terça-feira, 27 de outubro de 2015

O BRASIL DEVE, MAS ESTÁ LONGE DE ESTAR QUEBRADO - A DÍVIDA PÚBLICA E A MANIPULAÇÃO MIDIÁTICA.



(Jornal do Brasil) - O Governo tem seus defeitos - entre eles uma tremenda incompetência na divulgação da situação real do país - mas também tem suas virtudes.

A maior parte da imprensa está trombeteando, aos quatro ventos, o fato de que a dívida pública subiu 3,68% em agosto, para 2.68 trilhões. Por que não dar a informação completa, e dizer que o Brasil deve essa quantia, mas tem quase um trilhão e meio de reais, 1.48 trilhões, a câmbio de hoje, em reservas internacionais em caixa?

Reservas internacionais de 370 bilhões de dólares, cujo valor, em moeda nacional aumenta - já que o negócio é divulgar grandes números - em contraposição ao que se deve em reais, a cada vez que o dólar sobe? 

Em um país normal seria também interessante lembrar - em benefício do leitor e da verdade - que a dívida líquida pública - que é o que o país verdadeiramente deve, descontando-se o que tem guardado - caiu em quase 50% nos últimos 13 anos, depois do fim do governo FHC, de mais de 60%, em dezembro de 2002, para aproximadamente 34% do PIB agora.

Para efeito comparativo, nos países desenvolvidos, essa dívida é quase três vezes maior, de mais de 80% em média. 

Quase da mesma forma que a dívida pública bruta, a única a que se dá destaque, que em países como o Japão, a Itália, os Estados Unidos, a França ou Inglaterra, duplica, ou é de quase o dobro da nossa. 

Essa é a realidade dos fatos que, hipócrita e descaradamente, não são levados em consideração, por sabotagem e outros interesses de ordem econômica e geopolítica, por agências envolvidas com escândalos e multadas, em bilhões de dólares, por irregularidades, que, sem críticas ou questionamento, são endeusadas e incensadas, interesseiramente, pela mídia conservadora nacional, como a Standard&Poors, por exemplo.


Texto original: MAURO SANTAYANA

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

A nossa imprensa, a serviço da barbárie


Comecei este blog há mais de oito anos porque, já naquela época, achava um absurdo que praticamente todos os jornais, todas as revistas, todas as emissoras de rádio e televisão, todos os meios de comunicação, enfim, se dedicavam à gloriosa tarefa de esculhambar o governo trabalhista, suas lideranças e o principal partido de esquerda do país, o PT.

Inconformado, resolvi exercer minha cidadania da melhor maneira que julguei possível, utilizando a internet, essa maravilha, para falar sobre tudo aquilo que, para mim, é importante.

Aprendi que esse exercício cotidiano vale a pena, pois nos fortalece como seres humanos conscientes, que buscam um mundo melhor, mais justo e igualitário.


Trabalhei mais de 40 anos em redações dos mais variados figurinos - minúsculas, pequenas, médias e grandes, do interior e da capital. 

Por mais medíocre que eu seja, deu, nesse tempo todo, para saber como funcionam as coisas no jornalismo pátrio.

Regra número 1: a liberdade de imprensa é um mito, só se publica o que o patrão deixa - e quer.

Regra número 2: os donos das empresas jornalísticas estão entre os piores patrões do universo, burlam descaradamente todas as leis que não lhes favorecem, tratam os jornalistas como lixo descartável - mesmo aqueles que, em determinado momento fazem, descaradamente, o jogo patronal.

Regra número 3: não existe jornalismo imparcial, todas as notícias passam por um filtro ideológico, e, portanto, não retratam o factual e não mostram a realidade.

Vamos ficar por aqui.

E voltar ao início desta croniqueta.

O massacre midiático contra qualquer um que não pense exatamente como a oligarquia nacional é tremendo, desumano até.

O que dizer, então, daqueles que cometeram o pecado de, além de não se sujeitarem às regras seculares da nossa plutocracia, resolveram que era hora de mudá-las?

Falem o que quiser do PT, mas se não fosse por ele, o Brasil ainda seria uma imensa fazenda dividida entre a casa grande e a senzala, completamente submissa ao "grande irmão do norte", implorando por algumas migalhas do butim que o capital recolhe diariamente em todo o planeta.

Muito do PT original se perdeu nesses anos todos. 

O poder corrompe, é o que dizem.

Talvez seja mesmo esta a hora de o partido fazer uma reflexão, pesar os seus acertos e seus erros, submeter-se a uma autocrítica, mudar o que deve ser mudado, limpar de seus quadros os oportunistas.

E talvez seja esta também uma boa hora para, em meio a esse processo, firmar a convicção de que, sem uma imprensa plural forte, a jovem democracia brasileira terá poucas chances de sobreviver.

Todos sabem que a nossa imprensa é inimiga do Brasil civilizado.

Que tal aqueles que temem a volta da barbárie se unirem para combater as suas ações deletérias?

Texto original: CRÔNICAS DO MOTA

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Os paraísos fiscais contaminam o sistema financeiro global

Boa parte das atividades dos paraísos fiscais é legal. A grande corrupção é cometida pelos grupos que sequestram o Estado e geram a sua própria legalidade

Ladislau Dowbor

Nicholas Shaxson – Treasure Islands: uncovering the damage of offshore banking and tax havens – St. Martin’s Press, New York, 2011

Estamos acostumados a ler denúncias sobre os paraísos fiscais, mas a realidade é que apenas muito recentemente começamos a nos dar conta do papel central que jogam na economia mundial, na medida em que não se trata de “ilhas” no sentido econômico, mas de uma rede sistêmica de territórios que escapam das jurisdições nacionais, permitindo assim que o conjunto dos grandes fluxos financeiros mundiais fuja das suas obrigações fiscais, esconda as origens dos recursos, ou mascare o seu destino. 

Todos os grandes grupos financeiros mundiais, e os maiores grupos econômicos em geral, estão hoje dotados de filiais (ou matrizes) em paraísos fiscais. Os paraísos fiscais constituem uma dimensão de praticamente todas as atividades econômicas dos gigantes corporativos, formando um tipo de uma gigantesca câmara mundial de compensações, onde os diversos fluxos financeiros entram na zona de segredo, de imposto zero ou equivalente, e de liberdade relativamente a qualquer controle efetivo. Os recursos serão reconvertidos em usos diversos, nos espaços declarados formais, livres de qualquer pecado. Não é que haja um espaço secreto, é que com a fragmentação do fluxo financeiro, que ressurge em outros lugares e com outros nomes, é o conjunto do sistema que se torna opaco: “Se você não pode ver o todo, você não pode entendê-lo. A atividade não acontece em alguma jurisdição – acontece entre as jurisdições. O ‘outro lugar’ se tornou ‘lugar algum: um mundo sem regras’”.(28) 

Os volumes são conhecidos desde que a pressão das sucessivas reuniões do G20 e os trabalhos técnicos do TJN (Tax Justice Network), do GFI (Global Financial Integrity), do ICIJ (International Consortium of Investigative Journalists) e do próprio Economist passaram as nos fornecer ordens de grandeza: são cifras da ordem de 21 a 32 trilhões de dólares, para um PIB mundial de 73 trilhões (2012). O Brasil participa com algo como US$520 bilhões, quase 30% do PIB. A OCDE acaba de lançar um primeiro programa de contenção dos drenos e do caos financeiro mundial gerado, o BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), mais uma das múltiplas tentativas de se criar um marco legal para conter o caos planetário gerado. Mas na base está um problema central: o sistema financeiro é planetário, enquanto as leis são nacionais, e não há governo mundial. 

O sistema impacta diretamente os processos produtivos: “Keynes entendeu a tensão básica entre a democracia e os fluxos livres de capital. Se um país tentar reduzir as taxas de juros, digamos, para estimular as industrias locais em dificuldades, é provável o capital vazar para o exterior na busca de uma remuneração mais elevada, frustrando o seu intento”.(56) Quando além disto se pode ganhar mais, e deixar de pagar impostos, qualquer política econômica de uma nação se torna pouco realista. Assim “o sistema offshore cresceu com metástases em todo o globo, e surgiu um poderoso exército de advogados, contadoras e banqueiros para fazer o sistema funcionar...Na realidade o sistema raramente acrescentava algum valor, mas pelo contrário estava redistribuindo a riqueza para cima e os riscos para baixo, e criando uma nova estufa global para o crime”. (130)

A questão dos impostos é central, e apresentada em detalhe. O mecanismo do offshore é apresentado a partir de um relatório de 2009 elaborado pelo FMI: trata-se “do velho truque dos preços de transferência: os lucros são offshore, onde escapam dos impostos, e os custos (o pagamento de juros) são onshore, onde são deduzidos dos impostos”.(216) A conexão com a crise financeira mundial é direta. “Não é coincidência que tantos dos envolvidos em tramoias financeiras, como Enron, ou o império fraudulento de Bernie Madoff, ou o Stanford Bank de Sir Allen Stanford, ou Lehman Brothers, ou AIG, estivessem tão profundamente entrincheirados em offshore.”(218)

A maior parte das atividades é legal. A grande corrupção, como já apresentamos em outro trabalho (L. Dowbor, Os estranhos caminhos do nosso dinheiro, 2014), gera a sua própria legalidade, o que passa pela apropriação da política, processo que Shaxson qualifica de “captura do Estado”: Não é ilegal ter uma conta nas ilhas Cayman, onde a legalidade e o segredo são completos: é “um lugar que busca atrair dinheiro oferecendo facilidades politicamente estáveis para ajudar pessoas ou entidades a contornar regras, leis, e regulamentações de outras jurisdições”.(228)

Trata-se, em grande parte, de corrupção sistêmica: “No essencial, a corrupção envolve entendidos (insiders) que abusam do bem comum, em segredo e com impunidade, minando as regras e os sistemas que promovem o interesse público, e minando a nossa confiança nestas regras e sistemas. Neste processo, agravam a pobreza e a desigualdade e entrincheiram os interesses envolvidos e um poder que não presta contas”.(229)

A base da lei das corporações, das sociedades anônimas, é que o anonimato da propriedade e o direito de serem tratadas como pessoas jurídicas, podendo declarar a sua sede legal onde queiram e qual que seja o local efetivo das suas atividades, encontraria o contrapeso na transparência das contas. “Na origem, as corporações tinham de cumprir um conjunto de obrigações com as sociedades onde se situavam, e em particular de serem transparentes nos seus negócios e pagar os impostos... O imposto não é um custo para os acionistas, a ser minimizado, mas uma distribuição para os agentes econômicos (stakeholders) da eampresa: um retorno sobre os investimentos que as sociedades e os seus governos fizeram em infraestruturas, educação, segurança e outros requisitos básicos de toda atividade corporativa”.(228) 

Shaxson fez um trabalho meticuloso, o livro é muito bem escrito, e compreensível para qualquer leigo. Jeffrey Sachs qualificou-o de “an utterly superb book”, Nicholas Stern, que já foi economista chefe do Banco Mundial, é igualmente um entusiasta. Estas referências são importantes, pois Shaxson não fez um panfleto contra os paraísos fiscais, e sim desmontou os mecanismos da finança internacional que neles se apoiam, oferecendo uma ferramenta para entender o caos mundial que nos deixa cada vez mais perplexos. 

O mecanismo nos atinge a todos, na injustiça dos impostos, mas também no prosaico cotidiano: “A construção de monopólios secretos por meio da opacidade offshore parece penetrar amplamente em certos setores e ajuda muito a explicar porque, por exemplo, as contas dos nossos celulares são tão elevadas em certos países em desenvolvimento”. (148) Os impactos são sistêmicos: “As propinas contaminam e corrompem governos, e os paraísos fiscais contaminam e corrompem o sistema financeiro global”.(229)

Texto original: CARTA MAIOR

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Só mudando o modelo neoliberal a Terra pode ser salva

Podemos aproveitar a crise das mudanças climáticas para transformar o nosso sistema econômico fracassado em algo radicalmente melhor.

Léa Maria Aarão Reis*

Há quinze anos a então jovem jornalista e escritora canadense Naomi Klein, de 30 anos, lançou um livro, Sem Logo – A tirania das marcas em um planeta vendido, que logo se transformou em manifesto do movimento ambientalista e pela antiglobalização. Dois anos depois ela publicou Cercas e Janelas, outro sucesso em toda parte, quando já escrevia para a mídia internacional, para a conceituada revista The Nation e para o inglês The Guardian. 

Nesta época, Naomi se tornara uma das principais ativistas críticas do modelo econômico neoliberal, causa do empobrecimento das populações, o padrão perverso que enriquece cada vez mais uma pequena parcela de grupos de capitalistas inescrupulosos e que reprime, com violência, ao redor do mundo, com as forças policiais dos seus governos, os protestos de movimentos populares organizados que ousam confrontar políticas oportunistas que avançam, originadas da ambição sem medidas, desastres naturais, guerras e outros choques culturais. 

Sobre a violência da repressão aos que não concordam com o paradigma, Klein lembra, em suas análises, do Chile do Pinochet, do Brasil da ditadura civil-militar, da Argentina das ditaduras militares e da China das repressões depois dos protestos da Praça da Paz Celestial. A Doutrina do Choque: a Ascensão do Capitalismo de Desastre foi esse outro título lançado com grande sucesso, em 2007. 

Agora, o filme Isso muda tudo (This changes everything/ 2015), dirigido por seu marido, Avi Lewis, é a adaptação de um dos mais recentes livros da escritora canadense, best seller planetário com o mesmo título do documentário. Ele desembarca no Festival do Rio no rastro do seu sucesso em diversos países. Foi realizado durante quatro anos e filmado nos cinco continentes. Desafia e provoca o espectador a repensar as mudanças climáticas. Diz Naomi: “Podemos aproveitar a crise das mudanças climáticas para transformar o nosso sistema econômico fracassado em algo radicalmente melhor.”

Narradora, é a própria Naomi Klein quem conduz o espectador na apresentação de algumas situações dramáticas de comunidades que se encontram expostas, nas linhas da frente, em regiões que sofrem com alterações climáticas, e lutam para reverter a impressionante destruição que as empresas de conglomerados transnacionais promovem no ambiente, com o estímulo e a benção de governos que administram países como se eles fossem empresas privadas – suas e dos amigos, é claro. 

Seus personagens são os índios cheyenne da bacia hidrográfica do rio Powder, no estado de Montana, nos Estados Unidos; os que vivem, desde tempos ancestrais, próximos das areias betuminosas de Alberta, no Canadá – e hoje precisam de passe (que o estado não lhes fornece) para entrar em territórios sagrados, cemitérios e vastas áreas que sempre foram de sua propriedade -; gregos das ilhas, alemães e moradores da costa sul da Índia e da cidade de Pequim. 

Não se percebe a hora e meia de duração do filme mostrando assunto afinal nem tão ameno - a relação do carbono existente no ar que é colocado lá pelo próprio sistema econômico vigente; a intoxicação do ser humano causada pelo dinheiro (e pela ganância desmedida); a exploração enfurecida e irresponsável de óleo, de xisto, carvão ao redor do planeta. O ritmo dinâmico, mas preciso da montagem, não o do tic-tac dos vídeos clipes alucinados, prende o espectador do começo ao fim.

No estado de Montana, uma das chamadas “áreas de sacrifício” (cada vez elas são maiores), nomeadas assim por Barack Obama em um discurso mostrado no filme, no qual o presidente dos EUA quer dizer que há regiões, no mundo, que precisam ser devastadas em nome do... progresso (!) Lá, a Shell destrói as chamadas florestas dorsais. “Podemos fazer tudo,” diz um personagem, “em terras como essas, quase sem habitantes.”

Com certeza. Vizinho, “sem habitantes” está situado o fabuloso parque de Yellowstone.

A cidadezinha de Fort McMurray, em Montana, hoje, é conhecida como Fort McMoney: a rapaziada chega, permanece algum tempo trabalhando na rapina da terra, reúne seu milhão de dólares e volta para casa deixando para trás a região exaurida e arruinada.

Na província de Alberta, orgulho do governo canadense que se gaba de ser ela uma das maiores economias do país, o ‘progresso’ é resultado da incessante extração de gás e óleo que contaminam fazendas antes paradisíacas. Alberta é a terceira maior reserva mundial e petróleo do mundo. Pode-se imaginar (e assistir, no filme) o massacre da plácida região.

Obama também se envaidece – vê-se em Isso muda tudo, num discurso de três anos atrás - dos 23 estados americanos que trabalham, freneticamente, em oleodutos, perfurações e congêneres.

Na Grécia, escavam-se áreas lindíssimas, montanhosas, para explorar ouro e perfura-se o Mar Egeu. “Para pagarmos os nossos credores...” diz uma ativista. No Sul da Índia, na cidade de Sompeta, em Andhra Pradesh, as comunidades locais conseguiram bloquear a construção de novas usinas. E na China, Pequim, sufocada pelo crescimento, há “uma máquina devoradora”, comenta Naomi. Em 2013, apenas em 175 dias do ano as crianças puderam sair de dentro de casa. O número cresceu para 220 dias/ano logo depois. 

Hoje, depois de muitos protestos e da pressão das ruas lideradas por movimentos ambientalistas bem organizados, algumas ações de estado, bem mais efetivas que as americanas, criaram importantes sistemas de aquecimento solar que fornecem água e energia aos moradores de 90 por cento de gigantescos edifícios residenciais. “Nosso objetivo,” diz a líder de uma dessas organizações, “é cuidar da Terra e cuidarmos uns dos outros.” 

No entanto, vê-se, em uma reunião internacional dos céticos (por conveniência) do Hearthland Institute, EUA, um dos ninhos dos think tank do mercado desregulado, um dos membros reclamando: ”A China é uma ameaça à vida na Terra.” Para ele, a crise climática é “um cavalo de Troia do marxismo vermelho...”

Na Alemanha, onde os verdes são uma força efetiva e combativa, trinta por cento da energia já vem de fontes renováveis. 

Estas histórias das lutas de ação direta desembocam na ideia central do filme – e do livro: podemos aproveitar a crise das alterações climáticas para transformar o sistema econômico num outro, radicalmente melhor. Para chegar lá, segundo Klein, os protestos populares precisam continuar cada vez mais fortes, frequentes e corajosos. O objetivo é fazer pressão para proporcionar mais igualdade, mais empregos e menos “zonas de sacrifício.”

O alerta de Naomi Klein é este: o aquecimento global pode ser a última chance que temos de mudar de modelo econômico para a espécie humana sobreviver. 

*Jornalista

Texto original: CARTA MAIOR

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Cuba e o imperialismo brasileiro

No passado, o Estado brasileiro tomou um grande empréstimo junto aos bancos ingleses, por ocasião da independência, e, isso sem falar que conseguiu a independência, assumindo a Dívida Externa da Coroa Portuguesa (na prática comprou a independência), ou seja, o Estado brasileiro nasceu devendo. Todo empréstimo foi gasto para criação da estrutura do país que surgia e a grande maioria desse empréstimo foi investido (gasto) na capital Rio de Janeiro.

Atualmente, o Brasil fez um grande empréstimo ao Estado de Cuba e a alegação, da oposição ao governo é que, o Brasil está precisando de investimentos, enquanto estamos enviando dinheiro para Cuba!

Porto Mariel em Cuba
Estranhamente, esses empréstimos feitos a Cuba, têm uma similaridade com os empréstimos que o Brasil fez junto aos Ingleses! Vejamos algumas dessas similaridades:

a) Do dinheiro que o Brasil tomou emprestado, aos Ingleses, parte foi para pagar a Dívida Externa (assumiu a Dívida da Coroa Portuguesa para garantir a independência) e o restante foi para comprar equipamentos administrativo e militar, na própria Inglaterra, para o novo pais que estava surgindo. Todo o dinheiro emprestado a Cuba foi gasto aqui no Brasil mesmo!

b) Como o Brasil comprou todo material militar e administrativo que precisava na Inglaterra, o comércio inglês foi aquecido gerando mais empregos. O empréstimo tomado por Cuba ao Brasil foi gasto totalmente aqui no Brasil na compra de material para construção do Porto Mariel.O fato dos cubanos ter comprado todo material, para construção do porto, no Brasil gerou milhares de empregos!

c) com o financiamento, para o novo estado que surgia, os ingleses se livraram do intermediário entre o comércio inglês e brasileiro. Antes, toda a mercadoria inglesa, vendida no Brasil, era feito por exclusivamente por intermédio dos comerciantes portugueses. Com o financiamento, do Porto em Cuba, o Brasil garante a atuação de várias empresas brasileiras instaladas diretamente no porto e não precisando utilizar intermediação de empresas estrangeiras no comercio na América Central e EUA (o litoral sul dos fica no Caribe). Dezenas de empresas brasileiras estão e serão instaladas no porto cubano!

d) O Brasil tem uma posição estratégica na América do Sul e com o financiamento e facilitação da entrada dos ingleses em nosso território, ficou facilitado o comércio inglês com os países vizinho do Brasil. O Porto de Mariel tem uma posição estratégica no Caribe (América Central). O porto conta com um calado (profundidade da água) de 16 metros e permite o atracamento de grandes embarcações e com a atuação de dezenas de empresas, neste porto, fica facilitado o comércio do Brasil com os países na América Central e com os EUA (América do Norte).

Na prática, os empréstimos, tomados pelo Brasil aos ingleses e o empréstimo do Brasil feito para cubanos, beneficia mais o país que estão emprestando do que os tomadores dos empréstimos!

Toda literatura referente a história do empréstimo do Brasil junto aos ingleses se refere como uma relação de imperialismo inglês e estranhamente nosso jornalistas e políticos da oposição (quando estava no governo emprestaram dinheiro a Cuba e Venezuela) gritam aos quatro cantos que estamos dando dinheiro a Cuba!

Textos relacionados:
Porto de Cuba e o que você precisa saber rápido.
Compramos a Independência

Antônio Carlos Vieira
Licenciatura Plena - Geografia (UFS)
http://carlos-geografia.blogspot.com.br

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Os novos Estados de vigilância

Confiamos à Internet nossos pensamentos mais pessoais e íntimos. Com a vigilância massiva, o controle do Estado chegou a dimensões alucinantes.

Ignacio Ramonet*

Durante muito tempo, a ideia de um mundo sob “vigilância total” foi vista como um delírio utópico ou paranoico, fruto da imaginação mais ou menos alucinada dos que sonham com teorias da conspiração. Contudo, é preciso reconhecer a evidência: vivemos, aqui e agora, a mercê de um império da vigilância. Cada vez são mais os que nos observam, nos espionam, nos vigiam, nos controlam, fazem arquivos sobre nós sem que saibamos. A cada dia, novas tecnologias são refinadas, buscando facilitar o seguimento do nosso rastro. Empresas comerciais e agências publicitárias registram nossas vidas. Com o pretexto de lutar contra o terrorismo, ou contra outras pragas (pornografia infantil, lavagem de dinheiro, narcotráfico), os governos – incluindo os mais democráticos – se transformam no Grande Irmão, e já não titubeiam diante da possibilidade de infringir suas próprias leis quando o objetivo é espionar melhor os seus próprios cidadãos. Em segredo, os novos Estados orwellianos querem estabelecer enormes arquivos sobre os nossos contatos e dados pessoais, guardados em diferentes suportes eletrônicos.

Após a onda de ataques terroristas que golpeou cidades como Nova York, Paris, Boston, Ottawa, Londres e Madrid, as autoridades perderam os pudores e utilizaram o grande pavor das sociedades comovidas para intensificar a vigilância para reduzir mais a proteção da nossa vida privada.

Para entender melhor: o problema não é a vigilância em si, e sim a vigilância massiva clandestina. É evidente que, num Estado democrático, as autoridades contam com toda a legitimidade, baseada na lei e com a autorização prévia de um juiz, para colocar sob vigilância qualquer pessoa considerada suspeita. Como disse Edward Snowden: “não há nenhum problema em instalar um grampo contra Osama Bin Laden. Sempre que os investigadores tenham que dispor da permissão de um juiz – um juiz independente, um juiz autêntico, não um juiz secreto –, e possam provar que existe uma boa razão para emitir uma ordem, esse trabalho poderia ser realizado sem problemas. O problema é quando controlam a todos nós, em massa, o tempo todo e sem nenhuma justificativa” (1).

Com a ajuda de algoritmos cada vez mais sofisticados, milhares de investigadores, de engenheiros, de matemáticos, de estadistas e de técnicos em informática buscam e classificam a informação que geramos sobre nós mesmos. Satélites e drones de visão de longo alcance nos seguem do espaço. Nos aeroportos, scaners biométricos analisam nosso andar, “lendo” nossas íris e nossas digitais. Câmaras de infravermelhas medem nossa temperatura. As pupilas silenciosas das câmaras de vídeo apuram nossos passos nas cidades e nos corredores dos hipermercados. Também seguem nossas pegadas no trabalho, nas ruas, nos ônibus, no banco, no metrô, no estádio, nos estacionamentos, nos elevadores, nos centros comerciais, nas estradas, nas estações de trem, nos aeroportos…

Vale destacar que a inimaginável revolução digital que vivemos, que já transformou tantas atividades e profissões, também transformou totalmente os serviços de informação e de vigilância. Na época da Internet, a vigilância passou a ser algo onipresente e perfeitamente imaterial, imperceptível, indetectável, invisível. Além disso, se caracteriza tecnicamente por uma simplicidade pasmosa – já não precisa mais daqueles trabalhos artesanais de instalação de cabo e microfones, como no antigo filme A Conversação (2), onde podíamos ver como um grupo de “encanadores” apresentava, numa conhecida feira, as técnicas de vigilância, as bugigangas mais bem elaboradas, caixas cheias de cabos elétricos que precisavam ser escondidos nos muros ou no chão…

Vários grandes escândalos dessa época – o caso Watergate nos Estados Unidos, o dos “encanadores de Le Canard enchaîné”, na França–, fracassos humilhantes para os serviços de informação, demostraram os limites desses antigos métodos mecânicos, facilmente detectáveis e localizáveis.

Hoje em dia, vigiar alguém passou a ser algo impressionantemente fácil, ao alcance de qualquer um que saiba usar as diversas ferramentas disponíveis. Uma pessoa normal que pretende espionar algum conhecido pode encontrar no mercado diversas opções, meia dúzia de programas informáticos (mSpy, GsmSpy, FlexiSpy, Spyera, EasySpy) capazes de ler os conteúdos dos telefones celulares, mensagens de texto, correios eletrônicos, contas de Facebook, Whatsapp, Twitter, etc. Com o auge do consumo online, a vigilância comercial também se desenvolveu enormemente, dando lugar a um gigantesco mercado dos nossos dados pessoais, que se tornaram mercadorias. Durante cada uma das nossas conexões a uma página web, as cookies guardam o conjunto das buscas realizadas e permitem estabelecer nosso perfil de consumidor. Em menos de vinte milésimos de segundo, o editor da página visitada vende aos possíveis anunciantes a informação revelada pelos cookies. Apenas uns milésimos de segundo mais tarde, a publicidade que supostamente nos causará mais impacto aparece em nossa tela. E assim acabamos sendo definitivamente registrados.

A vigilância foi “privatizada” e “democratizada”. Já não é um assunto reservado aos serviços estatais de informação. Mas a capacidade dos Estados em matéria de espionagem massiva cresceu de forma destacável. E isso também se deve à cumplicidade com as grandes empresas privadas que dominam as indústrias de informática e das telecomunicações. Julian Assange afirmou que “as novas sociedades como Google, Apple, Amazon, e Facebook criaram vínculos com o aparato de Estado em Washington, particularmente com os responsáveis de Assuntos Exteriores” (3). Esse complexo de segurança digital – Estado aparato militar de segurança indústrias gigantes da web – constitui um autêntico império da vigilância, cujo objetivo concreto e bastante claro é colocar toda a Internet e todos os internautas sob vigilância, para controlar a sociedade.

Para as gerações de menos de quarenta anos, a rede é, simplesmente, o ecossistema no qual a sua mente foi polida, e também sua curiosidade, seus gostos, sua personalidade. Desde o seu ponto de vista, a internet não é só uma ferramenta autônoma que se utilizaria para tarefas concretas. É uma imensa esfera intelectual, onde se aprende a explorar livremente todos os saberes. E, de forma simultânea, uma ágora sem limites, um lugar onde as pessoas se reúnem, dialogam, trocam e adquirem cultura, conhecimento, valores, e os compartilham.

A Internet representa, para estas novas gerações, o que era a escola e a biblioteca, a arte e a enciclopédia, a pólis e o templo, o mercado e a cooperativa, o estádio e o palco, a viagem e os jogos, o circo e o bordel, tudo isso junto num mesmo lugar. É tão fabuloso que “o indivíduo, em seu prazer por evoluir num universo tecnológico, não se preocupa em saber, e menos ainda em compreender, que as máquinas administram o seu dia a dia. Que cada um dos seus atos e gestos é gravado, filtrado, analisado e eventualmente vigiado. Que, longe de liberá-lo de seus obstáculos físicos, a informática da comunicação constitui, sem dúvida, a ferramenta de vigilância e de controle mais fantástica que o ser humano já criou” (4).

Essa tentativa de controle total da Internet representa um perigo inédito para as nossas sociedades democráticas: “permitir a vigilância da Internet – afirma Glenn Greenwald, o jornalista estadunidense que difundiu as revelações de Edward Snowden – é o mesmo que submeter praticamente todas as formas de interação humana a um controle estatal exaustivo, incluindo o pensamento em si” (5).

Essa é a grande diferença com os sistemas de vigilância que existiam antes. Sabemos, desde Michel Foucault, que a vigilância ocupa uma posição central na organização das sociedades modernas. Estas são “sociedades disciplinárias”, onde o poder, por meio de técnicas e de estratégias complexas de vigilância, busca exercer o maior controle social possível (6).

Essa vontade, por parte do Estado, de saber tudo sobre os cidadãos, está legitimada politicamente pela promessa de uma maior eficácia na administração burocrática da sociedade. Assim, o Estado afirma que será mais competitivo e, portanto, servirá melhor os cidadãos se os conhece melhor, da forma mais profunda possível. Porém, ao ser cada vez mais invasiva, a intrusão do Estado provoca, há tempos, uma crescente insatisfação entre os cidadãos que apreciam o santuário da vida privada. Em 1835, Alexis de Tocqueville já dizia que as democracias modernas de massa produzem cidadãos privados cuja principal preocupação é a proteção dos seus direitos. E que isso faz com que sejam particularmente exigentes e contrários às pretensões abusivas do Estado (7).

Essa tradição se prolonga, na atualidade, em figuras como Julian Assange e Edward Snowden, ambos perseguidos ferozmente pelos Estados Unidos. Em sua defesa, o grande intelectual estadunidense Noam Chomsky afirmou que “a luta deles por uma informação livre e transparente é uma luta quase natural. Terão sucesso? Depende de nós. Se Snowden, Assange e outros fazem o que fazem, é porque exercem sua qualidade de cidadãos. Estão ajudando o público a descobrir o que os seus próprios governos fazem. Existe missão mais nobre para um cidadão livre? E se forem castigados severamente? Se Washington pudesse se livrar deles, seria ainda pior. Nos Estados Unidos existe uma lei de espionagem criada durante a Primeira Guerra Mundial. Obama a usou para evitar que a informação difundida por Assange e Snowden chegasse ao público. O governo vai tentar de tudo, cruzando o limite do indescritível, para se proteger do seu ‘inimigo principal’. E o ‘inimigo principal’ de qualquer governo é a sua própria população” (8).

Na era da Internet, o controle do Estado chega a dimensões alucinantes, já que, de uma ou outra maneira, nós confiamos à Internet os nossos pensamentos mais pessoais e íntimos, tanto profissionais como emocionais. Assim, quando o Estado, com a ajuda de tecnologias superpoderosas, decide passar a espionar o nosso uso da Internet, não só extrapola suas funções, mas também profana nossa intimidade, destrincha literalmente o nosso espírito e saqueia o refúgio da nossa vida privada.

Sob os olhos dos novos “Estados de vigilância”, nos transformamos, sem saber, em clones do protagonista do filme O Show de Truman (9), expostos ao vivo à espionagem de milhares de câmeras e à escuta de milhares de microfones, que expõem nossa vida privada à curiosidade planetária dos serviços de informação.

Nesse sentido, Vince Cerf, um dos inventores da web, considera que “na época das tecnologias digitais modernas, a vida privada é uma anomalia…” (10). Leonard Kleinroc, um dos pioneiros de Internet, é ainda mais pessimista: “Basicamente – considera ele –, nossa vida privada já não existe mais, e é impossível recuperá-la” (11).

Por uma parte, muitos cidadãos se resignam, como se o fim do nosso direito ao anonimato fosse somente uma fatalidade da nossa época. Por outra, essa preocupação de defender nossa vida privada pode parecer reacionária, ou até mesmo “suspeita”, porque só aqueles que têm algo que esconder tentam esquivar o controle público. Portanto, as pessoas que consideram que não têm nada para ocultar, não são hostis à vigilância do Estado, sobretudo se essa traz uma vantagem importante em termos de segurança, como prometem as autoridades. Entretanto, esse discurso – “por um pouco menos de liberdade para você, que te entrego cinco vezes mais garantia de segurança” – é uma estafa. A segurança total não existe, não tem como existir. É uma enganação. Porém, a “vigilância total” se tornou uma realidade indiscutível.

Para questionar o golpe da segurança, balela frequentemente cantarolada por todos os poderes, vale recordar a lúcida advertência lançada por Benjamin Franklin, um dos autores da Constituição estadunidense: “um povo disposto a sacrificar um pouco de liberdade por um pouco de segurança não merece nem o primeiro nem o segundo. E acaba perdendo as duas coisas”.

Um pensamento alinhado perfeitamente com a atualidade, que deveria nos estimular a defender nosso direito à vida privada e a proteger nossa intimidade. Jean-Jacques Rousseau, filósofo do iluminismo e o primeiro pensador que “descobriu” a intimidade, nos deu o exemplo. Não foi ele também o primeiro em se rebelar contra a sociedade do seu tempo e a sanha inquisidora da mesma, de querer controlar a consciência dos indivíduos?

“O fim da vida privada seria uma autêntica calamidade existencial”, afirmou também a filósofa contemporânea Hanna Arendt, em seu livro A Condição Humana (12). Com uma formidável clarividência, sua obra fala dos perigos para a democracia de uma sociedade onde a distinção entre a vida privada e a vida pública fosse insuficiente – o que, segundo Arendt, significaria o fim do homem live, e empurraria as nossas sociedades a novas formas de totalitarismo, de maneira implacável.

* Jornalista espanhol. Presidente do Conselho de Administração e diretor da redação do “Le Monde Diplomatique” em espanhol. Editorial nº 240, outubro de 2015.

(1) Katrina van den Heuvel et Stephen F. Cohen, “Edward Snowden: A ‘Nation’ Interview”, The Nation, Nova York, 28 de outubro de 2014.
(2) A Conversação (The Conversation), 1973. Direção: Francis F. Coppola. Intérpretes: Gene Hackman, John Cazale, Cindy Williams, Harrison Ford, Robert Duvall. Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1974.
(3) Ignacio Ramonet, “Entrevista com Julian Assange: ´Google nos espiona e informa ao governo dos Estados Unidos´”, Le Monde Diplomatique em espanhol, dezembro de 2014.
(4) Jean Guisnel, em seu prefácio para o livro de Reg Whitaker, Tous fliqués. La vie privée sous surveillance, Editora Denoël, Paris, 2001 – em espanhol: El fin de la privacidad. Cómo la vigilancia total se está convirtiendo en realidad (O fim da privacidade: Como a vigilância está se tornando realidade), Editora Paidós, Barcelona, 1999.
(5) Glenn Greenwald, No place to hide. Edward Snowden, the NSA, and the US Surveillance State, Metropolitan Books, Nova York, 2014.
(6) Michel Foucault, Vigiar e Castigar, Biblioteca Nova, Madrid, 2012.
(7) Alexis de Tocqueville, “A democracia na América”, Akal, Madrid, 2007.
(8) Ignacio Ramonet, “Entrevista com Noam Chomsky: Contra o império da vigilância”, Le Monde Diplomatique em espanhol, abril de 2015.
(9) O Show de Truman: O Show da Vida (The Truman Show) (1998). Direção: Peter Weir. Intérpretes: Jim Carrey, Laura Linney, Ed Harris.
(10) Marianne, Paris, 10 de abril de 2015.
(11) El País, Madrid, 13 de janeiro de 2015.
(12) Hanna Arendt, A Condição Humana, Editora Paidós, Barcelona, 2005.

Tradução: Victor Farinelli

Texto original: CARTA MAIOR

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sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Estados Unidos: uma democracia dos ricos para os ricos

Um congressista norte-americano é em média 14 vezes mais ricos que um cidadão comum. Eles estão completamente desconectados da realidade social dos EUA.

Manuel E. Yepe

“Pela primeira vez na história, o Congresso está dominado por uma maioria de milionários. Se comparamos a média entre os congressistas com a média de renda do cidadão comum estadunidense, esse congressista é 14 vezes mais ricos que o cidadão comum. Os representantes da cidadania estão totalmente desconectados da luta diária da maioria das pessoas, que vive entre um salário e outro, presas na armadilha desgastante da luta cotidiana por sobreviver”.

Essa é a observação de John W. Whitehead, presidente do Instituto Rutherford, em seu livro “A Government of Wolves: The Emerging American Police State” (“Um governo de lobos: emerge o estado policial estadunidense”).

“Ainda que se suponha os Estados Unidos como uma república representativa, essas pessoas ganham salários de seis cifras e habitam um mundo isento de multas, com academia grátis e atenção de saúde prioritária, trabalham apenas duas ou três vezes por semana, fazem 32 viagens dentro do país por ano, totalmente reembolsadas – sem contar as viagens ao exterior – recebem descontos em restaurantes e estão isentas de impostos nas lojas Capitol Hill, com estacionamento reservado no aeroporto nacional de Washington, flores frescas gratuitas nos jardins botânicos e assistência também gratuita na preparação de suas declarações de imposto de renda. Eles nem representam nem servem aos estadunidenses. Em vez disso, se autoproclamaram os amos do povo”.

Segundo uma reportagem de Dan Eggen para o diário The Washington Post: “as novas cifras mostram que existe uma clara e tendência de acumulação de riqueza no Congresso, que não é recente e está levando a casa a ser integrada majoritariamente por milionários e quase milionários, gente que possui várias casas e bens fora do alcance da maioria dos eleitores que representam”.

“Muitos dos nossos políticos vivem como reis. Passeiam em luxuosas limusines, voam em aviões privados e consomem comidas gourmet, uma vida bem distante da realidade dos que eles pretendem representar, mas financiada por esses contribuintes estadunidenses. Esse luxuoso estilo de vida torna ainda mais difícil identificá-los como cidadãos comuns, que vivem de salário em salário, e que mantêm o país com o dinheiro que ganharam duramente, com o suor do seu trabalho”.

Como comentou o renomado economista Joseph Stiglitz, em entrevista para a revista Vanity Fair, “praticamente todos os senadores dos Estados Unidos e a maioria dos representantes da Câmara, integram o 1% mais rico do país, são protegidos em seus cargos pelo financiamento dado em campanha por outros integrantes desse 1%, e sabem que se defendem corretamente os interesses desse 1% serão recompensados quando deixem seus cargos. Em geral, as autoridades do poder executivo em matéria de política comercial e econômica também integram o 1%.

Lamentavelmente, segundo Whitehead, a política eleitoral tem sido tão profundamente corrompida pelo dinheiro corporativo que há poucas possibilidades de que mesmo uma pessoa bem-intencionada possa promover uma mudança real no Congresso. O caminho das urnas, seja para o Salão Oval seja para o Capitólio, é bastante caro e até mesmo a linha de partida está disponível somente para os ricos ou aqueles apoiados pelos ricos.

No âmbito das eleições presidenciais de 2012, os dois grandes setores da política, democratas e republicanos, gastaram bilhões de dólares para promover seus candidatos.

Uma vez eleitos, esses burocratas ricos já privilegiados entram num mundo de privilégios ainda maior, vergonhosamente financiados pelos contribuintes estadunidenses. Todos eles, tanto democratas quanto republicanos, se aproveitam ao máximo do que a imprensa costuma descrever como “uma montanha de mordomias com as que a maioria das grandes fortunas do mundo não poderia rivalizar”.

Até mesmo os conselheiros mais próximos ao presidente Obama são milionários, incluindo os quinze membros do seu gabinete. Depois, estão os grupos de pressão – se estima que existem 26 lobistas por congressista circulando por Washington, fonte de muita corrupção, tráfico de influência e pagamento de propina.

Para Whitehead, essa pressão é alimentada pelo estilo de vida do Congresso, que exige que os congressistas passem a maior parte do seu tempo arrecadando fundos para campanhas, e não respondendo as necessidades dos seus eleitores. “A pessoa dedica a metade do seu tempo a pedir dinheiro a indivíduos ricos e a outros interesses especiais, e isso leva inevitavelmente a se desconectar dos problemas que estão presentes no país”.

Segundo Brad Miller, representante democrata do estado da Carolina do Norte, “estamos diante de um sistema de governo oligárquico, um sistema dos ricos, pelos ricos e para os ricos. Se não pudermos garantir a sobrevivência do nosso suposto governo representativo, a primeira coisa que deveríamos fazer es arrancar o controle deste das mãos da elite endinheirada que o dirige”.

Tradução: Victor Farinelli

Texto original: CARTA MAIOR

Créditos da foto: Shawn Harquail / Flickr