sábado, 28 de novembro de 2015

Tudo é lindo na política externa norte-americana

DAVE LINDORFF - CounterPunch

Seria a mídia corporativa norte-americana notadamente composta por órgãos de propaganda ou agências de notícias? 

Aqui estão alguns pontos a se considerar e, então, o leitor pode decidir. Confira algumas perguntas abaixo e verifique como a mídia corporativa dos EUA geralmente produz suas respostas:

1. Se o Estado Islâmico ou a Al Qaeda deliberadamente atacam civis, como no recente episódio em Paris, indiscriminadamente matando dezenas de pessoas, seria isso terrorismo? 

Resposta objetiva: Sim 
Resposta da mídia dos EUA: Sim 

2. Se os EUA deliberadamente atacam civis, como no caso do hospital dos Médicos Sem Fronteiras em Kunduz, Afeganistão, matando indiscriminadamente dezenas de pessoas, seria isso terrorismo?

Resposta objetiva: Sim 
Resposta da mídia dos EUA: não

3. Se o governo chinês assume o controle de uma ilha minúscula, reivindicada por outra nação, e ali instala uma base militar, seria esse um exemplo de agressão, uma violação do direito internacional e uma provocação? 

Resposta objetiva: Sim 
Resposta da mídia dos EUA: Sim

4. Se o governo dos EUA assume o controle e, em seguida, se recusa a renunciar uma porção de uma minúscula ilha, propriedade de outro país, neste caso Cuba, e ali instala uma base militar (como tem feito já por décadas, no caso da Baía de Guantánamo) seria esse um exemplo de agressão, uma violação do direito internacional e uma provocação? 

Resposta objetiva: Sim 
Resposta da mídia dos EUA: não

5. Se a líder de um partido que ganha a eleição nacional, mas anuncia que, na verdade, é ela que tomara todas as decisões importantes para o governo recém eleito, como Suu Ky anunciou que fará em Mianmar, seria esse um exemplo de comportamento antidemocrático ou de caudilhismo?

Resposta objetiva: Sim 
Resposta da mídia dos EUA: Não

6. Se um país estrangeiro coloca mísseis apontados para outra nação no território de um país adjacente ao país-destino, como fez a URSS em Cuba, seria essa uma ameaça para o país de destino, no caso os EUA? 

Resposta objetiva: Sim 
Resposta da mídia dos EUA: Sim

7. Se os EUA colocam mísseis na Polônia apontados pra Rússia, como fizeram, ou colocam armamento nuclear na Alemanha, também tendo a Rússia como alvo, o que foi feito, seriam essas ameaças para a Rússia? 

Resposta objetiva: Sim 
Resposta da mídia dos EUA: não

8. Se o Irã proporciona assistência militar aos rebeldes de um país vizinho como Iêmen e tal grupo, os Houthis, com sucesso derrubam um autocrata do poder, seria isso subversão? 

Resposta objetiva: Sim 
Resposta da mídia dos EUA: Sim

9: Se os EUA financiam organizações dentro de outro país que organizam protestos, marchas e atentados sangrentos que, finalmente, derrubam o governo eleito, como os EUA fizeram na Ucrânia, seria isso subversão? 

Resposta objetiva: Sim 
Resposta da mídia dos EUA: não

10. Se o Irã, signatário do Tratado de não Proliferação Nuclear, pretende desenvolver capacidade de refino do urânio-235, o que um dia poderia ser usado para fabricar armamento nuclear, mas concorda com inspeções e supervisão internacional, seria essa uma grave ameaça à estabilidade regional no Oriente Médio e à paz mundial?

Resposta objetiva: não, já que existe outra poderosa nação com armamento nuclear no Oriente Médio, com a capacidade de obliterar totalmente o Irã — ou seja, Israel.
Resposta da mídia: Sim 

11: Se Israel, que nunca assinou o Tratado de não Proliferação, se recusa a permitir inspeções em suas instalações nucleares, é conhecido por ter centenas de armas nucleares, bem como os aviões e mísseis para enviá-los a qualquer lugar, seria essa uma grave ameaça à estabilidade regional no Oriente Médio e à paz mundial? 

Resposta objetiva: Sim 
Resposta da mídia dos EUA: não 

12: Se uma pessoa revela, por dinheiro, a uma potência estrangeira, o funcionamento interno do sistema de interceptação de sinais da Agência de Segurança Nacional (NSA), bem como as identidades de centenas de agentes da inteligência secreta dos EUA, como fez o espião israelense Jonathan Pollard, seria ele um inimigo dos Estados Unidos? 

Resposta objetiva: Sim 
Resposta da mídia dos EUA: não

13. Se uma pessoa revela, em ato de princípio e enquanto denunciante, sem compensação financeira, a espionagem ilegal e inconstitucional contra cidadãos americanos da NSA, como fez Edward Snowden, agora exilado, seria ele um inimigo dos Estados Unidos que deve, portanto, ser castigado? 

Resposta objetiva: não 
Resposta da mídia dos EUA: Sim

14. Se terroristas pró-Estado Islâmico em Paris disparam contra feridos, vítimas de seus atentados de terror, seria esse um exemplo da barbárie e um crime digno da condenação de todo o mundo? 

Resposta objetiva: Sim 
Resposta da mídia dos EUA: Sim

15: Se vídeos mostram as forças de defesa israelenses atirando na cabeça de um palestino, ferido e deitado na rua, seria esse é um exemplo de barbárie e um crime de guerra digno da condenação de todo o mundo? 

Resposta objetiva: Sim 
Resposta de mídia dos EUA: Não (não foi sequer noticiado)

Evidentemente que essa lista poderia continuar, mas as evidências tornam óbvio e incontestável que a grande mídia corporativa dos EUA trabalha em sintonia, essencialmente apoiando a política externa dos EUA e apresentando um determinado mundo para público norte-americano, de forma muito distorcida e pró-governo.

Porque isso acontece, uma vez que essas agências de notícias são, majoritariamente, não diretamente financiadas ou controladas pelo governo, como são em países onde se espera que a mídia seja arma de propaganda, é uma história complicada, que vem há muito tempo sendo explicada claramente por especialistas como Noam Chomsky e Edward Herman.

Independente da lermos sobre o assunto, a realidade é clara para qualquer um que preste a mínima atenção: a mídia dos EUA, particularmente quando trata de assuntos externos, mas também quando trata de assuntos como a inteligência e a espionagem doméstica, não pode ter nossa confiança por apresentar a verdade, nem algo que minimamente se aproxime da verdade.

Gostaria de salientar aqui que evidências sólidas em torno desse desrespeito intencional a verdade por parte da mídia corporativa podem ser encontradas aqui em nossa própria e humilde organização de pequenas notícias, ThisCantBeHappening!. Nos últimos quatro anos, nós denunciamos:

* O papel da CIA em orquestrar o caos sectário e terrorista no Paquistão

* O papel central da justiça e da inteligência norte-americanas na coordenação do esmagamento brutal do movimento Occupy nas cidades por todo os EUA.

* O conhecimento prévio e total falta de preocupação ou ação do FBI sobre os planos bem documentados em Houston que tratavam dos grupos conhecidos e não identificados que conspiravam para assassinar líderes do movimento Occupy por meio de "rifles de longo alcance". (O FBI enviou memorandos sobre esta trama para escritórios regionais do FBI e pro quartel-general, mas nunca agiu para impedi-la e nunca prendeu qualquer um dos envolvidos na trama).

* A administração Obama deliberadamente escondendo provas forenses dos médicos legistas turcos que mostravam que membros da força de defesa de Israel executaram brutalmente Furkan Dogan [5], um garoto americano de 19 anos a bordo da embarcação humanitária em Gaza, Mavi Marmara, e não fizeram nada para punir os assassinos.

* O assassinato, pelas mãos de um agente do FBI, de um jovem imigrante checheno, Ibragim Todashev, na Flórida, que havia sido interrogado por tal agente e por um policial de Boston em seu próprio apartamento (Todashev pode ter tido provas de que o FBI tinha trabalhado com os irmãos Tsarnaev antes da explosão da maratona de Boston). Série em três partes: perguntas obscuras 1, perguntas obscuras 2 e perguntas obscuras 3.

(Essas e outras histórias, que foram relatadas e publicadas, e que foram amplamente cobertas pelos meios de comunicação alternativos, não foram nem ao menos mencionadas pela mídia corporativa dos EUA. Assim como a maioria dos importantes comunicados são ignorados sem qualquer aviso pela imprensa corporativa. Tais informações, portanto, não chegam a grande parte da população americana que obtém suas informações inteiramente através das fontes corporativas tradicionais.


Tradução por Allan Brum



Texto original: CARTA MAIOR

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Quando você mata dez milhões de africanos, você não é chamado de “Hitler”

 
O seguinte texto foi escrito por Liam O’Ceallaigh para a página Diary of a Walking Butterfly, em dezembro de 2010. O original pode ser acessado aqui.

O texto foi retirado e traduzido por http://muitoalemdoceu.wordpress.com/.

Leopoldo II foi Rei da Bélgica de 1865 a 1909, data de sua morte. Ele comandou o Congo de 1885 a 1908, quando cedeu o controle do país ao parlamento belga, após pressões internas e internacionais.

Olhe para essa foto. Você sabe quem é?

A maioria das pessoas não ouviu falar dele.

Mas você deveria. Quando você vê seu rosto ou ouve seu nome, você deveria sentir um enjoo no estômago assim como quando você lê sobre Mussolini ou Hitler, ou vê uma de suas fotos. Sabe, ele matou mais de 10 milhões de pessoas no Congo.

Seu nome é Rei Leopoldo II da Bélgica.

Ele foi “dono” do Congo durante seu reinado como monarca constitucional da Bélgica. Após várias tentativas coloniais frustradas na Ásia e na África, ele se instalou no Congo. Ele o “comprou” e escravizou seu povo, transformando o país inteiro em sua plantação pessoal com escravos. Ele disfarçou suas transações comerciais como medidas “filantrópicas” e “científicas” sob o nome da Associação Internacional Africana. Ele usou o trabalho escravo para extrair recursos e serviços congoleses. Seu reinado foi mantido através de campos de trabalho, mutilações corporais, torturas, execuções e de seu próprio exército privado.

A maioria de nós não é ensinada sobre ele na escola. Não ouvimos sobre ele na mídia. Ele não é parte da narrativa de opressão repetida amplamente (que inclui coisas como o Holocausto durante a Segunda Guerra Mundial). Ele é parte da longa história de colonialismo, imperialismo, escravidão e genocídio na África que se chocaria com a construção social da narrativa de supremacia branca em nossas escolas. Isso não se encaixa bem nos currículos escolares em uma sociedade capitalista. Fazer comentários fortemente racistas recebe (geralmente) um olhar de reprovação na sociedade “educada”; mas não falar sobre genocídios na África cometidos por monarcas capitalistas europeus está tudo bem.

Mark Twain escreveu uma sátira sobre Leopoldo chamada “King Leopold’s Soliloquy; A Defense of His Congo Rule” [Solilóquio do Rei Leopoldo; Uma defesa de seu mando no Congo], onde ele ridiculariza a defesa do Rei sobre seu reinado de terror, principalmente através das próprias palavras de Leopoldo. É uma leitura simples de 49 páginas e Mark Twain é um autor popular nas escolas públicas americanas. Mas como acontece com a maioria dos autores politizados, nós geralmente lemos alguns de seus escritos menos políticos ou os lemos sem aprender por que é que o autor os escreveu. A Revolução dos Bichos de Orwell, por exemplo, serve para reforçar a propaganda anti-socialista americana de que sociedades igualitárias estão fadadas a se tornar o seu oposto distópico. Mas Orwell era um revolucionário anti-capitalista de outro tipo – um defensor da democracia operária desde baixo – e isso nunca é lembrado. Nós podemos ler sobre Huck Finn e Tom Sawyer, mas King Leopold’s Soliloquy não faz parte da lista de leituras. Isso não é por acidente. Listas de leitura são criadas por conselhos de educação para preparar estudantes a seguir ordens e suportar o tédio. Do ponto de vista do Departamento de Educação, os africanos não têm história.

Quando aprendemos sobre a África, aprendemos sobre um Egito caricatural, sobre a epidemia de HIV (mas nunca suas causas), sobre os efeitos superficiais do tráfico de escravos, e talvez sobre o apartheid sul-africano (cujos efeitos, nos ensinam, há muito estão superados). Nós também vemos muitas fotos de crianças famintas nos comerciais dos Missionários Cistãos, nós vemos safáris em programas de animais, e vemos imagens de desertos em filmes. Mas nós não aprendemos sobre a Grande Guerra Africana ou o reinado de terror de Leopoldo durante do Genocídio Congolês. Tampouco aprendemos sobre o que os Estados Unidos fizeram no Iraque e Afeganistão, matando milhões de pessoas através de bombas, sanções, doença e fome. Números de mortos são importantes. Mas o governo dos Estados Unidos não conta as pessoas afegãs, iraquianas ou congolesas.

Embora o Genocídio Congolês não esteja incluído na página “Genocídios da História” na Wikipédia, ela ainda menciona o Congo. O que é hoje chamado de República Democrática do Congo é listado em referência à Segunda Guerra do Congo (também chamada de Guerra Mundial Africana e Grande Guerra da África), onde ambos os lados do conflito regional caçaram o povo Bambenga – um grupo étnico local – e os escravizaram e canibalizaram. Canibalismo e escravidão são males terríveis que certamente devem entrar para a história, mas eu não pude deixar de pensar sobre que interesses foram atendidos quando a única menção ao Congo na página era em referência a incidentes regionais, onde uma pequena minoria das pessoas na África estava comendo umas às outras (completamente desprovida das condições que criaram o conflito, e das pessoas e instituições que são responsáveis por essas condições). Histórias que sustentam a narrativa de supremacia branca, sobre a inumanidade das pessoas na África, são permitidas a entrar nos registros históricos. O homem branco que transformou o Congo em sua plantação pessoal, campo de concentração e ministério cristão – matando de 10 a 15 milhões de pessoas congolesas no processo – não entra na seleção.

Sabe, quando você mata dez milhões de africanos, você não é chamado de “Hitler”. Isto é, seu nome não passa a simbolizar a encarnação viva do mal. Seu nome e sua imagem não produzem medo, ódio ou remorso. Não se fala sobre suas vítimas e seu nome não é lembrado.

Leopoldo foi apenas uma das milhares de coisas que ajudaram a construir a supremacia branca, tanto como uma narrativa ideológica quanto como uma realidade material. Eu não pretendo dizer que ele foi a fonte de todo o mal no Congo. Ele teve generais, soldados rasos e gerentes que fizeram sua vontade e reforçaram suas leis. Ele era a cabeça de um sistema. Mas isso não nega a necessidade de falar sobre os indivíduos que são simbólicos do sistema. Mas nós nem mesmo chegamos a isso. E como isso não é mencionado, o que o capitalismo fez à África e todo o privilégio que as pessoas brancas ricas receberam do genocídio congolês permanecem escondidos. As vítimas do imperialismo, como costuma acontecer, são invizibilizadas.


Texto replicado deste endereço: GELEDÉS

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

O 11 de setembro europeu

A estupefação com os atentados terroristas em Paris é proporcional à incapacidade de se admitir as verdadeiras causas desta barbárie.

Jeferson Miola

A estupefação com os atentados terroristas em Paris é proporcional à incapacidade de se admitir as verdadeiras causas desta barbárie.

O mundo inteiro é afetado pelos desdobramentos da guerra travada pelas potências mundiais contra o Estado Islâmico, a Al Qaeda e outras organizações terroristas. Mas esta não é uma guerra mundial, e os países que estão no seu centro causal e na arena dos combates não enchem duas mãos: EUA, França, Espanha, Inglaterra e alguns aliados.

Com suas guerras de dominação e de exploração no norte da África e no Oriente Médio realizadas a pretexto de combater regimes tirânicos, as grandes potências esgarçaram completamente a relação com o mundo árabe-muçulmano. E, com isso, trouxeram para o continente europeu o mesmo inferno que instalaram nas ex-colônias.

Há poucos dias, Tony Blair se desculpou pela “pequena falha” cometida na ocupação criminosa e ilegal do Iraque em 2003. Ele reconheceu que eram falsos os pretextos de George W. Bush de que o regime de Saddam estocava armas químicas de destruição massiva.

Apesar desta fraude, Blair [que com a confissão deveria ser julgado pela Corte Internacional de Haia] mesmo assim considera válida a guerra não autorizada pela ONU contra o Iraque, que visava se apropriar das reservas petrolíferas e devastar totalmente a infraestrutura do país, para depois os capitais estadunidenses e ingleses “reconstruírem-no”.

No início da “guerra preventiva”, como ficou conhecida a cruzada contra o “eixo do mal” desatada por Bush após o 11 de setembro de 2001, apenas a Inglaterra, a Austrália e a Polônia atuaram diretamente na invasão do Iraque. Outros 45 países declararam apoio não-material e não-militar, e não condenaram o descumprimento da decisão da ONU.

Nos anos subsequentes, vários países – dentre eles, de modo marcante a França – passaram a buscar participação na partilha do butim das guerras. O país governado por François Hollande inclusive foi com sede ao pote; foi mais realista que o próprio rei: em 2011, convocou uma coalizão bélica da OTAN para invadir a Líbia e assassinar Muamar Kadafi, antes mesmo de Obama tentar obter autorização congressual para atacar aquele país.

As incursões das potências mundiais para combater o “eixo do mal” se replicaram nos últimos anos, multiplicando a violência, os conflitos e a diáspora de milhões de imigrantes desesperados que tentam chegar à Europa, onde são repelidos com insuportável inumanidade e desprezo. Aylan Kurdi, o menino sírio de 5 anos, emborcado morto nas areias do litoral grego, é a imagem tenebrosa desta realidade.

Este processo reabre feridas históricas, e reacende a memória da humilhação ancestral dos descendentes árabes e muçulmanos que, na França, representam parcela significativa da população total francesa. A cadeia de transmissão hereditária reserva aos descendentes árabes e muçulmanos o pior dos mundos na Europa: primeiro os avós e bisavós, depois seus pais, agora eles e seus filhos, assim como seus netos e bisnetos, estarão condenados à classe de sub-cidadãos.

As políticas xenofóbicas e segregacionistas, juntamente com a inexistência de oportunidades iguais para os imigrantes e para os descendentes de imigrantes, ajudam a legitimar a cantilena doutrinária do Estado Islâmico, que é cada vez mais eficiente na cooptação de jovens destituídos de perspectivas de futuro.

O ataque à revista Charlie Hebdo em janeiro deste ano, também em Paris, foi um sinal da mudança de padrão da ação terrorista. A partir deste episódio, foram aperfeiçoados e integrados os serviços de inteligência e de monitoramento da União Europeia e dos EUA. Apesar disso, no último dia 13 o Estado Islâmico logrou perpetrar sete ataques praticamente simultâneos num intervalo de apenas 40 minutos. Isso evidencia a complexidade e a inteligência operacional desta organização, capaz de driblar os mais especializados serviços de inteligência do mundo.

A resposta impulsiva das potências à barbárie terrorista da sexta-feira 13 de novembro é mais guerra, mesmo que não se saiba qual nação será o alvo ao certo. A espiral belicista, sozinha, além de ineficiente, agrava consideravelmente a violência e os revides terroristas. O assassinato de Bin Laden não arrefeceu o ímpeto da Al Qaeda, como tampouco diminuiu a capacidade operacional do terrorismo.

Ao invés de promover a guerra de civilizações entre o ocidente e o islamismo, as potências dominantes deveriam entender que o inimigo principal está nas políticas empreendidas pelos seus governos com despotismo em todo o mundo, e de maneira mais acentuada no norte da África e no Oriente Médio.

Estas políticas são o verdadeiro ninho da serpente; são laboratórios de multiplicação do Estado Islâmico e de versões deturpadas do Islã. O problema não está no outro lado do Mar Mediterrâneo, mas dentro das fronteiras do próprio continente europeu, como revela a identidade dos terroristas. Dos cerca de 30 mil militantes do Estado Islâmico, mais de 2 mil deles são nacionais europeus. O horror desembocou na Europa de uma maneira perturbadora.

Texto original: CARTA MAIOR

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Os portugueses e os preguiçosos

Antes dos invasores europeus chegarem as terras do chamado continente americano, os nativos aqui residentes viviam organizados em diversas tribos, organizados em nações, com níveis diferentes de tecnologia e organização social. Algumas nações tinham os níveis tecnológicos avançados com a produção de artefatos de metais, enquanto outras nações sequer sabiam da existência desses metais.

Em Pindorama (atual Brasil), os nativos ainda não produziam artefatos de metal, apesar de produzirem parte dos alimentos praticando a agricultura. Eles utilizavam artefatos feitos de pedras e grandes ossos de animais como ferramenta para trabalharem a chamada roça, na construção de embarcações (canoas) e construções das moradias (aldeias). Em decorrência da precariedade dessas ferramentas, o trabalho na agricultura era degradante e exigia muita resistência física.

Todo o trabalho de corte, transporte e carregamento dos navios,
com Pau-brasil, eram feito pelos nativos.
Com a chegada dos invasores europeus (os mais numerosos foram franceses, espanhóis e portugueses) passaram a ter acesso a diversos tipos de quinquilharias. Entre as peças de quinquilharias (segundos os invasores portugueses) a mais procuradas eram produtos de enfeites, mas eles levavam peças importantíssimas, para o trabalho agrícola, entre elas: as enxadas, facas, machados e foices. Essas ferramentas amainavam o pesado trabalho na roça e construções das aldeias. Para conseguirem estas ferramentas, faziam o trabalho de corte e carregamento da madeira do Pau-brasil (árvore que deu o atual nome a região) e que acomodavam devidamente nos navios.

Em decorrência do descobrimento da produção de tintas sintéticas o Pau-Brasil perdeu o grande valor comercial. Para substituir, o gigantesco lucro do comércio de madeiras, os portugueses resolveram produzir açúcar. A produção de açúcar em grande escala é necessário grandes extensões de terras ( para o plantio da cana-de-açúcar) e muita mão-de-obra para a produção.

Os nativos não estavam dispostos a abandonares as terras onde vivia, deixarem de produzirem para consumo próprio e terem de produzir para os portugueses. Para piorar a situação dos comerciantes portugueses, os nativos só apareciam quando necessitavam obter mais ferramentas e como o comércio do Pau-brasil era somente em períodos intercalados, raramente ocorria conflitos entre as partes.

Os nativos viviam sem a necessidade de se acumular produção (não tinha ganância financeira), tinham divisões de tarefas entre homens e mulheres (a coleta era um trabalho feminino) e portanto não tinham nenhum interesse em trabalharem de modo ostensivo como o exigido na produção do açúcar.
Um trabalhador português fiscalizando os nativos preguiçosos!
As terras adequadas para o plantio da cana-de-açúcar eram ocupadas por florestas e vivendo nessas florestas existiam diversas tribos. Era de onde os nativos tiravam os produtos para o sustento da comunidade nas diversas atividades: pesca, caça, coleta e agricultura. Os invasores portugueses tiveram que obrigar os nativos retirarem a floresta. Perante a resistência muitos foram mortos, outros fugiram e os capturados foram transformados em escravos. Mesmo os transformados em escravos a resistência foi grande. Grande parte dos serviços na atividade agrícola canavieira é a colheita e na cultura nativa a colheita era trabalho feminino. Foram agredidos fisicamente e moralmente muitos preferiam morrer a ter de trabalhar como escravos para os invasores portugueses.

Antônio Carlos Vieira
Licenciatura Plena - Geografia (UFS)


sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Roberto Requião: Direito de resposta é defesa da cidadania

publicado em 05 de novembro de 2015 às 11:31


Do site do senador, com Agência Senado

Projeto de lei de Roberto Requião, que fixa prazo de 60 dias para apresentação do pedido à Justica, teve a votação concluída após tramitar por 4 anos e segue para sanção

Vai à sanção da presidente Dilma Rousseff projeto de lei que estabelece procedimentos para o exercício do direito de resposta por pessoa ou empresa em relação a conteúdo divulgado pela imprensa.

O texto (PLS 141/2011) foi aprovado ontem no Plenário do Senado.

De acordo com a proposta, de Roberto Requião (PMDB- PR), o ofendido terá 60 dias para pedir o direito de resposta ou a retificação da informação. O prazo conta a partir de cada divulgação. No caso de divulgações sucessivas e contínuas, conta a partir da primeira.

O projeto considera ofensivo o conteúdo que atente contra a honra, a intimidade, a reputação, o conceito, o nome, a marca ou a imagem de pessoa física ou jurídica.

A resposta deverá ter o mesmo tamanho e as mesmas características da matéria considerada ofensiva, se publicada em mídia escrita ou na internet. na TV ou na rádio, deverá ter também a mesma duração e alcance territorial.

— É um direito da cidadania, o direito ao contraditório, de defesa de qualquer pessoa agredida por um meio de comunicação — ressaltou Requião, que dedicou a aprovação final da iniciativa ao senador Luiz Henrique da Silveira, morto em maio, pouco tempo após enfrentar denúncias do uso da sua influência política para encaminhar pacientes a hospital público, furando a lista de espera do Sistema único de Saúde (SUS) e prejudicando outros pacientes.

Dano moral

No projeto original, aprovado pelo Senado em setembro de 2013, a retratação espontânea do veículo cessaria o direito de resposta, mas não impediria a possibilidade de ação de reparação por dano moral.

Na Câmara, que analisou o texto em seguida, os deputados alteraram esse trecho da proposta, determinando que a retratação ou a retificação espontânea não cessará o direito de resposta nem prejudicará a ação de reparação por dano moral.

Humberto Costa (PT-PE) e Vanessa Grazziotin (PCdoB- AM) parabenizaram Requião pelo projeto, que consideraram uma contribuição para a democracia. Eles criticaram o “abuso da liberdade de expressão e a certeza da impunidade” para “atacar biografias, fazer jogo político rasteiro e divulgar calúnias”.

— Muitas vezes, mais importante que a reparação é o restabelecimento imediato da verdade. É um posicionamento do Poder Judiciário, especialmente em atividades políticas como a nossa, em que a credibilidade é o principal capital que cada um tem — afirmou Humberto.

O relator, Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), acolheu emenda da Câmara para garantir ao ofendido, se assim o desejar, o direito à retratação pelos mesmos meios em que se praticou a ofensa.

— Esta iniciativa preenche um vazio profundo na legislação brasileira. As pessoas são atacadas e a mídia não leva a sério o sofrimento causado ao ofendido e a sua família sobre qualquer acusação que não esteja de acordo com a verdade.

Valadares rejeitou emenda da Câmara que suprimia artigo do texto original para restabelecer o direito ao ofendido de dar a resposta ou retificação no rádio ou na TV por meio de gravação de áudio ou vídeo autorizado pelo juiz.

Esse entendimento não foi unânime entre os senadores e teve oito votos contrários. Na opinião de Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), o artigo configura abuso do direito de resposta transformado em instrumento de promoção pessoal ao ocupar o lugar do locutor ou apresentador de TV.

— A lei, sem esse dispositivo, garante já ao ofendido todas as condições de repor a verdade — defendeu.

Texto original:
VI O MUNDO

domingo, 1 de novembro de 2015

A mídia alternativa e a liberdade de expressão

A grande mídia tem sido beneficiada por um afrouxamento de seus limites. Já a mídia alternativa é reprimida, inclusive com o apoio da grande mídia

Pedro Estevam Serrano

Discutir as relações entre mídia e liberdade de expressão se faz cada vez mais necessário no Brasil, na medida que a desigualdade de direitos entre veículos tradicionais e plataformas menores se acentua. No caso da dita grande imprensa, esse direito é bastante dilatado, ao ponto de ser quase impossível alguém, que se julgue ofendido por algo que ela tenha veiculado, sair vitorioso em um pleito judicial.

É reiterada na nossa jurisprudência a dificuldade de se obter uma condenação de um grande órgão de imprensa. Em geral, as ações de defesa da honra acabam não progredindo ou sendo julgadas improcedentes e é nítida a percepção de que os tribunais têm protegido a liberdade de expressão da mídia commercial, desidratando eventuais limitações desse direito.

De fato há uma tendência mundial de desidratação dos limites da lei de expressão e a favor da total liberdade de imprensa, o que é muito positivo. No entanto, no Brasil, ao contrário do que ocorre em outros lugares do mundo, isso é feito em favor de uma minoria, e não em prol da cidadania, o que gera distorções com consequências perversas para a democracia.

Enquanto a grande mídia tem sido beneficiada por um afrouxamento cada vez maior de seus limites, sites blogs e aqueles que escrevem para a chamada mídia alternativa têm sido reprimidos, inclusive com o apoio da grande mídia.

É crescente o número de ações contra eles, o que, inclusive os tem inviabilizado financeiramente.

Um caso emblemático dessa situação é o do blog Falha de S.Paulo. Em 2010, o jornal Folha de S.Paulo, por meio de uma liminar, conseguiu que a página que satirizava suas publicações fosse retirada do ar, sob pena de pagar multa diária de R$ 10 mil, caso o mantivesse.

A alegação foi de “uso indevido da marca”, o que não se justifica, uma vez que a intenção dos criadores do blog não era se apropriar da marca, mas apenas exercer sua liberdade de expressão por meio de sátiras, como, aliás, se vê em abundância em veículos da grande mídia.

Mais recentemente, portais como o Conversa Afiada, do jornalista Paulo Henrique Amorim, Revista Fórum, editado pelo Renato Rovai, Blog da Cidadania, de Eduardo Guimarães, O Cafezinho, de Miguel do Rosário, Viomundo, de Luiz Carlos Azenha, Luis Nassif entre outros, foram processados, por pessoas e veículos ligados à grande mídia.

Essa aplicação desigual do direito à liberdade de expressão é muito grave, ainda mais quando prejudica justamente agentes de formação de opinião que oferecem um contraponto no debate público, uma gama mais plural de informação e que representam um ponto de vista político que está presente na sociedade, mas que não tem espaço na mídia comercial.

Os blogs e blogueiros “sujos” têm o importante papel de representar um mínimo de pluralidade de opinião na democracia brasileira e estão sendo claramente reprimidos.

Isso é reflexo de um problema maior, que é a não universalização dos direitos humanos e fundamentais no Brasil. O direito à vida e à integridade física, por exemplo, como tenho reafirmado em vários outros textos, são persistentemente suspensos para as parcelas mais pobres da população, que habitam as periferias dominadas pela violência generalizada. 

Vejamos outro exemplo. É curioso lembrar que até bem pouco tempo eram transmitidos ao vivo pela TV aberta bailes de carnaval frequentados pela elite carioca, cujo carro chefe da festa era a erotização excessiva de seus foliões. Homens e principalmente mulheres seminuas, em suas diminutas fantasias, eram glamourizados e davam entrevistas aos repórteres ou apresentadores que “cobriam” esses eventos.

Hoje os bailes funks das periferias são reprimidos por manifestações bastante semelhantes e, muitas vezes, viram caso de polícia. Isso demonstra que as expressões culturais de natureza erótica protagonizadas pela elite são amparadas pelo direito como livre expressão artística e cultural, enquanto aquelas manifestadas pela pobreza são coibidas.

Seja no aspecto social ou político, não há universalização do direito à livre expressão no Brasil. Ele é apropriado ou pela elite das comunicações ou pela elite econômica, que exercem censura e coação sobre a liberdade de expressão alheia.

O cerceamento e a persecução às mídias alternativas, onde expressões mais à esquerda encontram circulação, são ainda uma repressão de natureza política e um dos sinais mais perversos da relação promíscua que há entre mídia e jurisdição no Brasil.

É onde essa relação acaba servindo para reprimir o próprio direito de imprensa e o direito à expressão, em favor de que seja exercido por uma minoria detentora dos grandes meios.

Nossa democracia tem muito a se desenvolver, o que só será possível com a ampliação e a universalização de diretos, sobretudo o de livre pensamento e expressão. Suprimir os direitos dos mais frágeis é minimizar a aplicação do Estado de direito e atrasar a construção de uma cidadania verdadeiramente consistente.

* Pedro Estevam Serrano é advogado, professor de Direito Constitucional da PUC-SP e e pós-doutorado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Texto original: CARTA MAIOR