quinta-feira, 5 de maio de 2011

Soberania relativa. Você ainda vai ter uma

por Luiz Carlos Azenha

O mundo em que vivemos, de crescente interconexão econômica entre estados soberanos, pede um número cada vez maior de organismos multilaterais para promover a resolução de conflitos e garantir que isso se dê com equilíbrio diante de interesses divergentes.
O acesso de um número cada vez maior de países às novas tecnologias, de impacto regional ou global, requer isso. Antes a necessidade de respeito à soberania alheia estava ligada, em grande medida, à exploração de recursos naturais comuns. Um rio, por exemplo. É óbvio que o Brasil deve satisfações à Argentina quando falamos da bacia do Prata. O mesmo vale para o Peru em relação ao Brasil, quando tratamos da bacia Amazônica.
A exploração da energia nuclear, para dar um exemplo atual, abriu um novo campo de debate sobre o conceito de soberania relativa. O Japão deve satisfação aos vizinhos sob risco de contaminação por conta dos vazamentos em Fukushima.
Tudo isso — e mais a decadência econômica relativa — põe em risco o poder dos que antes eram todo-poderosos. Exemplo: os cincos países com poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
As crescentes amarras do multilateralismo colocam em xeque o poder de quem sempre mandou.
Qual é a resposta dos que se acreditam diminuídos pela ameaça ao status quo? É a imposição de novos conceitos de soberania relativa, distorcidos de tal forma que na verdade servem como instrumentos de preservação de poder.
No campo diplomático, com uma boa dose de hipocrisia, é a defesa de “certos” Direitos Humanos. Sim, eu sei, todos nós devemos defender os Direitos Humanos. Dos cubanos, mas também dos sauditas. Dos líbios, mas também dos iemenitas. Dos prisioneiros de Guantanamo, mas também das minorias étnicas da China. No campo do palavreado, é tudo muito bonito. Mas, no campo da relação entre estados, sabemos que é mais provável a condenação internacional de Robert Mugabe, do Zimbábue, do que do emir do Bahrein, Hamad bin Isa Al Khalifa, ambos acusados de esmagar a oposição política.
Não, não se trata da cor da pele, nem dos olhos. Vejamos: Mugabe promoveu uma reforma agrária que prejudicou interesses britânicos, enquanto Khalifa sedia em seu reino a Quinta Frota, a mais importante dos Estados Unidos. Ah, quanta diferença…
O que nos leva ao campo militar, onde a artimanha das guerras permanentes — contra as drogas, contra o terrorismo — serve exatamente ao mesmo fim.
A despolitização da política, ou seja, a militarização da resolução de conflitos serve… a quem tem força.
A amnésia histórica é um componente essencial desta equação, já que o país que varre o mundo caçando terroristas abriga em seu solo um cidadão que ajudou a executar a derrubada de um avião civil, em 1976, causando a morte de 73 pessoas. Falo de Posada Carriles.  Ah, mas avião da Cubana de Aviación não conta… Da PanAm, em Lockerbie, aí é terrorismo. E não foram exatamente os irlandeses católicos da região de Boston que financiaram o IRA, que usou táticas de guerra assimétrica na Irlanda do Norte? Ao que me consta, nenhum deles foi parar na cadeia por financiar terroristas.
As trajetórias de Manuel Noriega, Saddam Hussein e Osama bin Laden são exemplares.
Antes: informante da CIA, aliado militar contra o Irã, “freedom fighter” contra os soviéticos no Afeganistão.
Depois: traficante de drogas, monstro carniceiro, inimigo público número um.
Quando a Colômbia violou a soberania do Equador para caçar Manuel Reyes, das FARC, estava apenas aplicando na América do Sul a teoria da “soberania relativa”, que nasceu como piração hegemônica dos neocons mas agora é política de estado turbinada pelos drones. A lógica é a mesma. Foi aplicada na caça a suspeitos no Iêmen, no sequestro de suspeitos na Europa e, em breve, estará entre nós, provavelmente em algum lugar da região da Tríplice Fronteira.
Curiosamente, grandes barganhas são feitas em torno da soberania relativa. Mate os seus chechenos, que eu mato os meus pashtun, você mata os vossos tibetanos e eles que se contentem com líbios e marfinenses.
Será que o Itamaraty, sonhando com o dia em que faremos parte do clube, aderiu? Quantas divisões tem o barão do Rio Branco?

TEXTO RETIRADO DO BLOG:
Vio o Mundo (Luiz Carlos Azenha)

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