sábado, 28 de março de 2015

Lençol freático, o melhor reservatório para águas de chuva

publicado em 26 de março de 2015 às 07:19

por Álvaro Rodrigues dos Santos, especial para o Viomundo

Esses tempos de crise hídrica em vários regiões e centros urbanos do país tem virtuosamente servido a um despertar de leigos e especialistas para certos aspectos de ordem hidrológica que somente não se destacaram antes porque nessas mesmas regiões que hoje sofrem com a falta do recurso hídrico predominava uma certa cultura da bonança hídrica, no âmbito da qual era inimaginável uma circunstância de escassez grave e prolongada.

O absurdo das perdas de água nas canalizações de distribuição, o enorme desperdício por parte os usuários finais, a criminosa poluição das águas urbanas, o desmatamento generalizado dos mananciais, a perda quase total do volume hídrico de chuvas ocasionais, compõem alguns desses paradoxos e aberrações.

No caso específico do melhor aproveitamento das águas de chuva o país pode, a partir dessas constatações, dar um enorme salto de qualidade em um período de tempo razoavelmente curto, com resultado fantástico para o balanço hídrico de suas cidades. Até porque em regiões como São Paulo, e especialmente em épocas como as de crise hídrica, como a atual, choca-nos testemunhar o enorme desperdício de boa água quando de chuvas torrenciais urbanas. É um paradoxo, como uma cidade em crise hídrica pode permitir que tal caudal de água boa se esvaia pelo sistema de drenagem sem um mínimo aproveitamento?

Precisamos distinguir nesse caso dois tipos de aproveitamento de águas de chuva: o direto e o indireto.

Sobre o armazenamento direto, não há dúvida que os reservatórios domésticos e empresariais de águas de chuva para usos mais brutos, como lavagem de pisos internos, praças, arruamentos, autos, regas de vegetação, descargas sanitárias, operações em caldeiras e processos industriais, etc. em muito aliviariam o sistema público de oferta de água tratada potável. Pode-se inclusive pensar em grandes reservatórios urbanos subterrâneos implantados em áreas urbanas circunscritas, nas quais, pelo tipo e consolidação da urbanização presente, o grau de contaminação das águas de escoamento superficial fosse mais baixo e tolerável. O piscinão do Pacaembu, na cidade de São Paulo, seria um bom exemplo. Essas águas passariam por algum mínimo tratamento local e poderiam após ser utilizadas para vários fins que não exigissem sua potabilidade.

Mas há também a excepcional e esquecida possibilidade de armazenamento indireto, ou seja, armazenamento da água de chuva devidamente infiltrada no solo e acumulada nas camadas que compõem o substrato geológico das cidades; em outras palavras a água subterrânea. É conhecida a propriedade das cidades em impermeabilizar os terrenos e impedir a infiltração das águas de chuva, lançando-as rápida e diretamente nos sistemas de drenagem superficial, que ao fim, através de córregos e rios as conduzem e levam para fora do município. Se, através de uma série de dispositivos, como os próprios reservatórios domésticos e empresariais aliados à capacidade de infiltração, a disseminação de bosques florestados, a obrigatoriedade de adoção de pisos e pavimentos drenantes, etc., a cidade aumentar sua capacidade de infiltrar águas de chuva estaremos “abastecendo” o grande reservatório subterrâneo com milhões de metros cúbicos de boa água; a ser retirada e aproveitada através da instalação de uma rede de poços profundos. Essa alternativa ainda trará uma enorme colaboração na redução de riscos de enchentes urbanas.

Nisso tudo está, obviamente, envolvida uma questão de mudança de cultura e muito esforço educativo. Não há o que esperar, mãos à obra.

Geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br) é consultor em Geologia de Engenharia e Geotecnia e ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas. Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para elaboração e uso da Carta Geotécnica”.

Texto original: VI O MUNDO

quarta-feira, 25 de março de 2015

240 parlamentares lançam a Frente em Defesa da Petrobras; denunciados José Serra e a venda de ações a preço de banana em NY

publicado em 25 de março de 2015 às 00:28


Em defesa da Petrobras


Muitos brasileiros talvez ainda não perceberam, mas está em curso uma campanha diuturna para atacar a Petrobras, sua imagem e suas atividades. A pretexto de combater à corrupção, essa investida tem como pano de fundo a redução da empresa na sua capacidade de exploração dos recursos do pré-sal.

A virulência dos ataques à estatal, aumentaram na medida em que ficou claro o tamanho da reserva do pré-sal, e aumentaram exponencialmente quando o modelo de exploração colocou a Petrobras no centro dessa atividade.

Tenho defendido no parlamento o rigor na apuração das denúncias de corrupção e a punição dos envolvidos, independente de coloração partidária.

Não se pode criminalizar a empresa pelo comportamento de alguns, assim como não se pode tratar diferentemente quem tiver cometido crimes.

Não podemos deixar de lado a gênese dos problemas, mas também não podemos ser ingênuos: há poderosos interesses contrariados pelo crescimento da Petrobras.

Submersa por toneladas de notícias e artigos críticos, este ano vimos a Petrobras se tornar a maior produtora de petróleo do mundo.

No terceiro trimestre do ano passado, a empresa se tornou a maior produtora de petróleo do mundo, entre as empresas de capital aberto, com uma média de 2,2 milhões de barris/dia.

A Petrobras tornou-se a maior produtora de petróleo entre as empresas de capital aberto no mundo, após superar a norte-americana ExxonMobil.

A Petrobras também foi a empresa que mais aumentou a sua produção de óleo, tanto em termos percentuais quanto absolutos, em 2014 até setembro.

No entanto, a cada conquista, os ataques se tornam mais fortes, agressivos e virulentos. Trata-se de um ataque sistemático que, ao invés de esclarecer, lança indiscriminadamente a suspeita sobre a empresa, seus contratos e seus 86 mil trabalhadores dedicados e honestos.

Longe de ser uma empresa em ruínas, no ano de 2014, a Petrobras acumulou os seguintes resultados: a produção de petróleo e gás alcançou a marca histórica de 2,670 milhões de barris equivalentes/dia (no Brasil e exterior); o Pré-Sal produziu em média 666 mil barris de petróleo/dia; a produção de gás natural alcançou 84,5 milhões de metros cúbicos/dia; a capacidade de processamento de óleo aumentou em 500 mil barris/dia, com a operação de quatro novas unidades; a produção de etanol pela Petrobras Biocombustíveis cresceu 17%, para 1,3 bilhão de litros.

Não se debate, nem se leva em conta a venda, a preço vil, de 108 milhões de ações da estatal na Bolsa de Nova York, em agosto de 2000, pelo governo do PSDB.

Aquela operação reduziu de 62% para 32% a participação da União no capital social da Petrobras e submeteu a empresa aos interesses de investidores estrangeiros sem compromisso com os objetivos nacionais. Mais grave ainda: abriu mão da soberania nacional sobre a Petrobras.

O valor de mercado da Petrobras, que era de 15 bilhões de dólares em 2002, é hoje de 110 bilhões de dólares, apesar dos ataques especulativos. É a maior empresa da América Latina.

Segundo manifesto da FUP (Federação Única dos Petroleiros), a participação do setor de óleo e gás no PIB do País, que era de apenas 2% em 2000, hoje é de 13%. A indústria naval brasileira, que havia sido sucateada, emprega hoje 80 mil trabalhadores. Além dos trabalhadores da Petrobras, o setor de óleo e gás emprega mais de 1 milhão de pessoas no Brasil.

Por fim, não há espaço para acobertar mal feitos. Mas também não há nenhuma dúvida de que o desenvolvimento de nosso país passa pelo fortalecimento da Petrobras, pela garantia do sistema de partilha, do Fundo Social, pelo papel estratégico da Petrobras na exploração do Pré-Sal e pela preservação do setor nacional de Óleo e Gás e da Engenharia brasileira.

*VANESSA GRAZZIOTIN é senadora do Amazonas pelo PCdoB


discurso do deputado que propôs a Frente ao lado da senadora Vanessa, Davidson Magalhães (PCdoB-BA), na Câmara dos Deputados

No dia 5 de fevereiro, 15 anos depois da tentativa do Governo FHC de alterar o nome da Petrobras para Petrobrax, com o objetivo de unificar a marca e facilitar seu processo de internacionalização, uma nova investida contra a integralidade da companhia surge no Senado.

O Senador José Serra, valendo-se da crise e turbulência resultante da operação Lava-Jato, recoloca a velha política privatista e antinacional.

Segundo o Senador:
“A Petrobras tem que ser refundada. Mudar radicalmente os métodos de gestão, profissionalizar diretoria, conselho administrativo e rever as tarefas que exerce. Sua função essencial é explorar e produzir petróleo. No Brasil, a Petrobras diversificou demais e foi muito além do necessário, acabou se lançando em negócios megalomaníacos e ruinosos. Hoje, ela atua na distribuição de combustíveis no varejo, nas áreas de petroquímica, fertilizantes, refinarias, meteu-se em ser sócia de empresa para fabricar plataformas e investiu até em etanol, justamente quando a política de contenção de preços da gasolina arruinava o setor. O que dá prejuízo precisa ser enxugado. Vendido, concedido ou extinto”.
Os argumentos apresentados demonstram o completo desconhecimento da realidade da indústria petrolífera mundial e de suas tendências. Por diversos motivos, merece resposta a proposta de vender os ativos de refino e distribuição para fazer caixa e financiar a produção de óleo como solução às presentes dificuldades da Petrobras.

Desconsidera-se por completo a natureza e especificidade desta indústria, e não se trata de uma indústria qualquer. Não por acaso, em quase todos os países, a maior empresa é sempre uma petroleira.

No Brasil, esta indústria representa 15% dos investimentos e 10% do PIB. Por fim, petróleo é energia e base da química moderna: sem eles, não há soberania para um país do tamanho do Brasil.

O Senador desconhece conceitos técnicos básicos desta indústria, como o “custo de transação”, ou que o valor, para ser gerado, necessita ser extraído e realizado, daí por que a integração é imprescindível para uma grande petroleira.

Durante a década de 90, o objetivo foi “enxugar” a Petrobras, para, em seguida, vendê-la ao melhor preço. Foi o pior momento da estatal em sua história, iniciado na curta Presidência de ColIor e concluído pelo Presidente FHC ao longo de seus dois mandatos.

Além dos baixos indicadores de extração, produção e refino, registraram-se também três resultados profundamente negativos:
i) o início das dificuldades da indústria química brasileira, ainda hoje a sexta maior do mundo graças à base construída anteriormente, porque nada mais foi feito;
ii) a deterioração da qualidade dos combustíveis automotivos, que, em 1999, chegou a um quinto de não conformidade em cada litro de gasolina vendido na cidade de São Paulo;
e iii) a deterioração dos padrões de segurança operacional na Petrobras entre 1999 e 2002. Resultou em dois naufrágios, com numerosos óbitos, e dois acidentes ambientais que se tornaram os piores da história da companhia.
Entre as dez maiores empresas petroleiras de capital aberto, somente uma optou por se separar do refino e venda de derivados para se concentrar em E&P (exploração e produção) nos últimos 10 anos. Todas as demais são integradas, assim como as maiores empresas do setor controladas pelo Estado.

As majors, supermajors e grandes estatais produzem do poço de petróleo à bomba de gasolina. Apenas as independentes norte-americanas e as médias empresas petroleiras, espalhadas pelas diversas bacias sedimentares produtoras no mundo, não dispõem de meios para refinar o que produzem; justamente porque não têm caixa para fazê-lo. Será que todas elas estão erradas e só a ConocoPhillips acertou?

A despeito da notória incapacidade dos economistas para prever o preço do petróleo, o capital petrolífero não costuma errar suas estratégias e seus cenários. Esso, Shell, Total e BP são empresas centenárias; sobreviveram a várias crises.

Pemex, Aramco, PetroChina, Statoil, Ecopetrol e Petrobras, pelo lado das estatais, em pouco mais de meio século, apoiadas em uma crescente capacidade de refino e distribuição, içaram-se como as maiores competidoras, num oligopólio antes dominado pelas Sete Irmãs.

Embora incapazes de saber qual será o preço futuro, todas elas entenderam que o preço do petróleo é cíclico; na verdade, profundamente cíclico.

Para sobreviver aos ciclos e, a despeito deles, continuar a crescer, o capital se aproveita de outra especificidade da indústria: não se abastece carro com petróleo. Depois de achado e extraído, é preciso transportá-lo, refiná-lo, armazenar seus derivados e distribuí-los, para somente depois ter seu uso final.

A cada etapa, gera-se valor, e é a coordenação de uma série complexa de atividades diferentes que permite a transformação do mineral num fluxo quase contínuo. É a integração das partes que permite à petroleira se apropriar do valor gerado ao longo de toda a cadeia de produção. E o somatório final não é pequeno.

Ajudadas pelo aumento de preço, como na última década, jamais as petroleiras lucraram tanto, e não foi diferente para as estatais.

A integração do poço à bomba, além disso, permite proteger-se durante as baixas. As petroleiras apreenderam muito cedo que, quando o petróleo está com preço vil, elas ganham na venda de seus derivados (que são muitos) e na sua transformação química. Não é a toa que todas as grandes empresas do setor têm refinarias, meios de transporte e distribuição próprios.

Além disso, Esso, Chevron, Shell, BP e Total dispõem de importantes plantas petroquímicas. O mesmo acontece entre as grandes estatais e, em particular, na China e no Próximo Oriente.

É fácil entender a lógica da petroleira: a perda a montante será compensada pelo ganho a jusante. Em particular, com matéria-prima barata, o refino e a petroquímica geram enormes lucros.

Basta ver o que aconteceu nos últimos anos nos EEUU: um quarto de seu crescimento se deveu ao barateamento do gás natural e excesso de condensado decorrente.

O movimento de queda nos preços do petróleo já era sentido pelas grandes petroleiras. A reestruturação em curso será profunda, e, como nas baixas anteriores, o resultado será uma maior concentração, com o desaparecimento dos competidores mais fracos e menores.

Aquele capital petrolífero, que depende apenas da produção de um ou dois campos, que está na fronteira da tecnologia, que produz não convencionalmente, ou que não tem como valorizar seu petróleo, seja sendo refinando-o, seja transformando-o em produtos de base para a petroquímica, será o primeiro a ser afetado. E estejam certos de que os oportunistas e as empresas gigantes saberão aproveitar a ocasião de liquidação dos ativos para fortalecer suas posições.

Uma onda de fusões e aquisições se avizinha, e, pelo visto, querem que a Petrobras esteja do lado das vendedoras e perdedoras. Os vencedores serão sempre os mesmos: aqueles que, há mais de um século, são capazes de desenhar uma estratégia contracorrente e avançar em tempos de crise.

Desfazer-se do refino e distribuição, a esta altura, seria um erro estratégico primário, como foi visto. Seria também entregar um ativo construído depois de mais de meio século a um preço necessariamente baixo.

Pior, seria permitir que, por vias tortas, o capital externo — o único que teria condição de adquirir as instalações — assumisse ativos que fazem a Petrobras ser a maior distribuidora de combustíveis automotivos do País, fornecedora da quarta (ou quinta) maior frota de veículos no mundo e sexta maior petroquímica. E o País ainda importa dois terços dos fertilizantes que utiliza em sua agricultura.

A Petrobras, mesmo sob fogo cerrado, acumulou em 2014 êxitos operacionais: a produção de petróleo e gás alcançou a marca histórica de 2,670 milhões de barris equivalentes/dia; o pré-sal produziu em média 666 mil barris de petróleo/dia; a capacidade de processamento de óleo aumentou em 500 mil barris/dia; a produção de etanol etanol cresceu 17%, para 1,3 bilhão de litros. Em setembro de 2014, a Petrobras tornou-se a maior produtora mundial de petróleo entre as empresas de capital aberto, superando a ExxonMobil (Esso).

Restringir-se à exportação de óleo bruto e não valorizar a crescente produção é um retrocesso histórico, um absurdo em termos de política industrial e um crime ao patrimônio nacional.

Do pau-brasil ao café, passando pelo ouro, pelo açúcar e pela borracha, o Brasil sempre esteve condenado à periferia, exportando produtos com baixo valor agregado.

Na condição de um “quase” Estado extrativo-exportador por cinco séculos, esteve submetido aos sucessivos ciclos econômicos em razão da inação de suas elites.

O petróleo é a oportunidade de se mudar positivamente a história econômica do Brasil, mas, pelo visto, parte da elite (por desconhecimento, ou má-fé) atua intensamente para desmantelar a Petrobras e não permitir que o desenvolvimento nacional.

Em defesa da Petrobras e da sua integralidade!

PS do Viomundo: Pedimos a nossos leitores que disseminem este texto nas redes sociais. São os argumentos dos quais todos precisamos para defender a Petrobras dos vendilhões.

Leia também: Reuters revisa texto e Ibope revisa audiência do Jornal Nacional

Texto original: VI O MUNDO

segunda-feira, 23 de março de 2015

O Brasil explica a si mesmo

Estado patrimonialista, governo no breu, povo no limbo pela prepotência de uma elite predadora e irresponsável

por Mino Carta — publicado 23/03/2015 04:32, última modificação 23/03/2015 12:17

Os mesmos que viram Carlota Joaquina partir do Rio de Janeiro em 1821
 assistem à passagem da manifestação contra Dilma no interior do Rio
 Grande do Sul, domingo 15 de março
O general De Gaulle não tinha uma boa opinião a nosso respeito. Disse um dia: “O Brasil não é um país sério”. Meu pai dissera algo mais preciso bem antes do que ele, começos da década de 50: “A situação aqui é sempre grave, nunca séria”. Tudo depende do significado que se atribui ao qualificativo. Vejamos. A crise política, econômica e social que o País enfrenta agora é seriíssima.

Poderia ser de outra maneira? É como se estivéssemos a colher mais uma prova da incompatibilidade entre Brasil, democracia autêntica e senso republicano. Por isso, mesmo a gravidade do momento carece, de certa forma, de seriedade por resultar da pequenez moral e intelectual das personagens que a precipitam.

A nação paga por sua imaturidade, por uma espécie de incapacidade orgânica de sair da Idade Média em que cuidou de mantê-la a dita elite. Ou, por outra, de absorver a contento a ideia de democracia, a partir dos pressupostos básicos, essenciais, que a viabilizam. Um celebrado sociólogo, professor universitário, aponta as manifestações de domingo como prova da nossa pujante democracia. Só mesmo Deus haverá de apiedar-se da alma dele.

O mestre, uspiano aliás, não é exemplo isolado. Longe disso, a ignorância campeia mesmo nos mais elevados patamares da cultura nativa. Falei, porém, em nação, e sequer nação ela é, na acepção correta. Sabemos que o País foi excepcionalmente favorecido pela natureza. Haveríamos de entender por que não esteve à altura da dádiva. A única certeza em matéria: o povo é a vítima coral do inesgotável instinto de predação dos donos do poder.

Momentos houve, a deixarem transparecer o anseio de democracia, primeiro as manifestações fluviais das Diretas Já, depois as eleições de Lula e Dilma, sem exclusão da segunda em outubro do ano passado. As esperanças de 1984 naufragaram no Congresso e o povo teve de se conformar com as indiretas de 85, a celebrar pretensamente a redemocratização onde a democracia jamais foi praticada. Quando se apresentou a possibilidade de que o processo de modernização social pudesse finalmente ser encaminhado, desabou o golpe de 64.

Figueiredo saiu pelos fundos do Planalto em março de 85, mas o que se deu em seguida não foi o retorno às esperanças da quadra espraiada entre o mandato de Getúlio eleito em 1950 e o golpe civil-militar, que muitos, até anteontem, chamavam de revolução. Perdão, com erre grande. As mudanças pelas quais o mundo passou influenciaram a situação do Brasil e da América Latina, desde o declínio avançado do império soviético até o fracasso norte-americano no Vietnã, desde o primeiro choque do petróleo até a candidatura da China a protagonista da cena global. Etc. etc., não custa averiguar.

O Brasil, por seu lado, retomou o andante de uma política de cartas marcadas, de uma desigualdade social sem par e de uma economia baseada em boa parte na exportação tradicional de commodities. Daí, um solavanco. Um ex-metalúrgico, fundador e líder do Partido dos Trabalhadores, ganha as eleições de 2002 e desfaz outra tradição, a dos presidentes bacharéis engravatados. O destino é generoso com Lula, ele não deixa de sê-lo com o próprio destino. Faz algumas concessões, algo assim como pagar o preço de um começo de política social nunca dantes navegada, capaz de tirar da miséria milhões e milhões de brasileiros, conquanto não lhes propicie automaticamente a consciência da cidadania.

A situação econômica mundial favorece o ex-sapo barbudo, capaz de vencer batalhas muito duras para figurar ao cabo de dois mandatos como o presidente brasileiro mais popular de todos os tempos, justo prêmio para quem fez o melhor governo dos tempos todos. Como era de se esperar, ao contrário de Fernando Henrique Cardoso, faz seu sucessor, ou seja, sua sucessora. Os tempos globais mudaram, entretanto, o neoliberalismo atingiu muitos dos seus objetivos devastadores, e promete alcançar outros, quem sabe letais. Neste contexto internacional há de ser analisado o governo de Dilma Rousseff, enquanto o cenário nacional, a partir de 2003, em nome da chamada governabilidade, impõe a incômoda aliança com o PMDB. O qual, como disse o vice-presidente Michel Temer, antes do último pleito, com outras palavras, mas com sentido solar, apoia quem for poder. Arlequim da política.

E o PT? O partido conduziu Lula ao governo e no governo porta-se como todos os demais, conforme as regras useiras deste nosso tempo medieval, sem detrimento do uso de computadores e celulares cada vez mais sofisticados. Bem disse a presidenta, a corrupção é senhora idosa. Espanta, porém, que o PT a mantenha em vida com dedicação total. Basta isso para explicar os dias de hoje? O vácuo de poder, a falta de liderança, a nau desgovernada? É o próprio Brasil que explica a si mesmo.

Quando na noite de domingo 15 despontam no vídeo os ministros Cardozo e Rossetto, fiquei entre atônito e perplexo. Dois pobres-diabos, diria meu pai, aquele que falou antes de De Gaulle. Pergunto-me o que faria, nas mesmas circunstâncias, um estadista, e nem ouso falar de um Churchill ou de um Roosevelt. No entanto, imaginar que figuras tamanhas possam medrar entre nós é sonho impossível. Pois é. Ouvimos palavras inúteis, melhor seria não pronunciá-las. Sem dizer de Cardozo, e do seu currículo, a incluir serviços advocatícios a favor de Daniel Dantas, e também políticos, ao conduzir o então predecessor Márcio Thomaz Bastos para um jantar na casa do “democrata” Heráclito Fortes em companhia do banqueiro do Opportunity. Ano de 2005, e não perco tempo para ilustrar as intermináveis façanhas de Dantas. Sublinho, apenas: não é extraordinariamente brasileiro aquele jantar?

Não me detenho em Cardozo, chamo atenção para as falhas da presidenta na escolha dos seus principais colaboradores. E na incapacidade geral de mudar as fórmulas e renovar as estratégias. De recorrer a receitas ditadas pela imaginação, pela pontual interpretação dos eventos. Nada disso, não se escapa aos panos quentes e à tentativa de seduzir à velha maneira o inimigo figadal. Deste ponto de vista, o documento da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, secreto e brasileiramente vazado, é peça exemplar. Sugere-se ali, como tentativa de antídoto, aumentar o volume de publicidade governista na mídia paulista, por ser São Paulo o epicentro das manifestações anti-Dilma. Donde, trata-se de apaziguar pretensos jornalistas e seus empregadores ao som do vil metal, em vez de brindá-la com aquilo que merece. O fim do monopólio e do oligopólio midiáticos, como é próprio de uma verdadeira democracia.

É do conhecimento até do mundo mineral que a mídia nativa assumiu há muito tempo o papel de oposição, e foi decisiva para asmarchas antidemocráticas de domingo 15. A secundar os interesses da minoria privilegiada e a se aproveitar, em larga medida, da credulidade, do espírito de imitação, da vocação festeira de inúmeros brasileiros. Atente para aquilo que haveria de ser óbvio, senhora presidenta: é a mesma mídia que está a transformar em heróis os senhores do PMDB que no momento controlam o Congresso e, se permitir, o seu próprio destino, muito antes do que o PSDB. Herói, este sim, e sublinho a palavra, é Cid Gomes, já ex-ministro da Educação, mal chegado ao posto. Saído do governo por obra da pressão peemedebista, réu por ter dito a sacrossanta verdade. Brasileiro raro, brasileiro destemido, fiel aos princípios que declara com a devida nitidez e sem hesitação, e com insólito espírito público.

Gomes é atípico. Típicas da desfaçatez e da hipocrisia dos donos do poder são as manchetes do Globo e do Estadão de segunda 16. Ambos os jornalões evocam as manifestações das Diretas Já em São Paulo, dia 25 de janeiro de 1984, aniversário da cidade. Apinhou a Praça da Sé com 500 mil sonhadores da democracia, contra a vontade dos mesmos Globo e Estadão, críticos ferozes do movimento. Naquela tarde, os repórteres globais tiveram de se manter afastados da praça, a bem de sua incolumidade física. De noite, uma perua da emissora foi incendiada na Avenida Paulista.

Tratava-se da vanguarda de uma imprensa que implorou o golpe de 64 e o apoiou até o fim, com grandes benefícios sobretudo para a Vênus Platinada, que os teve também na redemocratização de fancaria. O Brasil de 2015 não é o de 64. Como illo tempore, de todo modo, chances de diálogo não há. E nunca houve. O que talvez hoje se verifique é uma perspectiva de radicalização. Nem por isso o desfecho desta crise torna-se previsível. A radicalização é evidente, aonde leva não se sabe, mesmo porque as tendências habituais de leniência e resignação estão no DNA do País.

Se Dilma busca a costumeira conciliação das elites, ao nomear Joaquim Levy para a Fazenda, ou fazer de Rossetto e Cardozo seus porta-vozes, ou a cumular de publicidade a mídia paulista, ou ao anunciar programas anticorrupção, ou ao facilitar a saída de Cid Gomes do seu ministério, está profunda e irremediavelmente errada.

Texto original: CARTA CAPITAL

quinta-feira, 19 de março de 2015

O jornal anti-nacional exibido à noite pela Tevê Globo

Não há rede de televisão no mundo mais contrária a iniciativas diplomáticas abertas pelo seu país. Por lá, só o que é americano é que é bom.

J. Carlos de Assis*

Em artigo anterior expus os vícios praticados pelos noticiaristas e comentaristas da Globo na cobertura distorcida do noticiário nacional. Agora vou acabar o serviço fazendo uma análise sumária do noticiário internacional. Este é o campo preferido de William Waack, onde, com seus esgares característicos, ele nada de braçadas, ora vocalizando os interesses do Departamento de Estado americano, ora fulminando com a política de integração sul americana iniciada na gestão de Lula e aprofundada no governo Dilma.

As duas mais brilhantes conquistas da diplomacia brasileira há décadas, a construção da Unasul e o apoio decidido à organização dos BRICS, pareceram à Globo um passo insignificante ou nulo para os interesses brasileiros objetivos. Por puro viés ideológico, ela desmereceu o momento político mais positivo da região, em décadas, criado por afinidades democráticas entre os presidentes da América do Sul. E relegou a Arnaldo Jabor a tarefa de caracterizar a Unasul como uma entidade ideológica esquerdista e insignificante.

A motivação óbvia é o descompasso potencial entre Unasul e os interesses norte-americanos, defendidos diligentemente por Jabor, algo que ficou ainda mais explícito com a organização dos BRICS. Neste caso, ao interesse econômico concreto, a diplomacia brasileira adicionou um aspecto adicional geoeconômico e geopolítico, tendo em vista a aproximação política do Brasil com a China e, principalmente, com a Rússia – o grande rival nuclear pós-Guerra Fria dos Estados Unidos no plano mundial. A atitude da Globo aqui não foi principalmente de oposição mas de omissão ou desmerecimento.

Talvez o fato mais significativo em outro nível, a subserviência da Globo à política racista americana pró-Israel e contra os muçulmanos, tenha sido a cobertura pela tevê da iniciativa do Governo Lula no sentido de uma solução para a questão nuclear iraniana. Com prévio conhecimento de Obama, Brasil e Turquia propuseram um caminho ao Irã e aos Estados Unidos para se chegar a um acordo aceitável para as partes. Israel ficou contra, e obrigou os Estados Unidos a voltarem atrás e abortar a iniciativa. Obama se comportou, portanto, como um mau-caráter servil aos belicistas, e o Jornal de Waack tomou o lado dos belicistas.

A Globo regozijou-se com o mau resultado da legítima tentativa do Brasil, como membro temporário do Conselho de Segurança da ONU, de tentar ajudar no encaminhamento pacífico do mais prolongado e difícil conflito no mundo contemporâneo. O comentarista Arnaldo Jabor festejou o que teria sido um monumental fracasso brasileiro, condenando publicamente a interferência de Lula num jogo político que lhe parecia ser destinado exclusivamente aos “grandes”. Não houve uma única referência ao fato de que, pela primeira vez nas negociações dos Estados Unidos (ou, como querem, do “ocidente”) com o Irã, chegou-se muito próximo de um acordo por uma audaciosa e oportuna intervenção brasileira e turca, quebrando o gelo das negociações.

Não posso imaginar nenhuma televisão no mundo que se coloque tão abertamente contra iniciativas diplomáticas abertas de seu país, em especial quando se trata de iniciativas de paz, como a rede Globo. Claro, para Waack e Jabor mais vale uma gracinha na mão que um noticiário responsável voando. A parcialidade em favor da direita anti-palestina de Israel, assim como da direita norte-americana salta à vista. No caso do Irã, assim como foi anteriormente no caso do Iraque, o interesse norte-americano vem descaradamente coberto por um ente de razão chamado “ocidente”, como se houvesse uma real coligação de países ocidentais coordenados pelo hegemon decadente. O que se tem, hoje, na Europa é apenas medo da pressão diplomática e econômica norte-americana.

Não fossem a internet e as redes sociais, jamais saberíamos que o avião derrubado na Ucrânia o foi provavelmente por forças radicais do governo de Kiev, e não pelos insurgentes russófilos; que o assassinato de Allende foi orquestrado pelo Departamento de Estado; que o golpe brasileiro teve o patrocínio direto americano; que a direita belicista israelense sequestrou corações e mentes americanas; que o noticiário vindo dos Estados Unidos está contaminado por uma visão parcial da história mediante o controle direto pelo aparato de informação da notícia distribuída pelas agências.

Os repórteres da Globo enviados para o exterior, com raríssimas exceções – posso citar Renato Machado, com medo de prejudicá-lo no meio da mediocridade e da negatividade -, absorvem a cultura local pela ótica norte-americana, e não pela brasileira. Em matéria de política e de economia o que vale é o que agrada o Tio Sam. Em geral, são mal formados, porque a Globo dá atenção máxima à forma, não ao conteúdo. De qualquer modo, as meninas bonitas da Globo defendem suas promoções seguindo rigorosamente a cartilha de direita extremada da emissora.

Conheci Waack décadas atrás, na cobertura de uma reunião dos Sete Grandes em Bonn, na Alemanha. Na época, a cobertura política tinha total precedência sobre a econômica, pois o neoliberalismo ainda não estava plenamente instalado no mundo. Waack se revelou contente de me entregar a parte econômica da cobertura porque, dizia ele, não sabia nada de economia. Fiz minha parte. Testemunhei o que foi a completa capitulação da França e da Itália socialistas ao credo neoliberal defendido por Reagan e Thatcher no comunicado final. Claro, Waack e a maioria dos jornalistas políticos não tiveram ideia do que estava acontecendo.

Como isso aconteceu em 1985, teria bons motivos para acreditar que, desde então, aprendera alguma coisa de economia. Não é, porém, o que revela nos comentários. Na verdade, ele trava uma tremenda guerra com Jabor, outro fundamentalista da superficialidade, para saber qual dos dois é o mais raivoso, mais insolente, mais anti-nacional. A propósito, Waack fez uma longa pesquisa militar na Alemanha e na Itália para produzir um livro em que pretendeu demonstrar cabalmente que a FEB fez verdadeiro fiasco na Segunda Guerra, e que Monte Castelo foi um vexame. Bons, mesmo, verdadeiros heróis foram os norte-americanos!

*Jornalista, economista, professor, doutor pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 20 livros sobre Economia Política, entre os quais “A Razão de Deus”.

Créditos da foto: reprodução

Texto original: CARTA MAIOR

quinta-feira, 12 de março de 2015

Água: a falência do sistema e o espírito bandeirante

As irregularidades são tantas que ninguém sabe quanto de água se retira em São Paulo. E tem gente que ainda acha que o problema é a falta de chuvas...

Najar Tubino

Essa discussão, que no Brasil, a mídia chama de crise hídrica, é muito mais complicada e envolve o próprio modelo econômico adotado, além da incompetência local, no caso de São Paulo, com um sistema de gestão pífio e um sistema de fiscalização ridículo. A questão: a chuva não vai resolver o problema, nem do sistema Cantareira, nem Alto Tietê, nem na Bacia do Piracicaba, Capivari e Jundiaí, assim como não resolverá a questão dos reservatórios das hidrelétricas. Primeiro ponto: o lago da represa de Ilha Solteira, que é a terceira maior do país – produz 3.444 MW, localizado na fronteira entre SP e MS, está SECO, assim como o da represa de Três Marias.

No levantamento do ONS sobre o estado das represas, do dia 2 de março, a média para a região Sudeste e Centro-Oeste era de 20,97% da capacidade. As principais represas estavam na média de 13%, isso inclui a de Furnas. Na região Nordeste a situação é idêntica: Sobradinho estava com 18,21% e Três Marias com 18,36%. As regiões Sul e Norte é que estão em melhores condições- Tucuruí com 40,3% e Passo Real com 43,15%. As chuvas do nordeste estão abaixo da média como era previsto. A seca entra no quarto ano nos estados do Ceará, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Isso na prática é o seguinte: 248 municípios com racionamento de água ou sem fornecimento. O Ceará ainda mantém 176 municípios, de um total de 184, em estado de emergência. Em Pernambuco são 116 dos 173 municípios.

Quanta água é captada?

Em São Paulo as chuvas foram acima da média em fevereiro, embora o Sistema Cantareira tenha recolhido água apenas para completar o primeiro volume morto – acima de 18% ele completa o segundo volume morto. Mas as previsões de março são de chuvas menos intensas. E, depois, começa o período com menor probabilidade de chover. O Dia 30 de abril é definitivo: o governo estadual vai definir se corta a água de indústrias, agricultores e demais usuários. Antes disso o espírito bandeirante aflorou. É tamanha a quantidade de irregularidades que ocorrem com a captação de água no estado – oficialmente mantém 35,4 mil pontos de captação de água, acrescentando que em 2014 concederam mais 5.471 outorgas. E o Departamento de Água e Energia Elétrica tem 271 técnicos para fiscalizar todo o estado.

Não vou tratar da lista dos 500 clientes da Sabesp está em discussão. Vamos ver a situação da Bacia do Alto Tietê, que abastece parte da região metropolitana de SP, incluindo municípios como Suzano, Poá, Ferraz de Vasconcelos e parte da zona leste da capital. Municípios como Salesópolis e Mogi das Cruzes concentram o cinturão verde do estado. Qual a situação da agricultura: mais de 80% dos agricultores que captam água para irrigar suas plantações – que são no regime de agronegócio, embora de verduras e legumes – estão irregulares.

Quer dizer, ninguém sabe quanto eles captam. Mas eles são a parte menor nesta questão. O Comitê da Bacia do Alto Tietê vai começar a cobrar dos usuários a partir desse ano. Isso já ocorre em outras bacias espalhadas pelo Brasil, desde 2001. O próprio Comitê, que é o responsável – onde participam usuários, sociedade civil e o poder público - definiu pela cobrança em 2012. A questão mais importante é a seguinte: são 2,5 mil usuários que captam água diretamente, envolve desde empresa que vendem água, tipo carro-pipa, hotéis, condomínios e indústrias.

Cobrança começa apenas em 2015

A Agência Nacional de Água é quem faz o recolhimento desta taxa, cujo objetivo único é investir na recuperação da bacia hidrográfica. No caso dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí – de domínio público federal – a taxa é recolhida desde 2006. Até 2013, a ANA repassou para a Fundação Agências das Bacias do PCJ R$150 milhões. Em todo o país, que inclui rios como São Francisco, Paraíba do Sul e outros, foram recolhidos em 2013 R$234 milhões. São Paulo recebeu R$40 milhões. No Alto Tietê a previsão é que haverá um recolhimento na ordem de R$24 milhões este ano, de empresas como Gerdau, Multipapéis, NGK, Melhoramentos, Kimberly Clark- todas localizadas em Mogi das Cruzes, além da Suzano Papel e Celulose, Clariant e Itaquareia. No Consórcio da Bacia do PCJ participam 43 prefeituras e 27 empresas, entre elas, Petrobras, Unilever, Rhodia, Ypê, responsáveis por 90% do consumo da região.

O presidente da Fiesp, Paulo Skaf diz que 70% das empresas fazem reúso da água. Já o diretor de Meio Ambiente da mesma entidade, Nelson Pereira dos Reis, disse que 60 mil empresas serão atingidas pela falta de água na Grande São Paulo e Campinas, responsáveis por 1,5 milhão de empregos na área industrial. A saída é óbvia: investimentos na abertura de poços artesianos. Em 2012, a Fundação Brasileira de Desenvolvimento Sustentável apresentou um relatório sobre o setor privado e os recursos renováveis. Em São Paulo, 41,2% da água é usada pela agricultura, 32% para abastecimento público e 26,8% pela indústria.

Consumo industrial no meio urbano

Citava metas de redução do consumo de água pela indústria e listava os maiores consumidores: alimentos e bebidas, indústria têxtil, mineração, siderurgia, papel e celulose, petróleo e derivados químicos. Uma das integrantes da lista dos clientes da Sabesp que pagam tarifa promocional é a Viscofan, da área de papel e celulose. A produção de papel fino gasta um milhão de litros por tonelada de papel – no caso do sulfite são 700 mil litros por tonelada. Uma indústria têxtil também está na lista: o tingimento de tecido consome 150 mil litros por tonelada e o preparo do linho 40 mil litros. Para fazer polipropileno, base química para milhares de produtos são gastos 230 mil litros por tonelada.

Recentemente o prefeito de Campinas insistiu com a Sabesp para fazer um sobrevoo sobre o rio Atibaia porque a diferença no desnível do rio era muito acentuada. Constataram o que todo mundo sabe – furto de água. Agora, numa situação como a atual, chega-se a seguinte conclusão: ninguém sabe quanto de água se retira dos rios, riachos, aquíferos em São Paulo, tal o nível de irregularidades constatadas. Um trecho do documento lançado recentemente na capital paulista pela Aliança pela Água:

“- Não existem dados para afirmar que o ciclo de estiagem esteja acabando, a seca pode continuar e até se intensificar ao longo deste ano. Com a falta de água o individualismo e a violência tendem a prevalecer. O vácuo alimenta o alarmismo e o pânico, dificultando ainda mais a garantia dos direitos e a saúde dos cidadãos nesta iminente calamidade. O esforço para enfrentar o colapso deverá ser coletivo e exigirá um longo período de sacrifícios por parte da população. E transparência e diálogo com os diversos setores da sociedade.”

Panorama mundial - mais consumo e menos água

Qual o panorama no mundo sobre a escassez, desperdício, poluição da água? Em fevereiro a ONU lançou dois relatórios sobre o tema. No primeiro sobre o aumento de 40% no consumo de água até 2030, mas com um adendo importante: a redução na vazão dos principais rios do mundo em 25% - em alguns meses do ano eles não chegarão a sua foz. Mais importante: 48 países deverão ser enquadrados na categoria com escassez ou falta de água no mesmo período, envolvendo uma população de quase três bilhões de pessoas – lógico que Índia e China estão entre eles. Pior: 80% da água no mundo não é coletada, nem tratada. Nos países em desenvolvimento 70% dos resíduos industriais não são tratados. Morrem por ano no mundo 1,5 milhão de crianças menores de cinco anos por doenças decorrentes do suprimento de água contaminada – as chamadas doenças diarréicas.

O relatório também cita um fato comprovado desde 1970, em regiões que começaram a enfrentar problemas de seca. O volume de chuvas, desde então, tem diminuído nestas mesmas regiões em pelo menos 20%. A degradação da terra, a desertificação e a seca atingem 1,5 bilhão de pessoas no planeta. Houve uma perda de 24 bilhões de toneladas de solo fértil nos últimos anos, uma área comparada à zona agriculturável dos Estados Unidos. Sem contar que mais de 200 milhões de toneladas de esgotos são jogados em rios, córregos e no mar.

Exemplo bandeirante

Uma pesquisa realizada pela UNESP em 54 riachos da região de São José do Rio Preto constatou que no período de 2003-2013 em 80% deles houve diminuição do volume de água e perda da qualidade do ambiente por assoreamento e deposição de areia nos leitos. Diz a pesquisadora Lilian Casatti:

“- Nós sabíamos que haveria uma perda de qualidade ambiental, mas não imaginávamos que ela seria tão grave em tão pouco tempo”.

Na região dos sistemas que abastecem a maior metrópole da América Latina existem dois milhões de construções irregulares e um complexo industrial altamente poluidor e consumidor de água, além de uma população de 25 milhões. O espírito bandeirante busca o milagre na porta do inferno.

Créditos da foto: Mídia Ninja / Flickr

Texto original: CARTA MAIOR

terça-feira, 10 de março de 2015

Paraísos fiscais - O preço que as democracias pagam

A fraude do HSBC vem sendo encoberta pela imprensa brasileira. Provavelmente, para proteger políticos, empresários e os próprios barões da mídia.

Leneide Duarte-Plon, de Paris

O furo internacional que o Le Monde (associado a jornais de outros países) deu sobre a evasão fiscal de pessoas físicas do mundo inteiro, organizada pelo banco HSBC na Suíça, tem a perfeita contrapartida no magistral documentário Le prix à payer, do canadense Harold Crooks, em exibição em Paris. Infelizmente, como era de se esperar, a fraude de milionários brasileiros com contas no HSBC vem sendo sistematicamente encoberta pela imprensa nativa. Provavelmente, para proteger políticos, empresários e, quem sabe, os próprios barões da imprensa.

Le prix à payer mostra como o dinheiro das grandes empresas multinacionais se desloca de um continente a outro, num mundo paralelo, sem domicílio fixo. Essas mega-empresas são mais poderosas que muitos Estados. A tese do filme é clara: a evasão dos impostos priva o Estado-providência dos recursos que o financiam e abala os fundamentos da democracia.

O documentário explica a gênese dos paraísos fiscais no mundo, a partir da história da City de Londres, e revela que em 2010 havia de 21 mil a 32 mil bilhões de dólares do patrimônio mundial escondidos em diversos paraísos fiscais. O que representa de 10 a 15% do patrimônio financeiro mundial. E se o preço a pagar fosse a morte das democracias, interroga-se o cineasta.

Montado com entrevistas de economistas – entre eles Thomas Piketty e Paul Krugman – além de estudiosos do assunto como a economista e socióloga Saskia Sassen, professora da Universidade de Columbia, o filme é uma aula de como funciona o opaco sistema financeiro internacional e seus paraísos fiscais, concebidos para proteger fortunas de particulares e de grandes grupos industriais, na ginástica para escapar ao fisco. O filme vai à gênese dos paraísos da finança offshore que se originaram da City de Londres e se formaram em antigas colônias do império britânico como Jersey, Ilha de Man, Gernesey e Ilhas Caimans. Para Saskia Sassen, o contrato social foi rompido e a idade de ouro do Estado providência terminou. As imagens de algumas cidades americanas atestam a profundidade da crise financeira que se instalou em 2008: famílias expulsas de suas casas, bairros inteiros abandonados, casas fechadas se deteriorando.

Mas o filme mostra também os povos despertando e manifestando em diversas capitais do mundo como no Occupy Wall Street e no movimento dos Indignados, na Espanha.

Algumas das cenas mais impressionantes do documentário mostram executivos de grandes empresas - como Apple, Google ou Amazon – sendo interrogados por parlamentares, numa comissão parlamentar inglesa e noutra americana. Matt Brittin vice-presidente da Google no Reino Unido, em determinado momento tenta justificar a soma ridiculamente baixa de imposto pago na Inglaterra (o resto do lucro fabuloso fica protegido em um paraíso fiscal) dizendo que fizeram o que a lei permite. A presidente da Comissão parlamentar, Margareth Hodge, lhe responde que o que fizeram “pode não ser ilegal, mas é imoral.”

O problema é que as multinacionais não têm nenhum compromisso com a moralidade. A lógica que as move é o lucro e os dividendos que devem ser pagos aos acionistas. E quanto mais dividendos, melhor. Harold Crooks propõe como solução uma cooperação internacional para preservar os Estados democráticos da monumental evasão de recursos que deveriam ser empregados para o bem de todos em saúde, pesquisa, transportes, educação e cultura, além da defesa estratégica. Quando o rombo chega ao nível que o filme mostra, é o próprio Estado democrático que corre risco.

Questionado por um deputado trabalhista, um executivo do banco Barclays se mostra incapaz de dizer quantas filiais seu banco tem nesses paraísos fiscais. O deputado refresca sua memória: são 300 filiais. Em Washington, diante da Comissão de Inquérito do Senado, vemos um senador democrata interrogar um responsável da Apple que teve um lucro de 180 bilhões de dólares e não tem domicílio fiscal em lugar nenhum.

O filme teve como co-roteirista a jornalista canadense Brigitte Alepin, cujo livro La Crise fiscale qui vient (A crise fiscal que está chegando), serviu como fio condutor do documentário. Ela compara a situação atual diante dos impostos com a do povo (le tiers Etat) antes da Revolução Francesa. O peso dos impostos repousava sobre os menos afortunados. Ela compara as multinacionais de hoje com a nobreza pré-Revolução, que não pagava impostos.

Segundo a ONG Oxfam, em 2016, o 1% de pessoas mais ricas possuirá um patrimônio acumulado maior os 99% restantes. O filme tem, ainda, o mérito de mostrar muitos ex-insiders denunciando a iniquidade do sistema internacional que promove a evasão fiscal.

Créditos da foto: reprodução

Texto original: CARTA MAIOR

segunda-feira, 9 de março de 2015

‘Olha o velhinho!’


Às vezes, as melhores definições de onde nós estamos e do que está nos acontecendo vem de onde menos se espera

08/03/2015 - 09h12


Luiz Carlos Bresser, ex´ministro da
fazendo no Governo Sarney
Imagem (Divulgação)
"Um fenômeno novo na realidade brasileira é o ódio político, o espírito golpista dos ricos contra os pobres. O pacto nacional popular articulado pelo PT desmoronou no governo Dilma e a burguesia voltou a se unificar.

Economistas liberais recomeçaram a pregar abertura comercial absoluta e a dizer que os empresários brasileiros são incompetentes e superprotegidos, quando a verdade é que têm uma desvantagem competitiva enorme.

O país precisa de um novo pacto, reunindo empresários, trabalhadores e setores da baixa classe média, contra os rentistas, o setor financeiro e interesses estrangeiros. Surgiu um fenômeno nunca visto antes no Brasil, um ódio coletivo da classe alta, dos ricos, a um partido e a um presidente. Não é preocupação ou medo. É ódio.

Decorre do fato de se ter, pela primeira vez, um governo de centro-esquerda que se conservou de esquerda, que fez compromissos, mas não se entregou. Continuou defendendo os pobres contra os ricos.

O governo revelou uma preferência forte e clara pelos trabalhadores e pelos pobres. Não deu à classe rica, aos rentistas. Nos dois últimos anos da Dilma, a luta de classes voltou com força. Não por parte dos trabalhadores, mas por parte da burguesia insatisfeita.

Dilma chamou o Joaquim Levy por uma questão de sobrevivência. Ela tinha perdido o apoio na sociedade, formada por quem tem o poder. A divisão que ocorreu nos dois últimos anos foi violenta.

Quando os liberais e os ricos perderam a eleição não aceitaram isso e, antidemocraticamente, continuaram de armas em punho. E de repente, voltávamos ao udenismo e ao golpismo."

Nada do que está escrito no(s) parágrafo(s) anterior(es) foi dito por um petista renitente ou por um radical de esquerda. São trechos de uma entrevista dada à “Folha de São Paulo” pelo economista Luiz Carlos Bresser Pereira, que, a não ser que tenha levado uma vida secreta todos estes anos, não é exatamente um carbonário.

Para quem não se lembra, Bresser Pereira foi ministro do Sarney e do Fernando Henrique. A entrevista à “Folha” foi dada por ocasião do lançamento do seu novo livro “A construção politica do Brasil” e suas opiniões, mesmo partindo de um tucano, não chegam a surpreender: ele foi sempre um desenvolvimentista nacionalista neokeynesiano.

Mas confesso que até eu, que, como o Antônio Prata, sou meio intelectual, meio de esquerda, me senti, lendo o que ele disse sobre a luta de classes mal abafada que se trava no Brasil e o ódio ao PT que impele o golpismo, um pouco como se visse meu avô dançando seminu no meio do salão — um misto de choque (“Olha o velhinho!”) e de terna admiração.

Às vezes, as melhores definições de onde nós estamos e do que está nos acontecendo vem de onde menos se espera.

Outro trecho da entrevista: “Os brasileiros se revelam incapazes de formular uma visão de desenvolvimento crítica do imperialismo, crítica do processo de entrega de boa parte do nosso excedente a estrangeiros. Tudo vai para o consumo. É o paraíso da não nação.”

Texto original neste endereço:
http://noblat.oglobo.globo.com/cronicas/noticia/2015/03/olha-o-velhinho.html

sexta-feira, 6 de março de 2015

Impeachment, golpe de Estado e ditadura de 'mercado'

Aqueles que defendem hoje o impeachment são os mesmos golpistas de ontem: as classes privilegiadas que temem o progresso e os resultados da democracia

Samuel Pinheiro Guimarães

O impeachment é a tentativa de anular, por via legislativa, pelo voto de 513 deputados e 81 senadores, os resultados das eleições de novembro de 2014 que refletiram a vontade da maioria do povo brasileiro ao eleger a Presidenta Dilma Rousseff, por 53 milhões de votos.

Desde 2003, as televisões, em especial a TV Globo; os maiores jornais, como o Estado de São Paulo, a Folha de São Paulo e o Globo; e as principais revistas, quais sejam a Veja, Isto É e Época, se empenham em uma campanha sistemática para desmoralizar o Partido dos Trabalhadores e os partidos progressistas e para tentar “provar” a ineficiência, o descalabro e a corrupção dos Governos do PT, inclusive de seus programas sociais, que retiraram 40 milhões de brasileiros da miséria e da pobreza.

Agora, com a ajuda providencial de membros do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal, os meios de comunicação, tendo seu candidato perdido as eleições, tentam criar um clima político e de opinião que venha a derrubar ou imobilizar a Presidenta e, assim, anular a vontade da maioria do povo brasileiro. 

Fazem isto divulgando dia a dia as declarações de delatores, criminosos confessos, e de procuradores, policiais e juízes que as “vazam”, seletivamente, para os meios de comunicação, cometendo notória ilegalidade, e publicando notícias sobre o extraordinário descalabro e corrupção em que viveria o país.

Diante da instabilidade política gerada por esta campanha, a Presidenta Dilma, com o objetivo de conter as manobras golpistas (recontagem de votos, acusações de fraude, ameaças diversas, etc.) e de apaziguar o “mercado”, anunciou um programa de austeridade, de equilíbrio orçamentário, de contração de gastos do Estado, de redução de investimentos, na esperança de conquistar a “confiança dos investidores”, seu principal objetivo, e de “acalmar” seus opositores políticos.

É preciso notar que o “mercado” não é uma entidade da sociedade civil, mas sim, na realidade, um ínfimo grupo de multimilionários, investidores, especuladores e rentistas, e seus “funcionários”, quais sejam os chamados economistas-chefe de bancos e fundos, os jornalistas e articulistas de economia, e seus associados no exterior.

Há economistas e jornalistas que são notável exceção a esta afirmação, mas são eles pequena minoria. 

Quando foi apresentado o Plano Levy, declarou-se, com ênfase, que ele não iria afetar as conquistas dos trabalhadores (a legislação sobre horário de trabalho, férias, aposentadoria, seguro desemprego etc.), mas que iria ele equilibrar o orçamento através do contingenciamento, da contenção de despesas e do aumento de impostos, com o objetivo de fazer um superávit primário que permitisse pagar os juros da dívida pública e conquistar a “confiança do mercado, a confiança dos investidores”. 

Conquistar a “confiança dos investidores” significa fazer com que tomem a decisão de realizar investimentos (para obter lucros) e assim ampliar a capacidade instalada, gerar empregos, condição essencial para a retomada do desenvolvimento.

A “confiança dos investidores”, todavia, tem a ver com a expansão da demanda, pois só com essa expansão (sustentada) podem surgir oportunidades de investimentos lucrativos.

A construção de “confiança” e a realização de investimentos são improváveis em uma conjuntura em que se elevam os juros dos títulos públicos e das aplicações financeiras para torná-los os mais altos do mundo, o que atrai os capitais para o setor financeiro, especulativo ou rentista, e os afasta do setor produtivo e, portanto, dos investimentos.

Outros fatores que afetam negativamente a “confiança” dos investidores são a competição predatória e destrutiva das importações; taxas cambiais inadequadas; a redução dos investimentos públicos em infraestrutura; o aumento das taxas de juros dos financiamentos de longo prazo do BNDES; a redução da demanda e o eventual aumento do desemprego (que alguns saúdam como a oportunidade para criar um clima favorável ao impeachment) devido à redução da atividade econômica. 

Há um mantra, repetido sem cessar, sobre competitividade e produtividade, entoado por autoridades públicas, acadêmicos, jornalistas “especializados”, economistas-chefe de consultoras, de empresas, de bancos, que são, na realidade, empregados do “mercado”. 

Segundo esses “especialistas”, a solução dos problemas internos, isto é a retomada do crescimento, e o afastamento para diante da crise externa latente e cada vez mais ameaçadora, dependeriam do aumento da produtividade (isto é, da produção por trabalhador) e do aumento da competitividade das empresas brasileiras diante das chinesas, americanas e europeias, e da redução do “Custo Brasil”.

No caso da produtividade, alguns afirmam que seu aumento resultaria de um grande investimento sustentado em educação, como teriam feito os países desenvolvidos, tais como os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a Coréia e que teria sido, segundo eles, uma razão importante, e talvez a principal, para explicar o seu desenvolvimento.

Os paladinos da educação defendem a educação primária geral, a atenção especial à primeira infância, a inclusão de todas as crianças e jovens (e os adultos?) no sistema. Não se fala muito na preparação de professores nem no horário integral nem nos efeitos, negativos, da televisão e da internet sobre o sistema de ensino em seu cerne, que é o tempo dedicado aos estudos pelos jovens. Pode-se perguntar quando estes brasileiros, hoje infantes e jovens, entrariam no mercado de trabalho para tornar a mão de obra mais produtiva e o Brasil mais competitivo: daqui a 10 anos? Daqui a 15? E até lá?

Outros argumentam que os “custos do trabalho” no Brasil seriam muito elevados (em comparação com os “custos” em que países? Na China? Nos Estados Unidos? Na Alemanha?) e que, portanto, seria necessário reduzir esses “custos”, impedindo aumentos “artificiais” do salário mínimo (já que não haveria escassez de mão de obra), reduzindo os benefícios da legislação trabalhista, estimulando a rotatividade da mão de obra, etc.

Quanto ao “Custo Brasil”, argumentam com os altos custos de transporte e de energia, com a carga tributária elevada, com a multiplicidade de impostos, com a burocracia “infernal”.

Reclamam, também, da intervenção “excessiva” do Estado (empresas estatais e regulamentação) e pedem, ainda que até agora apenas insinuem, a privatização dessas empresas e a “desburocratização”, isto é, menos lei e mais liberdade para o capital.

Segundo os defensores do programa de austeridade, em decorrência do aumento da produtividade interna, a competitividade internacional seria alcançada, com todas as suas vantagens, tais como um superávit comercial estável, a diversificação dos mercados e o aumento das exportações de manufaturados.

Assim, a crise atual seria superada. Todavia, a verdade é outra.

Toda a crise atual, em parte verdadeira e em parte fabricada, decorre da revolta conservadora devido ao fato de a Presidenta Dilma ter cometido dois “pecados mortais” à luz dos interesses do “mercado”, isto é, daqueles indivíduos beneficiários da concentração de riqueza, de renda e de poder político no Brasil, que são os grandes multimilionários, os latifundiários rurais e urbanos, os rentistas, os banqueiros e os grandes industriais, e seus representantes na mídia, no Congresso, no Judiciário.

O primeiro “pecado” foi a redução, ainda que temporária, das taxas de juros; o segundo “pecado” foi o apoio, ainda que tímido, à democratização dos meios de comunicação.

O sistema financeiro e bancário é o principal instrumento de concentração de riqueza no Brasil. Ao reduzir as taxas de juros dos bancos públicos e ao forçar a redução dos juros dos bancos privados (que foi logo compensada pelo aumento das “taxas” de administração) a Presidenta diminuiu a transferência de riqueza da sociedade e do Estado para os bancos privados, seus acionistas e os detentores de títulos públicos e, assim, a Presidenta atingiu o cerne do mecanismo de concentração do sistema econômico e provocou a ira dos setores conservadores que hoje pedem a privatização dos bancos públicos.

O sistema de comunicações no Brasil é o instrumento das classes dominantes para construir o imaginário do povo, para manipular as informações e para justificar o sistema econômico e social vigente e desmoralizar aqueles que lutam por mais igualdade, mais liberdade, mais fraternidade e pelos direitos das minorias, em um contexto de desenvolvimento.

A concentração do poder midiático “condena” os que ele acusa ao difundir e repetir incansavelmente “informações” antes do julgamento e transformou o mensalão em julgamento prévio contra o qual não soube resistir o STF ao aceitar a conduta imprópria de seu Presidente e a campanha de imprensa.

O mesmo ocorre com a operação Lava Jato. Não há nenhuma iniciativa do Poder Judiciário para impedir a formação de uma opinião pública contra os acusados, gerada pelas denúncias sem provas feitas por criminosos confessos que denunciam a torto e a direito quando, no caso dos procedimentos de delação premiada, as investigações deveriam ser feitas sob o maior sigilo, já que se trata de denúncias feitas por criminosos em busca de vantagens pessoais.

Ao ameaçar esses dois fundamentos da ordem conservadora, o sistema financeiro e a mídia, a Presidenta Dilma se tornou “culpada” e a oposição insiste em que deve ser punida pela destituição do cargo por um processo de impeachment.

Seria importante que o Governo compreendesse que o que está de fato ocorrendo é uma manobra política cujos objetivos são pela ordem:

  • - fazer o Governo adotar o programa econômico e social do “mercado”, isto é, da minoria multimilionária e de seus “associados” externos;

  • - ocupar os cargos da administração pública (Ministérios, Secretarias executivas, agências reguladoras) com representantes do “mercado”;

  • - enfraquecer política e economicamente o Governo;
  • - enfraquecer o PT e os partidos progressistas;
  • - aprovar leis de interesse do “mercado”; 
  • - e, se nada disso ocorrer, fazer o Governo “sangrar” e aí, então, se necessário e possível, exigir o impeachment da Presidenta.

Contra esta enorme e múltipla ofensiva econômica, midiática e política do “mercado”, de seus “funcionários” e representantes somente há uma estratégia possível: a ação política intensa junto aos movimentos populares, junto às organizações da sociedade civil, junto ao Congresso, junto à Administração Pública e aos Governadores, enfim, a mobilização da sociedade pelo seu esclarecimento para a defesa da democracia em toda sua integridade.

É indispensável que, na distribuição de suas verbas de publicidade, o Governo leve em consideração a existência de televisões comunitárias, universitárias, educativas, de rádios comunitárias, de blogs e sites, e dos pequenos e médios jornais e emissoras regionais e deixe de concentrar a distribuição de verbas e anúncios na grande mídia, o que fortalece os oligolipólios que atuam de forma ostensivamente partidária e contra a enorme maioria do povo, estimulando inclusive antagonismos violentos. 

O impeachment é o golpe de Estado do “mercado”. Aqueles que defendem hoje o impeachment e criam o clima de instabilidade e de radicalização são os mesmos golpistas históricos de 1954 e de 1964: as classes privilegiadas que temem o progresso e os resultados da democracia e não os aceitam, apesar de ter o Brasil uma concentração de renda que se encontra entre as dez piores do mundo, enquanto seu PIB é um dos dez maiores do mundo, e de ser urgente deter o processo de concentração de renda (que a crise acentua) para que seja possível construir uma sociedade mais justa, mais democrática, mais próspera, mais estável.

Para que este objetivo possa ser alcançado, é preciso que a sociedade brasileira não se submeta à ditadura do “mercado”, cujos integrantes tem sido os grandes beneficiários da crise, que se iniciou em 2008 e não apresenta sinais de fim.

Créditos da foto: Oswaldo Corneti

Texto original: CARTA MAIOR

quarta-feira, 4 de março de 2015

Por que o Brasil está importando energia da Argentina

Postado em 02 fev 2015      por : Afonso Capelas Jr.


O inusitado apagão que atingiu 10 estados brasileiros, mais o Distrito Federal, no início da tarde de 19 de janeiro deixou milhões de brasileiros sem energia elétrica. Deixou, inclusive, muitos paulistanos no sufoco, presos nos trens da linha amarela do metrô da capital paulista.

O blecaute foi surpresa para nós, cidadãos, mas não para o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Programar o corte de energia foi a solução encontrada pela ONS diante de um pico de consumo recorde, principalmente na cidade de São Paulo.

Ato contínuo, o órgão teve também que importar cargas extras de energia da Argentina durante três dias depois do apagão para suprir a grande demanda. No total foram importados dois mil megawatts/hora (MWh) em caráter emergencial.

O Brasil havia comprado energia elétrica da Argentina pela última vez em dezembro 2010. Na semana passada a energia adquirida abasteceu o Sul do país, já que nos dois dias subsequentes ao apagão a região precisou repassar energia ao Sudeste.

Para o doutor em física nuclear Luiz Pinguelli Rosa, diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe-UFRJ), lançar mão de energia elétrica da Argentina é procedimento normal em momentos de picos de consumo.

“A Argentina é uma possibilidade que foi aproveitada. Essa linha existe faz muitos anos, desde o final do governo FHC, e foi pouco utilizada. Num momento como esse é bom ter tal possibilidade”, disse Pinguelli.

O especialista falou ainda que temos mesmo muito a nos preocupar com o atual quadro do setor elétrico brasileiro. Lembrou que os níveis das águas das hidrelétricas estão extremamente baixos. “Principalmente os reservatórios do Sudeste e do Centro-Oeste, que estão abaixo dos 18%. É muito pouco”.

É irrisório. De acordo com o ministro das Minas e Energia, Eduardo Braga, não há usina que consiga funcionar com os reservatórios a 10% de suas capacidades.

“O verão está bastante rigoroso e a chamada nova classe média vem consumindo mais. Estes fatores permitiram a compra de muitos eletroeletrônicos e aparelhos de ar condicionado. Nossa estrutura energética está chegando no limite”, alertou o diretor da Coppe-UFRJ.

Esse parece ser o cenário sombrio esperado pelos especialistas e autoridades do setor de energia para 2015. De acordo com o Instituto Acende Brasil – centro de estudos dedicado a projetos e ações que aumentem a transparência e sustentabilidade do setor elétrico brasileiro – há grande possibilidade de novos apagões no decorrer do verão.

Nos últimos três anos, segundo o instituto, os recordes de demanda aconteceram em fevereiro. “Este ano o sistema não conseguiu suportar a demanda já em janeiro. É razoável supor que o recorde de 2015 também seja em fevereiro”, admitiu o presidente do instituto, Claudio Sales, à Folha de S. Paulo.

Mais: o Acende Brasil informou também que o sistema elétrico nacional só tem margem de segurança quando existe uma reserva de potência de 5%. É conhecida como “reserva girante”. Com os reservatórios quase vazios e a demanda crescente do consumo essa reserva desapareceu.

A saída, de acordo com Luiz Pinguelli Rosa, é ficar à mercê das usinas termoelétricas. “Era preciso usar mais as termoelétricas antecipadamente para evitar colapsos como o que aconteceu na semana passada. O Brasil construiu muitas dessas usinas permitindo passar 2014 sem problemas o ano inteiro”.

Com as termelétricas, entretanto, o país terá outros abacaxis para descascar. Como se sabe, termelétricas são movidas à custa da queima de gás natural, petróleo ou carvão. Portanto produzem grandes quantidades de Gases de Efeito Estufa (GEE) potencializadores das mudanças climáticas.

Não só. A geração de energia dessas usinas é muito mais cara, como demonstra o professor Pinguelli. “A hidrelétrica de Belo Monte tem um preço de geração de R$ 70 o MW/h. Usinas a gás natural, que são as melhores termoelétricas do Brasil, têm preço de R$ 150 o MW/h. As movidas a óleo diesel e meais poluentes custam até R$ 500 o megawatt/hora”.

Claro, o aumento pelo uso dessas fontes de energia terão que ser pago pelo consumidor. “Melhor do que não ter energia alguma”, resumiu o físico à CBN.

Opções, só a longo prazo. Nos últimos dois anos a participação de energias limpas no sistema energético brasileiro tem sido incrementada. “A eólica têm ainda uma participação pequena, mas já se iguala à das usinas nucleares”, disse Pinguelli.

A energia solar, de acordo com diretor da Coppe-UFRJ, também tem muitas chances de entrar com tudo no sistema. “Seu custo é um pouco mais caro, mas é muito simples de implementar. As residências podem ter seus próprios coletores solares nos telhados, como já acontece”.

Para que essas modalidades de geração de energia elétrica consigam escala será preciso, principalmente, que as nossas indústrias produzam os equipamentos. “Infelizmente a indústria brasileira está tecnologicamente atrasada, com raras exceções. As importações encarecem demais o custo desses materiais”.

No aqui e agora resta-nos fazer economia desde já, antes mesmo que alguma medida de racionamento seja implantada no país. E rezar, rezar muito, como sugeriu o ministro Eduardo Braga em entrevista coletiva: “Deus é brasileiro e vai fazer chover e aliviar a situação dos reservatórios de água do Sudeste”.

Só é preciso ter fé.

Texto original: DCM

domingo, 1 de março de 2015

Para oposição e mídia, denúncias de corrupção são só marola

Por que será que imprensa e oposição nunca tocam na raiz do problema do sistema político: O sequestro da democracia pelo grande capital econômico?

Maria Inês Nassif

O escândalo da Petrobras foi eleito pelos meios de comunicação e pela oposição à presidenta Dilma Rousseff como o terceiro turno, o episódio que, manipulado cotidianamente por informações de um juiz, do Ministério Público e da polícia veiculadas por uma mídia tradicional que tem lado – e não é o lado do governo – mostra-se capaz de alimentar uma espiral crescente de mal-estar com a política. Essa ação política, que ganhou força numa eleição particularmente radicalizada, é a primeira desde o chamado Mensalão que teve impacto de fato sobre a opinião pública.

Todavia, o que vem da tentativa de hiperdimensionar a responsabilidade de um único partido, o PT, sobre o episódio, tomando por base delações premiadas de dois réus que são figuras centrais – e podem ser considerados como chefes do esquema de corrupção incrustrado na Petrobras –, não fica em pé, se submetido a qualquer análise feita sob critérios de racionalidade. Na maioria dos casos, as “denúncias” constituem-se numa sucessão de hipocrisias que, se são capazes de manter um clima perigosamente crescente de aversão a todos os políticos, sequer tocam na raiz do problema do sistema político brasileiro: a captura do voto pelo poder econômico.

A Proposta de Emenda Constitucional de número 352, urdida pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), com o apoio da oposição, por exemplo, jamais poderia ser desvinculada desse debate, se ele fosse efetivamente sério, e nunca poderia ter sucesso no meio de um escândalo como o da Petrobras. A PEC 352, afinal, é a consagração de um sistema político que é caro e apoiado no financiamento eleitoral e partidário por grandes empresas com interesses no governo ou em assuntos em pauta no Legislativo, e cujo sucesso depende de uma eleição de governantes, sim, mas fundamentalmente de uma grande bancada de parlamentares, capazes de mobilizar mais rapidamente seus assuntos tanto no Legislativo como no Executivo, via pressão por liberação de emendas parlamentares ou aprovação de outras leis. A constitucionalização do financiamento privado de campanha pretendido por Cunha e seus seguidores eterniza esse sistema político totalmente vinculado ao poder econômico.

A notícia de que o presidente da CPI da Petrobras na Câmara, Hugo Motta (PMDB-PB), e o relator Luiz Sérgio (PT-RJ) receberam dinheiro de empreiteiras denunciadas na Operação Lava Jato, que investiga a corrupção na Petrobras, não deveria ter surpreendido ninguém. O sistema político brasileiro é assim. Aliás, a pergunta que se deveria fazer é: quantos parlamentares eleitos receberam dinheiro para campanha de empresas que têm profundos interesses na administração pública? Como isso não é crime, essas doações podem ser levantadas na prestação de contas das campanhas dos parlamentares. E, como o interesse das empresas são nos votos que poderão ter no plenário do Congresso, supõe-se que existam financiados às pencas, tanto na oposição como no governo. As financiadoras certamente serão, em sua maioria, as encrencadas na Operação Lava Jato, pois são elas as poucas grandes empreiteiras nacionais aptas a ganhar grandes licitações, da Petrobras, do governo federal ou dos governos estaduais.

Aliás, se existe possibilidade legal de as empresas financiarem a eleição de parlamentares, pela lógica financiarão mais as que têm interesses mais arraigados na administração pública: grandes empreiteiras, que normalmente são as que vencem licitações para as grandes obras – que só se concretizam se houver liberação orçamentária para tanto; setor financeiro, para o qual qualquer decisão, por exemplo, sobre impostos, envolve giro diário de enormes fortunas (quem não se lembra da rejeição da CPMF?); setor agrícola, cuja articulação é crescentemente vitoriosa no Congresso em questões legais que dificultam a reforma agrária e aumentam o poder de negociação dos grandes empresários rurais com o governo em geral, e com o Banco do Brasil em particular.

Com fortes bancadas, grandes empresas têm mais poder no Congresso do que qualquer outro eleitor. O voto do eleitor vale um. O voto de uma empreiteira, ou do banco, vale os votos que conseguiu, com o seu dinheiro, para eleger um parlamentar. No final das eleições, o deputado ou senador que recebeu o dinheiro dessas empresas tem mais compromissos com elas do que com o eleitor que ganha salário mínimo e mora na periferia. Entre um e outro, certamente vai querer agradar o seu financiador.

Sob essa ótica, a onda de comoção que se pretende alimentar contra os políticos porque eles recebem financiamento de campanha de empresas poderosas perde qualquer racionalidade, se for considerado aceitável – ou desejável – manter o financiamento empresarial de campanhas políticas. A grande distorção gerada por essa permissividade do sistema político-eleitoral do país não desaparece se a justiça conseguir colocar na cadeia todas as empresas e todos os políticos que receberam propina no esquema da Petrobras. O sequestro da democracia pelo grande capital econômico apenas é contido se o financiamento empresarial for proibido.

Créditos da foto: Vitor Teixeira

Texto original: CARTAMAIOR