sábado, 27 de julho de 2013

Galegos querem aproximação com países de língua portuguesa

"O caminho está, portanto, aberto. Agora é preciso também que portugueses e brasileiros voltem os olhos para esta velha nação em que, há já mais de mil anos, nasceu a sua e nossa língua", diz político galego.

Lisboa - No mês de setembro, o Parlamento da Comunidade Autônoma Espanhola da Galícia (equivalente a uma assembleia legislativa estadual no Brasil) deverá votar a Iniciativa Legislativa Popular Vicente Paz-Andrade, que tem 17 mil assinaturas, com três artigos prevendo a incorporação progressiva do ensino do português na grade curricular e futura exigência em concursos públicos; a recepção aberta em rádio e televisão de programação falada em português; e a participação formal da Galícia em eventos e em instituições internacionais que tenham o português como língua oficial.

A proposta foi apresentada em maio de 2012 e admitida em abril deste ano, com apoio de todos os partidos do parlamento – desde os que defendem a independência da Galícia até os de linha não nacionalista. Há razões políticas, culturais e econômicas para o consenso da província espanhola.

Ao estimular a disseminação do português [que teve origem no galaico-douriense, língua então falada na região da Galiza e Douro], os galegos resguardam o próprio idioma, que é a origem da língua lusitana e anterior à formação de Portugal (século 12), e assim ajudam a fortalecer o galego diante do avanço do castelhano (idioma que os brasileiros habitualmente chamam de espanhol).

Além do resgate histórico, a aproximação pode render dividendos financeiros. O interesse econômico é destacado na exposição de razões para a aprovação da lei. "É conhecido que a economia do Brasil é a quinta maior do mundo e a primeira de toda a América Latina. (...) Também os países africanos de língua portuguesa, e em particular Angola, mantém algumas das economias que crescem de forma mais pronunciada nos últimos anos. (...) A vantagem competitiva que para as pessoas da Galícia representa a língua não se limita à potencialidade de estabelecer novas relações comerciais ou culturais diretas, mas ter um estatuto mediador entre blocos geográficos e linguísticos". O Produto Interno Bruto dos oito países lusófonos fechou a última década em cerca de US$ 2,5 trilhões.

Néstor Rego, membro da executiva do partido Bloco Nacionalista Galego (BNG), que tem representação no parlamento da Galícia, salientou que "nas relações econômicas, o fator da afinidade linguística, junto com outros, como a proximidade e a complementaridade, ganham importância. Com Portugal, podemos explorar os dois primeiros. E com o Brasil, aliás uma potência econômica mundial, poderíamos, apoiando-nos na língua comum, estabelecer uma relação econômica muito interessante e mutuamente beneficiosa". Além de apoiar a lei de iniciativa popular, o BNG apresentou ao parlamento galego a proposta de que a Comunidade Autônoma da Galícia peça a incorporação oficial à Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).

Os galegos já tentaram por duas vezes aproximação formal com a CPLP. Em ambas ocasiões a tentativa foi frustrada. A primeira vez foi em julho de 2011 quando Angola, ocupando a presidência pro-tempore da comunidade, propôs na 16ª Reunião Ordinária do Conselho de Ministros da CPLP (realizada em Luanda) a candidatura da Fundação Academia Galega de Língua Portuguesa (entidade particular) como observadora consultiva. O pedido foi aceito inicialmente e publicado na internet. Posteriormente, o nome da entidade galega foi retirado. A ABr teve acesso às duas versões da resolução.

Cerca de 20 dias após a reunião do Conselho de Ministros, a mesma fundação apresentou candidatura como observadora consultiva do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), durante a 6ª Reunião Ordinário do Conselho Científico do instituto. Segundo registro publicado no Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (nº 5, de 2012), o pedido deveria ter sido submetido ao Conselho de Ministros da CPLP, que se reuniu este mês em Maputo (Moçambique) mas não apreciou a demanda.

O Brasil e outros seis países da comunidade são simpáticos à participação galega. Em Portugal, há preocupação de que o apoio à participação possa eventualmente alimentar espírito separatista na Galícia e contrariar o governo central da Espanha, principal parceiro comercial de Portugal. A Agência Brasil tentou ouvir a direção do IILP e o Instituto Camões, que representa o governo português junto ao instituto, mas não obteve retorno. Na CPLP, a assessoria de imprensa informou que "não dispunha de informações".

Apesar da indefinição diplomática, Néstor Rego salienta que há colaboração entre a Galícia e os países da CPLP e que estão disponíveis, por exemplo, ferramentas eletrônicas de revisão de texto e auxílio à escrita nas diferentes variantes do galego-português. "O caminho está, portanto, aberto. Agora é preciso também que portugueses e brasileiros voltem os olhos para esta velha nação em que, há já mais de mil anos, nasceu a sua e nossa língua".

Texto retirado: PORTUGAL DIGITAL

quarta-feira, 24 de julho de 2013

“Fogo amigo”. Polícia infiltrada entre manifestantes

Por: Eliseu 

Corroborando o que este blog vem alertando desde o início dos protestos que pipocaram e ainda continuam Brasil afora sobre a pequena parcela dos manifestantes que sempre provocam violência, classificados pelo PIG como vândalos eram na verdade policiais infiltrados, como na velha e má época do DOPS, agora o próprio PIG se rende e os jornalões O Globo e Folha de São Paulo já admitem a hipótese, como na reportagem de Luciano Martins Costa, do Observatório da Imprensa, intitulada “O fantasma do Riocentro ainda assombra”, reproduzida abaixo.

“Interessante observar como os jornais começam a questionar o papel da polícia, na análise das manifestações que acontecem no Rio de Janeiro, durante a visita do papa Francisco e ainda no rastro dos protestos contra o alto custo dos transportes públicos.

A estrutura verticalizada das redações dificulta o estabelecimento de uma empatia entre a mídia e movimentos que alteram a ordem social, pelo simples fato de que a imprensa parte sempre de um pressuposto de manutenção da ordem estabelecida, até se tornar claro que uma ordem perversa precisa ser alterada. E algo parece ter mudado na percepção dos jornais sobre alguns episódios violentos ocorridos na segunda-feira (22) no Rio de Janeiro.

Não há um mal em si na posição conservadora da mídia tradicional, porque algumas instituições simplesmente não podem deixar de ser conservadoras. Esse talvez seja o principal ponto de convergência entre a imprensa e a igreja católica, e o motivo pelo qual a visita do papa ganha destaque correspondente ao de uma Copa do Mundo.

No caso dos protestos no Rio, a escolha dos jornais tem sido a de repetir o bordão segundo o qual todos têm o direito de protestar, mas não se pode tolerar os atos de vandalismo e a violência. No entanto, eles não vinham demonstrando interesse em avançar na identificação dos autores de ataques e depredações.

Nas edições de quarta-feira (24/7), observa-se pela primeira vez que a imprensa deixa o lugar comum para constatar que a violência pode ter origem e conclusão num lado só do confronto: a própria polícia. O Globo e a Folha de S.Paulo dão crédito às imagens que mostram um dos homens que iniciaram o conflito, atirando um coquetel molotov contra a tropa de choque, correndo depois em direção à própria barreira policial e sendo autorizado a passar. Sob o título “Suspeita de fogo amigo”, o jornal carioca reproduz os passos do homem que lançou o primeiro petardo contra a polícia e depois é identificado como um agente policial infiltrado na manifestação.

As imagens foram postadas na internet por ativistas e membros do grupo chamado de Mídia Ninja, mas a Folha de S.Paulo relata que um de seus repórteres testemunhou o momento em que um dos agentes trocou de lado, sendo identificado como integrante do serviço reservado da Polícia Militar.

Insanidade à solta

Os jornais também dão destaque à anunciada decisão do governador do Rio, Sérgio Cabral, que publicou decreto exigindo que empresas de telefonia e provedores de internet forneçam informações sobre as comunicações pessoais de participantes dos protestos, sem autorização judicial. Especialistas consultados pela imprensa são unânimes em afirmar que a medida é inconstitucional, o que não impediu os conselheiros do governador de recomendá-la.

Trata-se, evidentemente, de uma proposta bizarra, que, se for levada a efeito, pode justificar até mesmo um processo de cassação do governador. No entanto, não parece ter passado pela cabeça dos especialistas reunidos na comissão de notáveis, criada para analisar a onda de protestos, que tal iniciativa corresponde à quebra de um dos princípios básicos da ordem democrática.

Caso viesse a ser cumprido, o decreto autorizaria a polícia a vasculhar até mesmo as comunicações de jornalistas e advogados, uma vez que não se pode diferenciar os interlocutores até que se conheça o teor das conversações.

Agora, pondere o leitor ou a leitora: se os responsáveis pelo gabinete de crise do governo do Rio são capazes de imaginar tal aberração, o que impediria o comando da Polícia Militar de infiltrar provocadores no meio dos manifestantes, com a missão de incitar a violência para depois identificar os ativistas mais agressivos?

Não teria sido a primeira vez que a obsessão pela ordem colocaria em risco a própria ordem. Além disso, nenhum governo merece a confiança cega da sociedade, e muito menos um governo que vive sitiado por manifestações ininterruptas de protesto.

A circunstância em que se encontra o governo do Rio autoriza a imaginar o inimaginável, como um decreto que tenta quebrar o direito à inviolabilidade das comunicações, ou a adoção do “fogo amigo”, segundo observa o Globo, como forma de justificar a violência da polícia.

Ainda que o contexto fosse outro, o dos estertores de uma ditadura, não custa lembrar que na noite de 30 de abril de 1981, agentes das forças de repressão planejaram o atentado durante um show de música popular no Rio, com apoio de altas patentes militares, fato que só não resultou em uma vasta tragédia por uma conjunção quase milagrosa de fatores.

A mentalidade militarista ainda domina a formação das nossas polícias, em plena democracia, e a insanidade anda à solta por aí. O fantasma do Riocentro ainda não foi devidamente exorcizado.”

Curiosamente, e para orgulho desse blogueiro, assim que “O Carcará” começou a publicar sobre o assunto, “coincidentemente” o blog foi “derrubado” em duas ocasiões, ambas com aumento excessivo de acessos simultâneos. Uma delas um dia após a postagem intitulada Velho filme: policiais infiltrados em protestos, no dia 26 de junho passado.

Texto replicado do blog: O CARCARÁ

domingo, 21 de julho de 2013

Se o Brasil estivesse em crise a sua vida já teria piorado

Quem melhor definiu a atual conjuntura política do país foi, de forma surpreendentemente, o correspondente do diário espanhol El País no Brasil, Juan Arias, em meados do mês passado. Antes de abordar o que ele disse, vale explicar que a opinião desse jornalista chega a surpreender porque há anos ele vem sendo um dos grandes críticos dos governos Lula e Dilma.

Abaixo, alguns trechos do artigo de Arias em questão, publicado no diário espanhol.

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” (…) Por enquanto, o que existe é um consenso de que o Brasil, invejado internacionalmente até agora, vive uma espécie de esquizofrenia ou paradoxo que ainda deve ser analisado ou explicado.

(…)

Agora surge um movimento de protesto quando, ao longo dos últimos dez anos, o Brasil viveu como que anestesiado por seu êxito compartilhado e aplaudido mundialmente.

(…)

O Brasil está pior do que há dez anos? Não, está melhor. Está mais rico, tem menos pobres e testemunha o crescimento do seu número de milionários. É mais democrático e menos desigual.

(…)

Por que então saem às ruas para protestar contra a alta dos preços dos transportes públicos jovens que normalmente não usam esses meios porque já têm carros, algo impensável há dez anos?

(…)

Por que protestam estudantes de famílias que até pouco tempo não tinham sonhado em ver seus filhos pisarem na universidade? (…)”

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Quando se analisa a situação do país até ao menos o mês de maio, ganha sentido o uso do termo “esquizofrenia” pelo jornalista espanhol, de forma a caracterizar o sentimento que se formou entre grande parte dos brasileiros.

As pessoas parecem acreditar que as suas vidas estão piorando, daí as manifestações de insatisfação, ainda que restritas a um setor minoritário da sociedade, a classe média. Contudo, o mero olhar para indicadores sobre os setores que mais afetam a vida do cidadão comum mostra que o país vem melhorando, sim, e muito.

Vejamos os dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE sobre o índice de desemprego no país de 2002 (quando foi adotada a atual metodologia de mensuração do problema) até hoje.

O gráfico abaixo foi extraído do site do IBGE e mostra que em um mundo em que a falta de postos de trabalho se tornou uma epidemia, no nosso país o nível de emprego caminha no sentido inverso, com geração de cada vez mais postos de trabalho e de salários mais altos.


Alguns dizem que a inflação teria parte da responsabilidade pelo aumento da insatisfação com o país. Contudo, ao analisarmos um dos indicadores mais usados para mensurar o impacto dos preços sobre a vida das pessoas, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), percebe-se que tampouco o aumento de preços chegou a um nível que possa explicar alguma coisa.

Abaixo, os índices anuais do IPCA entre 1998 a 2012 e os dos meses de 2013.

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Quadro inflacionário medido pelo IPCA cheio, no período 1998-2013:

1998 = 1,95%

1999 = 9,52%

2000 = 6,59%

2001 = 8,23%

2002 = 12,53%

2003 = 9,3%

2004 = 7,6%

2005 = 5,69%

2006 = 3,14%

2007 = 4,46%

2008 = 5,90%

2009 = 4,31%

2010 = 5,91%

2011 = 6,5%

2012 = 5,84%

2013 = 3,15% no ano e acumulado em 12 meses (entre janeiro e junho deste ano) é de 6,7%.

Fonte IBGE

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Como se vê, não há nenhum estouro da inflação. O nível de inflação atual permanece no patamar histórico. Contudo, o que se vê na mídia sobre o assunto induz à crença de que estaríamos à beira de uma crise de hiperinflação.

Em relação aos salários, o valor deles nunca foi tão alto. Abaixo, dados da última PME do IBGE, que mostra que, em relação a 2012, os salários continuam crescendo.

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Pessoas Ocupadas (abril 2012) 1.949,81 - (maio 2013) 2.010,69

Empregados no Setor Privado (abril 2012) 1.749,34 - (maio 2013) 1.841,51

Empregados no Setor Público (abril 2012) 2.701,27 - (maio 2013) 2.572,53

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O que mais impressiona é que, em 2002, o salário médio do trabalhador teve declínio de 8,3% em relação a 2001, passando a corresponder a R$ 889, valor 28,3% menor do que o registrado em 1997.

Ou seja: o Brasil de 2013 é um país infinitamente melhor do que o de 2003, quando o PT chegou ao poder.

E além dos ganhos para todos, relatório sobre as cidades latino-americanas feito pelo Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), divulgado no ano passado, mostrou que o Brasil diminuiu a desigualdade social como nenhum outro país ao longo da última década.

Nos anos 1990, o Brasil era o mais desigual na região. Nesta década, foi o país que mais reduziu a desigualdade enquanto em outros países ela cresceu.

Nos últimos anos, a renda dos brasileiros mais pobres cresceu 70% e a dos mais ricos, cerca de 10%. E esses 10% mais pobres tiveram a renda aumentada justamente por causa do trabalho, ou seja, dos novos empregos que estão sendo gerados. E pelos aumentos reais do salário mínimo, claro.

A despeito de tudo isso, o grupo político que promoveu melhora tão expressiva na vida deste povo se encontra diante de um paradoxo que, usando o adequado termo do corresponde do jornal espanhol supracitado, pode ser considerado “esquizofrênico”.

Uma parcela imensa do povo brasileiro está sendo enganada tanto por grandes meios de comunicação quanto por partidos políticos de oposição. As pessoas acham que o país está “indo mal” apesar de estar acontecendo justamente o oposto.

Pesquisa recente do instituto MDA, feita para a Confederação Nacional dos Transportes, mostra que 84% dos brasileiros aprovam protestos de rua que desembocaram em uma imensa queda de popularidade da presidente Dilma Rousseff.

Essa grande maioria dos brasileiros, que até dois ou três meses atrás dava enorme apoio ao grupo político que fez o país melhorar tanto, de repente passou a achar que vive em um país à beira da ruína.

Tudo isso decorre de um artificialismo que, conforme entrevista de Marcos Coimbra (sociólogo e diretor do instituto Vox Populi) concedida a este Blog na última quinta-feira e conforme a mesma pesquisa MDA citada acima, implantou na cabeça das pessoas uma sensação de mal-estar.

Ora, como o país pode estar indo bem se vemos cenas de guerra como as que vimos recentemente na zona Sul do Rio de Janeiro? São cenas que só se explicam por um grave descontentamento social que só poderia decorrer de o país, de fato, estar “indo mal”. É isso que o povo pensa.

Contudo, você, leitor, tem visto muita gente reclamando de ter perdido o emprego ou de seu salário não estar comprando mais o que comprava antes? A sua própria vida piorou? Muito pelo contrário. O Brasil vive uma febre de consumo porque as pessoas têm dinheiro no bolso.

As ruas estão cada vez mais entupidas de carros zero quilômetro. As residências mais humildes, hoje, estão sendo reformadas e entupidas de bens de consumo como televisões, computadores, novos móveis etc. E, hoje, só não encontra emprego quem não quer trabalhar.

O que é preciso, portanto, é fazer os brasileiros refletirem que quando um país vai mal a vida das pessoas piora. Entretanto, quem pode dizer que sua vida tem piorado? Só o que tem piorado é a percepção sobre o futuro.

Essa percepção se fundamenta, basicamente, na informação. As pessoas vêm sendo bombardeadas pelos meios de comunicação de massa com cenas de guerra e previsões catastrofistas e, juntando umas e outras, construíram essa percepção pessimista.

Urge, portanto, que seja levada a cabo uma campanha de comunicação governamental que faça os brasileiros refletirem sobre a realidade. O povo brasileiro foi posto em pânico por ação de concessões públicas de rádio e televisão que estão sendo usadas com fins políticos.

É mais simples do que parece desmontar a campanha insidiosa que foi construída na mídia e nas ruas para apavorar a sociedade. Há fartura de dados que comprovam que o país vai bem. Mas se uma campanha em sentido contrário não for feita, o brasileiro, ano que vem, irá votar por mudança daquilo que, como se vê neste texto, está dando muito certo.

Fica a dica.

Texto replicado : BLOG DA CIDADANIA

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Novos estádios, velho jogo

 
 
No fundo, parece que os novos estádios são mais o pagamento pelas contribuições, futuras ou passadas, de doações de campanhas eleitorais. A Copa e seus estádios não se pagam. E não se pode culpar especificamente um ou outro governo, um ou outro partido, porque os investimentos vieram de todos.

José Roberto Torero

Durante a Copa das Confederações assisti a um jogo em cada um dos seis estádios utilizados.

O pior entre eles, quando realmente estiver acabado e operante, será melhor do que o melhor dos nossos atuais.

Eles são espaçosos, têm ótima visibilidade, segurança, boa acessibilidade para deficientes etc... Mas estão longe de serem à prova de críticas.

Vejamos, por exemplo, o Mané Garrincha. Ele é belo. Mas inútil.

O Distrito Federal não tem futebol para um estádio com capacidade para 72,8 mil pessoas. Ele não tem nenhum time nas séries A e B do Brasileiro. Só tem um na C. Mesmo assim, ele está em penúltimo lugar e corre o risco de cair para a Série D.

Além disso, no último Candangão a média de público foi de 1.191 pessoas. Houve 88 mil pagantes em 84 jogos. Ou seja, é preciso juntar o público de 60 partidas para encher o Mané Garrincha.

Trata-se de um sério candidato à demolição. Acabará sendo útil apenas durante julho de 2014. E, é claro, para quem ganhou dinheiro com sua construção. Afinal trata-se do estádio mais caro construído para a Copa. Segundo o Tribunal de Contas do Distrito Federal, o Mané Garrincha já custou R$ 1,778 bilhão aos cofres públicos. E inicialmente foi orçado em R$ 696 milhões. Por que será que eles sempre acabam custando mais caros?

Arena Pernambuco
De todos os estádios da Copa das Confederações, este foi o pior. E não só na minha opinião, mas segundo pesquisas do UOL e do Estadão. Na verdade, ele ainda não estava acabado. Havia elevadores que não funcionavam, falhas de sinalização e pessoal mal treinado.

Curiosamente, o estádio não fica em Recife, mas sim em São Lourenço da Mata.

A Arena Pernambuco, que já tem nome de cerveja, será a nova casa do Náutico. Mas o Náutico já tinha seu estádio, muito simpático, nos Aflitos. E sua média de público este ano no estadual foi de 7.643 por jogo. Um número bem razoável, mas que não enche 20% das 46 mil cadeiras da Arena Pernambuco.

Na verdade, o estádio parece mais um grande investimento para fazer a região metropolitana de Recife crescer na direção oeste. Só há que ver quem ganha com este investimento.

PPP
O Castelão ficou lindíssimo. E a cidade não tem grandes estádios. Fortaleza e Ceará possuem campos acanhados, menores que suas torcidas, e isso faz com que o Castelão provavelmente tenha utilidade.

O Mineirão, com a torcida do Cruzeiro (o Atlético, por ora, prefere continuar mandando seus jogos no Independência), já deve conseguir uma ocupação razoável.

E a Fonte Nova, caso o Bahia (o Vitória tem seu próprio estádio) se mantenha na primeira divisão do Brasileiro, não deve ter dificuldade de conseguir uma razoável porcentagem de uso.

Mas sobre Salvador pode-se abrir um parêntese.

Para a construção do estádio, o governo fechou uma PPP (Parceria Público-Privada) com o consórcio formado pelas construtoras OAS e Odebrecht. E o trio preferiu demolir o velho estádio e construir um novo, atitude considerada desnecessária por especialistas em estruturas da Universidade Federal da Bahia. O custo da reforma seria menor e poderiam manter a piscina e o ginásio de esportes, diversificando o uso para a população.

O preço da obra girou em torno de R$ 700 milhões, com empréstimo do BNDES. Mas o estranho é que o governo baiano pagará outros quase R$ 700 milhões para subsidiar o funcionamento privado do estádio durante os 35 anos do contrato.

Ou seja, assim o governo acaba pagando toda a obra, e cabe ao consórcio só o risco da administração. As PPPs quase sempre acabam oferecendo pouco risco ao P de Privado.

Maracanã
Já o Maracanã é um caso à parte. O Rio de Janeiro tem quatro grandes clubes na primeira divisão do futebol brasileiro. O estádio ficou belíssimo, tem metrô próximo e é um espaço mítico do futebol brasileiro.

Ou seja, é o estádio com maior potencial e importância no país. Mas, estranhamente, ele foi repassado à iniciativa privada. E depois de uma reforma de 1,2 bilhão de reais (o orçamento inicial era de R$ 650 milhões).

Ora, se o Maracanã, que pode ser o estádio mais rentável do país, é repassado à iniciativa privada, qual a chance de qualquer um dos novos estádios ser lucrativo? Ou será que foi um erro privatizá-lo?

No fundo, parece que os novos estádios são mais o pagamento pelas contribuições, futuras ou passadas, de doações de campanhas eleitorais.

É claro que o país possui o desejo de projeção internacional, o desejo de dar um salto organizacional, etc... Mas os números são muito irracionais. A Copa e seus estádios não se pagam.

E não se pode culpar especificamente um ou outro governo, um ou outro partido. Os investimentos aconteceram a nível federal, estadual e municipal, abrangendo vários partidos.

Os estádios são novos, mas parece que servem ao velho jogo.

Texto replicado: CARTA MAIOR

Texto relacionado: Brasil, a copa (não) é nossa

sábado, 13 de julho de 2013

O verdadeiro culpado do boato sobre o Bolsa Família

Duas semanas antes da série de manifestações que pipocaram pelo país, as ruas estavam cheias de outras 900.000 pessoas também ansiosas, pessoas que também expressavam seus medos e desejos e assim questionavam o rumo do país. Muitas delas não tinham Facebook e não eram jovens; elas vinham da parcela mais pobre da população brasileira. Elas foram para as ruas motivadas por um boato sobre o fim do programa Bolsa Famíllia, e assim decidiram buscar logo o benefício mensal. Seu ato coletivo foi reconhecido não como gesto político, e sim como mero tumulto. Porém, esses, não menos do que aqueles, falavam dos limites e barreiras do momento atual

11/07/2013

Gregory Duff Morton*

de Chicago, Illinois

Em junho de 2013, o mundo ouviu as surpreendentes vozes de um movimento inesperado. Milhares de pessoas entraram nas principais avenidas do Brasil para revelar os limites e barreiras do modelo de desenvolvimento hoje vigente. Os protagonistas mais visíveis desse momento eram estudantes e jovens interligados pelo Facebook, e o movimento que eles construíram foi imediatamente recebido como um gesto político.

Duas semanas antes, as ruas estavam cheias de outras 900.000 pessoas também ansiosas, pessoas que também expressavam seus medos e desejos e assim questionavam o rumo do país. Muitas delas não tinham Facebook e não eram jovens; elas vinham da parcela mais pobre da população brasileira. Elas foram para as ruas motivadas por um boato sobre o fim do programa Bolsa Famíllia, e assim decidiram buscar logo o benefício mensal. Seu ato coletivo foi reconhecido não como gesto político, e sim como mero tumulto. Porém, esses, não menos do que aqueles, falavam dos limites e barreiras do momento atual. Eles queriam dizer alguma coisa.

E quando eu tento escutar aquilo que eles estavam falando, me lembro de minha conversa com Jaira.

“Não é algo…” Jaira me falou essa frase e parou. Por um momento, no ar seco do sertão baiano, houve silêncio. Finalmente ela achou a palavra certa e completou: “...confiável.”

Não é algo confiável. Era 2012, e Jaira estava tentado me explicar as realidades do Bolsa Família. Sou estudante de antropologia, estrangeiro. Quando comecei a morar no povoado rural onde Jaira também mora, as mulheres do lugar queriam ensinar-me alguma coisa. Elas queriam indicar, antes mesmo de o fato acontecer, quem seria o verdadeiro culpado do boato sobre o Bolsa Família em maio de 2013. O culpado não seria um político nem um gerente de banco.

Seria outra coisa.

Seria a estrutura de um programa social que, todos os dias, com mil pequenas humilhações, comunica simbolicamente para seus beneficiários: Bolsa Família não é algo confiável. Você não pode contar com esse dinheiro.

É importante dizer, em um primeiro momento, que o Bolsa Família transformou a vida de Jaira. Na zona rural, percebe-se fisicamente a diferença entre os jovens que nasceram antes do Bolsa Família e os que nasceram depois.

A melhora na nutrição (entre tantos outros fatores) é nítida. Minha pesquisa demonstrou que o dinheiro, na grande maioria das vezes, é usado para gastos com comida, roupas, e alojamento. Ou seja, esse recurso tem um papel fundamental no progresso de 13,8 milhões de famílias, o que representa um êxito humano de relevância mundial. O programa brasileiro é a maior programa de transferência condicionada de renda no mundo, e o mundo está de olho; foi o Bolsa Família, justamente, que me trouxe até Brasil para fazer pesquisa.

Mas para podermos valorizar esse sucesso, precisamos reconhecê-lo como um sucesso ainda incompleto. Seus limites tornaram-se evidentes no dia 18 de maio, quando correu um boato segundo o qual o programa seria cancelado. Cerca de 900 mil beneficiários em 13 estados se apressaram para chegar até os pontos de pagamento, provocando tumultos, pânico, esgotamento de dinheiro nos caixas e, pouco tempo depois, uma polêmica partidária sobre a origem do problema. Segundo informações da Caixa Econômica Federal, no 17 de maio, o banco pulou o calendário normal, no qual o pagamento é feito de forma escalonada, e liberou o recurso mensal de todos os beneficiários no país ao mesmo tempo.

Eis o paradoxo. Como é que um aumento na disponibilidade do dinheiro, um pagamento antecipado, podia transformar-se em um poderoso boato sobre ocancelamento do programa?

A resposta a essa pergunta revela uma realidade bem importante sobre o Bolsa Família. Foram milhares de pessoas que passaram o boato de vizinho para vizinho, em quintais e roças, por meio de ligações de orelhão e conversas de igreja, e essas pessoas, mesmo comunicando uma informação incorreta, davam voz a uma verdade. Elas demonstravam o que Antônio Gramsci chamava de “bom senso,” ou seja, a capacidade das massas para expressar uma verdade social em uma forma não ortodoxa. E a verdade é essa: Bolsa Família é um programa social, e não um direito.

Essa verdade pode ser ouvida no que me disseram quatro vizinhas de Jaira, em quatro conversas distintas, no ano de 2012:

“Bolsa Família não é uma coisa segura que-- hoje você tem, amanhã-- já não sabe mais se você tem.”

“O dia que cortar, vai ser geral […] Esse dinheiro não é para toda a vida.”

“Acho que tem que estar preparado, que não é uma coisa que vai ser pra sempre [...] e você nem sabe se você vai ficar recebendo a vida toda […] o governo corta.”

“Receber até o dia que eles querem […] que ninguém sabe se é para toda a vida.”

A instabilidade do Bolsa Família é um fato vivido por essas benificiárias rurais. Elas a percebem logo no cadastramento. O acesso ao benefício não é garantido, mesmo para quem se encaixa nos critérios do programa, e as vizinhas de Jaira costumam esperar muito para receber o primeiro pagamento— três meses pelo menos e, em algumas famílias que conheço, até quatro anos.

(Nas frias palavras do site do MDS, “o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome seleciona, de forma automatizada, as famílias que serão incluídas no PBF. No entanto, o cadastramento não implica a entrada imediata das famílias no Programa e o recebimento do benefício.”)

No povoado onde mora Jaira, quando comecei minha pesquisa no final de 2011, quase todo mundo já havia feito várias viagens à prefeitura para solicitar o Bolsa Família, mas 20,5% dos domicílios qualificados não recebia nada.

Mesmo o fato de receber o dinheiro não traz segurança. Muitas das vizinhas de Jaira já tiveram o recurso bloqueado, geralmente por causa de transtornos burocráticos e às vezes sem explicação, durante três ou quatro ou até onze meses.

Esses bloqueios provocavam crises na alimentação das crianças, mas, em um lugar onde a passagem de ônibus para chegar até a prefeitura custa o equivalente ao que um trabalhador ganha em um dia de trabalho no campo, foi difícil resolvê-los. Quando os beneficiários conseguiam desbloquear o Bolsa Família, não recebiam pagamento atrasado.

Os beneficiários entendem claramente o recado que mandam os gestores do programa. Mireya Súarez e Marlene Libardoni, em sua pesquisa sobre o Bolsa Família, ouviram esse recado de um gestor municipal:

“A gente não sabe até quando vai durar, que é um programa que teve início e que pode ter fim. Portanto, as famílias têm que se preparar para se desligar disso.”

Esses gestores, entretanto, só comunicam uma incerteza que tem sua origem na estrutura política do Bolsa Família. As listas de espera, os bloqueios, a falta de segurança sobre o futuro: tudo vem da raiz do programa.

Tudo isso acontece porque o Bolsa Família não é um direito — é um programa social. A decisão de estruturar o Bolsa Família como programa opcional do governo – ou seja, como intervenção pontual e impermanente – foi uma determinação política.

O Senador Suplicy defendeu uma visão alternativa, na qual o Bolsa Família seria o primeiro passo na criação de uma renda básica universal, mas seus esforços infatigáveis tiveram como único resultado uma lei de valor simbólico e hoje ignorada.

O Bolsa Família, na sua condição de programa social, quebrou com a trajetória do Estado de Bem-estar brasileiro, uma trajetória marcada pelo aumento paulatino da parcela da população que gozava do direito a uma transferência de renda: os direitos trabalhistas da época de Vargas, a expansão de aposentadorias para lavradores rurais em 1963, e, como fruto da redemocratização, a criação em 1993 do Benefício de Prestação Continuada para pessoas idosas ou com deficiências.

Não foi por acaso que a Lei Orgânica de Assistência Social falava, em 1993, na “garantia dos direitos sociais,” quando, dez anos mais tarde, o decreto criando o Bolsa Família visou “estimular a emancipação sustentada das famílias que vivem em situação de pobreza e extrema pobreza.”

Entre “garantir” e “estimular,” entre 1993 e 2004, vive-se toda uma transformação no Estado. Flexibilidade, investimento, e auto- empreendedorismo viram as palavras-chaves, e a estrutura do Bolsa Família demonstra o quanto nem Lula nem Dilma conseguiram romper com esse fundamento neoliberal. No mundo da permanente impermanência, a função do governo é atingir metas, e não garantir direitos.

Nos olhos de quem recebe o Bolsa Família, se o dinheiro não é um direito, o que é? Segundo as palavras de um vizinho de Jaira, é “um grande privilégio.” Ou seja, o benefício é uma dádiva com a qual não se pode contar.

É claro que não são todos os beneficiários enxergam o programa assim. Mas a lógica do “privilégio” vem sendo reforçado com as ondas sucessivas de aumentos inseguros e às vezes transitórias. Enquanto eu morava no povoado, ouvimos falar do Bolsa Verde, do Brasil Carinhoso, do Bolsa Nutriz e Bolsa Gestante, e do Bolsa Estiagem, só alguns dos quais chegaram e só para algumas pessoas, geralmente sem explicação e sempre sem garantia.

Entende-se, portanto, por que alguns beneficiários interpretaram a chegada antecipada do dinheiro, no dia 17 de maio, como um “presente de Dilma” para o Dia das Mães. Entende-se também, em um movimento mais complexo, o raciocínio que levou os beneficiários a concluir que esse presente sinalava também o fim do programa.

Podemos lembrar aqui os pensamentos do antropólogo Marcel Mauss, grande teórico do fenômeno da dádiva. A dádiva, para Mauss, é um fenômeno aparentemente voluntário, mutável, e nunca sujeito a uma contabilidade exata. Nas variadas culturas humanas, a dádiva nunca pertence totalmente ao seu receptor; uma parte sempre procura voltar ao doador. O ato de doar pede mas não garante um retorno, e o retorno pede outro dom, prolongando assim o vínculo..

Como perfeitos maussianos, os beneficiários tentam retribuir o dom do Bolsa Família com o contra-dom das condicionalidades (freqüência escolar e vacinas), mas, frente aos bloqueios burocráticos e à incerteza sobre o futuro do programa, o contra-dom não consegue regularizar totalmente o fluxo do dinheiro. Essa dádiva é instável.

O próprio Mauss considerava que os benefícios sociais eram dádivas, e, escrevendo no ano 1925, ele já destacou a insuficiência de benefícios instáveis que o Estado não garante. Pelo visto, muitos beneficiários do Bolsa Família concordam com ele. Em 2012, já corriam boatos, no sertão baiano, que tratavam do final do Bolsa Família, como futuro de um programa sem garantia. Parecia claro que uma dádiva como o Bolsa Família não pudesse ficar de maneira permanente nas mãos dos pobres.

E em maio de 2013, nos olhos de muitos beneficiários, parecia que essa profecia estava se tornando realidade. Quando de repente o valor do dom aumenta, Mauss nos ensina, aumenta também a incapacidade do receptor para retribui-lo. Por isso, um incremento no dom implica uma certa agressividade, um lance que rompe com o ritmo de dom e contra-dom, e que visa impossibilitar o contra-dom e assim terminar o ciclo das trocas. O gesto de entregar o Bolsa Família antes da hora seria também o gesto de terminar o processo.

Corria o boato no 18 de maio, entre as pessoas que se apressavam para sacar seus benefícios, que o governo precisava de dinheiro para acolher a visita do papa ou a Copa das Confederações. Janúbia Silva Alves, de 29 anos, explicou a lógica em uma entrevista condedida à Folha de S. Paulo (19/5):

"Estão avisando na minha comunidade que o governo vai pagar os próximos três meses até o final do domingo e cancelaria tudo. A minha vizinha, que já pegou o dinheiro dela, disse que o governo quer economizar dinheiro para conseguir fazer as festas para o papa.”

Os argumentos sobre o papa e a Copa exemplificam o bom senso. Um benefício não garantido, um mero programa social, sempre compete com as prioridades espetaculares do estado desenvolvimentista. E, como no potlatch da sociedade Kwakiutl, o Bolsa Família terminaria, disse o boato, com grandes festas marcadas por um dom extraordinário -- 3 meses de benefício! -- e impossível de retribuir.

Vale a pena pensar, além do pânico de maio, nos efeitos negativos produzidos pela dinâmica de dádiva instável que até hoje caracterizou a política do governo para com Bolsa Família. Simbolicamente e juridicamente, o dinheiro nunca pertence totalmente ao beneficiário. É um dinheiro que pode sumir a qualquer momento. A “cidadania” que ele gera será, portanto, uma cidadania também incompleta. Os vizinhos de Jaira não conseguem fazer grandes decisões – mudança de casa, início de pequeno negócio, empréstimo a longo prazo – fundamentadas na segurança de que o Bolsa Família vai permanecer. Pior ainda, o dom instável reforça o aspeto de dominação na relação beneficiário-Estado, pois a arbitrariedade que acompanha esse benefício evidencia a incapacidade do sujeito para influir nas decisões que mais afetam sua vida.

Essa desigualdade vem complementando outra: a hierarquia entre “trabalho” (atividade masculina, segundo o estereótipo) e os esforços dentro de casa. Apresentando o Bolsa Família como investimento pontual no capital humano, como auxílio para consumos, como dom instável, os arquitetos do programa conseguem separá-lo do salário, o dinheiro clássico do homem. Tal simbolismo vem escondendo uma visão alternativa: o Bolsa Família poderia ser visto como o salário para o trabalho doméstico. Nesse caso, estariam sido valorizados os trabalhos mais negligenciados, porém mais essenciais para a reprodução da sociedade. O Bolsa Família seria entendido, assim, como obrigação do Estado, como remuneração que o receptor ganha e, com justiça, pode exigir. Uma fonte de verdadeira riqueza humana seria reconhecida.

O Bolsa Família mudou o Brasil, e é hora de mudar o conceito que temos do Bolsa Família. Em 18 e 19 de maio, uns poucos dias antes do grande movimento dos jovens, milhares de beneficiários passaram um boato de porta em porta, de janela em janela, e assim deixaram sua condição de objetos de planejamento social para se tornarem, por um instante, protagonistas no discurso público. Com vozes eloquentes, eles revelaram as instabilidades e insuficiências do modelo atual e a urgência de uma visão melhor.

* Gregory Duff Morton é lecturer em Antropologia e Serviço Social na University of Chicago, mestre em Antropologia e mestre em Serviço Social pela University of Chicago, e doutorando em Antropologia e Serviço Social na mesma universidade.

Texto replicado : BRASIL DE FATO

quarta-feira, 10 de julho de 2013

As redes de espionagem secreta das democracias ocidentais

O episódio infame que fez com que o avião do presidente Evo Morales fosse bloqueado em Viena com base em um rumor infundado lançado pela Espanha, segundo o qual o ex-agente da NSA norteamericana, Edward Snowden, se encontrava a bordo é a consequência de uma caçada humana lançada pelo Ocidente em nome de um novo delito: a informação. Os “aliados” se espionam entre si e espionam o mundo. Quando alguém resolve denunciar a ditadura tecnológica universal torna-se um delinquente. Por Eduardo Febbro, de Paris.

Paris - Um momento tão marcante de hipocrisia, cinismo, submissão, violação do direito internacional, abuso do poder tecnológico e paternalismo ocidental merece um lugar destacado na história humana. O episódio infame que fez com que o avião do presidente Evo Morales fosse bloqueado em Viena com base em um rumor infundado lançado pela Espanha, segundo o qual o ex-agente da NSA norteamericana, Edward Snowden, se encontrava a bordo é a consequência de uma caçada humana lançada pelo Ocidente em nome de um novo delito: a informação.

Contra todas as regras internacionais, França, Itália, Espanha e Portugal negaram o acesso a seus espaços aéreos ao avião presidencial boliviano. Queriam capturar o homem que revelou como Washington, por meio de seu dispositivo Prism, espiona as comunicações telefônicas, os correios eletrônicos, as páginas do Facebook, os fax e o Twitter de todo o planeta, incluídos os de seus próprios aliados europeus.

Segundo assegura o presidente austríaco Heinz Fischer em uma entrevista publicada neste domingo pelo jornal Kurier, o avião do presidente boliviano “não foi controlado”. Fischer afirma que “não houve controle científico”. “Não havia nenhuma razão para fazê-lo com base no direito internacional. Um avião presidencial é um território estrangeiro e não pode ser controlado”.

Os dirigentes europeus só levantaram a voz quando se revelou o alcance massivo do programa de espionagem norteamericano Prism. E se entende por que: poucos dias depois, o jornal francês Le Monde contava como a França fez o mesmo com seu “Big Brother” nacional. “A totalidade de nossas comunicações é espionada. O conjunto dos email’s, SMS, as chamadas telefônicas, os acessos ao Facebook e ao Twitter são conservados durante anos”, escreve o Le Monde.

Em uma entrevista publicada neste fim de semana pelo semanário alemão Der Spiegel, Edward Snowden contou que a Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA) “trabalha lado a lado com os alemães e os outros países ocidentais”. O agora ex-agente da NSA detalha que essa espionagem conjunta é realizada de maneira que se “possa proteger os dirigentes políticos da indignação pública”.

Em suma, os “aliados” se espionam entre si e, além disso, separadamente, espionam o mundo e quando alguém resolve denunciar a ditadura tecnológica universal torna-se um delinquente. Muitos assassinos, genocidas e ladrões de seus povos vivem comodamente exilados nos países ocidentais. Os Estados Unidos não negaram abrigo ao ex-presidente boliviano Gonzalo Sánchez de Lozada, A França tampouco fechou as portas ao ex-presidente do Haiti, o traficante de drogas e assassino notório Jean Claude Duvalier, Baby Doc. Mas no caso de Edward Snowden, negou.

O ministro francês do Interior, Manuel Vals, disse que, no caso do ex-agente norteamericano solicitar asilo, não era favorável a aceitar o pedido. Snowden teria recebido uma resposta semelhante de mais de 20 países. Com isso, se converteu no terceiro homem da história moderna a ganhar a medalha de perseguido por ter alertado o mundo.

Além do próprio Snowden, integra essa galeria Bradley Manning, o soldados estadunidense acusado de ter vazado o maior número de documentos da história militar dos EUA. Em 2010, Manning trabalhava como analista de dados no Iraque. Entrou em contato com o hacker norteamericano Adrián Lamo, a quem disse que estava com uma base de dados que demonstravam “como o primeiro mundo explora o terceiro mundo”. Bradley Manning entregou essa base de dados inteira a Julian Assange, que a difundiu através do Wikileaks. Alguns dias depois, Lamo denunciou Bradley para o FBI.

Quem também pagou por fazer circular informação foi o próprio Assange. Protagonista de uma nebulosa história de sexo, Assange vive há mais de um ano refugiado na embaixada equatoriana de Londres. Dizer a verdade sobre como somos controlados, enganados, sobre como os impérios assassinam (vídeo divulgado por Wikileaks sobre o assassinato de civis no Iraque), mutilam e torturam é um crime que não autoriza nenhuma tolerância.

O pecado de informar é tão grande que até a Europa se põe de joelhos diante dos Estados Unidos e chega ao cúmulo da vergonha que foi bloquear um avião presidencial. E quem participa do complô são as mesmas potências que depois, nas Nações Unidas, pretendem dar lições de moral ao mundo. O ministro francês de Relações Exteriores, Laurent Fabius, e o presidente François Hollande pediram desculpas pelo incidente. Mas o mal estava feito.

Segundo informações divulgadas pelo Le Monde, a “ordem” de bloquear o avião não veio da presidência francesa, mas sim do governo. Fontes do palácio presidencial francês e do governo, citadas pela imprensa, asseguram que a decisão foi tomada pela diretora adjunta do gabinete do primeiro ministro Jean-Marc Ayrault, Camille Putois. Christophe Chantepy, diretor do gabinete, disse porém que “se trata de uma decisão governamental”. Houve um erro, como disse Laurent Fabius, e a França disse que lamentava por ele.

Nenhuma declaração pode apagar tremendo papelão. O incidente não fez mais do que por em evidência a inexistência da Europa como entidade autônoma e livre e também a recolonização do Velho Mundo pelos Estados Unidos. E isso não é tudo: assim como ocorre com a norteamericana, as grandes democracias espionam o mundo. Isso foi o que revelou o Le Monde no que diz respeito ao sistema francês. Trata-se de um procedimento “clandestino”, escreve o diário, cuja particularidade reside não em explorar o “conteúdo”, mas qual a identidade de quem intercambia conversações telefônicas, mensagens de fax, correios eletrônicos, mensagens do Facebook ou Twitter.

Segundo o Le Monde, “a DGSE (serviços de inteligência) coleta os dados telefônicos de milhões de assinantes, identifica quem chama e quem recebe a chamada, o lugar, a data, o tamanho da mensagem. O mesmo ocorre com os correios eletrônicos (com a possibilidade de ler o conteúdo das mensagens), os SMS, os fax. E toda a atividade na internet que transita pelo Google, Facebook, Microsoft, Apple, Yahoo”.

Com esse sistema se consegue desenhar uma espécie de mapa entre pessoas “a partir de sua atividade numérica”. Sobre isso, o diário francês destaca que “este dispositivo é evidentemente precioso para lutar contra o terrorismo, mas permite espionar qualquer pessoa, em qualquer lugar, em qualquer momento”. A França conta com o quinto dispositivo de maior penetração informática do mundo. Seu sistema de espionagem eletrônica é o mais potente da Europa depois do britânico. A DGSE se move com um orçamento anual de 600 milhões de euros.

Estamos todos conectados. Sem sabe-lo, participamos da irmandade universal dos suspeitos, das pessoas que vivem sob a vigilância dos Estados, cujas mensagens amorosas ou não são conservadas durante anos. Inocentes enamorados se misturam nas bases de dados com criminosos e ladrões, ditadores e financistas corruptos. Pode-se apostar com os olhos fechados que essas últimas categorias mencionadas viverão impunes eternamente.

Texto replicado do blog : CARTA MAIOR

Texto relacionado: Estamos sob Vigilância

segunda-feira, 8 de julho de 2013

O processo contra a Globo sumiu? E os bastidores da negociação que poderia ter levado à “estatização” da emissora

por Rodrigo Vianna

Conversei com duas fontes importantes, que trouxeram esclarecimentos sobre o episódio da sonegação de impostos da Globo, denunciada pelo blog “O Cafezinho” de Miguel do Rosário.

Uma das fontes é um ex-funcionário público (que conhece bem instituições como a Receita Federal e o Ministério Público no estado do Rio). Esse homem é o mesmo que Miguel do Rosário tem chamado de “garganta profunda”. Por isso, também o chamaremos assim nesse texto. A segunda fonte (será chamada aqui de “fonte 2″) é uma pessoa que esteve no governo federal (funcionário de carreira), nunca exerceu cargos eletivos, mas sabe muito sobre os bastidores do poder – e suas intercessões com o mundo das finanças e da mídia. Seguem abaixo as informações que recebi dos dois. O texto é longo, mas peço atenção porque trata de assunto gravíssimo. 

1 - O blog “O Cafezinho” publicou apenas 12 páginas de uma imensa investigação contra a Globo. Onde está o processo original? Onde estão as centenas de páginas até agora não reveladas? Um mistério. O “garganta profunda” garante que funcionários da Receita Federal no Rio estariam “em pânico” (são palavras dele) porque o processo contra a Globo simplesmente sumiu! Sim. O processo não foi digitalizado, só existe em papel. O deputado Protógenes Queiroz (que pretende abrir uma CPI para investigar a Globo) também considera “estranho” que não haja “back-up” da investigação.

“Mas como um processo some desse jeito?” pergunto incrédulo. E o “garganta profunda” responde com um sorriso: “há advogados especializados nisso, e às vezes o sumiço físico de um processo é a única forma de evitar danos maiores quando se enfrenta uma investigação como essa contra a Globo”. Insisto: “mas quem teria pago pro processo desaparecer?”. E o “garganta profunda” responde com um sorriso apenas. 

2 – Importante compreender que, na verdade, há uma investigação contra a Globo que se desdobra em dois processos. Tudo começa com o ”Processo Administrativo Fiscal” de número 18471.000858/2006-97 , conduzido pelo auditor fiscal Alberto Sodré Zile; era a investigação propriamente tributária, no decorrer da qual descobriu-se a (suposta) conta da Globo em paraíso fiscal e a sonegação milionária. Ao terminar a investigação, no segundo semestre de 2006, Zile constatou “Crime contra a Ordem Tributária” e por isso pediu a abertura de uma“Representação Fiscal para Fins Penais” (ou seja: investigação criminal contra os donos da Globo) que recebeu o número 18471.001126/2006-14

3 - Um dos indícios de que há algo errado com os dois processos contra a Globo surge quando realizamos a consulta ao site ”COMPROT” (qualquer cidadão pode entrar no site“COMPROT” do Ministério da Fazenda e fazer a consulta – digitando os números que reproduzi no item acima). Ao fazê-lo, aparecem na tela as seguintes informações:

“MOVIMENTADO EM: 29/12/2006″

“SITUAÇÃO: EM TRÂNSITO”.

4 – Um processo (ou dois!!!) pode ficar ”em trânsito” durante seis anos e meio? Isso não existe. Onde foi parar o processo? Entrou em licença médica? Repousa em algum escaninho? Viajou para as Ilhas Virgens Britânicas? Ou desapareceu no buraco negro que parece unir o Jardim Botânico ao Planalto Central?

A “fonte 2″ esclarece que a investigação deveria ter seguido dois caminhos:

- a Globo poderia continuar discutindo o imposto devido nas instâncias administrativas da Receita (para isso, teria que pagar o valor original e discutir a multa);

- o Ministério Público Federal no Rio deveria ter iniciado uma investigação dos aspectos criminais (esse era o caminho depois da “Representação Fiscal para Fins Penais” apresentada pelo auditor Zile).

5 - Se a Globo tivesse feito recursos administrativos na Receita, isso deveria constar no site “COMPROT”. Mas a última movimentação é de 29/12/2006 – como qualquer cidadão pode confirmar realizando a consulta. O que se passou? Onde está o processo? O “garganta profunda” garante: “o processo teria sido sido retirado do escritório da Receita do Rio, desviado de forma subterrânea”. Essa informação, evidentemente, ainda precisa ser confirmada. 

6 – Se o processo original sumiu, como se explica que Miguel do Rosário tenha obtido as 12 páginas já publicadas em “O Cafezinho”? Aí está outra parte do segredo e que vamos esclarecer agora: um homem – não identificado - teria conseguido preservar o processo original (e feito pelo menos mais uma cópia, na íntegra, para se proteger). As 12 páginas seriam, portanto, “só um aperitivo do que pode vir por aí”, garante o “garganta profunda”.

7 – O que mais há no processo? Detalhes sobre contas em paraísos fiscais, e os nomes dos donos da Globo associados a essas contas, além de muitos outros detalhes – diz o “garganta profunda”, único a manter contato permanente com o homem que hoje possuiria o processo na íntegra. Seriam provas avassaladoras, “com nome, endereço e tudo o mais”. Em suma: uma bomba atômica contra a Globo.

8 – Abrimos aqui um parêntesis. A “fonte 2″ garante-me que em 2003 a família Marinho procurou o governo Lula para pedir ajuda. A Globo estava a ponto de quebrar (graças às barbeiragens com a GloboCabo, que contraiu dívidas em dólar e viu essa dívida se multiplicar por quatro depois da desvalorização do Real em 98/99, no governo FHC). Algumas pessoas no entorno de Lula chegaram a sugerir que o governo emitisse “debêntures” para salvar a Globo. Na prática, isso poderia dar ao governo o controle da Globo. “Seria uma forma suave de, na prática, estatizar a Globo”, garante-me a “fonte 2″. Por que não foi feito? “Eram todos marinheiros de primeira viagem no governo, faltou confiança e convicção para adotar essa medida, que teria sido a mais adequada para o país“, diz a “fonte 2″ – que acompanhou toda a negociação de perto. Ele conta que a família Marinho ficou contrariada com essa idéia, que chegou a ser levada à mesa por integrantes do governo Lula, mas a Globo estava tão desesperada que cogitou até aceitar essa saída pra não quebrar. Lula, no entanto, optou pela saída convencional: a Globo conseguiu empréstimos (inclusive no BNDES), e alongou a dívida. A família Marinho manteve seu império intacto.

9 – Ainda pressionada por essa dívida principal, a família Marinho recebeu notícia da investigação fiscal, promovida pelo auditor Zile. A Globo pediu socorro ao governo. Isso deve ter ocorrido entre 2003 e 2004, diz a “fonte 2″. A ordem de Lula teria sido: “não vamos intervir, os auditores têm autonomia funcional e devem fazer o trabalho deles”.

10 – A partir de então (e apesar da “ajuda” do governo para equacionar a dívida principal originada pelas barbeiragens na Globocabo), a família Marinho teria declarado guerra. Isso explicaria a cobertura global na CPI do Mensalão, sob a batuta de Ali Kamel, em 2005. Essa é a tese da “fonte 2″, embasada nesses fatos só agora revelados.

11 – O processo por sonegação (conduzido pelo auditor Alberto Sodré Zile) foi concluído às vésperas da eleição de 2006, quando a Globo de novo apontou as baterias contra Lula. Acompanhei tudo isso de perto, eu estava na Globo na época. Claramente, a temperatura contra o governo subiu no último mês antes do primeiro turno (ocorrido em outubro de 2006). O auditor Zile concluiu a investigação em setembro de 2006. A família Marinho queria que a investigação sobre sonegação fosse interrompida de qualquer forma. Não tanto pelos valores, mas porque a revelação de contas em paraísos fiscais seria devastadora.

12 – Entre o primeiro e o segundo turnos da eleição de 2006, houve algum acordo entre a Globo e o governo Lula? A cobertura global da eleição mudou completamente no segundo turno, tornando-se mais “suave”. Em novembro de 2006, um colega que também era repórter da Globo e que mantinha bons contatos com Marcio Thomaz Bastos (então Ministro da Justiça de Lula) disse-me: “Rodrigo, agora eles sentaram pra conversar, o governo e os Marinho“. Não se sabe ao certo o que foi colocado na mesa para a tal conversa. O que se sabe é que, coincidentemente, desde dezembro de 2006 a investigação por sonegação segue “em trânsito.”

13 – A divulgação das doze páginas pelo Cafezinho” pegou a Globo de surpresa. Reparem como a nota oficial da emissora é confusa e contraditória. A Globo fala que não há imposto a pagar, mas reconhece que discute algumas cobranças, sim. E não faz qualquer menção à conta nas Ilhas Virgens. É um ziguezague. Procedimento típico de quem não sabe o que o “outro lado” possui de munição. A Globo torce para que o resto do processo não apareça. Sobram várias perguntas…

14 – O homem que está com o processo na mão estaria disposto a revelar todo o conteúdo? Por que não o fez até agora?

15 – O MPF (Ministério Público Federal) vai esclarecer por que não seguiu a investigar a Globo, conforme sugeriu o auditor Alberto Sodré Zile em sua “Representação Fiscal para Fins Penais”? Cabe aos blogueiros e ao Centro Barão de Itararé fazer essa pergunta diretamente ao MPF. Aliás, nessa quarta-feira, dia 10, às 11h, o Barão e outras entidades irão para a porta do MPF no Rio (rua Nilo Peçanha, 31 – centro), levando a singela pergunta: “MPF, por que você não investiga a fraude da Rede Globo?”. Gurgel pode dar a resposta…

16 – A Receita Federal alega que não pode dar mais detalhes sobre a investigação, já que esta estaria protegida por sigilo fiscal. Ok. Mas a Receita pode – e deve – esclarecer o que foi feito dos processos. E por que eles constam como “em trânsito” na página “COMPROT” do Ministério da Fazenda.

17 - Por último, seria bom esclarecer se houve, de fato, algum acordo entre Lula e Globo em 2006. E por que ele teria sido rompido depois – com a evidente tomada de posição da emissora carioca em favor de Serra na eleição de 2010?

Texto replicado do ESCREVINHADOR

segunda-feira, 1 de julho de 2013

NA FERIDA

Marcelo Neri, presidente do Ipea, não poderia ter sido mais honesto - e corajoso - ao identificar com clareza o perfil das manifestações de junho. E as reações à fala dele, de que a periferia não está presente no piquenique cívico montado nas ruas, revelam muito do grau de manipulação envolvido com o tema.

Claro, não há porque negar à classe média o direito de pedir por um Brasil melhor e demonstrar sua insatisfação "com tudo isso que está aí". É como uma miss clamando pela paz mundial: todo mundo sabe que é um nado de superfície, mas não há razão para recriminar a intenção da moça. 

Mas o fato que "tudo isso que está aí" interessa a muita, muita gente mesmo. Antes de "tudo isso que está aí", os governos governavam para uma minoria exigente e centralizadora, herdeira direta dos maus modos da Casa-Grande. Na última década, as políticas de distribuição de renda calcadas em programas de assistência social modificaram a configuração da sociedade brasileira e conferiram ao País uma nova divisão interna, e não apenas baseada na cultura do consumo - embora isso tenha sido também muito importante.

Não se deve ignorar a força desse movimento que tomou as ruas, mas não deixa de ser óbvio que essas passeatas de reivindicações difusas dizem respeito quase que exclusivamente aos anseios e frustações da classe média, sobretudo essa mais triste e conservadora que sofre da doença infantil do antipetismo. 

Basta dar uma olhada no Facebook do perfil de muitos dos manifestantes que gritam na tag #ogiganteacordou. Quase sempre uma multidão de bem nascidos em plena euforia de adolescência cívica, sequiosa de participar das manifestações para dizer, lá na frente que, sim, eu fui, tenho até a camiseta. 

O apoio tardio da velha mídia e a adesão histérica de seus colunistas de plantão nos dá essa dimensão exata. Não tem nada a ver com inflação (6% ao ano, oh!) nem muito menos corrupção, que é uma falsa bandeira montada no mastro do moralismo de ocasião. No caso, foi hasteada para ser cavalo-de-guerra nas eleições de 2014, contra o PT, naturalmente, apontado pelo subcolunismo nacional como inventor da corrupção pátria. 

Só para lembrar: um levantamento feito, no ano passado, pelo Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral (MCCE) revelou o Ranking da Corrupção no Brasil e o partido que ficou em primeiro lugar foi o DEM. Em seguida vieram o PMDB (segundo lugar) e PSDB (terceiro lugar). O PT ocupa a nona posição. 

A questão que está intrínseca na declaração de Marcelo Neri é a de que essa maioria silenciosa assim continuará, pela simples razão de que, apesar de maioria, viver na invisibilidade midiática desde sempre. Além disso, ela sabe que quando se manifesta as balas que lhe são dirigidas pela PM não são de borracha, mas de chumbo grosso. 

Essa questão de visibilidade, na verdade, um privilégio de classe, dá às manifestações o poder de agendamento, o que de fato ocorreu no governo do PT e no Congresso Nacional, onde autoridades e políticos apavorados correram para reformar a República antes de perderem as cabeças. Porque os políticos vivem, em sua maioria, dos votos dos pobres, mas têm medo mesmo é da classe média e dos ricos. E dos oligopólios de mídia, aos quais se submetem de forma tão rastejante como apartidária. 

No rastro desse desespero, transformaram a corrupção em crime hediondo, quando o fundamental - botar a mão nos corruptores - nunca aconteceu no Brasil. Basta lembrar que o banqueiro Daniel Dantas, condenado a 10 anos de prisão por subornar um delegado federal, simplesmente conseguiu anular a operação Satiagraha no Superior Tribunal de Justiça. 

Dantas está livre, certamente apoiando as manifestações, como também Luciano Huck, Regina Duarte, Angélica e, agora, a blogueira cubana Yoani Sánchez, musa da extrema-direita latino-americana e especialista do Instituto Millenium, a maior confraria de coxinhas do País.

Neri está correto. Não há negros nas ruas, assim como não os há (e nunca haverá, com ingressos tão caros) nos estádios milionários sobre o qual paira todo tipo de suspeita de superfaturamento e desvios de conduta e verba. Mas que andam lotados de gente branca e feliz, as mesmas que, paradoxalmente, encheram as ruas para, vejam vocês, para reclamar de "tudo isso que está aí".

Texto retirado do facebook :