exatamente o efeito confessado pela reclamada naqueles autos processuais, a transformação do trabalhador em um número, afastando, por conseguinte, qualquer preocupação de natureza humana da relação de trabalho.

Com efeito, quanto ao “ilustre desconhecido” não é preciso ter preocupações que dizem respeito a doenças, gravidez, dificuldades de relacionamento, posicionamentos ideológicos, atuação em defesa de direitos pelo exercício de greve etc. Visualizando a relação entre a empresa tomadora e a prestadora nos limites estritos de obrigações comerciais, voltadas à execução do serviço, ao dito tomador do serviço pouco importa quem realize a atividade e sob quais condições, cumprindo ao prestador de serviço, dito empregador, se submeter às exigências do tomador para “não perder o contrato”.

As consequências serão sentidas, concretamente, na vida do terceirizado, advindo dessas exigências contratuais transferências abruptas de local de trabalho, alterações de horário e dispensas, que são, em verdade, punições pelo comportamento, mas que não aparecem como tais.

A pretendida terceirização também nas atividades-fim amplia, de forma generalizada essa precarização da condição humana do trabalhador, sendo por demais importante perceber que essa situação, se de fato adviesse (pois ainda tenho boas razões para acreditar que não virá) não seria ruim apenas no mundo do trabalho.

De fato, como as relações sociais são determinadas pelo modo de produção, o que se teria com a ampliação da terceirização seria a generalização de relações sociais desprovidas de valores humanos básicos, como a solidariedade, a confiança, que são, sobretudo, decorrentes da socialização no trabalho. Sem esse referencial, as pessoas deixam de se reconhecer nas outras e estas passam a ser vistas apenas como adversárias ou como concorrentes em potencial. Mais que isso, a lógica do modo de produção, estimulada pela terceirização sem limites, que é a da indiferença, tende a dominar o cenário das relações humanas, ou melhor, desumanizadas.

O interessante, ou trágico, é que a humanidade durante longo percurso vem buscando formulações valorativas de natureza humanista, enfrentando, inclusive, o desafio de superar os obstáculos à efetivação desses valores integrados à ordem jurídica dos Direitos Humanos, e, de repente, por ingerência midiática, impulsionada para o atendimento de interesses econômicos determinados, não se tem o menor escrúpulo em preconizar que todo esse esforço histórico seja jogado no lixo.

E é assim que se assiste à deterioração das estruturas que, em algum momento, constituíram alguma esperança para a condição humana na sociedade capitalista. Um sintoma dessa destruição é ver na mesma página de um jornal foto de uma ação policial massacrando estudantes da considerada, por muitos, melhor universidade do país e outra anunciando o triunfo da articulação antidemocrática do “líder” da Câmara de Deputados, para aprovação do financiamento empresarial de campanha.

As pessoas e entidades que estão no comando da sociedade, aplaudindo ação policial contra professores, estudantes e trabalhadores em geral, buscando financiamento empresarial para partidos políticos, defendendo a diminuição da maioridade penal como solução para a segurança pública e preconizando a ampliação da terceirização estão, de fato, destruindo toda possibilidade da construção de uma sociedade pautada pela racionalidade dos Direitos Humanos.

É a sociedade que se diz baseada na meritocracia dando voz e prevalência à mediocridade.

Veja-se que no aspecto específico da terceirização, quando se defende a terceirização da atividade-fim o que se está fazendo é contrariar a própria essência do preconizado empreendedorismo, baseado na ideia de que se deve atuar em ramos nos quais se detenha o conhecimento e se possa agir com maior competência. Ora, se uma empresa terceiriza a sua finalidade ela deixa de ser uma empreendedora, não sendo mais que mera compradora dos serviços de outra empresa, perdendo a dita especialidade e transferindo para a prestadora dos serviços os próprios atributos meritórios.

Diante dessa objeção alguns defensores da terceirização dizem: “mas uma empresa comercialmente responsável, pensando, inclusive, nas escolhas responsáveis feitas pelo consumidor, não irá terceirizar sua atividade-fim”. Mas se não o fará, a defesa da ampliação da terceirização serve a quem? Destina-se às empresas social e economicamente irresponsáveis?

Enfim, para a preservação de interesses econômicos não revelados, os defensores da terceirização estão contribuindo para a desestruturação plena das potencialidades de valores humanos duramente concebidos, estimulando a barbárie, que se verificaria consagrada com a instituição da sociedade dos “ilustres desconhecidos”.

São Paulo, 31 de maio de 2015.

Jorge Luiz Souto Maior é professor livre-docente da Faculdade de Direito da USP.

Leia também:
Os deputados que aprovaram a terceirização em atividade-fim, traindo os traalhadores

Texto original: VI O MUNDO