quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Crônica da destruição do cerrado

A ideologia mórbida do capitalismo rural detonou o bioma mais antigo no país - responsável por quase 20 mil nascentes - e isso impacta o Brasil inteiro.

Najar Tubino

O professor Altair Sales Barbosa, da PUC de Goiás, criador do Memorial do Cerrado, em Goiânia, nos últimos anos tem argumentado que o cerrado como bioma não existe mais, tamanha a destruição pelo avanço do agronegócio. Ele não é o único. Os mais otimistas consideram que em 2030 o cerrado não existirá mais, seguindo a média de extinção de dois milhões de hectares por ano. Ou seja, em 45 anos, contando do início da década de 1970 – O Programa de Desenvolvimento do Cerrado, chamado polo centro pelos militares, foi instituído em 1975-, a ideologia mórbida do capitalismo rural brasileiro detonou o bioma mais antigo no país, responsável por quase 20 mil nascentes, que abastecem oito das 12 regiões hidrográficas. As quatro mais importantes: do rio Paraná, do rio São Francisco e dos rios Araguaia e Tocantins.

Como diz o professor Altair Sales as águas que nascem no cerrado abastecem as grandes bacias do continente sul-americano, e todas elas nascem de aquíferos, sendo os três mais importantes o Guarani, o Bambuí e o Urucaia. O cerrado é conhecido pela pobreza de nutrientes no solo, embora tenha 12.365 espécies de plantas catalogadas, além do excesso de alumínio, o que aumenta o problema. Então são plantas que crescem retorcidas, as folhas parecem couro, a densidade é menor, embora o bioma em si tenha algumas divisões, desde regiões com gramíneas, arbustos até árvores de 30 metros.


Na rota da morbidez


Por ser o mais antigo e por ter problemas de nutrientes, também é, por ironia da história, o que mais limpa a atmosfera, porque as plantas captam mais gás carbônico. Porém, o cerrado é conhecido por ser uma floresta de cabeça para baixo, em função do intrincado de raízes e da profundidade que atingem. Justamente por isso, seguram a água da chuva, carregam o lençol freático e abastecem os aquíferos. Parece perfeito. Mas o cerrado entrou na rota da morbidez do agronegócio. Um detalhe importante: ele é plano na sua maioria, tinha um clima estável, com duas estações bem definidas – das águas e da seca. E o definitivo: suas terras eram desvalorizadas.

Hoje são mais de 50 milhões de hectares de pastagem, mais de 14 milhões de lavouras permanentes e milhares de carvoarias. Além da ocupação para produção de carne e grãos também queimaram o cerrado para abastecer os fornos das siderúrgicas de Minas, depois as guzeiras do Maranhão, da Bahia, do Pará. O Brasil é rico em ferro, mas ele precisa ser limpo das impurezas, então o ferro precisa ser queimado e transformado em ferro-gusa, que é o ingrediente do aço.


Oito das 12 regiões hidrográficas dependem do cerrado


Os escravos faziam isso na época do império, enterravam a madeira em covas e transformavam 100 toneladas em seis toneladas de carvão, fato descrito no livro de Warren Dean – A Ferro e a Fogo -, que conta a destruição da Mata Atlântica. Minas Gerais sempre centralizou a produção de ferro gusa no país, foi onde o cerrado sofreu o primeiro golpe. Dali para o Centro-Oeste, onde o boi já havia aberto o caminho foi um passo. Em seguida os pesquisadores descobriram as fórmulas para corrigir a acidez das terras e o resto a indústria química resolveu – fertilizantes e veneno.

Sem dúvida, o Brasil é o maior produtor de soja, o maior exportador e tem o maior rebanho comercial do mundo. Mais da metade disso é a contribuição do cerrado. Entretanto, a história não acaba aqui. Vejam o que informa o pesquisador da Embrapa, Jorge Inoch Werneck Lima:

“- O cerrado contribui para oito das 12 regiões hidrográficas do país, 70% da água que sai na foz do rio Tocantins-Araguaia vem do cerrado, 90% do que sai na foz do rio São Francisco também vem do cerrado e 50% do que sai na foz do rio Paraná, inclusive da água que chega a Itaipu. Mas 100% da água que abastece a represa de Três Marias (MG) são do cerrado, 90% da água que abastece a represa de Xingó e 70% da água que chega a Tucuruí são do cerrado”.


Cerrado transformado em carvão


A recarga dos aquíferos, que abastecem as bacias dos rios citados ocorre pelas bordas, nas áreas planas, onde a água pluvial infiltra e é absorvida cerca de 70% pelo sistema radicular da vegetação nativa, alimentando num primeiro momento o lençol freático e lentamente vai se armazenando nos lençóis mais subterrâneos, explica o pesquisador da Embrapa. Se não tem mato nativo, que foi transformado em carvão – a lenha do cerrado queima três dias dentro do forno - ou simplesmente queimou ao léu para dar lugar a pastagens africanas, a soja chinesa ou a cana europeia, o que acontecerá? Ora, dedução lógica, simples: não haverá água.

Pois justamente é essa a essência da morbidez do agronegócio: destruir para construir e depois, como diziam os colonizadores portugueses, azar de quem vem atrás. Uma citação do professor Altair Sales Barbosa:

“- Em média, 10 pequenos rios do cerrado desaparecem a cada ano. O rio que abastece a bacia vê seu volume diminuindo. Hoje, usa-se ainda a agricultura irrigada, porque há uma reserva nos aquíferos. Mas daqui a cinco anos não haverá mais essa pequena reserva. Estamos colhendo os frutos da ocupação desenfreada que o agronegócio impôs ao cerrado a partir dos anos 1970. Vai chegar um tempo, não muito distante, em que não haverá mais água para alimentar os rios. Então esses rios vão desaparecer. Por isso, falamos que o cerrado é um ambiente em extinção.”


O espectro da destruição continua


Claro, na década de 1970, os arautos da morbidez argumentavam dessa maneira, não tínhamos informação suficiente sobre a importância das matas ciliares, de preservar pelo menos 20% da vegetação nativa, como diz a lei, entre outras medidas simples e eficazes. Nada disso, basta ver as novas implicações do código florestal recentemente aprovado – restringir matas em córregos, afluentes, rios; diminuir áreas de preservação permanente ou compensar em outras regiões. Só para esclarecer: o cerrado tem apenas 2% em unidades de conservação e pouco mais de 2% de áreas indígenas. 

Ainda não acabou. A fronteira agrícola chegou ao sul do Piauí e ao sul do Maranhão e ao oeste da Bahia, onde já tem mais de um milhão de hectares plantados com soja e algodão – no Piauí o número passa dos 600 mil hectares. Se somarmos as duas áreas de cerrado do Maranhão e Piauí são mais de 20 milhões de hectares. Os arautos da morbidez pretendem ocupar seis milhões. Qual a notícia no sul do Piauí? As carvoarias estão detonando as áreas de cerrado. Qual a informação mais atualizada sobre uso de carvão de mata nativa no Brasil? Pelo menos a metade da produção total é de mata nativa.

Um trecho do manifesto divulgado pela Associação da União das Aldeias Apinagés, do Tocantins, em dezembro de 2014:

“- Denunciamos a forma criminosa como as empresas estão chegando e avançando sobre as matas ciliares e nascentes, que correm dentro da terra Apinagé, com licenças ambientais liberadas pelo Instituto Natureza do Tocantins”.


Corrida por poços clandestinos


Última semana de fevereiro o IRPAA, de Juazeiro (BA) divulga um comunicado dizendo que algumas comunidades da região estão com problemas de falta de água para beber, que os caminhões pipa não estão atendendo a demanda. Juazeiro fica abaixo do lago de Sobradinho, o maior da América Latina e que está com pouco mais de 15% da sua capacidade. Água agora só para produção de energia elétrica.

E em São Paulo. O Aquífero Guarani abastece 80% dos municípios do estado. Com a realidade da crise hídrica, como dizem os arautos da morbidez urbana, fiz uma pesquisa sobre construção de poços artesianos. O Centro de Pesquisa de Águas Subterrâneas, da USP, dirigido pelo professor Reginaldo Bertolo realizou um levantamento entre as empresas construtoras, no final do ano passado. Diz ele:

“- A corrida para construção de poços profundos clandestinos é grave, tanto pela possibilidade de esgotamento dos aquíferos, quanto por causa dos riscos da qualidade da água extraída. Na região metropolitana foram 400 perfurações realizada pelas construtoras, o que aumenta em 43 milhões de litros/dia retirado dos aquíferos”.

Segundo o Departamento de Águas e Energia de São Paulo, que autoriza a construção de poços artesianos, são 27.312 cadastrados. Em Ribeirão Preto, por exemplo, já é proibido construir poço artesiano na área central da cidade, em consequência do rebaixamento do Aquífero Guarani. Consultei outra região – São José do Rio Preto -, também abastecida pelo aquífero. O Diário da WEB, jornal da cidade, apontava em dezembro passado que 88% dos poços da região são irregulares. Segundo a unidade do DAEE, de Rio Preto, dos 3,5 mil poços perfurados no município apenas 400 estão cadastrados. 

No próximo dia 11 de setembro, o Dia Nacional do Cerrado decretado desde 2003, comprem velas, chorem e lamentem o fim do bioma mais antigo do país.

Créditos da foto: Wev's Bronw / Flickr

Texto original: CARTA MAIOR

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Michelle Daher e O Globo: “Jornal não tem compromisso com a verdade, nem com o Brasil”

publicado em 22 de fevereiro de 2015 às 07:05



Antes de tudo, gostaria de deixar bem claro que não estou falando em nome da Petrobras, nem em nome dos organizadores do movimento “Sou Petrobras”, nem em nome de ninguém que aparece nas fotos da matéria. Falo, exclusivamente, em meu nome e escrevo esta carta porque apareço em uma das fotos que ilustram a reportagem publicada no jornal O Globo do dia 15 de fevereiro, intitulada “Nova Rotina de Medo e Tensão”.

Fico imaginando como a dita jornalista sabe tão detalhadamente a respeito do nosso cotidiano de trabalho para escrever com tanta propriedade, como se tudo fosse a mais pura verdade, e afirmar com tamanha certeza de que vivemos uma rotina de medo, assombrados por boatos de demissões, que passamos o dia em silêncio na ponta das cadeiras atualizando os e-mails apreensivos a cada clique, que trabalhamos tensos com medo de receber e-mails com represálias, assim criando uma ideia, para quem lê, a respeito de como é o clima no dia a dia de trabalho dentro da Petrobras como se a mesma o estivesse vivendo.

Acho que tanta criatividade só pode ser baseada na própria realidade de trabalho da Letícia, que em sua rotina passa por todas estas experiências de terror e a utiliza para descrever a nossa como se vivêssemos a mesma experiência. Ameaças de demissão assombram o jornal em que ela trabalha, já tendo vários colegas sendo demitidos, a rotina de e-mails com represálias e determinando que tipo de informação deve ser publicada ou escondida devem ser rotina em seu trabalho, sempre na intenção de desinformar a população e transmitir só o que interessa, mantendo a população refém de informações mentirosas e distorcidas.

Fico impressionada com o conteúdo da matéria e não posso deixar de pensar como a Letícia não tem vergonha de a ter escrito e assinado. Com tantas coisas sérias acontecendo em nosso país ela está preocupada com o andar onde fica localizada a máquina que faz o café que nós tomamos e com a marca do papel higiênico que usamos.

Mas dá para entender o porque disto, fica claro para quem lê o seu texto com um mínimo de senso crítico: o conteúdo é o que menos importa, o negócio do jornal é falar mal, é dar uma conotação negativa, denegrir a empresa na sua jornada diária de linchamento público da Petrobras. Não é de hoje que as Organizações Globo tem objetivo muito bem definido em relação à Petrobras: entregar um patrimônio que pertence à população brasileira à interesses privados internacionais. É a este propósito que a Leticia Fernandes serve quando escreve sua matéria.

Leticia, não te vejo, nem você nem O Globo, se escandalizado com outros casos tão ou mais graves quanto o da Petrobras.

O único escândalo que me lembro ter ganho as mesma proporção histérica nas páginas deste jornal foi o da AP 470, por que? Por que não revelam as provas escondidas no Inquérito 2474 e não foi falado nisto? Por que não leio nas páginas do jornal, onde você trabalha, sobre o escândalo do HSBC? Quem são os protegidos? Por que o silêncio sobre a dívida da sonegação da Globo que é tanto dinheiro, ou mais, do que os partidos “receberam” da corrupção na Petrobras? Por que não é divulgado que as investigações em torno do helicoca foram paralisadas, abafadas e arquivadas, afinal o transporte de quase 500 quilos de cocaína deveria ser um escândalo, não? E o dinheiro usado para construção de certos aeroportos em fazendas privadas em Minas Gerais? Afinal este dinheiro também veio dos cofres públicos e desviados do povo. Já está tudo esclarecido sobre isto? Por que não se fala mais nada? E o caso Alstom, por que as delações não valem? Por que não há um estardalhaço em torno deste assunto uma vez que foi surrupiado dos cofres públicos vultosas quantias em dinheiro? Por que você e seu jornal não se escandalizam com a prescrição e impunidade dos envolvidos no caso do Banestado e a participação do famoso doleiro neste caso? Onde estão as manchetes sobre o desgoverno no Estado do Paraná?

Deixo estas perguntas como sugestão e matérias para você escrever já que anda tão sem assunto que precisou dar destaque sobre o cafezinho e o papel higiênico dos funcionários da Petrobras.

A você, Leticia, te escrevo para dizer que tenho muito orgulho de trabalhar na Petrobras, que farei o que estiver ao meu alcance para que uma empresa suja e golpista como a que você trabalha não atinja seu objetivo.

Já você não deve ter tanto orgulho de trabalhar onde trabalha, que além de cercear o trabalho de seus jornalistas determinando “as verdades” que devem publicar, apoiou a Ditadura no Brasil, cresceu e chegou onde está graças a este apoio. Ao contrário da Petrobras, a empresa que você se esforça para denegrir a imagem, que chegou ao seu gigantismo graças a muito trabalho, pesquisa, desenvolvimento de tecnologia própria e trazendo desenvolvimento para todo o Brasil.

Quanto às demissões que estão ocorrendo, é muito triste que tantas pessoas percam seu trabalho, mas são funcionários de empresas prestadoras de serviço e não da Petrobras. Você não pode culpar a Petrobras por todas as mazelas do país, e nem esperar que ela sustente o Brasil, ou você não sabe que não existe estabilidade no trabalho no mundo dos negócios? Não sabe que todo negócio tem seu risco? Você culpa a Petrobras por tanta gente ter aberto negócios próximos onde haveria empreendimentos da empresa, mas a culpa disto é do mal planejamento de quem investiu. Todo planejamento para se abrir um negócio deveria conter os riscos envolvidos bem detalhados, sendo que o maior deles era não ficar pronta a unidade da Petrobras, que só pode ser culpada de ter planejado mal o seu próprio negócio, não o de terceiros. Imputar à Petrobras o fracasso de terceiros é de uma enorme desonestidade intelectual.

Quando fui posar para a foto, que aparece na reportagem, minha intenção não era apenas defender os empregados da injustiça e hostilidades que vem sofrendo sendo questionados sobre sua honestidade, porque quem faz isto só me dá pena pela demonstração de ignorância.

Minha intenção era mostrar que a Petrobras é um patrimônio brasileiro, maior que tudo isto que está acontecendo, que não pode ser destruída por bandidos confessos que posam neste jornal como heróis, por juízes que agem por vaidade e estrelismos apoiados pelo estardalhaço e holofotes que vocês dão a eles, pelo mercado que só quer lucrar com especulação e nunca constrói nada de concreto e por um jornal repulsivo como O Globo que não tem compromisso com a verdade nem com o Brasil.

Por fim, digo que cada vez fica ainda mais evidente a necessidade de uma democratização da mídia, que proporcionará acesso a uma diversidade de informação maior à população que atualmente é refém de uma mídia que não tem respeito com o seu leitor e manipula a notícia em prol de seus interesses, no qual tudo que publica praticamente não é contestado por não haver outros veículos que o possa contradizer devido à concentração que hoje existe. Para não perder um poder deste tamanho vocês urram contra a reforma, que se faz cada vez mais urgente, dizendo ser censura ou contra a liberdade de imprensa, mas não é nada além de aplicar o que já está escrito na Constituição Federal, sendo a concentração de poder que algumas famílias, como a Marinho detém, totalmente inconstitucional.

Sendo assim, deixo registrado a minha repugnância em relação à matéria por você escrita, utilizando para ilustrá-la uma foto na qual eu estou presente com uma intenção radicalmente oposta a que ela foi utilizada por você.

Leia também:Brasileiros denunciam campanha para entregar o pré-sal a estrangeiros

Texto replicado: VI O MUNDO

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Safatle: Por que chamar de “bancos” o que se parece mais com instituições criminosas?

publicado em 22 de fevereiro de 2015 às 21:31


Quem nos governa?

Em 2013, Elisabeth Warren, senadora dos EUA, perguntou: “Quanto tempo ainda será necessário para se fechar um banco como o HSBC?”


Estamos em 1860. O Império Britânico acaba de vencer a famosa “Guerra do Ópio” contra a China, talvez uma das páginas mais cínicas e criminosas da história cínica e criminosa do colonialismo. Metade do comércio da Inglaterra com a China baseia-se na venda ilegal de ópio. Diante da devastação provocada pela droga em sua população, o governo chinês resolve proibir radicalmente seu comércio. A resposta chega por uma sucessão de guerras nas quais a Inglaterra vence e obriga a China a abrir seus portos para os traficantes e missionários cristãos (uma dupla infalível, como veremos mais à frente), além de ocupar Hong Kong por 155 anos.

Em 1860, guerra terminada, os ingleses tiveram a ideia de abrir um banco para financiar o comércio baseado no tráfico de drogas. Dessa forma apoteótica, nasceu o HKSC, tempos depois transformado em HSBC (Hong Kong and Shangai Bank Corporation), conhecido de todos nós atualmente. Sua história é o exemplo mais bem acabado de como o desenvolvimento do capitalismo financeiro e a cumplicidade com a alta criminalidade andam de mãos dadas.

A partir dos anos 70 do século passado, por meio da compra de corporações nos Estados Unidos e no Reino Unido, o HSBC transformou-se em um dos maiores conglomerados financeiros do mundo. No Brasil, adquiriu o falido Bamerindus. Tem atualmente 270 mil funcionários e atua em mais de 80 países. Sua expansão deu-se, em larga medida, por meio da aquisição de bancos conhecidos por envolvimento em negócios ilícitos, entre eles o Republic New York Corporation, de propriedade do banqueiro brasileiro Edmond Safra, morto em circunstâncias misteriosas em seu apartamento monegasco. Um banco cuja carteira de clientes era composta, entre outros, de traficantes de diamantes e suspeitos de negócios com a máfia russa, para citar alguns dos nobres correntistas. Segundo analistas de Wall Street, a instituição financeira de Nova York teria sido vendida por um preço 40% inferior ao seu valor real.

Assim que vários jornais do mundo exibiram documentos com detalhes de como a filial do HSBC em Genebra havia lavado dinheiro de ditadores, traficantes de armas e drogas, auxiliado todo tipo de gente a operar fraudes fiscais milionárias e a abrir empresas offshore, a matriz emitiu um seco comunicado no qual informava que tais práticas, ocorridas até 2007, não tinham mais lugar e que, desde então, os padrões de controle estavam em outro patamar. Mas não é exatamente essa a realidade.

Em julho de 2013, a senadora norte-americana Elisabeth Warren fez um discurso no qual perguntava: quanto tempo seria ainda necessário para fechar um banco como o HSBC? A instituição havia acabado de assumir a culpa por lavagem de dinheiro do tráfico de drogas mexicano e colombiano, além de organizações ligadas ao terrorismo. Tudo ocorreu entre 2003 e 2010. A punição? Multa irrisória de 1,9 milhão de dólares.

Que fantástico. Entre 2006 e 2010, o diretor mundial do banco era o pastor anglicano (sim, o pastor, lembram-se da Guerra do Ópio?) Stephen Green, que, desde 2010, tem um novo cargo, o de ministro do gabinete conservador de David Cameron, cujo governo é conhecido por não ser muito ágil na caça à evasão fiscal dos ricos que escondem seu dinheiro. Enquanto isso, os ingleses veem seu serviço social decompor-se e suas universidades serem privatizadas de fato. O que permite perguntas interessantes sobre quem realmente nos governa e quais são seus reais interesses.

Alguns fatos são bastante evidentes para qualquer interessado em juntar os pontos. Você poderia colocar seus filhos em boas escolas públicas e ter um bom sistema de saúde público, o que o levaria a economizar parte de seus rendimentos, se especuladores e rentistas não tivessem a segurança de que bancos como o HSBC irão auxiliá-los, com toda a sua expertise, na evasão de divisas e na fraude fiscal. Traficantes de armas e drogas não teriam tanto poder se não existissem bancos que, placidamente, oferecem seus serviços de lavagem de dinheiro com discrição e eficiência. Se assim for, por que chamar de “bancos” o que se parece mais com instituições criminosas institucionalizadas de longa data?

Texto original: VI O MUNDO

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Desertificação: 'por que este assunto não está na capa dos jornais?

Um solo produtivo leva de três mil a 12 mil anos para a sua formação, e o aumento da desertificação no mundo desmascara a 'eficiência' do agronegócio.

Najar Tubino

É uma decisão da ONU, que desde 2013 também definiu o dia 5 de dezembro como o dia mundial do solo. Em maio, entre os dias 4 e 7, ocorrerá a Conferência Internacional do Solo na Albânia com o lema: “O solo sustenta a vida: muito lento para formar, rápido demais para perder”. Um centímetro de solo demora entre 100 e 400 anos para se formar, e os pesquisadores calculam que um solo produtivo dentro da normalidade leve de três mil a 12 mil anos para a sua formação. Mesmo assim, a ONU calcula que até 2050 o mundo perderá um Brasil inteiro em solo, ou seja, 849 milhões de hectares. São 12 milhões de hectares por ano. O que é mais importante: somente 5 a 10% dessa terra chegam ao mar. Onde fica o restante? No leito dos rios, no lago das represas, tanto de abastecimento de água, como das hidrelétricas, nos córregos, nos afluentes. Como dizem os chineses: os rios do planeta estão empanturrados.

O secretário executivo da Convenção das Nações Unidas contra a desertificação, o africano Luc Gnacadja, do Benin, pergunta: por que este assunto não está na capa dos jornais? Simples, porque a mídia tradicional não trata de assuntos importantes realmente, a não ser com um viés conservador, sempre a favor do mercado. Tratar do solo, portanto, poderá desmascarar a eficiência do agronegócio, cuja receita de monoculturas é a mesma no mundo. Mas aí temos as previsões para o aumento da população e as necessidades de alimentação, o que reforça a prática destrutiva do modelo industrial de produção de alimentos. Temos que crescer 50% até 2050, dizem eles. Isso significa algo como 175 a 200 milhões de novos hectares.

A degradação avança em todo o mundo

A matemática é simples: se nada for feito para deter a erosão e o desmatamento, os dois principais fatores da degradação dos solos, em 20 anos teremos perdidos mais 240 milhões de hectares, calculando 12 milhões ao ano, como faz a ONU. Em 1991, 15% das terras cultiváveis do planeta estão se degradando, agora são 24%. Eram 110 países que sofriam com o problema da erosão e com o aumento da desertificação, agora são 168.

“-Veja o caso da África, cita o secretário da Convenção contra a Desertificação, que é o continente mais vulnerável à seca e à degradação dos solos. A situação atual aponta para 45% do solo afetado pela degradação e admite-se que dois terços podem ser perdidos até 2025”, diz Luc Gnacadja.

Ele completa: “até agora a resposta humana à degradação dos solos e ao avanço da desertificação tem sido derrubar mais área de floresta para aumentar a fronteira agrícola”.

Mundo urbano não discute o rural

Um texto sobre outra conferência – em Brasília, entre os dias 25 a 27 de março- cita alguns argumentos sobre a importância do solo:

“- Os solos constituem insumo fundamental para o desenvolvimento humano. Nenhum país consegue desenvolver-se plenamente sem acesso a esse recurso natural e as suas riquezas são incalculáveis. Em interface com a atmosfera, a hidrosfera, a biosfera e a litosfera o solo é responsável pelos principais processos biogeoquímicos que garantem a vida na Terra, estoca a água e recicla nutrientes, protege contra enchentes, sequestra carbono e abriga 25% da biodiversidade”.

Ocorre que o mundo atual é urbano, digital, eletrônico e não comporta espaço nem discussão sobre assuntos considerados rurais, do campo, de outra esfera. A não ser quando da realidade bate a porta e começa a sumir a água das torneiras e, de repente, milhões ficarão sem água, como acontecerá em 2015 em São Paulo. É o que diz um trabalho divulgado pela The Nature Conservancy sobre o problema da falta de água nas grandes cidades.

Detonaram o mato dos mananciais

Se 14,3 mil hectares dos 493,4 mil hectares que formam os sistemas Cantareira, Alto Tietê, Guarapiranga e Rio Grande fossem reflorestados com mato nativo, isso diminuiria em 568,9 mil toneladas de sedimentos que são jogados nos cursos d’água, que alimentam os reservatórios.

“- A sedimentação tem impacto direto na quantidade e na qualidade da água dos mananciais. Isso ocorre porque não há cobertura vegetal ao redor dos rios e das represas. O solo exposto, além de sofrer erosão e não absorver a água das chuvas provoca o escoamento da terra para os corpos d’água, assoreando o leito e diminuindo a vida útil dos reservatórios”, como explica Samuel Barreto, coordenador do Movimento Água para São Paulo.

A região dos mananciais já perdeu 70% da mata nativa para a pecuária e agricultura. Os números levantados pela organização não governamental SOS Mata Atlântica são piores – só restam 488km2, ou seja, 21,5%. Não se trata de uma novidade brasileira. A erosão na China já consumiu 19% da área agrícola e os números apontam para descarga de terra superior no rio Yang-Tsé, o maior da Ásia, superior as dos rios Nilo e Amazonas juntos – três bilhões de toneladas ao ano.

O tempo passa, as cidades inflam, os rios são empanturrados não somente de terra, de solo perdido, juntamente com seus nutrientes e dos fertilizantes químicos, mas também de esgoto e lixo de todo tipo. É uma situação vergonhosa o que acontece no Brasil, onde o tratamento de esgoto ainda não é considerado uma prioridade, mesmo com verbas federais autorizadas. O conto do vigário de políticos sem compromisso com a população não combina com obras que ficam embaixo da terra. Hoje, ao se fazer uma pesquisa sobre assoreamento de rios e represas no país, o resultado é revoltante. Sem exceções, todos os principais rios brasileiros estão assoreados e entupidos de esgoto e lixo. Seus afluentes, córregos e nascentes foram detonados, sem mato para proteção. Tudo em nome do progresso e da modernidade, que fede com os excrementos de milhões de pessoas.

Colapso do sistema público de água

Em 2015, justamente quando o assunto solo poderá ganhar as páginas da mídia ordinária, o país será usado como exemplo do que pode ocorrer na maior metrópole, a falta de água nas torneiras paulistas. O Centro de Desastres Climáticos, do INPE calculou as estimativas de chuvas até abril – mesmo com fevereiro acima da média-, além do que a SABESP retira do sistema Cantareira. E a previsão é que o sistema seca em julho. No início de dezembro passado ocorreu um encontro na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, sobre as perspectivas de abastecimento de água na região metropolitana de São Paulo. O professor Pedro Luiz Cortês, da Uninovo, coordenador do encontro, disse:

“- Temos um sistema cada vez mais suscetível a eventos climáticos, como secas prolongadas, além do consumo cada vez mais intenso. Desde 2012 sabíamos que entraríamos num regime de falta de chuvas. O governo deveria vir a público apresentar os cenários com os quais está trabalhando”.

Outro comentário, agora do professor Reginaldo Berto, do Centro de Pesquisa de Águas Subterrâneas, da USP:

“- É preciso se preparar para o colapso do sistema público de abastecimento a partir de abril de 2015”.

Enquanto isso, a mídia ordinária faz uma contagem regressiva ao contrário, dando uma falsa impressão à população de que as coisas estão melhorando: chegou a 8,9% e continua subindo. O Sistema Cantareira, assim como outros sistemas de abastecimento, começou a entrar em colapso ao longo dos últimos anos. A essência do problema é que a classe política conservadora não considera o ambiente como parte da vida e do suporte da vida, além de combater as mudanças climáticas, como se fosse ideia de comunista. E, por essa e outras, que o país, que tem água doce em grande quantidade, dará um exemplo ao contrário ao mundo. Claro, que tudo ainda depende da decisão técnica do governador paulista. 

Créditos da foto: Mídia Ninja


Texto original: CARTA MAIOR

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Petrobras e HSBC: não precisam explicar, só queremos entender

Por que a Velha Mídia brasileira repercute apenas os casos de corrupção da Petrobras e 'esquece' os do HSBC? Sonegação fiscal para eles não é crime?

José Carlos Peliano*

Há coisas na vida que dispensam explicações. Outras que as requerem, embora fiquem na balança das opiniões, juízos e ideias pré-concebidas. Afinal a verdade se traveste de muitas interpretações, mal entendidos e mentiras, deixando as coisas mais complicadas ainda de entender. Quiçá engolir.

Do antigo programa humorístico de TV Planeta dos Macacos, década de 80, tomo emprestado a frase singular, no singular, “não precisa explicar, só queria entender”. Profundamente irônica, ela reflete a realidade travestida de clareza e naturalidade, mas nunca objetiva porque enganosa, maledicente, corrompida.

A corrupção na Petrobras e a do HSBC caminham juntas na ordem do dia do noticiário mundial. Só que a primeira não sai das manchetes e noticiários do Brasil, nas mãos da Velha Mídia Corrompida, já a segunda é estampada diária e abertamente apenas na mídia de outros países e continentes.

Enquanto isto o governo federal brasileiro, seus representantes, militantes, aliados e simpatizantes, se calam inexplicavelmente vendo o circo apresentar sinais visíveis de fumaça aqui e ali. O risco do fogo surgir e se alastrar é grande. Pior, carrega o governo debaixo do braço medidas econômicas impopulares, contrárias ao programa eleitoral, que já desembocam no desemprego, no recuo nas atividades econômicas e na perda de renda.

O samba do crioulo doido. Salve Stanislaw Ponte Preta! Um governo dito de esquerda com um pacote econômico escrito pela direita. Austeridade que não é austeridade, como disse a Presidente, apenas uma correção rápida e necessária de rumo para ajeitar as coisas. As velhas coisas, que não se sabem bem quais são e porque têm que ser mudadas agora, e desta maneira, se antes funcionavam, pelo menos até o final do 1º mandato do mesmo governo.

Então, por que a Petrobras não sai do noticiário nacional e o HSBC não entra? Bem, as explicações, de novo, são muitas. Certamente a Velha Mídia Corrompida irá dizer que o mal que a corrupção faz na maior empresa brasileira é mais importante do que o que se passa com o banco. O impacto da malversação pelos dutos do petróleo afeta mais a nós do que as operações ilícitas nas contas correntes do HSBC.

Essa explicação encobre o fato que muitos depositantes do banco, em contas secretas da Suíça e alhures, são naturais do Patropi onde mantém residência e negócios – cerca de R$ 20 bilhões em contas secretas. Por quê secretas? Se são oriundas de negócios de Hong Kong, da Suíça ou contrabandos, armas e drogas, ainda não se sabe. Mas o escândalo global, os brasileiros por aqui só ficam sabendo nas redes sociais, não na TV e demais veículos.

Denegrir o Brasil, diária e insistentemente, é prática comum e corriqueira da Velha Mídia Corrompida. Leva de roldão os anseios, expectativas e esperanças dos brasileiros comuns e junto ao governo federal eleito democraticamente por eles. Para ela, o país está mal, o governo, a Petrobras e tudo o mais.

H, de hábitos, S, de secretos, B, de bancários, C, de corruptos. Este o banco descoberto recentemente com enormes fraudes contra a legislação dos países nos quais opera. Inclui desde evasão fiscal até sonegação de impostos, passando por financiamentos a atividades ilícitas, entre as quais drogas, armas e contrabandos, quiçá prostituição.

Membro mais importante pelo tamanho de suas operações e atividades, o banco se apresenta como o líder mundial da banda privada de um sistema financeiro que colocou a Zona do Euro em maus lençóis se valendo da mesma visão econômica antipopular.

Ao mesmo tempo que participa do programa de austeridade da tríade (FMI, BCE e CE) pela recepção de recursos baratos, selecionando a liberação deles para os países e cobrando juros extorsivos dos mais vulneráveis, o HSBC entorna moedas de muitos zeros à direita para operações ilícitas e lucrativas a juros menos amargos. E, neste esquema, Grécia, Espanha, Irlanda, Itália e Portugal que se lixem.

A despeito de toda a corrupção na Petrobras, ela alcançou inegáveis recordes de produção e excelência de tecnologia em águas profundas ano passado por prêmios de entidades internacionais reconhecidas do ramo. Os resultados seriam os mesmos sem o tumulto da propina embora a custos menores. Suas operações principais e estratégicas são bem sucedidas, cumpre seu papel, apesar dos rombos localizados.

Já o HSBC lava dinheiro de ditadores, facilita fraudes fiscais, trafica armas e drogas, abre empresas fantasmas off-shore, entre outras atividades do gênero, enquanto atua no sistema financeiro como um banco comum e qualquer. O certo de menor expressão encobre o duvidoso de maior vulto.

Outros bancos certamente fazem o mesmo, não é novidade. Grandes encrencas já ocorreram em vários países por conta de esquemas de transações irregulares. O prêmio de maior escândalo bancário, no entanto, vai até agora para o HSBC, pelo seu protagonismo nos períodos de bonança e caos financeiro que assolam o furor capitalista.

Pois então, a tentativa de destruição da Petrobras pela Velha Mídia Corrompida segue trilha idêntica a mapeada no HSBC. Atuar na clandestinidade das informações e das coberturas fraudulentas para ganhar mais tanto na veiculação de escândalos quanto na facilitação de negócios ilícitos e prejudiciais aos cidadãos dos países atingidos.

Não precisam explicar, só queremos entender. A permanência da Petrobras nas telas de TV, nas primeiras páginas de jornais e nos noticiários dos rádios contribui para diminuir o governo tornando-o acuado, sem vez e voz. Não por coincidência irromperam as denúncias de corrupção junto às eleições. Oposição e mídia querendo tomar posse, nem que fossem juntos ao 3º turno.

A insistência de jogar sujeira no ventilador todos os dias, de manhã, de tarde, de noite e de vez em quando, faz parte do bloco do “este governo não vale seu voto”. E a Velha Mídia Corrompida vale nossa credibilidade? Vale a nossa paciência e exaustão? Vale os “bomboners” patéticos espalhados pelos vídeos? Vale nos enchermos de porcarias para arrotar porcarias? Não é a toa que o Jornal Nacional atinge seu menor Ibope dos últimos tempos.

Ainda bem que há gente que não engole sapo. Mas eles, os da Velha Mídia, são estóicos ou pervertidos capitães, afundam junto aos seus navios em águas de mentiras, infâmias, acobertamentos e falsos comentários.

* economista, colaborador da Carta Maior
Créditos da foto: reprodução

Texto original : CARTA MAIOR

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Jorge Cintra reconstrói o mapa das Capitanias Hereditárias e mostra erros históricos

Mapa das Capitanias Hereditárias: para o engenheiro Jorge Cintra os livros escolares estão errados


Um estudo publicado recentemente nos Anais do Museu Paulista contesta a versão clássica do mapa das capitanias presente até hoje em livros didáticos.
A Versão Clássica do Mapa

O Mapa das Capitanias Hereditárias de  Manoel Maurício de Albuquerque, 
extraído do Atlas Histórico Escolar do MEC.

O estudo "Reconstruindo o mapa das capitanias hereditárias" é de autoria do engenheiro Jorge Cintra, professor titular de Informações Espaciais na Escola Politécnica da USP

O mapa das capitanias hereditárias de cara nova

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Nossa crise no contexto mundial da geoeconomia e da geopolítica

O jogo geoeconômico dos países centrais consiste em penetrar setores econômicos ainda estão sob controle estatal e nacional, como é o caso da Petrobras...

J. Carlos de Assis*

A crise econômica e política brasileira não pode ser entendida fora de uma avaliação mais ampla do seu contexto geoeconômico e geopolítico. Em termos geoeconômicos, a questão central no mundo atual é a estagnação da zona do euro e do Japão, e a pouca consistência da recuperação americana. Esta, no ano de 2014 em que cresceu 2,4%, teve dois trimestres iniciais de contração. Portanto, mesmo a economia norte-americana continua na balança, e ainda não deu sinal claro de que superou a crise iniciada em 2008 e agravada em 2010, a despeito de políticas monetária e fiscal extremamente expansivas.

A crise nos países capitalistas centrais, iniciada com a explosão financeira de 2008, revelou-se uma crise de baixa do ciclo econômico na qual a redução estrutural da demanda constitui um bloqueio à retomada do investimento e do emprego. Pode ser atenuada, como se vê nos EUA, mas não eliminada por políticas macroeconômicas de estilo keynesiano. Contudo, na Europa, nem políticas keynesianas tem sido aplicadas em razão da ditadura econômica alemã, o que torna a crise peculiarmente aguda. Veremos, a propósito, como vai evoluir a posição desafiadora da Grécia que já não suporta a política dos ajustes fiscais.

A falta de perspectivas de investimentos nos países centrais torna imperativo para suas classes dirigentes ampliar sua fronteira de penetração no mundo dos emergentes e dos países em desenvolvimento em espaços ainda dominados pelo capital estatal. É aí que entramos nós. Temos ainda um espaço relativamente virgem para a entrada de capitais estrangeiros em busca de valorização: o setor do petróleo, o setor da eletricidade, o setor das águas, o setor bancário estatal. Num certo sentido, também outros setores de serviços onde o Estado tem grande presença: educação e saúde.

Não se trata de permitir a entrada de capitais privados estrangeiros nesses setores. Em grande medida, eles já participam deles. O que se pretende é eliminar completamente a presença reguladora e operadora do Estado a fim de colocá-los inteiramente sob a lógica do mercado privado. Bem ou mal, conseguimos um certo estágio de afirmação de um Estado social-desenvolvimentista, com importantes braços operacionais como Petrobrás, Eletrobrás, BNDES, Caixa Econômica, Banco do Brasil. Todos estão na linha de tiro, já que todos ocupam espaços que podem ser dominados pelo capital privado estrangeiro.

O jogo geoeconômico dos países centrais consiste, portanto, em penetrar nessa zona que ainda está sob controle estatal e nacional. E não se trata de defender os interesses das empresas privadas em geral, mas, sim, das empresas privadas deles. Um dos riscos da Operação Lava Jato é justamente a liquidação de grandes empresas nacionais que tem contratos com a Petrobrás: destruí-las significa criar centenas de milhares de desempregados e queimar tecnologia nacional acumulada por décadas abrindo o mercado às construtoras estrangeiras, que há anos pressionam o Brasil nesse sentido nas negociações da Organização Mundial do Comércio, por enquanto sem resultado.

Estamos extremamente vulneráveis a esses ataques externos, especialmente quando se levanta a bandeira da corrupção do Estado, e não no Estado. A rigor, perdemos grande parte de nossa soberania econômica. Tivemos, no ano passado, um déficit em conta corrente de 91 bilhões de dólares, ou 4% do PIB, crescente. É para fechar essa conta, e não para combater a inflação, que o Banco Central eleva às nuvens a taxa básica de juros. Caso queiramos baixar significativamente essas taxas corremos o risco de um ataque cambial, esgotando nossas reservas – altas, mas vulneráveis a ataques especulativos.

Num momento de recessão, como o que vivemos, seria importante ter uma política fiscal ativa, isto é, ampliar os gastos públicos para aumentar a demanda agregada, o investimento e o emprego. Não podemos fazer isso porque significaria fazer déficit fiscal, ou eliminar o superávit primário (como se fez em 2014), o que, de novo, nos exporia a ataques especulativos desencadeados por desclassificação das agências de risco e à propaganda histérica da mídia entreguista acusando o Governo de descontrole fiscal. Em uma palavra, não temos real autonomia na macroeconomia no curto prazo.

Ao lado dessas questões geoeconômicas, temos a geopolítica. Qualquer pessoa familiarizada com a estratégia americana de dominação no mundo sabe que sua prioridade é impedir a emergência de um novo rival em escala global como foi a União Soviética. A Rússia, mesmo na situação de potência nuclear de primeira linha, foi encarada durante algum tempo, depois do fim da União Soviética, como apenas uma potência regional. De qualquer modo, a fim de contê-la, foi submetida a um verdadeiro cerco da OTAN, porém longe de suas fronteiras, com a incorporação de nada menos que 12 países do Leste da Europa. Esse processo parou na Ucrânia e na Geórgia.

É que nenhuma dessas incorporações correspondeu a países fronteiriços da Rússia, exceto os pequenos países bálticos, sem maior importância estratégica. É justamente aí que se cruza a linha vermelha. Segundo a insuspeita revista norte-americana Foreign Affairs, a Rússia deu a entender à OTAN, várias vezes, que não toleraria uma força hostil nas suas costas, seja na Geórgia, seja na Ucrânia, países com que faz fronteira. A OTAN não apenas insistiu em avançar sobre a Ucrânia como, mediante articulações diretas do Departamento de Estado e da CIA, derrubou o legítimo governo ucraniano para permitir que um novo governo aderisse a ela e à União Europeia.

A Rússia respondeu com a habilidosa incorporação da Crimeia, um porto estratégico para ela, ancorada na vontade popular da península. Os EUA reagiram com sanções. Os russos tem o suporte dos descendentes russos e russófilos do Leste da Ucrania. O país está em guerra civil. Não se sabe exatamente que tipo de proposta Merckel e Hollande levaram a Putin, mas o fato óbvio é que aos EUA não interessa um acordo, já que seu objetivo estratégico é atrair a Rússia para uma guerra na Ucrânia de forma a esgotá-la economicamente e eliminá-la como um rival de escala global.

É nesse contexto geoeconômico que estamos nós. Talvez alguém se esqueça, mas somos BRICS. E BRICS significa uma aproximação brasileira com o inimigo estratégico central dos EUA, a Rússia. Nos mesmos BRICS está a China, que já se posicionou como aliado estratégico da Rússia. A Índia faz um jogo dúbio, enquanto a África do Sul não conta muito. Nós somos o risco mais imediato. Embora não tenhamos nenhum interesse direto na crise da Ucrânia, os americanos podem querer exigir lealdade de nós num eventual conflito com a Rússia. Infelizmente, muitos brasileiros já estão fazendo esse jogo.

O que fazer? Embora haja pessoas pouco patriotas, como os dirigentes da FIESP, que acham que nosso futuro se encontra em relações mais próximas com Estados Unidos e Europa Ocidental, através de tratados de livre comércio, não é difícil demonstrar que isso seria simplesmente suicídio do ponto de vista econômico. Nossa indústria não tem nenhum condição de competir com empresas europeias e americanas, as primeiras num ambiente de deflação. Já estamos com um cavalar déficit comercial com os EUA e Europa. EUA e Europa estão empenhados sobretudo em ampliar exportações, e não aumentar importações. Isso é essencial na sua estratégia de retomada. Abrir nosso mercado para eles num acordo de livre comércio seria condenar à morte nossa indústria, em especial a indústria de bens de capital.

Se as pessoas refletissem com mais objetividade econômica e menos ideologia veriam que não temos nenhuma alternativa real fora do aprofundamento de nossas relações econômicas dentro dos BRICS e da Unasul. É o que nos impõe a geoeconomia a despeito da geopolítica. Os BRICS, e principalmente a China, que puxa a Ásia como única região de alto crescimento do mundo, tem um tremendo potencial de financiamento, de integração produtiva e de mercado – tal como expus no artigo anterior anunciando o Projeto Transul. Já os demais países da UNASUL tem grande potencial de mercado de bens de capital (em parte já é), principalmente se o Projeto Transul estender-se a eles, como espero.

É claro que os EUA não gostariam do Projeto Transul, como não gostam de nada que represente um embaraço à expansão de seus investimentos num momento de crise de oportunidades da economia real dos países centrais, e num momento em que preparam a guerra contra a Rússia. Paciência. Temos que buscar nosso destino, mesmo sabendo que, afirmando seus próprios interesses, os EUA concorrerão para nos desestabilizar dentro de nossa crise interna, usando o pretexto da corrupção – como fizeram com a Líbia, o Egito e o Yemen. Entendo que não devemos tê-los como rivais, mas como um vizinho perigoso. De qualquer modo, dadas nossas relações históricas, não precisamos de ser inimigos deles.

*Jornalista, economista, doutor pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

PRIMAVERA ÁRABE À BRASILEIRA!

Por Antônio Carlos

Sempre aparecem aquelas músicas que se torna a onda do momento e a grande maioria passa a escutar nem sempre pela qualidade da música! Mas ultimamente em todos os assuntos tem a onda do momento e na política não poderia ser diferente.

Quando garoto, a toada era se criticar o Regime Militar e todos aqueles que sofreram algum tipo de revezes apareceram como as almas puras que mereciam serem eleitos para algum cargo. Com o tempo se percebeu, que ficar contra o regime militar ou mesmo os que foram perseguidos por eles, nem sempre estavam preocupados com os problemas sociais. Alguns defendiam interesses próprios e apenas sofreram perseguição dos concorrentes (caso de muitos empresários).

Quando fiquei adulto, a toada era que deveríamos eleger representantes dos trabalhadores. Por incrível que pareça, nem sempre os chamados representantes dos trabalhadores defendem interesses dos trabalhadores e nessa toada (onda) a coisa ficou ainda mais difícil identificar quem realmente estava defendendo interesses de toda sociedade, já que se misturaram a ideia de se eleger representantes dos trabalhadores, os que se diziam perseguidos ou não do Regime Militar e os que só estavam defendendo interesses próprios.

Mas a música do momento e caçar e acabar com a corrupção como se no passado não existissem corruptos e corruptores (clique para ler O Golpismo e a última pesquisa do Datafolha). Na grande imprensa os músicos (jornalistas) manipulam as informações como se as construtoras e demais empresas (estatais e privadas) passaram a ser corruptas somente a partir de 2005 (clique para ler Petrobrás: governo que moraliza leva a fama de bandido)! O problema é que todos seguem os músicos, igualmente a história do tocador de flauta que conseguiu hipnotizar, está manipulando a todos e sem perceberem que a música está levando a todos ao abismo. Somente este procedimento está levando algumas empresas à falência com fechamento e desemprego em massa. Em países, os considerados mais desenvolvidos, em que existe uma preocupação social em defender os empregos, os corruptos e corruptores seriam presos e em seus lugares seriam colocados sócios substitutos ou interventores para que as empresas fossem mantidas e para manter a sociedade funcionando sem prejuízos dos trabalhadores, do Estado e demais sócios destas empresas. A quem interessa que essas empresas continuem fechando e desempregando tantos trabalhadores? Para quem ou para quais empresas esses músicos estão tocando essa música? (clique para ler Construtoras da Lava a Jato enfrentam enxurradas de ações).

Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso foram fechados os estaleiros, gerando milhares de desempregados e somente durante o governo Luiz Inácio esses estaleiros voltaram a funcionar gerando milhares de empregos. Devido a Operação lava-jato está investigando e dificultando operações da Petrobras com as construtoras de navios e de rebocadores já está promovendo e fechando empresas de construções de navios, cortando pagamentos de construtoras e fazendo diminuir o valor das ações da Petrobras.

Mas eu pensava que todos os seguidores entravam no ritmo da música inconsciente para punir corruptores e corrompidos! (Clique para ler Um advogado a favor da destruição das empresas de construção). Estranhamente muitos jornalistas e políticos estão pedindo o fechamento das maiores construtoras do país (geram milhares ou mesmo milhões de empregos) e substituam por empresas estrangeiras como se nas empresas estrangeiras não existe corrupção! O mais estranho é que os chamados militantes do PSDB acham que deveríamos contratar construtoras americanas e os chamados militantes de esquerda contam em verso e prosa que deveríamos contratar construtoras Russas e Chinesas (vi muita gente defendendo essa opção). Além dos problemas sociais que podem causar no Brasil, será que os caçadores de corruptos sabem que as construtoras estrangeiras também são consideradas altamente corruptas? Será que estão escondendo esses fatos com interesses escusos?

A cegueira é tão grande que esses músicos conseguem criar uma onda onde os brasileiros pedem que sejam fechadas nossas empresas, nossos trabalhadores demitidos e toda tecnologia existente nessas empresas sejam entregues aos concorrentes! (clique e leiam PRG viaja aos EUA para acusar o próprio país?) Será que não perceberam que podem estarem utilizando o momento para fecharem nossas construtoras e a Petrobras que são concorrentes fortíssimas (são detentoras de alta tecnologia nos seus respectivos ramos) dessas empresas internacionais e que podem está sendo manipulados para que entreguemos nossas empresas de mão beijadas!!!

Que se puna os corruptores e corrompidos (clique para ler Petroleiros: Punir corruptos, mas sem destruir a Petrobras), sem causar problemas e prejudicando milhares de brasileiros que trabalham arduamente nessas empresas. Temos de lembrar que esses donos de empresa e políticos corrutos se apossam dessas riquezas, mas os trabalhadores nunca são beneficiados, pelo contrário, também são alvos da ganância de empresários que ganham retirando do Estado e também ganham retirando direitos desses mesmos trabalhadores.

As manifestações, chamadas PRIVAMERA ÁRABE, ocorreram em vários países dos diversos continentes. Pode-se dizer que as manifestações, de junho de 2013, foram um reflexo desta PIRMAVERA ÁRABE e que os participantes diziam que eram contra tudo que está aí! Mas na prática, as manifestações PRIMAVERA ÁRABE, serviram para os EUA influenciarem e derrubarem governos e colocarem políticos que lhes eram favoráveis (um grande exemplo ocorreu no Egito). A nossa PRIMAVERA ÁRABE será um pouco diferente? A quem interessa? 

Não deixem de ler:
- Esqueçam o impeachment de Dilma e conheçam a trama imunda do "climão"
- A Globo não ataca o Governo, ataca o Estado nacional
- O entreguismo e os que querem o fim do Brasil. Não devemos combater o Brasil e o povo brasileiro

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Olhar a realidade de frente para mudá-la

Nada ganhamos ao culpar o império por nossas debilidades. É impossível mudar o inimigo. A bola está em nosso campo e nos resta olhar a realidade de frente.

Raúl Zibechi

Ainda é inquestionável que vivemos um período turbulento e, portanto, opaco e confuso. A diversificação dos pontos de vista e análises necessários para compreendê-lo não deveria deixar de lado princípios éticos sem os quais a atividade para mudar o mundo perde sentido. As modas intelectuais, assim como as ilusões na evolução gradual do sistema, pouco ajudam para nos guiar na turbulência.

Uma das modas é a geopolítica. Não são poucos os que buscam atalhos que evitariam as inevitáveis dores desta etapa. Os Brics fazem parte da nova realidade multipolar e caótica, chamados como estão para deslocar as potências do norte (Estados Unidos, União Europeia e Japão) como centros excludentes do sistema-mundo. No entanto, os países chamados de emergentes encarnam formas e modos de gestão do capitalismo diferentes das do modelo anglo-saxão, mas tão capitalistas quanto.

Se nos congratulamos pela transição em curso em direção a um mundo multipolar, é na convicção de que o caos sistêmico e a multiplicidade de poderes são um adubo para a luta antissistêmica. Nem mais nem menos.

As análises gradualistas não levam a sério o fato de vivermos sob várias guerras. Os 70 anos decorridos desde o fim da Segunda Guerra Mundial parecem ter convencido muitos analistas de que as guerras se extinguiram, quando na verdade elas são o modelo habitual do capitalismo em sua fase extrativista e de acumulação por despojo/roubo.

A análise zapatista sobre a quarta guerra mundial do capital contra os povos ajuda a compreender as agressões que os de baixo sofrem em todo o mundo – desde as guerras abertas de aniquilação, como no Oriente Médio, até as guerras silenciosas, que o modelo extrativista descarrega sobre os povos para instalar minas a céu aberto, monoculturas e represas hidrelétricas, só para mencionar os casos mais frequentes.

Existem guerras econômicas, monetárias, pelo controle das fontes de água; guerra contra as mulheres e as crianças; enfim, o mais diverso tipo de agressões sistemáticas e sistêmicas contra os mais diversos povos e setores sociais.

José Luis Fiori, professor de política econômica da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenador do grupo de pesquisa Poder Global e Geopolítica do Capitalismo, esboça uma análise distinta sobre a economia atual. Devemos começar pela análise e compreensão de como funcionam os mercados internacionais, que se parecem mais com uma guera de movimentos entre forças desiguais do que um intercâmbio entre unidades iguais e bem informadas (página13.org.br, 30/1/15).

Inspirado no historiador Fernand Braudel, Fiori considera que estados e capitais atuam nessa guerra assimétrica como grandes predadores na luta pelo controle monopolístico de posições de mercado, inovações tecnológicas e lucros extraordinários.

As considerações anteriores (mercados como guerras de posições, estados/capitais como predadores) são mais consistentes do que considerá-los ferramentas quase neutras que podem ser utilizadas por classes, raças, gêneros e etnias em seu benefício. Posições desse tipo tendem a desarmar os de baixo num período no qual não eles podem nem devem confiar em outra coisa que não suas próprias forças e capacidades.

Gostaria de agregar três ideias que Fiori tem esboçado em seus artigos jornalísticos e que trabalha em seu último livro História, estratégias e desenvolvimento: para uma geopolítica do capitalismo (Boitempo, São Paulo, 2014).

A primeira tem relação com a China, mas pode se aplicar a todos os Brics. “O poder é sempre expansivo (…) Foi assim em qualquer tempo e lugar, durante toda a história da humanidade, independente da existência de economias de mercado, e muito antes da existência do capitalismo” (Outras Palavras, 25/4/13). Alerta-nos sobre a crença de que a Rússia, ou a China, possam ser e fazer coisas muito diferentes do que já conhecemos. Não são forças anticapitalistas.

A segunda tem a ver com a economia. Diz que esta se subordina aos objetivos de longa duração dos estados. “As políticas econômicas dos países variam no espaço e no tempo, e seu êxito ou fracasso depende de fatores externos à própria política econômica, e não à verdade ou à falsidade de suas premissas teóricas” (Carta Maior, 27/11/14).

Afirma que é inútil buscar políticas econômicas de esquerda. Trata-se de levar em conta os objetivos em função dos quais os estados adotam diversas diretrizes econômicas. Tem a virtude que nos torna alheios ao economicismo dominante nas esquerdas, nos progressismos e em muitos movimentos sociais. Em todo caso, essa premissa não deveria ser adotada ao pé da letra pelos movimentos antissistêmicos, pois é a ética que preside sua ação.

Por último, tem uma visão muito clara da política dos Estados Unidos. Lembra que foi Nicholas Spykman o teórico geopolítico que teve maior influência na política exterior norte-americana no século XX. Dividia o subcontinente latino-americano em duas partes. A parte norte inclui até a América Central, o Caribe, a Venezuela e a Colômbia, que devem permanecer em “absoluta dependência” dos Estados Unidos.

O resto da América do Sul conta com três estados, como Brasil, Argentina e Chile, que podem ameaçar a hegemonia imperial se atuarem em conjunto – ameaça que deve ser “respondida por meio da guerra”. Fiori considera que o problema não é o império, mas neste caso, na região e, muito concretamente, seu próprio país: Brasil. “Estes são os termos da equação e a posição norte-americana sempre foi muito clara. O mesmo pode ser dito da política externa brasileira” (Sin Permiso, 30/03/14).

Nada ganhamos ao culpar o império pelas nossas debilidades. É impossível mudar o inimigo. A bola está em nosso campo e só nos resta olhar a realidade de frente.

Créditos da foto: The U.S Army / Flickr
Texto original:
CARTA MAIOR

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

O "FIM" DO BRASIL


(REVISTA DO BRASIL) - Já há alguns meses, e mais especialmente na época da campanha eleitoral, grassam na internet mensagens com o título genérico de “O Fim do Brasil”, defendendo a estapafúrdia tese de que a nação vai quebrar nos próximos meses, que o desemprego vai aumentar, que o país voltou, do ponto de vista macroeconômico, a 1994 etc. etc. – em discursos irracionais, superficiais, boçais e inexatos. 

Na análise econômica, mais do que a onda de terrorismo antinacional em curso, amplamente disseminada pela boataria rasteira de botequim, o que interessa são os números e os fatos.

Segundo dados do Banco Mundial, o PIB do Brasil passou, em 11 anos, de US$ 504 bilhões em 2002, para US$ 2,2 trilhões em 2013. Nosso Produto Interno Bruto cresceu, portanto, em dólares, mais de 400% em dez anos, performance ultrapassada por pouquíssimas nações do mundo. 

Para se ter ideia, o México, tão “cantado e decantado” pelos adeptos do terrorismo antinacional, não chegou a duplicar de PIB no período, passando de US$ 741 bilhões em 2002 para US$ 1,2 trilhão em 2013; os Estados Unidos o fizeram em menos de 80%, de pouco mais de US$ 10 trilhões para quase US$ 18 trilhões.

Em pouco mais de uma década, passamos de 0,5% do tamanho da economia norte-americana para quase 15%. Devíamos US$ 40 bilhões ao FMI, e hoje temos mais de US$ 370 bilhões em reservas internacionais. Nossa dívida líquida pública, que era de 60% há 12 anos, está em 33%. A externa fechou em 21% do PIB, em 2013, quando ela era de 41,8% em 2002. E não adianta falar que a dívida interna aumentou para pagar que devíamos lá fora, porque, como vimos, a dívida líquida caiu, com relação ao PIB, quase 50% nos últimos anos.

Em valores nominais, as vendas nos supermercados cresceram quase 9% no ano passado, segundo a Abras, associação do setor, e as do varejo, em 4,7%. O comércio está vendendo pouco? O eletrônico – as pessoas preferem cada vez mais pesquisar o que irão comprar e receber suas mercadorias sem sair de casa – cresceu 22% no ano passado, para quase US$ 18 bilhões, ou mais de R$ 50 bilhões, e o país entrou na lista dos dez maiores mercados do mundo em vendas pela internet.

Segundo o Perfil de Endividamento das Famílias Brasileiras divulgado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o ano de 2014 fechou com uma redução do percentual de famílias endividadas na comparação com o ano anterior, de 62,5%, para 61,9%, e a porcentagem de famílias com dívidas ou contas em atraso, caiu de 21,2%, em 2013, para 19,4%, em 2014 (menor patamar desde 2010). A proporção de famílias sem condições de pagar dívidas em atraso também diminuiu, de 6,9% para 6,3%.

É esse país – que aumentou o tamanho de sua economia em quatro vezes, cortou suas dívidas pela metade, deixou de ser devedor para ser credor do Fundo Monetário Internacional e quarto maior credor individual externo dos Estados Unidos, que duplicou a safra agrícola e triplicou a produção de automóveis em 11 anos, que reduziu a menos de 6% o desemprego e que, segundo consultorias estrangeiras, aumentou seu número de milionários de 130 mil em 2007 para 230 mil no ano passado, principalmente nas novas fronteiras agrícolas do Norte e do Centro-Oeste – que malucos estão dizendo que irá “quebrar” em 2015.

E se o excesso de números é monótono, basta o leitor observar a movimentação nas praças de alimentação dos shoppings, nos bares, cinemas, postos de gasolina, restaurantes e supermercados; ou as praias, de norte a sul, lotadas nas férias. E este é o retrato de um país que vai quebrar nos próximos meses?

O Brasil não vai acabar em 2015.

Mas se nada for feito para desmitificar a campanha antinacional em curso, poderemos, sim, assistir ao “fim do Brasil” como o conhecemos. A queda das ações da Petrobras e de empresas como a Vale, devido à baixa do preço do petróleo e das commodities, e também de grandes empresas ligadas, direta e indiretamente, ao setor de gás e de petróleo, devido às investigações sobre corrupção na maior empresa brasileira, poderá diminuir ainda mais o valor de empresas estratégicas nacionais, levando, não à quebra dessas empresas, mas à sua compra, a preço de “bacia das almas”, por investidores e grandes grupos estrangeiros – incluídos alguns de controle estatal – que, há muito, estão esperando para aumentar sua presença no país e na área de influência de nossas grandes empresas, que se estende pela América do Sul e a América Latina.

Fosse outro o momento, e o Brasil poderia – como está fazendo a Rússia – reforçar sua presença em setores-chave da economia, como são a energia e a mineração, para comprar, com dinheiro do tesouro, a preço muito barato, ações da Petrobras e da própria Vale. Com isso, além de fazer um grande negócio, o governo brasileiro poderia, também, contribuir com a recuperação da Bolsa de Valores. Essa alternativa, no entanto, não pode sequer ser aventada, em um início de mandato em que o governo se encontra pressionado, praticamente acuado, pelas forças neoliberais que movem – aproveitando os problemas da Petrobras – cerrada campanha contra tudo que seja estatal ou de viés nacionalista.

Com isso, o país corre o risco de passar, com a entrada desenfreada de grandes grupos estrangeiros na Bolsa por meio da compra de ações de empresas brasileiras com direito a voto, e a eventual quebra ou absorção de grandes empreiteiras nacionais por concorrentes do exterior, pelo maior processo de desnacionalização de sua economia, depois da criminosa entrega de setores estratégicos a grupos de fora – alguns de capital estatal ou descaradamente financiados por seus respectivos países (como foi o caso da Espanha) nos anos 1990.

Projetos que envolvem bilhões de dólares, e mantêm os negócios de centenas de empresas e empregam milhares de brasileiros já estão sendo, também, entregues para estrangeiros, cujas grandes empresas, no quesito corrupção, como se pode ver no escândalo dos trens, em São Paulo, em nada ficam a dever às brasileiras.

Para evitar que isso aconteça, é necessário que a sociedade brasileira, por meio dos setores mais interessados – associações empresariais, pequenas empresas, sindicatos de trabalhadores, técnicos e cientistas que estão tocando grandes projetos estratégicos que poderiam cair em mãos estrangeiras –, se organize e se posicione. Grandes e pequenos investidores precisam ser estimulados a investir na Bolsa, antes que só os estrangeiros o façam. 

O combate à corrupção – com a punição dos responsáveis – deve ser entendido como um meio de sanar nossas grandes empresas, e não de inviabilizá-las como instrumentos estratégicos para o desenvolvimento nacional e meio de projeção do Brasil no exterior.

É preciso que a população – especialmente os empreendedores e trabalhadores – percebam que, quanto mais se falar que o país vai mal, mais chance existe de que esse discurso antinacional e hipócrita, contamine o ambiente econômico, prejudicando os negócios e ameaçando os empregos, inclusive dos que de dizem contrários ao governo. 

É legítimo que quem estiver insatisfeito combata a aliança que está no poder, mas não o destino do Brasil, e o futuro dos brasileiros.

Texto original: MAURO SANTAYANA

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Onde está o Estado?

Os serviços públicos são ruins por causa da corrupção? O Brasil é o país com maior carga de impostos? conheça alguns números e tire suas conclusões.

Róber Iturriet Avila; Luís Felipe Gomes Larratea

Não raro há a veiculação da dissociação entre a arrecadação dos governos e o retorno de bens e serviços estatais. O intento, sistematicamente alardeado, é bem sucedido em formar a opinião pública. Não é difícil de compreender a indignação gerada na população, sobretudo frente ao desconhecimento dos parâmetros de carga tributária e da precária informação das benfeitorias do Estado. O obscurecimento e a naturalização das ações estatais permeiam o debate acerca da tributação. Os salários dos parlamentares e os casos de corrupção selam uma visão bem sedimentada, escamoteando as reais intenções da repetição de um mantra não verdadeiro, mas hegemônico. Essa miragem transpassa e gera propositalmente uma cegueira coletiva, que, além de inverídica, está carregada de ideologia e atende a interesses específicos.

O Brasil é um país que oferece um sistema de saúde universal, desde a constituição de 1988. O resultado disso pode ser observado nas taxas de mortalidade infantil e na ampliação da expectativa de vida desde então. Somos exemplo de vacinação e combate a doenças. Graças à ação do Estado a esquistossomose, a cólera e a leptospirose não são epidemias. O Estado está na luz dos postes, nas estradas, nos calçamentos, no transporte urbano, no transporte aéreo, no recolhimento do lixo, na destinação do esgoto, na escola pública (da pré-escola ao pós-doutorado), no policiamento, na defesa territorial. Essa é a parte mais visível. Mas há também Estado na forma de subsídios que garantem a energia elétrica, a produção de alimentos, o investimento em conhecimento, a aquisição de imóveis e o avanço técnico. Há Estado nas políticas de geração de emprego e de desenvolvimento econômico. Ele está também na seguridade social, ou seja, nas aposentadorias, nas pensões por morte, nos seguros de maternidade e de invalidez. O Estado permite a mediação e o julgamento dos conflitos, a reclusão de malfeitores, além da própria organização das regras que nos permitem viver de forma civilizada e não no caos e na guerra como foi marcada a história humana. Não há um dia sequer que qualquer cidadão não esbarre na ação do Estado e não se beneficie diversas vezes dela.

A carga tributária brasileira gira em torno de 36%. O PIB de 2014 deve fechar em, aproximadamente, R$ 5,155 trilhões. Isso significa que a renda per capita é de R$ 25.389,00. Nessa medida, cada brasileiro paga, em média, R$ 761,00 em impostos por mês para atender uma série de garantias legais e de reclamos sociais. Embora seja possível aprimorar a eficiência e reduzir o desperdício, para quem sabe fazer conta, salta aos olhos o óbvio: é um recurso escasso para tudo o que exigimos dos governos.

Outro jargão de senso comum é que se não fosse a corrupção, os serviços públicos seriam melhores. De acordo com a FIESP, o País perde R$ 100 bilhões em corrupção. Ainda que esse dado não seja preciso e nem desprezível, representa apenas 1,9% do PIB. Faz falta, mas não resolve. Em linha semelhante, o discurso de senso comum alega que os impostos servem para pagar os salários dos parlamentares. Não cabe defender o patrimonialismo e a exuberância do congresso, de todo modo, o custo do parlamento brasileiro é de 0,19% do PIB. Já todos os funcionários dos 39 ministérios custam 1,2% do PIB.

As comparações corriqueiras com outros países também ignoram os dados. Na Noruega, por exemplo, a renda per capita é de US$ 100.818,00 e a carga tributária de 44%. Dessa maneira, cada cidadão contribui, em média, com R$ 8.800,00 mensais ao Estado. Ou seja, onze vezes mais do que o brasileiro. É lógico e racional que seus serviços públicos sejam onze vezes melhores do que os nossos.

Já nos Estados Unidos a carga tributária está em torno de 27%. Naquele país, entretanto, não há sistema de saúde pública, não há ensino superior gratuito e nem sistema de aposentadoria e pensões pelo Estado. O cidadão estadunidense que não possui seus serviços privados está à margem.

Um dos papéis do Estado é melhorar a distribuição e permitir melhores oportunidades a quem está na base da pirâmide social. Isso está ancorado na compreensão teórica de que o mercado não é plenamente eficaz em permitir oportunidades iguais a todos. Quanto se tem em conta que metade dos brasileiros recebe até R$ 1.095,00 mensais, logo se conclui que milhões de pessoas não teriam acesso algum à saúde e à educação não fosse o Estado. Ao se efetuar a conta de onde efetivamente é gasto, constata-se que 71% da arrecadação preenchem apenas três serviços: saúde, educação e previdência.

Cabe observar que a estrutura tributária brasileira está centrada no consumo e na folha de salários, juntas essas rubricas respondem por 76,26% da arrecadação. Já os impostos sobre propriedade perfazem 3,85% do total. Convém constatar também que há segmentos da sociedade brasileira que têm índices de desenvolvimento humano equivalentes ao norueguês e não precisam da saúde pública e da educação pública, muito embora usufruam dessas nas cirurgias de alta complexidade, nos transplantes, no ensino superior e nas bolsas de pós-graduação.

Enxugar o Estado pode ameaçar a sustentabilidade de serviços basilares à vida e à dignidade humana. Pode ameaçar o direito de quem não tem condições de pagar por tais serviços e necessita da intervenção estatal para sua subsistência. Esse tema abarca ainda a justiça social, cuja participação do Estado nos países que lideram os índices de desenvolvimento humano é equivalente à brasileira ou superior. Corrupção, parlamento e ministérios juntos representam 3,29% do PIB. Esse recurso seria suficiente para melhorar substancialmente os serviços públicos?

A retórica de que o cidadão paga impostos e não recebe serviços é astuciosa. Ela vitimiza quem deveria contribuir mais para o bem estar social, como ocorre nos países mais desenvolvidos. Os dados são claros e mostram que a elite brasileira contribui menos em termos tributários do que seus congêneres na maioria dos países do mundo. Ainda assim, querem reduzir o Estado. Quem vai corrigir as distorções históricas de 388 anos de escravidão que viabilizou o enriquecimento da elite brasileira? Como as raízes patriarcais serão extirpadas? A quem interessa um Estado menor?

Róber Iturriet Avila - É Doutor em Economia, Pesquisador da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professor da Universidade do Vale do Rio do Sinos

Luís Felipe Gomes Larratea - Bacharel em Políticas Públicas e bolsista FAPERGS/FEE


Créditos da foto: Ken Teegardin / Flickr

Texto original: CARTA MAIOR