sexta-feira, 28 de outubro de 2016

O servidor público, entre a vida e a greve

por Justificando — publicado 28/10/2016 09h40, última modificação 28/10/2016 09h41


Na prática, o Supremo cassou o direito de paralisação dos servidores, deixando o País mais longe do projeto erguido em 1988

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Por Eloísa Machado de Almeida 

O Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidiu que servidor público deve escolher entre a vida e a greve. Isso mesmo. Apesar de ser um direito constitucional de primeira grandeza, daqueles que faziam a Constituição brasileira ser reconhecida e festejada mundo afora, a greve deixou de existir.

A maioria do tribunal entendeu que o gestor público tem o dever de cortar o pagamento dos grevistas. Ou seja, se você entrar em greve, para protestar por melhores condições de trabalho, por igualdade de gênero, contra o arrocho, pela democracia, pela saúde, pela segurança, pela educação, ficará sem salário.

Não importa se a reivindicação é justa. Não importa se é um direito. Não importa se não é abusiva. Não importa.

Não deve mesmo importar aos ministros do Supremo Tribunal Federal e ao teto de vencimentos do funcionalismo público. Tampouco deve importar aos demais juízes, que ganham acima do teto.

Mas certamente importa aos professores, cujo piso salarial é de pouco mais de 2 mil reais que garantem a vida de sua família. Mas agora eles serão obrigados escolher entre a vida e a greve.

A decisão do Supremo Tribunal Federal parece ter sido feita por encomenda. A PEC 241, o desastre das políticas sociais brasileiras, certamente inviabilizará a continuidade de muitos programas e precarizará outros tantos.

Votada por um Congresso Nacional apodrecido e amparada por um governo cuja legitimidade não virá, a PEC 241 seria objeto de muitos protestos e greves: contra a PEC 241 por uma educação de qualidade; contra a PEC 241 por uma saúde pública universal. Contra a PEC 241 pela Constituição!

A situação que se desenha é, portanto, curiosa. Se protestar, o salário é cortado e a opção é entre a vida e a greve. Se não fizer protesto e a PEC 241 for aprovada, a escolha é entre a morte a greve.
Seria cômico se não fosse trágico. A única opção dada pelo tribunal para não cortar salários seria quando o poder público estivesse praticando ato ilegal, como atrasar pagamentos. Elementar. Se o servidor já não recebe o seu salário, e por isso entra em greve, não há o dever do gestor em descontar o pagamento.

Mas é só trágico. O mesmo Supremo Tribunal Federal que mudou seu paradigma para admitir o mandado de injunção na garantia do direito à greve, agora esvazia o direito constitucional.

Ninguém nega a necessidade de regulamentação, de acordos, de fiscalização. Todos sabemos que serviços públicos essenciais devem funcionar independentemente da greve. Ninguém ignora que possam existir oportunistas e abusos. Mas isso não é sinônimo de greve. Greve é sinônimo de direito. Invariavelmente, a greve é pelo direito de todos.

O tribunal parece mesmo achar que direito não é lá grande coisa. Estudamos – assim como os ministros de notável saber jurídico – que ter um direito é uma coisa importante, algo capaz de proteger contra abusos e violações. Um direito fundamental, então, é uma maravilha. Ele exige sempre mais, não pode ser abolido, não pode retroceder e coloca o sujeito (de direitos) em uma posição elevada. Mas não importa a teoria dos direitos fundamentais. Ela é só teoria. É só o direito.

A cada interpretação mal-ajambrada do Supremo ficamos mais distantes do projeto constitucional de 1988. Aquele da Constituição Cidadã, do Estado Social e Democrático de Direito, da solidariedade e da pluralidade. Hoje foi o direito a greve, logo depois da prisão em segunda instância, da violação de domicílio. Tudo indica que virá o fim da educação da qualidade e universal, da saúde pública integral, da demarcação das terras, da maioridade penal.

Estamos diante de um atentado à Constituição e quem o pratica é o seu guardião. Mas a Constituição não é do Supremo, é de todos nós. Pelo direito à greve, contra a PEC 241, pela vida da Constituição, resistiremos.

*Eloísa Machado de Almeida é professora e coordenadora da FGV Direito SP. Texto publicado originalmente no Justificando

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