quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

A resiliência de Bolsonaro marca o fim do poder da mídia. E esta é uma má noticia.

Como se reorganizará o país? Graças à parceria Lava Jato-mídia, os partidos políticos foram destroçados. Graças à aliança MMS (mídia-mercado-STF), desde Michel Temer a representação sindical foi desmontada, os movimentos sociais criminalizados, os conselhos de participação desmontados, as associações empresariais industriais perderam relevância.
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 Luis Nassif - 14/12/2020


A resiliência de Jair Bolsonaro nas pesquisas de opinião é mais um capítulo decisivo do fim de uma era no mercado de informações: o poder dos grupos de mídia, o mais relevante ator do mercado de informações durante todo o século 20. Foram mais influentes do que as religiões, os partidos políticos, os sindicatos, as associações empresariais.

Em ambientes cartelizados, ganhou poder de derrubar presidentes, recorrendo a um mesmo modelo de atuação: um massacre diário de notícias negativas, de acusações de toda ordem, de denúncias falsas ou irrelevantes, influenciando radicalmente aspectos psicológicos e sociais do país, criando um clima clima tão opressivo que a reação social passa a ser explosões de ódio, manifestações de rua, caça aos inimigos.

Foi assim na campanha contra Getúlio Vargas, contra Jango, no impeachment de Fernando Collor, na campanha do mensalão, na campanha pelo impeachment de Dilma Rousseff, em todos esses casos atuando com enorme eficácia.

Agora, tem-se outro cenário.

Antes, as ondas de formação de opinião seguiam o que se chamava de “efeito pedra no lago”.

O primeiro time – Globo, Folha, Estadão, Veja, em outros momentos, o Jornal do Brasil, Correio da Manhã – criava a narrativa. No momento seguinte, essa narrativa era encampada pelas rádios e TVs. E se espalhava pela imprensa regional e de outros estados, através das agências de notícias dos jornalões ou pelo efeito-demonstração. Mesmo veículos não alinhados com os grupos maiores eram induzidos a aderir às teses, para não se indispor com seu próprio público.

É interessante acompanhar a maneira como os grupos de mídia refinaram seus métodos, depois da fase do jornalismo de esgoto – as agressões sem tamanho, factoides e aberrações do estilo Veja. Passado o mensalão, o jogo foi outro. Os jornais passam a aprimorar a técnica. Em todo texto, em vez da agressividade irrefletida, qualquer referência ao PT, por exemplo, vinha acompanhada de menções às acusações de corrupção em textos aparentemente isentos. O mesmo ocorria com toda menção a Lula. Era tal a repetição do estilo que não havia dúvidas de uma orientação técnica geral.

Na cobertura, em vez das ficções da Veja, passam a recorrer ao jogo de narrativas das sentenças do Supremo e das manipulações da Lava Jato. Junte-se a perda de dinamismo da economia, para se ter o caminho aberto para o golpe.

O último vagido do monstro foi nas campanhas pelo impeachment, diretamente organizados pela mídia, não apenas convocando o povo para as manifestações, como dando falsas dimensões a qualquer agrupamento de defensores do impeachment.

Agora, tem-se um bombardeio incessante contra Bolsonaro.

Mais que isso, baseado em casos concretos, na responsabilidade objetiva de Bolsonaro pelas mortes na Covid-19, no envolvimento de filhos com corrupção, no aparelhamento de todos os níveis do Estado, na minimização da tragédia nacional. Tudo a seco, sem a necessidade da enorme ginástica mental e jurídica utilizada para criminalizar as pedaladas de Dilma. E o nível de aprovação de Bolsonaro não cai.

Não há maior sinal da falência dos grupos de mídia, como agentes absolutos de influência na opinião pública.

Antes, os grupos de mídia pautavam as discussões públicas. Em torno de suas narrativas, havia as discussões contra e a favor. E havia um exercício preguiçoso de criar “influenciadores”, em geral intelectuais ou sub-intelectuais em permanente disponibilidade, artistas de renome etc. Era um exercício primário, mas eficiente. O jornal defendia determinada narrativa e trazia, como reforço, uma fonte que endossasse a tese defendida, silenciando as vozes contrárias. E as fontes iam repetindo indefinidamente o discurso protocolar, em uma mediocrização ampla da cobertura, graças ao estilo acomodado que caracteriza os cartéis.

Agora, em vez da “pedra no lago”, o que existem são bolhas de vários formatos, mas independentes em relação aos grupos de mídia. O bombardeio diário de notícias negativas foi aprimorado nas redes sociais, pelo uso dos algoritmos, ambos da mesma natureza. Mas a versão moderna com uso intensivo de tecnologia fazendo o discurso chegar direto no seu público, através das redes de WhatsApp, dos algoritmos do Facebook, dos influenciadores do Youtube, em muitos grupos com laivos de estupidez se fortalecendo mutuamente.

Para quem acompanhou as distorções da mídia tupiniquim nas últimas décadas, pode ser um momento de alívio. Mas não é. E aí se cria um paradoxo cruel, já identificado nos anos 20, com o advento do rádio. Havia uma velha ordem de coordenação de opinião – de uma imprensa pequena, dados os níveis de analfabetismo da época, mas o único ponto de coordenação de informação, além das Igrejas e dos partidos políticos. Com as rádios, quebra-se esse velha ordem e abre-se espaço para novos atores, com discursos mais próximos da malta, clamando aos instintos básicos, e resultando nas diversas formas de fascismo que explodem em vários países.

É o estágio atual do país.

Como se reorganizará o país? Graças à parceria Lava Jato-mídia, os partidos políticos foram destroçados. Graças à aliança MMS (mídia-mercado-STF), desde Michel Temer a representação sindical foi desmontada, os movimentos sociais criminalizados, os conselhos de participação desmontados, as associações empresariais industriais perderam relevância. E, sem ter esses monstros fabricados para manter a tropa unida, a mídia tem que enfrentar, agora, os monstros reais do bolsonarismo, em uma nova quadro tecnológica, em um reino que não tem mais rei.

Texto original: CGN

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