sexta-feira, 17 de abril de 2020

O desastre da Saúde americana, por Andre Motta Araujo

Quem não tem seguro, se ficar doente e não tiver como pagar os absurdos custos dos médicos e hospitais MORRE NA CALÇADA, como estão morrendo milhares de atingidos por coronavírus


O desastre da Saúde americana

por Andre Motta Araujo

O País rico sonhado por tantos brasileiros que desconhecem as profundezas da sociedade americana e tem o Disneyworld como parâmetro desse País, tem uma chaga impressionante que é a ABSURDA AUSÊNCIA DE SAÚDE PÚBLICA nos Estados Unidos, aliás todo o sistema de saúde lá é sofrível e disfuncional.

Há duas realidades, uma ruim e outra pior. Uma parte dos americanos, geralmente os que estão empregados em grandes corporações e no governo, tem seguro saúde privado que também sofre severas críticas por insuficiência e alto custo, no geral os participantes precisam pagar uma parte do uso dos serviços mesmo que tenham seguro.
Mas a tragédia maior é para quem não tem a proteção do seguro privado, que se comprado individualmente é caríssimo e exige a co-participação do segurado nos custos e tratamentos. Quem não tem seguro, se ficar doente e não tiver como pagar os absurdos custos dos médicos e hospitais MORRE NA CALÇADA, como estão morrendo milhares de atingidos por coronavírus, que nem sequer procuram hospitais porque não podem pagar e continuam trabalhando e infectando outros. É o que aconteceu em Nova York e está acontecendo em Chicago e Detroit, onde grande parte dos mortos são de negros e latinos sem condições econômicas de receber tratamento.
A ausência absoluta de SAÚDE PÚBLICA nos Estados Unidos é um produto da visão de economia de mercado inspirada em expoentes políticos como Thatcher e Reagan, que sempre se opuseram à existência de um sistema estatal de saúde pública, como há na Europa, no Canada e no Brasil, visto por eles como iniciativa socialista.
O abandono das populações mais pobres nos guetos miseráveis de Nova York, Chicago, Detroit e Los Angeles, sem nenhuma possibilidade de assistência se contagiados e atingidos de forma aguda pelo Coronavírus explica a inacreditável expansão do vírus pelos EUA, hoje o epicentro mundial da pandemia. Se o pobre doente não tem tratamento ele continua a andar pelas ruas e espalhar o vírus, não há como evitar. Os ricos encastelados em condomínios fechados não estão imunes a esse espalhamento que vem pelos empregados dos prédios e condomínios, pelos entregadores de tudo. Um vírus que veio à tona em um mercado popular no centro da China mostra sua capacidade de viagem pelo tempo e espaço, então é evidente que o NÃO tratamento dos que não têm nenhuma chance de entrar em um hospital, porque não há nenhum de graça e os pagos são inacessíveis a eles. Esse abandono dos humanos carentes foi fator central da impressionante distribuição do vírus nos EUA em muito pouco tempo.
A discussão sobre a existência de um sistema público de saúde nos EUA é antiga e hoje mais presente do que nunca. O Partido Democrata tem como bandeira um sistema público, ferozmente combatido pelo Partido Republicano mesmo antes de Trump. O Plano Obamacare foi torpedeado pelos Republicanos, que insensatamente consideram um plano de saúde pública como inspiração socialista, sem se darem ao trabalho de observar seu vizinho, o Canada, que tem um excelente sistema de saúde pública sem ser socialista.
Na Inglaterra, apesar de todos os esforços diabólicos da Sra. Tachter para acabar com a saúde pública, o National Health System se manteve como um plano de atendimento mínimo, já por toda a Europa continental plano de atendimento médico a todo cidadão é algo que nem se discute há muito tempo, alguns sistemas são ótimos, outros são sofríveis mas todos os países têm algo semelhante ao nosso SUS, alguns são tidos como excelentes, como os dos países nórdicos, o francês também é bem cotado.
A SAÚDE PRIVADA NOS EUA
Enquanto não há plano de atendimento público de saúde, os EUA também sofrem com o atendimento privado.  Lembro dos anos 80 e 90, quando a elite brasileira ia operar o coração nos EUA, como fez o Presidente João Figueiredo. Hoje isso seria ridículo, nosso sistema privado é muito superior ao americano em nível e qualidade de atendimento e mais ainda, custa MUITO MENOS que nos EUA, razão pela qual S. Paulo recebe por ano cerca de 20 mil clientes estrangeiros para cirurgias, muitos deles norte-americanos, enviados por seus seguros saúde, porque a qualidade da medicina de ponta em S.Paulo, no geral, supera a dos EUA e os custos são, no geral, uma quarta parte do custo americano.
Existem surpresas nesse campo. Há alguns anos passei em frente a um prédio em Washington escrito CLÍNICA DE RETINOPATIA, doença derivada da diabetes que afeta a visão, algo que sofro. Um centro especializado, pensei e lá fui para uma consulta. O médico indiano que me atendeu perguntou de onde eu era, quando disse Brasil deu um pulo de espanto “mas o que o senhor está fazendo aqui?”, o melhor especialista que conheço está no Brasil, em Goiania e me deu o nome do médico. Isso tem sido algo comum com brasileiros que procuram médicos nos EUA. A propósito, cerca de 25% dos médicos em hospitais americanos são indianos, no geral de um terço a metade dos médicos nos hospitais não são americanos, os indianos, iranianos e vietnamitas preponderam, porque faltam médicos nos EUA.
Os custos nos hospitais e mesmo nas clinicas privadas são muito altos por causa da indústria de processar médicos, um negócio de bilhões de dólares, com advogados especializados nesses casos, o que faz os médicos terem que comprar seguros de custo altíssimo para se proteger, o que eleva o preço das consultas e dos hospitais.
Por outro lado, há uma cultura hospitalar muito diferente da brasileira, onde se restringe acompanhantes e visitas, algo peculiar da cultura brasileira.
Por causa do alto custo do seguro de saúde privado, muitos empregados evitam trocar de emprego para manter o seguro na sua empresa, um novo emprego geralmente exige carência de um ano antes de ter seguro. O setor de seguro saúde nos EUA é alvo de enormes e generalizadas críticas, tem hoje o maior lobby no Congresso americano para defender seus interesses, um dos quais é que NÃO exista um sistema de saúde pública que lhes tiraria clientes, é um setor hoje quase amaldiçoado nos EUA, ninguém está satisfeito com o seguro privado, que é hoje cartelizado, a United Health domina (no Brasil é dona da AMIL) e é altamente lucrativo.
A CRISE DO CORONAVÍRUS E A SAÚDE PÚBLICA NO MUNDO

A crise do Coronavírus vai mudar profundamente a visão da saúde pública no mundo, porque chega-se a uma óbvia constatação: SE OS POBRES NÃO TIVEREM SAÚDE PÚBLICA ELES VÃO CONTAMINAR OS RICOS, isso é algo completamente novo, não adianta os ricos terem seguro saúde no Sírio Libanês se sua empregada pode lhe passar vírus e não tem atendimento na saúde pública. Nos EUA a pressão por um sistema de saúde pública pode definir as eleições presidenciais de Novembro, é uma bandeira do Partido Democrata e a crise do Coronavírus pode empurrar os Republicanos para fora da Casa Branca porque eles são contra a saúde pública, que agora mostrou-se essencial para a sobrevivência dos Estados Unidos como um País civilizado e maior potência mundial. O vírus mostrou as deficiências da economia pura de mercado e vai exigir um novo modelo de solidariedade social que é incompatível com a ilusão de que o mercado sozinho é solução para tudo, mudando os EUA, muda o mundo.
Enquanto isso, cabe a nós brasileiros nos orgulharmos do SUS, mesmo com enormes deficiências de financiamento, é um sistema internacionalmente admirado. Apesar de lutar contra inimigos internos, o maior dos quais é o NEOLIBERALISMO CHILENO da atual equipe econômica, cujo sonho é acabar com o SUS, o INSS e tudo o mais que não seja “economia de mercado”, estamos ainda na zona de alto risco enquanto esse tipo de ideologia cega tem poder no País.
Texto original: CGN

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