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terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

A pátria educadora está formando analfabetos

 Por Maria Fernanda Arruda – do Rio de Janeiro:

No seu nível inferior, a alfabetização rudimentar permite a leitura e compreensão de títulos de textos e frases curtas, bem como a compreensão de números menores e capacidade para operações aritméticas básicas. Em seguida, a alfabetização básica, que permite a leitura de textos curtos, extrair deles informações esparsas, mas não uma conclusão sobre o que se leu. A soma dos dois estágios ganha o nome de analfabetismo funcional. No Brasil, em 2005, os dados disponíveis, indicam que ele chega a 68% da população. Como 7% dela é composta por analfabetos, tem-se que 75% dos brasileiros não sabe ler e escrever adequadamente.
Em 2012, o Instituto Paulo Montenegro e a ONG Ação Educativa informaram o Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF), mostrando 38% dos estudantes universitários são analfabetos funcionais. Esses são números que não surpreendem. Como assim? É sabido, por exemplo, que menos de 10% dos advogados formados são aprovados em provas de habilitação promovidas pela OAB; e a leitura de uma mostra das provas escritas pelos candidatos deixa claro que em torno de 40% deles é formada por analfabetos funcionais.
Maria Fernanda Arruda
De acordo com a Constituição, a União é responsável por elaborar o Plano Nacional de Educação, com a colaboração dos Estados e Municípios. A União deverá organizar e manter órgãos de ensino,compondo um sistema federal (basicamente, as Universidades Federais). Os Estados, da mesma forma,irão organizar e manter órgãos de ensino, concentrando sua ação direta no Ensino Médio. Os municípios atuarão nos níveis de ensino fundamental (especialmente), médio e educação infantil. E assim coloca-se o primeiro problema: a descentralização constitucional é totalmente irreal. As prefeituras mal mantém uma rede insuficiente de creches e os prefeitos, em regra negociantes-políticos, associam-se às empresas privadas que mercadejam ensino. Não são muitos os Estados que contam com competências para organizar e manter escolas. Com olhos para enxergar a realidade, não se pode negar que a grande autoridade e responsabilidade pelo ensino devem ser de competência da União, cabendo aos Estados e Municípios a execução de tarefas definidas detalhadamente pelo Ministério da Educação (MEC).

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

A miserável terra dos doutores

 O Brasil é o país dos doutores.


Em cada esquina há uma placa indicando algum.

O médico é doutor.

O dentista é doutor.

O veterinário é doutor.

O advogado é doutor.

O engenheiro é doutor.

O dono da fábrica de parafusos é doutor.

O fazendeiro é doutor.

O delegado de polícia é doutor.

O juiz é doutor.

O promotor público é doutor.

O sujeito bem vestido, de 

sábado, 26 de setembro de 2020

'O empregado tem carro e anda de avião. E eu estudei pra quê?'

 Se você, a exemplo dos professores que debocharam de passageiro "mal-vestido" no aeroporto, já se fez esta pergunta, parabéns: você não aprendeu nada


O condômino é, antes de tudo, um especialista no tempo. Quando se encontra com seus pares, desanda a falar do calor, da seca, da chuva, do ano que passou voando e da semana que parece não ter fim. À primeira vista, é um sujeito civilizado e cordato em sua batalha contra os segundos insuportáveis de uma viagem sem assunto no elevador. Mas tente levantar qualquer questão que não seja a temperatura e você entende o que moveu todas as guerras de todas as sociedades em todos os períodos históricos. Experimente. Reúna dois ou mais condôminos diante de uma mesma questão e faça o teste. Pode ser sobre um vazamento. Uma goteira. Uma reforma inesperada. Uma festa. E sua reunião de condomínio será a prova de que a humanidade não deu certo.

sábado, 13 de outubro de 2018

VOTEMOS NA CIVILIDADE, PEDE MANIFESTO DE ARTISTAS E INTELECTUAIS


Em um manifesto assinado por diversos artistas, como os atores e atrizes Letícia Sabatella, Wagner Moura, Beth Carvalho, Camila Pitanga e Bruno Garcia, pede-se um voto "na civilidade, no respeito pelas pessoas, pelo que é diferente"; "Também votaremos na educação, na saúde, no salário mínimo digno, no décimo terceiro salário, nas férias remuneradas, na convivência pacífica entre os brasileiros. Também somos contra a corrupção, mas de todas as formas", dizem os artistas, que condenam ainda a onda de ódio no País

12 DE OUTUBRO DE 2018 ÀS 13:48 // INSCREVA-SE NA TV 247 Youtube

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Delírio criminoso

por Mino Carta — publicado 02/04/2018 00h10, última modificação 29/03/2018 13h40

A tragédia chega ao quarto ato, deixarei de escrever sobre o presente para falar de culinária e do passado ainda esperançoso

Lula depois do atentado. Segundo a mídia nativa ele é o culpado
Nada mais tenho a dizer sobre o Brasil de hoje, a obra-prima da dinastia de Avis atingiu o país (revisão, por favor, toda a palavra em caixa baixa) sem futuro. Um amigo italiano, jornalista, Franco Vaselli, escreveu um livro intitulado Povero Rico Brasile, pobre rico Brasil, entreguei-o a dois editores faz algum tempo, não se dignaram de me dar uma resposta. É um livro interessante de um estrangeiro que vem ao país e ao cabo de uma longa visita se pergunta como se deu que uma terra tão beneficiada pela natureza seja tão atrasada e medieval.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

O mercado financeiro vai ao paraíso


Por Laércio Portela, no site Marco Zero:

A cada voto contra Lula no julgamento do TRF 4, em Porto Alegre, as ações da Bolsa de Valores, em São Paulo, subiam e o dólar caia. O invisível (mas onipresente) mercado tem lado. Lá, no outro lado do mundo, no frio suíço de Davos, Michel Temer e Henrique Meireles comemoravam (recatadamente, como manda o figurino) o otimismo dos bilionários gringos com o futuro do Brasil sem o nome de Lula nas urnas das eleições presidenciais.

Mas ao saber do boom da bolsa, Temer não se conteve: “Nossa vinda para cá foi exitosa”. O seu discurso para uma plateia esvaziada de investidores no dia do julgamento de Lula “tranquilizou” o mercado e o jornal O Estado de S. Paulo para quem “Temer se distancia de atalho populista” ao garantir que “não há espaço para retorno, a pauta das reformas será mantida e que ninguém deve recear o resultado das eleições”. Pelo menos ninguém em Davos.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Lava Jato: começa o fim do namoro internacional

Prestígio internacional da Lava Jato e do juiz Moro começa a deslizar ladeira abaixo em decorrência do abuso na perseguição judicial, o "lawfare"

Flavio Aguiar


A agência de notícias Deutsche Welle divulgou um post reproduzindo vários jornais alemães com matérias sobre a condenação do ex-presidente Lula pelo juiz Moro – agora agravada pelo sequestro de seus bens. Neste particular, num gesto ao mesmo tempo atroz e ridículo, Moro pediu ao Banco Central que sequestrasse até R$ 10 milhões das contas do ex-presidente. O BC só encontrou pouco mais de 600 mil. Acho que o juiz, talvez por "excesso de trabalho", confundiu Lula com Aécio.

terça-feira, 27 de junho de 2017

O janelão estilhaçado da Rede Globo

Enquanto a Mídia Alternativa luta pela sobrevivência, garantindo o contraditório ao discurso hegemônico, a Globo inauguram a nova sede do seu jornalismo

Tatiana Carlotti


Em tempos de golpe, a fragilidade das nossas instituições democráticas se escancara. Na seara da comunicação, enquanto a Mídia Alternativa luta pela sobrevivência, garantindo o mínimo do contraditório ao discurso hegemônico; as Organizações Globo, promotoras deste discurso, inauguram a nova sede do seu jornalismo.

A discrepância de forças ficou evidente na última segunda-feira (16.06.2017). Durante cinco minutos, o Jornal Nacional vendeu o aparato jornalístico a seus telespectadores, detalhando a metragem do novo espaço, o dobro do anterior, e suas 18 novas ilhas de edição.

domingo, 12 de fevereiro de 2017

Educadores sob controle !

Público de Educação, é necessário retornarmos ao passado e fazer uma retrospectiva de como era alguns itens na organização deste sistema.

Entre os itens necessários, podemos citar: como eram contratados os professores, a carga horária e quais disciplinas eram lecionadas.

A contratação dos professores


No período do Regime Militar, não existia a figura do concurso público e os professores nem sempre eram graduados em licenciatura. Eram pessoas da comunidade de notável saber que eram contratadas por indicação do diretor do colégio. Claro que essas pessoas só eram contratadas se houvesse indicação do chefe político que colocou o diretor (a) no colégio. Estranhamente, apareciam professores empossados que sequer tinham terminado a graduação e eram recém aprovados no vestibular do ano anterior! Dessa maneira eles controlavam que podiam lecionar e ainda conseguiam votos do indicado juntamente com familiares.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

República Judiciária Midiática do Brasil


Por Renato Rovai, em seu blog:

Não soltei rojões pela prisão do Eduardo Cunha.

Não paguei cerveja para os amigos por saber que o Garotinho vai pra Bangu.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Nós e os britânicos

A principal diferença entre o sistema eleitoral brasileiro e o britânico é que o eleitor britânico pelo menos é consultado a respeito de como prefere votar

Antonio Lassance

Nem tudo está oquei no UK

O Brasil é uma República Federativa. O Reino Unido é uma monarquia parlamentar unitária. O Brasil usa o sistema proporcional e de coligações para eleger parlamentares. Os britânicos não fazem ideia do que isso seja. Seu sistema é majoritário e de eleição por distritos (650 ao todo).

A principal vantagem do sistema eleitoral britânico é o fato de ser simples. O eleitor saber exatamente que seu voto vale naquele distrito e que o eleito será quem for o mais votado individualmente.

O processo eleitoral, porém, é arcaico. Os eleitores votam em cédulas de papel, depositam o voto em uma urna que não é eletrônica e a apuração é feita no braço por pessoas que conferem voto a voto.

De vez em quando, as filas para votar são tão demoradas que, quando se encerra o horário, as pessoas que estavam do meio para o final veem as portas das seções eleitorais serem fechadas antes de chegar a sua vez. Depois de horas no frio e na chuva, voltam para casa sem terem conseguido votar.

Outro problema: quando termina a eleição, nem sempre se sabe quem governará o Reino Unido. Um partido precisa ter maioria suficiente para escolher o primeiro-ministro e formar um governo, ou deverá recorrer a uma coligação com um partido que cuspiu cobras e lagartos contra esse que agora lhe convida para montar um gabinete.

Yes, nós também temos distorções

No Brasil, não apenas os partidos, mas os especialistas se contradizem sobre os remédios a serem adotados para melhorar a qualidade da representação.

Diante de tantas incertezas e desavenças, o debate tende ao exagero. Algumas mudanças são defendidas como capazes de operar milagres, enquanto outras são vistas como o fim do mundo.

Debater apenas as regras eleitorais de votação (como se vota e como se define quem são os eleitos) é apenas tratar da ponta desse iceberg que é a política, sem descuidar da importância da ponta de qualquer iceberg.

As eleições britânicas mostraram uma clara distorção. Os conservadores formaram uma folgada maioria no Parlamento, mesmo não tendo maioria dos votos populares. Assim foi porque a regra dos britânicos é dada pela maioria dos distritos.

Não adianta criticá-los por isso com um raciocínio de sistema proporcional. No passado, antes do sistema de dois turnos, elegíamos prefeitos em um único turno mesmo que eles não tivessem a metade mais um dos votos. E é ainda assim para todas as cidades com menos de 200 mil habitantes.

São exemplos de supostas distorções, mas não existe sistema eleitoral sem risco de distorção. O Brasil tem uma regra da representação congressual, dada pelo fato de que somos um país federalista, que alguns podem considerar uma distorção. É e não é.

Estados pequenos e o Distrito Federal têm, no mínimo, oito deputados e, no Senado, qualquer um tem três senadores igualmente, independentemente da quantidade de eleitores de cada uma dessas unidades da Federação (UFs).

Há quem alerte: "o sistema distrital joga votos fora". Calma, gente. Se é assim, nós também fazemos isso. Nossa Constituição diz, em seu artigo 45, § 1º, que nenhuma unidade da Federação terá menos de oito ou mais de setenta Deputados.

Quando limitamos o mínimo e o máximo de deputados que uma UF pode ter na Câmara, distorcemos a representação e jogamos fora o voto de um monte de gente.

Isso se chama federalismo e democracia. Chama-se federalismo porque respeita o princípio de que unidades menores devem ter um mínimo, e as gigantes, um máximo, justamente para evitar uma distorção que torne os pequenos irrelevantes, e os grandes, dominadores.

Isso também se chama democracia, que não é só governo da maioria, mas respeito às minorias. A ideia de que o voto de cada pessoa é igual não funciona nem aqui, nem em democracia alguma. Sempre haverá algum tipo de distorção - o importante é que se saiba de que tipo. Cada sistema escolhe a distorção que considera mais positiva e menos prejudicial.

Lendas urbanas

Em 2002, o médico Enéas Carneiro, de um partido chamado Prona, de voz rascante e discurso raivoso, recebeu 1,55 milhão de votos. Nosso sistema deu ao fenômeno Enéas o prêmio de levar consigo mais cinco correligionários raquíticos de voto e, portanto, nada representativos.

Os menos votados do PRONA tiveram, um deles, menos de 400 votos, e outro, apenas míseros 275 votos. Ainda bem que o estado de São Paulo só pode ter 70 deputados, ou o estrago seria pior. Enéas levaria mais gente sem voto em sua cauda meteórica.

O sistema majoritário (distrital) personaliza a eleição? E o proporcional, não? O que o "exemplo" Enéas nos mostra? A força de um partido? Convenhamos.

O voto distrital aumenta o peso do poder econômico nas eleições? Mais do que o nosso sistema proporcional? Comparem os gastos de campanha no Reino Unido e no Brasil.

Sejamos realistas e busquemos argumentos mais robustos. O poder econômico não se importa se o sistema é proporcional ou majoritário. O poder econômico e seus candidatos arrumam um jeito e riem dessas filigranas.

O voto distrital vai tornar o eleito mais próximo do cidadão? Não necessariamente. A depender de outros aspectos, é improvável. Não é o tipo de sistema eleitoral que torna o eleito mais próximo do cidadão. Prefeitos de alguns municípios pequenos são eleitos por voto majoritário e muitas vezes nem moram lá. Governam morando na capital.

Os defensores do sistema proporcional dizem que o sistema distrital majoritário promove a eleição de celebridades. E o sistema proporcional, não? Clodovil, Tiririca, Romário, Popó, Marta Suplicy (que ganhou fama no programa TV Mulher, da Globo, sendo uma espécie de Ana Maria Braga para assuntos de sexualidade) e toda uma legião de futebolistas, radialistas e apresentadores de programas de tevê são o quê? Vamos falar mal de celebridades, sendo que cada partido tem as suas? E há celebridades, não muitas, que dão bons representantes - Jean Wy%u20Bllys, por exemplo, que é ex-BBB.

E quanto aos italianos, que chegaram a eleger a famosa atriz pornô, Cicciolina? Também foi pelo sistema proporcional. Ela era uma celebridade e representou um irônico voto de protesto. No Brasil, Tiririca é nossa Cicciolina.

O detalhe, ainda na comparação entre sistemas eleitorais, é que Cicciolina, que é húngara (naturalizada italiana), tentou depois a carreira política na sua Hungria, que tem sistema distrital. Não conseguiu apoio suficiente de eleitores do distrito de Kobánya para se candidatar.

Distritos e detritos eleitorais

Seria bom um debate menos apelativo e apoteótico sobre um tema que é muito restrito e que não trará nem um remédio milagroso, nem um veneno mortal. Quando se propõe a mudança do sistema proporcional para o distrital, se está falando simples e restritamente nas eleições para vereadores, deputados estaduais e federais.

Antes de se mudar o sistema de proporcional para o distrital, seria bom e prudente testarmos como ficariam as coisas se apenas acabassem as coligações em eleições proporcionais - essas que permitem que uma dezena de partidos se junte para eleger vereadores e deputados.

O sistema de lista aberta é aberto demais, %u20Be o tal do coeficiente eleitoral, que é um cálculo nebuloso demais para ser minimamente razoável, não é%u20B uma boa forma de se aproveitar os votos dados a todos os candidatos. Funciona mais como uma montanha de detritos que ajuda a eleger os candidatos mais improváveis e imprestáveis para a missão parlamentar.

O Senado brasileiro recentemente aprovou a proposta do tucano José Serra de voto distrital para vereadores em cidades acima de 200 mil habitantes. A proposta de Serra é mais uma asa de morcego na confusão que é a geleia geral do sistema político brasileiro.

E o povo assiste a tudo sem ser consultado

Todo sistema eleitoral tem vantagens e desvantagens. O britânico tem distorções? O brasileiro também. A principal diferença é que o eleitor britânico pelo menos foi consultado a respeito de como prefere votar e eleger representantes.

Ingleses, galeses, escoceses e irlandeses (da Irlanda do Norte) decidiram, em 2011, se gostariam de mudar ou de manter seu sistema. Preferiram deixar como está. Certos ou errados, os britânicos não quiseram outra coisa no lugar.

No nosso caso, a maioria dos cientistas políticos, dos políticos, dos partidos e dos comentaristas de imprensa acha que o assunto é "muito complexo" para ser decidido em plebiscito - no máximo, quem sabe, poderia rolar um referendo. Mas nem referendo acontece.

Votos e distritos são um assunto que diz respeito ao eleitor. É dele o voto. É ele quem mora no distrito. É ele quem vota e elege. Mas os congressistas ignoram esse princípio solenemente. Acham que o voto é um assunto apenas deles, de seu umbigo eleitoral.

Por isso, toda e qualquer proposta de reforma mais ampla acaba sendo sabotada pela maioria dos que acham que plebiscito, referendo, reforma e mudanças são palavras muito perigosas - bolivarianas, cubanas, poderíamos até dizer, para chocar, suíças, em homenagem ao país que mais gosta de plebiscitos e referendos.

São mesmo ideias muito perigosas. Se o povo começar a se meter mais na política, corre-se o sério risco de as coisas melhorarem. E aí, o que seria de muitos políticos e suas legendas?

Créditos da foto: Jose Maria Cuellar / Flickr

Texto original: CARTA MAIOR

segunda-feira, 11 de maio de 2015

domingo, 10 de maio de 2015 Meritocracia e a neodireita

Pablo Villaça

A "meritocracia" é uma autoilusão de grandeza para quem acha que atingiu um patamar invejável. E é uma autoilusão de futuro possível para quem ainda o almeja.

A neodireita adora berrar que a "meritocracia" é o "sistema" ideal - e é fácil compreender por que fazem isso: é uma maneira de ao mesmo tempo justificar os privilégios de quem já tem muito (como pagar menos impostos de quem tem pouco) e de garantir que os que têm pouco não se revoltem. "Trabalhe e conseguirá o que conseguir", vendem numa estratégia publicitária. "O Estado não deve ajudar quem precisa; é melhor ensinar a pescar", repetem sempre, deixando de dizer a parte fundamental que se segue: "A não ser claro, que quem 'precisa' for eu através de créditos de financiamento reduzido do BNDES, de 'bailouts' caso minha corporação quebre, de liberdade para comprar mandatos parlamentares e (de novo) de impostos reduzidos".

É inacreditável perceber como o candidato desta neo-direita pode repetir o mantra da "meritocracia" ao mesmo tempo em que toda a sua carreira se deve não aos seus esforços, mas aos de seus antepassados, que abriram seu caminho na vida pública através de cargos comissionados já na juventude, de fortunas que asfaltaram este caminho e de contatos poderosos que garantiram que a estrada estivesse sempre aberta e sem fiscalização.

O conceito de "meritocracia" é um cuspe perverso na cara de 95% da população - e o mais chocante é perceber como parte destes 90% acaba absorvendo a retórica dos 5% e defendendo-a sem perceber que está agindo contra seus próprios interesses.

O grande truque do Diabo é fazer você defender os interesses dele acreditando que são os seus. E a mídia é o braço direito do Diabo, seu chefe de relações públicas, seu agente, seu porta-voz.
Outro dia, um leitor me perguntou como eu podia ser contra a "meritocracia" se certamente havia atingido um bom status na minha profissão graças aos meus próprios esforços.

De fato, sou um privilegiado por viver da escrita e do Cinema - algo difícil em qualquer país e ainda mais complicado no Brasil, onde a cultura é sempre a primeira a ser considerada dispensável. E também me considero feliz por ter um número considerável de leitores e até mesmo de pessoas que se identificam como minhas "fãs" (embora eu sinta um estranhamento ao ouvir este termo, já que não me vejo na posição de ter "fãs").

E, sim, trabalhei e estudei muito e longamente para chegar aqui. E não pude contar com ninguém para abrir o caminho, pois não tenho parente algum que tenha trabalhado na área para facilitar a jornada.

Assim sendo, posso dizer que foram apenas meus méritos que me trouxeram até aqui e que sou um exemplo perfeito do sucesso do sistema "meritocrata"?

Até poderia - caso eu fosse extremamente hipócrita.

Pois a verdade é que tive ajuda - e muita - para chegar até aqui.

Pude estudar em escolas particulares. Pude comprar os livros que precisava. Pude alugar filmes e mais filmes e tive tempo de assisti-los. Tinha meu próprio quarto e, por não ter que dividi-lo com ninguém, podia me concentrar nos estudos e em outras tarefas (e, na adolescência, também a outras "tarefas"). Não tive que trabalhar para ajudar na renda familiar. Não tive que cuidar de meus irmãos mais novos enquanto minha mãe (viúva aos 27 anos) trabalhava fora, pois tínhamos assistente doméstica (ou, como se dizia naquela época, "empregada").

Pude fazer excursões. Pude sair com os amigos. Ir ao cinema, ao teatro. Viajar durante as férias e, assim, recarregar as baterias. Tive computador no quarto. Nunca passei fome. Pude fazer cursinho para me preparar para o vestibular.

Ao decidir largar a faculdade de Medicina (na UFMG, para a qual passei graças à possibilidade de poder me dedicar aos estudos), não hesitei em abandonar uma profissão estabelecida por outro de futuro incerto, já que, por nunca ter tido que lutar por meu sustento e por não ter uma família que dependia de mim, podia me dar ao luxo de me arriscar a tentar viver de minha profissão dos sonhos. E, durante os primeiros anos, quando não ganhava um centavo com meus escritos, pude depender do apoio financeiro de minha família.

Sim, trabalhei muito. Insisti. Perseverei.

Mas na corrida rumo ao sucesso profissional em minha área, saí MUITO na frente de pessoas que não tiveram a mesma oportunidade que eu. E que, portanto, jamais puderam competir em pé de igualdade comigo. Dizer que "venci" por ser melhor do que elas seria uma imensa estupidez. Seria crueldade. E seria mentira.

Pois o fato é que vivemos numa sociedade - e a "meritocracia" tenta ignorar isso. Tenta afirmar que TODOS têm a oportunidade de "vencer", o que é uma inverdade colossal. Mas é uma inverdade conveniente aos que já detêm o poder, pois amansa os que não detêm poder algum, mas que acabam acreditando que, sozinhos, poderão alcançá-lo.

Não posso comprar esta mentira apenas porque seria reconfortante pensar que foi apenas minha competência que me trouxe até aqui. Pois minha competência, sozinha, acabaria sendo sufocada por um contexto mais hostil.

Como disse o filósofo espanhol José Ortega y Gasset, "Eu sou eu e minhas circunstâncias; se não salvo a elas, não salvo a mim".

E não reconhecer as minhas circunstâncias seria não só uma imensa arrogância, mas uma profunda ingratidão.

Texto replicado deste blog: ESQUERDA CAVIAR


terça-feira, 14 de abril de 2015

A PETROBRAS E O FATOR POLÍTICO



(Jornal dos Economistas-RJ) - A questão da Petrobras mantém, neste momento, a situação do país em suspenso. Trata-se não apenas de um problema jurídico, mas do futuro da nossa maior empresa nacional e de dezenas de setores da economia brasileira, que vão da indústria naval à química, com implicações de toda ordem e a ameaça de eliminação de milhares de empresas e empregos.

Mas os problemas vão além dos casos de corrupção na empresa? Como poderia estar sua situação se não fosse isso?

Do nosso ponto de vista, a queda do petróleo não atrapalha a exploração do pré-sal para a Petrobras, porque o grande mercado da Petrobras é o brasileiro. O que baliza o preço que a Petrobras obtém pelo óleo extraído no pré-sal ou pelo óleo que ela troca pelo petróleo do pré-sal lá fora é o custo final do combustível no mercado nacional.

É a Petrobras que forma o preço do petróleo no mercado brasileiro, e essa condição de formação de preço só se veria ameaçada se houvesse importação de combustível em enorme escala por empresas concorrentes, para substituir a produção nacional da empresa.

Essa é uma possibilidade distante, que não poderia se dar sem um tremendo esforço logístico, que implicaria, por sua vez, no aumento do custo, diminuindo a margem de lucro de suas concorrentes, o que neste momento não interessaria a ninguém.

O grande problema é o câmbio, considerando-se que muitos dos insumos e serviços da Petrobras são importados. Mas ainda assim, a manutenção desse quadro, em que o grande foco é o mercado interno, com o aumento paulatino da produção nacional de petróleo e a de refi no, só tende a ajudar a Petrobras, com a recuperação de suas margens de lucro no futuro.

Com relação ao mercado internacional, em médio prazo, a recomposição do preço do petróleo tende a ocorrer por várias razões. Primeiro, a concorrência do petróleo saudita mais barato com o óleo e o gás de xisto dos EUA, que pode diminuir a oferta de produção local no maior mercado do mundo.

Em segundo lugar, pela pressão de outros membros da OPEP para que haja corte na produção. Em terceiro lugar, pela diminuição dos estoques norte-americanos e chineses, que deve ocorrer devido ao aquecimento da economia dos EUA e das exportações chinesas, como já se viu no início deste ano. Depois, vem a possibilidade de recuperação da economia europeia, caso seja bem sucedido o pacote de estímulo do BCE, e, por último, a de haver um aumento da tensão na Ucrânia, que pode vir a prejudicar o fornecimento russo de gás para a União Europeia. Em uma situação normal, em que fosse considerada apenas a lógica produtiva e de mercado, a Petrobras estaria vivendo um excelente momento.

A expectativa negativa criada em torno da empresa, no entanto, gerou uma posição institucional que não condiz com as perdas efetivamente detectadas até agora com os casos de corrupção descobertos – que têm sido várias vezes multiplicadas pela mídia e por todo o tipo de “fontes” e “analistas” – e que a está empurrando para a realização de desinvestimentos. Isso é muito mais grave do que as suas perspectivas reais de produção e de mercado, mesmo quando levada em consideração a situação vivida neste momento pela indústria de óleo e gás em todo o mundo.

Essa é uma situação que só poderia ser minorada, por exemplo, se a empresa tomasse uma decisão que revertesse as expectativas e contornasse os problemas que tem tido nas bolsas ocidentais e com a má vontade de agências de qualificação como a Moody´s.

Esse seria o caso, por exemplo, do estabelecimento de uma aliança que lhe garantisse a obtenção de recursos e de apoio alternativos – para a execução dos projetos que estão em andamento – com parceiros alternativos que fossem financeira e tecnicamente poderosos, como a China.

A Petrobras tem excelente tecnologia (acaba de ganhar, pela terceira vez, o maior prêmio do mundo, outorgado pela OTC, no Texas, nos EUA, nessa área), produção e gigantescas reservas de petróleo e gás, em ascensão neste momento, e uma situaçãopredominante em um dos maiores mercados do mundo.

A única coisa que pode atrapalhá-la é o fator político.

Texto original: MAURO SANTAYANA


quarta-feira, 1 de abril de 2015

Interesses empresariais fecham o cerco ao SUS

'Há uma ação muito bem articulada dos atores interessados na mercantilização da saúde, que financiaram muitos parlamentares que estão hoje no Congresso'

Maíra Mathias - EPSJV

A ressaca já tinha sido grande quando, no dia 19 de janeiro, a presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei 13.079, que modifica a Lei Orgânica da Saúde e contraria a Constituição de 1988 para permitir a entrada do capital estrangeiro na assistência à saúde. Contudo, foi apenas nos dias seguintes à sanção que a atuação do governo federal no episódio foi ficando clara. Atropelo do controle social e argumentos que não convencem: tudo isso dá a dimensão dos interesses por trás da medida que levou o Executivo a entrar em rota de colisão com as entidades da Reforma Sanitária e a militância do SUS. Nessa matéria, tentamos recuperar parte do processo para contrapor os argumentos oficiais às críticas, abordando ainda as perspectivas de ação legal e luta política que se abrem em ano de 15a Conferência Nacional de Saúde.

Tudo começou na Câmara dos Deputados, onde tramitava a Medida Provisória (MP) nº 656 de 2014, editada pela Presidenta da República, que tratava do reajuste da tabela do Imposto de Renda (que, afinal, seria vetado por Dilma Rousseff). Os parlamentares acharam por bem incorporar 32 temas estranhos à MP 656, que, acrescida de aproximadamente cem artigos, passou a tratar de assuntos tão diferentes quanto a construção de um aeroporto particular e o perdão da dívida de clubes de futebol com a União. O texto, definido por muitos como uma “colcha de retalhos”, incluiu, por fim, a participação direta ou indireta do capital estrangeiro na saúde, abrindo a porteira para que empresas de fora do país atuem na assistência à saúde, adquirindo ou operando hospitais comerciais e filantrópicos, clínicas, laboratórios e outros serviços, como o planejamento familiar. Aprovada no dia 17 de dezembro, a MP se transformou no Projeto de Lei de Conversão nº 18 e seguiu para sanção presidencial, que deveria ocorrer em no máximo 15 dias. Em uma corrida contra o tempo, nove entidades do Movimento da Reforma Sanitária se mobilizaram em torno da campanha “Veta Dilma!”. 

No dia 18 de janeiro, o ministro da Saúde solicitou uma reunião com representantes dessas entidades. Em meio à intensa campanha de mobilização, elas esperavam que o encontro fosse uma oportunidade de debate. Contudo, a decisão do governo já estava tomada. “A manifestação do ministro era favorável à sanção. Na ocasião, ele nos disse que ninguém da Esplanada iria pedir o veto. Para ele, a permissão à presença do capital estrangeiro iria ‘legalizar’ uma situação que, de fato, já vem ocorrendo e, uma vez legalizada a situação, poderia haver uma regulação clara por parte do governo”, conta a presidente do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes), Ana Maria Costa. 

Na ocasião, as entidades argumentaram que a regulação deveria ter como ponto de partida a Constituição e a Lei Orgânica da Saúde e não o atropelo de uma e de outra. “Ressaltamos que a base legal da regulação está clara e que, se vêm ocorrendo fatos que burlam a lei, eles deveriam ser apurados e punidos. Não seria caso para investigação por parte da Polícia Federal? Por que não vêm ocorrendo punição e interdição à ação do capital estrangeiro em serviços de assistência à saúde se há indícios de que empresas nacionais são, de fato, operadas por recursos estrangeiros?”, relembra a presidente do Cebes. A posição firme das entidades não agradou Chioro, que taxou-as de "atrasadas".

Maior instância de controle social no SUS, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) foi o primeiro a advertir que a abertura do capital estrangeiro significaria um risco à soberania sanitária brasileira, ao Sistema Único e à própria Constituição. Em nota publicada em 18 de dezembro, a mesa diretora do CNS frisou que o parlamento tomou a decisão “ao apagar das luzes do ano legislativo e sem debate”. Foi justamente a primeira reunião do ano do CNS, no dia 27 de janeiro, a ocasião escolhida pelo ministro da Saúde para externar suas críticas às vozes críticas. Segundo Chioro, aqueles que se posicionaram contra a medida sofrem de um “antagonismo político inadequado”. Ainda segundo o ministro, lhes “falta capacidade de análise a fundo da matéria”.

Essa avaliação, contudo, não impediu que no dia 29 de janeiro o ministro se reunisse com as mesmas entidades que criticou na véspera, buscando retomar um canal de diálogo com o Movimento da Reforma Sanitária. Na reunião, Arthur Chioro voltou a expor os argumentos do governo, na tentativa de envolver as entidades na elaboração de um termo de referência para a criação de um grupo de trabalho para apoiar a pasta no tema da regulação. "Como a lei não prevê nenhuma regulação - e isso está muito claro - o ministro convidou as entidades para estudar mecanismos de regulação do setor privado. Mas é uma proposta que parte da admissão de que a lei já está aprovada. E nós confiamos que será declarada inconstitucional", afirma Luis Eugenio Portela, presidente da Associação Brasileira da Saúde Coletiva (Abrasco). Sobre a posição do Executivo no episódio, Ana Maria Costa lamenta: “Saímos das reuniões com a sensação de um diálogo entre estranhos morais, ou seja, os argumentos do Movimento da Reforma Sanitária não repercutiram e nem sensibilizaram as posições aparentemente firmes e convictas do ministro”, resume.


Argumentos do ministro


As posições firmes do Governo Federal foram apresentados em relato divulgado pela Abrasco. Nele, a vice-presidente da entidade, Eli Iola Gurgel, destaca os argumentos apresentados por Arthur Chioro na reunião do dia 29 de janeiro: “Ele afirmou que a proposta de inserção das medidas na MP 656 foi de iniciativa da ‘base do governo’. Analisa que passados 27 anos da criação do SUS o mundo mudou muito… Ao longo desse período ocorreu um processo ‘lento e gradual’ de abertura para o capital estrangeiro”. Ainda de acordo com o relato, o titular da Saúde teria dito que a Constituição de 1988 prevê um sistema de saúde público, mas não estatal, e que, hoje, não seria possível ignorar o fato de 52 milhões de pessoas terem planos de saúde. 

Ainda segundo o relato, o ministro afirmou que ao longo do processo de expansão do mercado privado, houve escapes que permitiram a entrada do capital estrangeiro, em referência à lei 9.656 sancionada em 1998 no governo Fernando Henrique Cardoso. Sem a lei, a Amil não poderia ter sido vendida por R$ 10 bilhões para a United Health, nem a Intermédica para o grupo de investimentos Bain Capital por quase R$ 2 bilhões. De acordo com o ministro, o caso explicita a assimetria criada no mercado prestador privado, uma vez que o capital estrangeiro demonstrou mais interesse em comprar operadoras de planos de saúde que tinham rede assistencial própria, ou mesmo comprou operadoras para depois adquirir serviços de assistência à saúde. Por fim, Eli Iola destaca que Chioro “admitiu que já estava acontecendo, no governo, uma movimentação para aprimoramento da regulação do mercado privado (o BNDES, por exemplo, abriu linha de empréstimo/investimento para filantrópicos), mas usou a expressão ‘atropelados’ para se referir à condução da alteração na medida provisória 656”. 


Manobra retórica


Na análise do economista Carlos Octávio Ocké-Reis, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os argumentos do ministro encobrem um conjunto de fatos relevantes para a compreensão dos efeitos da abertura do capital estrangeiro no SUS e na própria dinâmica do mercado privado nacional. “Do ponto de vista retórico, o argumento dele é de um regulador que tem que prezar pela competição dos mercados. Chioro está dizendo que há relações assimétricas porque alguns agentes econômicos tiveram vantagens em função de um determinado arranjo institucional relativo aos planos de saúde. Então, é importante ter um arranjo institucional que também contemple os hospitais, permitindo uma simetria na competição entre eles”, afirma, completando: “Só que o ministro se esquece de dizer que não é uma competição no sentido de favorecer o consumidor, de tornar os preços mais baratos, de ter uma sinergia com o SUS”. 

Para identificar as lacunas da argumentação oficial, é preciso, no entanto, olhar melhor para o cenário a que ela se refere. "Resumindo, o objetivo das empresas é crescer, ou seja, ganhar novos mercados e abocanhar uma fatia cada vez maior dos usuários saudáveis. Alguns mercados são mais relevantes do que outros. É o caso de metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro, onde a população tem nível mais alto de renda e há maior concentração de médicos, insumos e serviços. As empresas, portanto, competem entre si para obter fatias maiores desses mercados. A isso se chama market share ou cota de mercado", explica Ocké. A partir disso, o economista resume as três tendências que regem o mercado da saúde hoje: centralização, concentração e internacionalização.

A centralização (também chamada de verticalização) ocorre na medida em que a empresa que opera planos de saúde também é dona de hospitais, clínicas e laboratórios. Como o plano de saúde é o grande intermediário na relação entre os clientes e os serviços de saúde privados, as operadoras mais centralizadas ficam à frente da concorrência pois tem maior poder de barganha e ganham na escala. Já a concentração é esse grupo econômico ter cada vez um número maior de usuários no total de usuários desse mercado. "O mercado de planos de saúde hoje é extremamente concentrado, é um oligopólio. Ou seja, são poucos os planos de saúde cobrindo a maior parte do contingente consumidor desses mercados relevantes", descreve Carlos.

No setor hospitalar, a lógica é a mesma e o diagnóstico também. "O setor hospitalar privado de primeira linha é oligopolista, quase monopolista. São poucos agentes econômicos nesse mercado. Por isso tem uma briga de cachorro grande dos grandes hospitais com os planos de saúde. Os grandes hospitais são oligopolizados e os planos de saúde também. Uns tem uma relação de compra, outros uma relação de venda", explica Ocké-Reis. A diferença entre as operadoras e planos se resumia à terceira tendência mencionada pelo economista: a internacionalização, ou seja, a injeção de capital estrangeiro nas operações. Agora, a diferença não existe mais. E, segundo o ministro, agora começa a regulação. “A regulação pragmática seria aquela que, ao verificar um processo de concentração e centralização em determinados setores, ao invés de coibir o processo, o usa como justificativa para liberar geral. Ou seja, não se trata de regular tendo como objetivo o redesenho ou a reestruturação de um mercado à luz de determinados princípios e orientações do Ministério da Saúde, mas algo que acontece a reboque dos interesses desse mercado. Como existe uma relação público-privada deletéria para o público no Brasil – seja no que se refere à utilização, seja no que diz respeito ao financiamento –, fortalecer a hegemonia do mercado é, na prática, fragilizar o SUS”, entende Ocké.

O presidente da Abrasco também rebate outros pontos da argumentação do ministro, como a justificativa de que o Executivo teria sido atropelado por sua base parlamentar. "Esse projeto entrou sorrateiramente no meio de uma medida provisória mas não foi um raio em céu azul. Ele já havia transitado por diversas áreas de governo com pareceres que permitiram que fosse adiante. Então, não foi uma surpresa. Pelo menos para o governo". A afirmação de que, finalmente, o Estado atuará na regulação do capital estrangeiro segundo Portela é "falaciosa", pois não dá a real dimensão dos problemas que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) enfrenta junto às empresas nacionais. "Temos assistido uma regulação extremamente falha do ponto de vista dos interesses do SUS. Nem mesmo o ressarcimento está sendo feito plenamente. Sem falar da porta giratória. Os diretores da ANS saem para assumir cargos nas operadoras e vice-versa. Ou seja, o órgão regulador está dirigido por membros do setor regulado. É uma situação de captura", critica.

Antes e depois da sanção, notícias de negociações da compra de hospitais pipocaram na mídia comercial. No dia 23 de janeiro, a Folha de S. Paulo anunciou que a Rede D´Or, maior empresa de hospitais do país (com 27 unidades), estava em negociações com o fundo estadunidense Carlyle. Contudo, a avaliação geral é de que os investidores estrangeiros não devem entrar no país para construir hospitais e, sim, comprar os já existentes. Tampouco o capital estrangeiro vem para suprir lacunas assistenciais da rede privada, como pediatria, mas para investir em filões que dão lucro, como neurocirurgia, ortopedia, cardiologia e oncologia. 


SUS: mais longe


Segundo o presidente da Abrasco, a medida reforça um processo de segmentação do sistema de saúde e de abdução do sentido constitucional do direito à saúde. "Há uma ação muito bem articulada dos atores interessados na mercantilização da saúde. Esses interesses são bem representados no parlamento, inclusive por meio do financiamento de campanhas de vários deputados, senadores, e também de candidatos ao Executivo. Objetivamente, a situação é muito difícil do ponto de vista da manutenção de um Sistema Único de Saúde", avalia. 

Para Ana Costa, já pode se falar em uma rede anti-SUS, eficaz na defesa dos interesses privados das empresas que financiam campanhas eleitorais. "Não podemos esquecer que recentemente o SUS foi derrotado na votação da PEC [Proposta de Emenda à Constituição] 358 sobre o Orçamento Impositivo, apoiada pelo governo. A medida mudou as bases do repasse federal e impôs subtração de cerca de R$ 10 bilhões para o orçamento da União na saúde. Do conjunto dos deputados, apenas 44 deles votaram contra. Entre aqueles que votaram a favor, estão deputados das 'fileiras do movimento sanitário'. Se vamos ao financiamento das campanhas, essa rede perversa anti-SUS fica ainda mais evidente: operadoras de planos, seguradoras, indústria farmacêutica investem muito nas eleições destes 'representantes do povo' que, naturalmente conduzem seus mandatos em favor de seus financiadores".

Luis Eugenio observa que, no discurso, nenhum desses atores se posiciona claramente contra o Sistema Único. "O SUS enquanto complemento, sistema de resseguro, que paga os procedimentos de alto custo, que garante uma atenção básica razoável para as pessoas que não podem pagar planos; esse SUS é muito interessante. Agora, o SUS enquanto sistema único de igualdade, qualidade para todos, esse SUS está cada vez mais longe", diz. 


Batalha legal


Depois de serem atropeladas pelo Legislativo e Executivo, as entidades concentram esforços para barrar a lei no Judiciário. Por terem caráter científico, contudo, não podem recorrer diretamente ao Supremo Tribunal Federal (STF). A estratégia adotada é oferecer assessoria técnica a partidos, sindicatos, confederações e outras entidades de classe que queiram apoiar a luta. A primeira parceira do movimento foi a Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados (CNTU) que encaminhou ao Supremo a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.239 no dia 13 de fevereiro. A ADI engloba dois pedidos. No curto-prazo, pede a suspensão liminar do artigo 142, impedindo a lei de entrar em vigor até que seja julgada pelos magistrados, que vão examinar se a lei fere ou não a Constituição. Julgamentos assim podem demorar até dez anos.

Nesse sentido, há um precedente importante aberto por um órgão do próprio Executivo. No dia 3 de fevereiro, o jornal O Estado de S. Paulo divulgou trechos de parecer sigiloso da Advocacia Geral da União (AGU) sobre o tema. O documento foi encaminhado à Presidência da República no dia 15, portanto quatro dias antes da sanção e, segundo publicou o jornal, argumentava que “o dispositivo constitucional prevê, de fato, vedação expressa à participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País. A ressalva aos casos previstos em lei deve portanto ser entendida como alusão a casos excepcionais, que justifiquem objetivamente a abertura ao capital estrangeiro das ações e serviços de saúde previstos constitucionalmente”.


Luta política


Enquanto os argumentos jurídicos contrários à entrada do capital estrangeiro na assistência à saúde têm peso, o mesmo não se pode dizer da atuação política das entidades e da militância do SUS, frente a uma correlação de forças desfavorável. Na avaliação de Carlos Ocké-Reis, o movimento sofre de uma lacuna teórica e estratégica. "A construção do SUS universal, integral e equitativo é um objetivo estratégico do Movimento da Reforma Sanitária. Se esse objetivo é consensual, ele sozinho não permite homogeneizar a caracterização da conjuntura, nem organizar ações táticas, tampouco articular diferentes expectativas das entidades do movimento em relação aos meios para atingir os pressupostos constitucionais do SUS", aponta. 

A presidente do Cebes admite que a entidade possa "atualizar estratégias e rumos" sem abandonar os princípios do SUS. "O Cebes está preparando uma tese para contribuir com o debate. Conclamamos todas as entidades, movimentos e demais setores da sociedade a fazer o mesmo: mobilizar, debater e retomar, com a força e o poder popular, os rumos da Reforma Sanitária brasileira". Também Luis Eugenio aposta no fortalecimento dos vínculos da Reforma Sanitária com os movimentos sociais em ascensão na sociedade brasileira. "Estamos vivendo, desde 2013, um processo de acirramento das tensões sociais. De crescimento dos movimentos sociais. Nós tendemos a ter uma polarização, uma radicalização da luta política e a ideia do SUS enquanto sistema universal, igualitário e integral não vai morrer. É preciso dizer que os próprios movimentos sindicais que durante muito tempo pleitearam junto a seus empregadores planos privados de saúde já perceberam a armadilha em que caíram. Esses planos não têm garantido a assistência que eles imaginavam que teriam. E eles se engajaram, como o Movimento Saúde 10 demonstrou, na defesa do SUS universal. Então, o que se coloca é o acirramento das disputas dentro da sociedade no âmbito do Congresso Nacional, no âmbito do poder Executivo mas, sobretudo, dentro dos movimentos sociais".

Em ano de 15a Conferência Nacional de Saúde (CNS), as entidades se preparam para tensionar o maior espaço de controle social do SUS. "A Conferência será o que conseguirmos fazer dela. Pode ser muito ou nada. O tema escolhido esteriliza a real situação e, inclusive, é perigoso pois fala de saúde pública e não de SUS. O apelo à qualidade da atenção, mesmo que seja uma pauta fundamental, é muito pouco quando o que está em risco é a sobrevivência dos princípios constitucionais do direito à saúde e do SUS, público, universal e integral", diz Ana Costa. 

Créditos da foto: Marcos Santos / USP imagens

Texto original: CARTA MAIOR

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Dez considerações sobre o novo Congresso, que é a cara do Brasil


Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e no Paquistão. Professor de Jornalismo na PUC-SP, é coordenador da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão.

De acordo com estudo do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), o Congresso Nacional empossado, neste domingo, é conservador socialmente, atrasado do ponto de vista dos direitos humanos, temerário em questões ambientais, liberal economicamente e pulverizado partidariamente.

Sobre isso, reuni algumas considerações oriundas de debates que venho travando, por aqui, há algum tempo:

1) Parte dos mais votados fez sua carreira na mídia ou conseguiu entender a lógica da cobertura política e, produzindo factóides, surfando nessa lógica, mantendo-se constantemente em evidência em seus mandatos. Os três primeiros colocados para a eleição de deputado federal em São Paulo – Celso Russomanno (7,26% do total de votos), Tiririca (4,84%) e Marco Feliciano (1,90%) – bem como os três do Rio de Janeiro – Jair Bolsonaro (6,10%), Clarissa Garotinho (4,40%) e Eduardo Cunha (3,06%) – têm uma característica em comum: sabem se beneficiar da exposição midiática.

Discordo das avaliações de que eles foram os primeiros apenas por conta de suas pautas conservadoras. O conservadorismo está presente nas bancadas paulista e carioca (e não é de hoje), mas não é elemento suficiente para explicar essas expressivas votações. Até porque há outros representantes desse pensamento que foram candidatos, alguns deles com mais profundidade ou legitimidade em suas defesas, inclusive. Estes campeões de votos, em especial, souberam criar narrativas polêmicas que são um prato cheio para nós, jornalistas, ávidos por registrar e transmitir discursos que, por fugir do que acreditamos ser a forma tradicional de fazer política, chamam a atenção e produzem audiência.

2) Os movimentos sociais e organizações da sociedade civil de caráter mais progressista sempre empurraram o Congresso Nacional para que ele fosse menos conservador do que a população do país. Em outras palavras, a força da mobilização e da organização desses grupos na política nacional conseguia fazer com que esse descompasso acontecesse entre a representação política e a realidade.

Boa parte desse pessoal, contudo, contava com relações com o Partido dos Trabalhadores e, na minha opinião, enfraqueceram-se ao fazer parte de sua base de apoio por várias razões – do “vamos influenciar o programa'', passando pela “escolha do menos pior'', resvalando ao “é um governo ruim, mas é melhor que o outro'' ao “cargo amigo''. Além disso, houve um afastamento dos militantes tradicionais desses movimentos sociais ou mesmo de partidos políticos com o distanciamento do governo federal com pautas tradicionais da esquerda e a caminhada em direção ao pragmatismo político exacerbado.

3) Há um intenso desgaste com a atuação média de representantes sindicais que estavam no Parlamento, independentemente de partido. Não é que o motor capital-trabalho tenha deixado de empurrar a História, muito pelo contrário – David Harvey que o diga. Mas uma parte das pessoas que clamam para si a autoridade de falar pelos trabalhadores há muito só falam por interesses corporativistas (na melhor das hipóteses) ou por si mesmas, na maioria das vezes. Muitos deles nem participaram de ações importantes, como a aprovação da PEC do Trabalho Escravo ou a campanha contra a ampliação da terceirização legal.

4) Empresários são sempre bem representados. Em sua maioria, podem financiar campanhas que estão cada vez mais caras. Dessa forma, há uma distorção de representatividade: não são necessariamente grupos ou ideias que possuem assento, mas o dinheiro. Se não garantirmos limites para o financiamento privado de campanha, a situação vai só piorar. De um lado, aumentando a dificuldade de eleição de quem não tem recursos e não quer sujar as mãos para se eleger e, do outro, gerando mais corrupção através de quem aceita se “endividar'' com doadores de campanha. Nesse meio do caminho, surgem “petrolões'' e “trensalões'' que ajudam a garantir financiamentos dos próprios partidos ou de duas bases aliadas.

5) A violência é um problema real no Brasil. Dezenas de milhares são assassinados anualmente e muito pouco é investigado, menos ainda indiciado, uma pequena fração julgada e quase ninguém punido conforme a lei. Mas as narrativas da violência urbana, que já existiam, circulam com mais força graças não apenas às redes sociais, mas também a determinadas pessoas que se dizem jornalistas mas, na verdade, espalham o ódio e o terror (lembrando, é claro, que a mídia pode funcionar como partido político). A situação da segurança pública é péssima mas, acredite: não raro, a espiral do vale-tudo pela audiência do jornalismo faz ela parecer o rascunho do mapa do inferno.

Há soluções mais efetivas do que a redução da maioridade penal (usada para atacar a “causa'' do problema quando, na verdade, nem resvala na “consequência''). Contudo, mandar a criançada para o xilindró é um discurso facilmente deglutível – tanto que pesquisas mostram 93% da população a favor dele. Usar e abusar desse discurso, bem como o da repressão policial, ajudou a elevar o número de pessoas eleitas que surfaram no medo da população, aumentando as bancadas da bala e da segurança pública.

6) O número de parlamentares evangélicos cresceu porque tinha que crescer mesmo. Havia uma sub-representação desses grupos, organizados em uma série de igrejas com pontos de vista diferentes. Eles não formam um movimento coeso como a Frente Parlamentar da Agropecuária (que cresceu junto com a força econômica do agronegócio no país). Pelo contrário: há gente que se detesta de ódio mortal entre eles. E, ao contrário do que pregam críticos inconsequentes, nem todos são reacionários. Muitos são bem progressistas, diga-se de passagem.

7) Há uma desmotivação muito grande com a democracia representativa tradicional. Isso vale tanto para jovens que estão cheios de gás para “mudar o mundo'' quanto para militantes, ativistas e figuras proeminentes da esquerda brasileira. Pessoas que, em outras épocas, aceitariam candidatar-se ao Parlamento para serem puxadoras de votos. Hoje, muitas querem distância. Tem medo de pegar tétano se chegarem muito perto.

8) Há boas pessoas que fazem um bom trabalho, independente do partido, sejam elas conservadoras ou progressistas. Pessoas que estão no parlamento e já honram a função que exercem e outras entrando pela primeira vez, cheias de ideias. Essas pessoas terão trabalho para garantir direitos adquiridos com base em lutas sociais ao longo de décadas. Isso se conseguirem se fazerem ouvidas.

9) O Congresso é o reflexo da população no que diz respeito à visão de mundo e ação diante desse mundo. Talvez não daquilo que ela gostaria de ser, mas daquilo que ela efetivamente é. Como já disse antes, com o resultado dessas eleições, não é que o Congresso tenha ficado pior. Ele apenas está mais parecido com o Brasil.

10) Acompanho pautas que dizem respeito à defesa dos direitos humanos. E marcos legais que garantem dignidade aos mais pobres, como a que pune o trabalho escravo contemporâneo, estão por um fio para serem mudadas e reduzidas. Parlamentares já elencaram essas leis como “barreiras'' a serem removidas nos próximos quatro anos para garantir o “progresso''. A base do governo e a oposição, que possuem excelentes quadros para discutir e defender o interesse coletivo, parecem estar mais preocupados com governabilidade e obstruções. Então, além da pressão via mobilização social, vai sobrar para Deus. Não sou pessoa de fé. Mas se ele existir, que nos ajude.

TEXTO ORIGINAL NESTE ENDEREÇO:
http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2015/02/01/dez-consideracoes-sobre-o-novo-congresso-que-e-a-cara-do-brasil/

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Erundina diz que apoio do PSB a Aécio é "incoerente" e "vexatório"

Partido que lançou Marina Silva decidiu, por maioria de votos, ficar ao lado do tucano no segundo turno.

por Rodrigo Martins — publicado 08/10/2014 21:30, última modificação 08/10/2014 22:17

Reeleita pelo estado de São Paulo com 177,2 mil votos, a deputada federal Luiza Erundina defendia a liberação dos votos dos militantes e eleitores do PSB no segundo turno das eleições. Mas, nesta quarta-feira 8, a Executiva Nacional da legenda decidiu, por maioria de votos, apoiar o candidato do PSDB à Presidência Aécio Neves. Em entrevista a CartaCapital, a parlamentar avalia que a decisão dificulta a situação dos governadores Camilo Capiberibe e Ricardo Coutinho, que disputam o segundo turno das eleições estaduais no Amapá e na Paraíba, respectivamente, com o apoio do PT. Além disso, ela considera a posição do PSB "vexatória" e “incoerente” com o que a legenda pregou ao longo da campanha.

“Desde o início do processo eleitoral, tanto Eduardo Campos quanto Marina Silva defenderam ser preciso superar a velha polarização entre PT e PSDB. É incoerente, depois de tudo que se passou, reforçar um desses polos agora”, diz Erundina. “É ainda mais vexatório declarar voto para uma candidatura notadamente conservadora, que defende posições tão contrárias ao que defendemos, como a redução da maioridade penal.”
Após a decisão pelo apoio ao candidato tucano, por parte de 22 membros da sigla, Erundina e o deputado Glauber Braga, do Rio de Janeiro, decidiram se retirar da reunião. “Saímos no momento em que eles começaram a redigir a carta de apoio a Aécio. Respeitamos a decisão da maioria, mas não queríamos referendar essa posição", comentou. Além de Erundina,votaram pela neutralidade a senadora Lídice da Mata (BA), o senador Antônio Carlos Valadares (SE), Katia Born, o secretário de Juventude Bruno da Mata, o presidente do partido Roberto Amaral e o secretário da Área Sindical, Joílson Cardoso. O senador João Capiberibe (AP) foi o único que votou pelo apoio a Dilma.

A deputada admitiu que o partido está dividido. Acredita, ainda, que a decisão de apoiar Aécio terá efeitos sobre as eleições internas do PSB, marcadas para a segunda-feira 13. O atual presidente da sigla, Roberto Amaral, disputa a recondução ao cargo, mas desgastou-se ao defender a neutralidade do PSB no segundo turno das eleições presidenciais.

“Vamos ver quais serão os desdobramentos dessa decisão da Executiva do PSB. É inegável que há uma crise interna, uma divisão dentro do partido, e isso emerge num momento em que ainda estamos disputando o segundo turno em quatro estados.”

Texto original neste endereço: CARTA CAPITAL

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Sobre a censura em Sergipe

Imprensa livre e democracia são ameaças às elites

Paulo Victor Melo
Quando o vice-presidente do Tribunal de Justiça de Sergipe, desembargador Edson Ulisses, processou cível e criminalmente o jornalista Cristian Góes – por este ter escrito um texto puramente ficcional, sem qualquer referência a nomes, tempo e espaço – muitos, inclusive o autor desta coluna, alertaram que se abria naquele momento um precedente para a instalação do cerceamento à liberdade de expressão e opinião de outros jornalistas dessas terras.

Fatos recentes mostram que, infelizmente, estávamos certos.

No final da semana passada, o jornalista Ivan Valença recebeu da Justiça Eleitoral uma condenação por publicar, em sua coluna semanal num jornal sergipano, uma pesquisa que trazia dados que não agradavam a alguns agrupamentos políticos do estado. A condenação de Ivan Valença foi fruto de uma ação do Partido Trabalhista Nacional (PTN), uma das dezenas de legendas de aluguel que, em Sergipe, estão sob a tutela da família Amorim e compõem o PDI – Partido Dois Irmãos, nome criado, inclusive, pelo próprio Ivan Valença.

O mesmo PTN – ressalto, comandado pela família Amorim –, no final do mês de maio, entrou com uma ação na Justiça Eleitoral proibindo que o Secretário Adjunto de Comunicação do Governo do Estado, Sales Neto, divulgasse a agenda de atividades do Governador Jackson Barreto. O argumento do PTN, acatado pela Justiça, é de que Sales Neto, ao informar onde e quando o Governador iria diariamente, fazia propaganda eleitoral antecipada.

Não me alongarei muito neste caso em específico, mas enquanto Sales Neto é proibido de falar sobre a agenda do Governador (agenda essa que, concordemos ou não com as ações do Executivo estadual, interessam ao conjunto da população e, portanto, devem ser publicizadas), um parlamentar da Assembleia Legislativa de Sergipe se utiliza de uma concessão pública de rádio para, em seu programa matinal, em pleno ano eleitoral, gritar aos quatros ventos que é “o resolvedor de problemas”. Para esse, o Judiciário simplesmente fecha os olhos.

Mas o cerceamento à liberdade de expressão e de exercício profissional de jornalistas em Sergipe não está apenas na esfera judicial. Também, infelizmente.

Esta semana, enquanto exerciam a sua profissão, membros da equipe do portal Infonet foram abordados de forma violenta e ameaçados de morte por um policial civil no interior do estado. Equipamentos de trabalho, como celulares e máquina fotográfica, foram tomados a força e quebrados pelo policial, que, ao que tudo indica, se sentiu incomodado com a cobertura séria e responsável que a Infonet tem feito sobre Ítalo Bruno Araújo (enteado do Secretário de Segurança Pública de Sergipe, João Eloy), preso em flagrante (e solto imediatamente) com armas de uso exclusivo da Polícia.

Ainda que tenham motivações e características diferentes, todos esses casos põem em risco não apenas o exercício profissional de jornalistas e demais trabalhadores da comunicação, mas colocam em xeque a própria democracia. E essa é a grande questão: setores das elites econômicas e políticas de Sergipe se sentem ameaçados com uma imprensa livre porque se sentem ameaçados pela própria democracia. Para esses, devem reinar o autoritarismo e a censura.

Paulo Victor Melo Jornalista, mestrando em Comunicação e Sociedade na Universidade Federal de Sergipe. Tem experiência com jornalismo sindical, mídias públicas e políticas públicas de comunicação. Coordenador do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Texto original : INFONET

terça-feira, 27 de maio de 2014

Um tabu que sangra o Brasil

A isenção sobre as remessas, aprovada no governo FHC, tornou-se um desestímulo à reaplicação dos lucros em uma economia carente de investimentos.

por: Saul Leblon

O Brasil perde cada vez mais dólares com as remessas de lucros e dividendos das empresas estrangeiras instaladas no país.

Em abril foram remetidos US$ 3,2 bi; US$ 9 bilhões no primeiro quadrimestre de 2014.

No ano passado, lucros, dividendos e royalties remetidos às matrizes totalizaram quase US$ 40 bilhões.

Equivale à soma dos gastos na construção das usinas de Jirau, Belo Monte, SantoAntônio e a refinaria Abreu e Lima.

Representa quase 50% do rombo externo do período, de US$ 81 bi (3,6% do PIB).

Não há problema, diz a ortodoxia. Com a liberdade de capitais, o fluxo de investimentos diretos, e os especulativos, cobre o rombo, ou quase todo ele.

De fato, o ingresso anual de capitais na economia brasileira oscila em torno de US$ 60 bilhões (a diferença em relação ao déficit cambial total é zerada com captações em títulos).

Parece um lago suíço. Mas não é.

As correntezas submersas das contas externas, embora muito distantes da convulsão vivida no ciclo de governo do PSDB –quando as reservas cobriam poucos meses de importações e eram tuteladas pelo FMI- mostram uma dinâmica estrutural conflitante.

As exportações não conseguem gerar um superávit suficiente para cobrir a fatia expressiva das remessas e gastos no exterior.

O declínio nos preços das commodities e a baixa competitividade das exportações industriais (associada à expansão das importações) completam a espiral descendente dos saldos comerciais.

Em 2013 a diferença entre embarques e desembarques deixou apenas US$ 2,561 bilhões no caixa do país, pior resultado da balança comercia desde o ano 2000.

Em 2014, apesar da melhora refletida em um superávit mensal de US$ 506 milhões em abril, o acumulado no quadrimestre ainda é negativo: menos US$ 5,5 bilhões de dólares.

Em tese, haveria aí um paradoxo: como uma economia onde o capital estrangeiro acumula lucros tão robustos e remessas tão generosas (US$ 9 bilhões entre janeiro e abril), exporta tão pouco?

Duas lógicas se superpõem na explicação do conflito aparente.

A primeira decorre da inexistência de sanções que desencorajem as remessas.

Essa atrofia reflete a evolução política do país.

Em 1952, Vargas instituiu um limite de repatriação de 10% sobre os lucros do capital estrangeiro.

Em 20 de janeiro de 1964, Jango, certo de que estava assinando sua deposição, sancionou e especificou barreiras às remessas no decreto 53.451.

Estava correta intuição do presidente.

O golpe de 1964 eliminou a restrição quantitativa em 1965 - os 20% anuais de retorno do capital e os 10% sobre os lucros foram substituídos por um imposto progressivo.

O mecanismo penalizava adicionalmente remessas acima de 12% do capital médio registrado no triênio anterior. Buscava-se, teoricamente, induzir a permanência do recurso no país na forma reinvestimento, sujeito apenas ao imposto na fonte.

A ‘boa’ intenção da ditadura foi derrubada com a emergência do ciclo neoliberal, que eliminou o imposto suplementar em 31 de dezembro de 1991, no governo Collor. 

A escalada do desmonte incluiu ainda um corte na alíquota do Imposto de Renda sobre remessas , que caiu de 25% para 15%.

Finalmente, em 1995, no governo Fernando Henrique Cardoso, a Lei 9.249 reduziu a zero a alíquota, instituindo a isenção total de imposto sobre as remessas de lucros e dividendos.

É sugestivo que os mesmos veículos que rasgam manchetes para a erosão de divisas na conta de turismo, silenciem diante dessa sangria gerada pelo capital estrangeiro, cujo controle é uma espécie de tabu da agenda nacional.

Embora descabido para um país que enfrenta dificuldades em gerar saldos com exportações, a verdade é que o débito acumulado pelos viajantes brasileiros nas contas externas (US$ 2,3 bilhões em abril e US$ 8,2 bi no ano) é inferior ao fluxo das remessas do capital estrangeiro.

Mas isso não repercute. Talvez porque envolva não apenas uma diferença contábil.

A intocabilidade que cerca o capital estrangeiro sonega um debate que precisa ser feito para destravar a máquina do desenvolvimento brasileiro.

O tabu, na verdade, blinda escolhas políticas feitas nos anos 90, cujos desdobramentos explicam uma parte importante das dificuldades estruturais para a economia voltar a crescer de forma expressiva.

O regime facultado ao capital externo, associado à sofreguidão das privatizações nos anos 90, instalou no país uma azeitada plataforma de remessas de divisas, dissociada de contrapartidas equivalentes do lado exportador. 

As privatizações dos anos 90, mas também os investimentos estrangeiros e aquisições predominantes nas últimas décadas, concentraram-se em áreas de serviços –chamadas non-tradables, não comercializáveis no exterior.

Ou seja, criaram-se direitos de remessas permanentessem expandir proporcionalmente o fôlego comercial da economia.

A desestruturação da taxa de câmbio, traço que se arrasta desde o Real ‘forte’, completou a base de um sistema manco para dentro e para fora.

Três muletas se atropelam nesse tripé: exportações industriais declinantes e importações ascendentes, devido ao câmbio valorizado, e sangria desmedida nas diversas modalidades de remessas do capital estrangeiro.

O Brasil não vive uma asfixia externa, como a da crise da dívida nos anos 70 e 80, em parte decorrente de empréstimos que, de fato, ampliariam a capacidade e a infraestrutura do sistema produtivo.

Mas está constrangido no flanco externo por um descompasso estrutural intrínseco ao regime concedido ao capital estrangeiro.

O pano de fundo incômodo traz pelo menos um desdobramento positivo.

A ideia de que as condições de investimento e financiamento na economia devem estar atreladas –inexoravelmente— ao padrão de liberação financeira dos anos 90 não se sustenta mais.

As facilidades desmedidas oferecidas ao capital estrangeiro não redundaram em um salto no patamar de investimento, tampouco agregaram um novo divisor de competitividade, ademais de nada acrescentarem à inserção da indústria local nas cadeias de suprimento e tecnologia que dominam o capitalismo globalizado.

O insulamento regressivo não é a alternativa.

Mas as evidências demonstram que os protocolos destinados ao capital estrangeiro não servem para gerar os efeitos multiplicadores necessários ao aggiornamento do parque industrial e à inserção internacional da economia. 

Na verdade, a isenção concedida às remessas fez o oposto.

Incentivou o não reinvestimento de lucros, promoveu o endividamento intercompanhias (entre filial e matriz), exacerbou a consequente espiral dos juros e deslocou a ênfase do resultado operacional para a esfera financeira.

Uma conta grosseira indica que o capital estrangeiro remeteu nos últimos 11 anos cerca de US$ 240 bilhões, para um estoque de investimento da ordem de US$ 720 bi.

A relação soa favorável, não fosse a qualidade desse fluxo, boa parte, repita-se, destinado a aquisições de plantas já existentes e prioritariamente focado em atividades não geradoras de divisas.

Não apenas isso.

O líder em remessas de lucros e dividendos nos últimos dez anos, o setor automobilístico, responsável por quase 14% da sangria desde 2003, não exibiu qualquer compromisso com o país quando se instalou a crise internacional.

À renúncia fiscal sobre as remessas veio se sobrepor, então, novas demandas por isenções de impostos, a título de se evitar demissões, sem que de fato se tenha assegurado a garantia do emprego ao trabalhador brasileiro.

O conjunto resgata o tema do controle de capitais como uma ferramenta oportuna, legítima e indispensável à reordenação do desenvolvimento brasileiro. 

Chegou a hora de desmascarar um tabu que sangra o Brasil.

Texto original: CARTA MAIOR