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sexta-feira, 17 de julho de 2015

10 coisas sobre o Mais Médicos que a mídia convencional não conta para você

O programa cobre 3.785 municípios, sendo que 400 deles nunca haviam tido médicos. Distritos indígenas contam hoje com 300 médicos; antes não tinham nenhum.

Cynara Menezes - Socialista Morena

Há dois anos, no dia 8 de julho de 2013, o Brasil foi tomado por uma onda de ira corporativista contra um projeto que visava ampliar a oferta de médicos especializados em saúde da família no País. Naquele dia, o governo baixou a Medida Provisória (MP) criando o programa Mais Médicos, que previa a importação de médicos de diversos países, inclusive cubanos. O Conselho Federal de Medicina (CFM) e a oposição ao governo tentaram, de todas as formas, impedir que os estrangeiros viessem suprir a carência de profissionais em áreas rejeitadas pelos médicos brasileiros.

Médicos cubanos chegaram a ser vaiados e insultados por colegas em sua chegada no aeroporto de Fortaleza (CE), em uma atitude que surpreendeu os dirigentes da OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde), parceira do governo federal no programa. “Nunca pensei que fosse chegar a este extremo de preconceito e até racismo, que fossem dizer que as médicas cubanas pareciam empregadas domésticas, que os médicos negros deveriam voltar para a África ou que eram guerrilheiros disfarçados”, lamenta o representante da OPAS/OMS no Brasil, Joaquín Molina.

Neste meio tempo, sempre que a mídia brasileira noticiou o programa foi para contar quantos cubanos fugiram para Miami ou os erros que porventura cometeram, ainda que nunca tenha se concretizado nenhuma condenação. Molina se queixa que, cada vez que era procurado pelos jornais para defender o programa, ganhava um parágrafo na reportagem, contra dez do presidente do CFM atacando a ideia. “Pessoalmente, acho que a mídia brasileira privilegia a notícia ruim. Nunca vi uma manchete positiva neste país”, critica.

Reuni neste post 10 pontos que a imprensa não destacou para que as pessoas possam conhecer melhor o programa Mais Médicos. Confira:

1. O número de médicos na atenção básica à população na rede pública do País foi ampliado em 36%: tinha cerca de 40 mil antes do programa e ganhou 14.462 profissionais, entre eles 11.429 cubanos e 1.187 com diplomas de outros países. A lei priorizou os brasileiros, mas apenas 1.846 se inscreveram na primeira convocatória. Este ano, a situação se inverteu e 95% das 4.146 vagas foram ocupadas por médicos brasileiros.

2. Além de serem reconhecidos como excelentes médicos de saúde da família, a principal vantagem dos médicos vindos de Cuba, segundo a OPAS, é que vieram todos de uma vez, em um pacote. Outra vantagem é que qualquer abandono que não seja por razões de saúde é coberto pelo governo cubano, que envia outro profissional sem nenhum custo adicional para o governo brasileiro. A OMS situa o sistema de saúde cubano entre os 39 melhores do mundo; o sistema de saúde brasileiro aparece na 125ª posição. Ao contrário dos brasileiros e profissionais de outros países, os cubanos também não escolhem para onde querem ir, é o ministério e a OPAS que decidem para onde serão designados.

3. Os médicos cubanos ganham R$ 3 mil por mês; os outros R$ 7 mil do salário previsto no acordo vão para o governo de Cuba. Ainda assim, o pagamento que recebem no Brasil é 20 vezes superior ao que receberiam em sua ilha natal. Além disso, os municípios arcam com todas as despesas: transporte, moradia e alimentação. Ou seja, o cubano praticamente não gasta o dinheiro que recebe.

4. Uma avaliação independente feita em 1.837 municípios revelou um aumento de 33% na média mensal de consultas e 32% de aumento em visitas domiciliares; 89% dos pacientes reportaram uma redução no tempo de espera para as consultas. Uma pesquisa feita em 2014 pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), baseada em 4 mil entrevistas em 699 municípios, revelou que 95% dos usuários estão satisfeitos ou muito satisfeitos com o desempenho dos médicos. 86% dos entrevistados afirmaram que a qualidade da atenção melhorou após a chegada dos profissionais do Mais Médicos e 60% destacaram a presença constante do médico e o cumprimento da carga horária. Queridos por seus pacientes, vários médicos cubanos têm sido homenageados pelas câmaras municipais por seu trabalho no Brasil.

5. O programa cobre 3.785 municípios, sendo que 400 deles nunca haviam tido médicos. Os 34 distritos indígenas contam hoje com 300 médicos; antes não tinham nenhum. Entre os yanomami, por exemplo, houve um aumento de 490 atendimentos em 2013 para 7 mil em 2014, com 15 médicos cubanos dedicados à etnia com exclusividade. 99% dos médicos que atendem os índios no programa são cubanos.

6. Um dos trabalhos mais interessantes desenvolvidos pelos médicos cubanos nas aldeias indígenas é o resgate da Medicina Tradicional, com o uso de plantas. Na aldeia Kumenê, no Oiapoque (AP), o médico Javier Lopez Salazar, pós-graduado em Medicina Tradicional, atua para recuperar a sabedoria local na utilização de plantas e ervas medicinais, perdida por causa da influência evangélica. O médico estimulou os indígenas a buscar as canoas defeituosas e abandonadas nas beiras dos rios para transformá-las em canteiros de uma horta comunitária só com ervas medicinais, identificadas com placas e instruções para uso.

7. Ao contrário do que os jornais veiculam, os médicos e médicas cubanos não são proibidos de se casar com brasileiros. Existe uma cláusula que os obriga a comunicar os casamentos para evitar bigamia em seu país natal, segundo a OPAS. Os casos de romances entre médicos/as e brasileiros/as são numerosos. Houve até uma prefeita em Chorrochó, na Bahia, que se casou com um médico cubano.

8. Desde que o programa Mais Médicos começou, 9 médicos cubanos morreram: cinco por enfarto, 3 por câncer e 1 por suicídio (em 2014, um médico de 52 anos, ainda em treinamento, foi encontrado morto em um hotel de Brasília, possivelmente por enforcamento). Até agora, somente oito abandonaram o programa e deixaram o país rumo aos EUA.

9. O programa Mais Médicos virou modelo no continente e países como a Bolívia, o Paraguai, o Suriname e o Chile, que também sofrem com falta de profissionais, já planejam fazer projetos semelhantes.

10. Além do atendimento de saúde, o Mais Médicos inclui a ampliação da oferta na graduação e na residência médica e a reorientação da formação e integração da carreira. A meta é criar, até 2018, 11,5 mil novas vagas de graduação em medicina e 12,4 mil de residência médica, em áreas prioritárias para o SUS. Os municípios onde serão instalados os novos cursos de medicina foram escolhidos de acordo com a necessidade social, ou seja, lugares com carência de médicos.

Texto original: CARTA MAIOR

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Interesses empresariais fecham o cerco ao SUS

'Há uma ação muito bem articulada dos atores interessados na mercantilização da saúde, que financiaram muitos parlamentares que estão hoje no Congresso'

Maíra Mathias - EPSJV

A ressaca já tinha sido grande quando, no dia 19 de janeiro, a presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei 13.079, que modifica a Lei Orgânica da Saúde e contraria a Constituição de 1988 para permitir a entrada do capital estrangeiro na assistência à saúde. Contudo, foi apenas nos dias seguintes à sanção que a atuação do governo federal no episódio foi ficando clara. Atropelo do controle social e argumentos que não convencem: tudo isso dá a dimensão dos interesses por trás da medida que levou o Executivo a entrar em rota de colisão com as entidades da Reforma Sanitária e a militância do SUS. Nessa matéria, tentamos recuperar parte do processo para contrapor os argumentos oficiais às críticas, abordando ainda as perspectivas de ação legal e luta política que se abrem em ano de 15a Conferência Nacional de Saúde.

Tudo começou na Câmara dos Deputados, onde tramitava a Medida Provisória (MP) nº 656 de 2014, editada pela Presidenta da República, que tratava do reajuste da tabela do Imposto de Renda (que, afinal, seria vetado por Dilma Rousseff). Os parlamentares acharam por bem incorporar 32 temas estranhos à MP 656, que, acrescida de aproximadamente cem artigos, passou a tratar de assuntos tão diferentes quanto a construção de um aeroporto particular e o perdão da dívida de clubes de futebol com a União. O texto, definido por muitos como uma “colcha de retalhos”, incluiu, por fim, a participação direta ou indireta do capital estrangeiro na saúde, abrindo a porteira para que empresas de fora do país atuem na assistência à saúde, adquirindo ou operando hospitais comerciais e filantrópicos, clínicas, laboratórios e outros serviços, como o planejamento familiar. Aprovada no dia 17 de dezembro, a MP se transformou no Projeto de Lei de Conversão nº 18 e seguiu para sanção presidencial, que deveria ocorrer em no máximo 15 dias. Em uma corrida contra o tempo, nove entidades do Movimento da Reforma Sanitária se mobilizaram em torno da campanha “Veta Dilma!”. 

No dia 18 de janeiro, o ministro da Saúde solicitou uma reunião com representantes dessas entidades. Em meio à intensa campanha de mobilização, elas esperavam que o encontro fosse uma oportunidade de debate. Contudo, a decisão do governo já estava tomada. “A manifestação do ministro era favorável à sanção. Na ocasião, ele nos disse que ninguém da Esplanada iria pedir o veto. Para ele, a permissão à presença do capital estrangeiro iria ‘legalizar’ uma situação que, de fato, já vem ocorrendo e, uma vez legalizada a situação, poderia haver uma regulação clara por parte do governo”, conta a presidente do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes), Ana Maria Costa. 

Na ocasião, as entidades argumentaram que a regulação deveria ter como ponto de partida a Constituição e a Lei Orgânica da Saúde e não o atropelo de uma e de outra. “Ressaltamos que a base legal da regulação está clara e que, se vêm ocorrendo fatos que burlam a lei, eles deveriam ser apurados e punidos. Não seria caso para investigação por parte da Polícia Federal? Por que não vêm ocorrendo punição e interdição à ação do capital estrangeiro em serviços de assistência à saúde se há indícios de que empresas nacionais são, de fato, operadas por recursos estrangeiros?”, relembra a presidente do Cebes. A posição firme das entidades não agradou Chioro, que taxou-as de "atrasadas".

Maior instância de controle social no SUS, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) foi o primeiro a advertir que a abertura do capital estrangeiro significaria um risco à soberania sanitária brasileira, ao Sistema Único e à própria Constituição. Em nota publicada em 18 de dezembro, a mesa diretora do CNS frisou que o parlamento tomou a decisão “ao apagar das luzes do ano legislativo e sem debate”. Foi justamente a primeira reunião do ano do CNS, no dia 27 de janeiro, a ocasião escolhida pelo ministro da Saúde para externar suas críticas às vozes críticas. Segundo Chioro, aqueles que se posicionaram contra a medida sofrem de um “antagonismo político inadequado”. Ainda segundo o ministro, lhes “falta capacidade de análise a fundo da matéria”.

Essa avaliação, contudo, não impediu que no dia 29 de janeiro o ministro se reunisse com as mesmas entidades que criticou na véspera, buscando retomar um canal de diálogo com o Movimento da Reforma Sanitária. Na reunião, Arthur Chioro voltou a expor os argumentos do governo, na tentativa de envolver as entidades na elaboração de um termo de referência para a criação de um grupo de trabalho para apoiar a pasta no tema da regulação. "Como a lei não prevê nenhuma regulação - e isso está muito claro - o ministro convidou as entidades para estudar mecanismos de regulação do setor privado. Mas é uma proposta que parte da admissão de que a lei já está aprovada. E nós confiamos que será declarada inconstitucional", afirma Luis Eugenio Portela, presidente da Associação Brasileira da Saúde Coletiva (Abrasco). Sobre a posição do Executivo no episódio, Ana Maria Costa lamenta: “Saímos das reuniões com a sensação de um diálogo entre estranhos morais, ou seja, os argumentos do Movimento da Reforma Sanitária não repercutiram e nem sensibilizaram as posições aparentemente firmes e convictas do ministro”, resume.


Argumentos do ministro


As posições firmes do Governo Federal foram apresentados em relato divulgado pela Abrasco. Nele, a vice-presidente da entidade, Eli Iola Gurgel, destaca os argumentos apresentados por Arthur Chioro na reunião do dia 29 de janeiro: “Ele afirmou que a proposta de inserção das medidas na MP 656 foi de iniciativa da ‘base do governo’. Analisa que passados 27 anos da criação do SUS o mundo mudou muito… Ao longo desse período ocorreu um processo ‘lento e gradual’ de abertura para o capital estrangeiro”. Ainda de acordo com o relato, o titular da Saúde teria dito que a Constituição de 1988 prevê um sistema de saúde público, mas não estatal, e que, hoje, não seria possível ignorar o fato de 52 milhões de pessoas terem planos de saúde. 

Ainda segundo o relato, o ministro afirmou que ao longo do processo de expansão do mercado privado, houve escapes que permitiram a entrada do capital estrangeiro, em referência à lei 9.656 sancionada em 1998 no governo Fernando Henrique Cardoso. Sem a lei, a Amil não poderia ter sido vendida por R$ 10 bilhões para a United Health, nem a Intermédica para o grupo de investimentos Bain Capital por quase R$ 2 bilhões. De acordo com o ministro, o caso explicita a assimetria criada no mercado prestador privado, uma vez que o capital estrangeiro demonstrou mais interesse em comprar operadoras de planos de saúde que tinham rede assistencial própria, ou mesmo comprou operadoras para depois adquirir serviços de assistência à saúde. Por fim, Eli Iola destaca que Chioro “admitiu que já estava acontecendo, no governo, uma movimentação para aprimoramento da regulação do mercado privado (o BNDES, por exemplo, abriu linha de empréstimo/investimento para filantrópicos), mas usou a expressão ‘atropelados’ para se referir à condução da alteração na medida provisória 656”. 


Manobra retórica


Na análise do economista Carlos Octávio Ocké-Reis, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os argumentos do ministro encobrem um conjunto de fatos relevantes para a compreensão dos efeitos da abertura do capital estrangeiro no SUS e na própria dinâmica do mercado privado nacional. “Do ponto de vista retórico, o argumento dele é de um regulador que tem que prezar pela competição dos mercados. Chioro está dizendo que há relações assimétricas porque alguns agentes econômicos tiveram vantagens em função de um determinado arranjo institucional relativo aos planos de saúde. Então, é importante ter um arranjo institucional que também contemple os hospitais, permitindo uma simetria na competição entre eles”, afirma, completando: “Só que o ministro se esquece de dizer que não é uma competição no sentido de favorecer o consumidor, de tornar os preços mais baratos, de ter uma sinergia com o SUS”. 

Para identificar as lacunas da argumentação oficial, é preciso, no entanto, olhar melhor para o cenário a que ela se refere. "Resumindo, o objetivo das empresas é crescer, ou seja, ganhar novos mercados e abocanhar uma fatia cada vez maior dos usuários saudáveis. Alguns mercados são mais relevantes do que outros. É o caso de metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro, onde a população tem nível mais alto de renda e há maior concentração de médicos, insumos e serviços. As empresas, portanto, competem entre si para obter fatias maiores desses mercados. A isso se chama market share ou cota de mercado", explica Ocké. A partir disso, o economista resume as três tendências que regem o mercado da saúde hoje: centralização, concentração e internacionalização.

A centralização (também chamada de verticalização) ocorre na medida em que a empresa que opera planos de saúde também é dona de hospitais, clínicas e laboratórios. Como o plano de saúde é o grande intermediário na relação entre os clientes e os serviços de saúde privados, as operadoras mais centralizadas ficam à frente da concorrência pois tem maior poder de barganha e ganham na escala. Já a concentração é esse grupo econômico ter cada vez um número maior de usuários no total de usuários desse mercado. "O mercado de planos de saúde hoje é extremamente concentrado, é um oligopólio. Ou seja, são poucos os planos de saúde cobrindo a maior parte do contingente consumidor desses mercados relevantes", descreve Carlos.

No setor hospitalar, a lógica é a mesma e o diagnóstico também. "O setor hospitalar privado de primeira linha é oligopolista, quase monopolista. São poucos agentes econômicos nesse mercado. Por isso tem uma briga de cachorro grande dos grandes hospitais com os planos de saúde. Os grandes hospitais são oligopolizados e os planos de saúde também. Uns tem uma relação de compra, outros uma relação de venda", explica Ocké-Reis. A diferença entre as operadoras e planos se resumia à terceira tendência mencionada pelo economista: a internacionalização, ou seja, a injeção de capital estrangeiro nas operações. Agora, a diferença não existe mais. E, segundo o ministro, agora começa a regulação. “A regulação pragmática seria aquela que, ao verificar um processo de concentração e centralização em determinados setores, ao invés de coibir o processo, o usa como justificativa para liberar geral. Ou seja, não se trata de regular tendo como objetivo o redesenho ou a reestruturação de um mercado à luz de determinados princípios e orientações do Ministério da Saúde, mas algo que acontece a reboque dos interesses desse mercado. Como existe uma relação público-privada deletéria para o público no Brasil – seja no que se refere à utilização, seja no que diz respeito ao financiamento –, fortalecer a hegemonia do mercado é, na prática, fragilizar o SUS”, entende Ocké.

O presidente da Abrasco também rebate outros pontos da argumentação do ministro, como a justificativa de que o Executivo teria sido atropelado por sua base parlamentar. "Esse projeto entrou sorrateiramente no meio de uma medida provisória mas não foi um raio em céu azul. Ele já havia transitado por diversas áreas de governo com pareceres que permitiram que fosse adiante. Então, não foi uma surpresa. Pelo menos para o governo". A afirmação de que, finalmente, o Estado atuará na regulação do capital estrangeiro segundo Portela é "falaciosa", pois não dá a real dimensão dos problemas que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) enfrenta junto às empresas nacionais. "Temos assistido uma regulação extremamente falha do ponto de vista dos interesses do SUS. Nem mesmo o ressarcimento está sendo feito plenamente. Sem falar da porta giratória. Os diretores da ANS saem para assumir cargos nas operadoras e vice-versa. Ou seja, o órgão regulador está dirigido por membros do setor regulado. É uma situação de captura", critica.

Antes e depois da sanção, notícias de negociações da compra de hospitais pipocaram na mídia comercial. No dia 23 de janeiro, a Folha de S. Paulo anunciou que a Rede D´Or, maior empresa de hospitais do país (com 27 unidades), estava em negociações com o fundo estadunidense Carlyle. Contudo, a avaliação geral é de que os investidores estrangeiros não devem entrar no país para construir hospitais e, sim, comprar os já existentes. Tampouco o capital estrangeiro vem para suprir lacunas assistenciais da rede privada, como pediatria, mas para investir em filões que dão lucro, como neurocirurgia, ortopedia, cardiologia e oncologia. 


SUS: mais longe


Segundo o presidente da Abrasco, a medida reforça um processo de segmentação do sistema de saúde e de abdução do sentido constitucional do direito à saúde. "Há uma ação muito bem articulada dos atores interessados na mercantilização da saúde. Esses interesses são bem representados no parlamento, inclusive por meio do financiamento de campanhas de vários deputados, senadores, e também de candidatos ao Executivo. Objetivamente, a situação é muito difícil do ponto de vista da manutenção de um Sistema Único de Saúde", avalia. 

Para Ana Costa, já pode se falar em uma rede anti-SUS, eficaz na defesa dos interesses privados das empresas que financiam campanhas eleitorais. "Não podemos esquecer que recentemente o SUS foi derrotado na votação da PEC [Proposta de Emenda à Constituição] 358 sobre o Orçamento Impositivo, apoiada pelo governo. A medida mudou as bases do repasse federal e impôs subtração de cerca de R$ 10 bilhões para o orçamento da União na saúde. Do conjunto dos deputados, apenas 44 deles votaram contra. Entre aqueles que votaram a favor, estão deputados das 'fileiras do movimento sanitário'. Se vamos ao financiamento das campanhas, essa rede perversa anti-SUS fica ainda mais evidente: operadoras de planos, seguradoras, indústria farmacêutica investem muito nas eleições destes 'representantes do povo' que, naturalmente conduzem seus mandatos em favor de seus financiadores".

Luis Eugenio observa que, no discurso, nenhum desses atores se posiciona claramente contra o Sistema Único. "O SUS enquanto complemento, sistema de resseguro, que paga os procedimentos de alto custo, que garante uma atenção básica razoável para as pessoas que não podem pagar planos; esse SUS é muito interessante. Agora, o SUS enquanto sistema único de igualdade, qualidade para todos, esse SUS está cada vez mais longe", diz. 


Batalha legal


Depois de serem atropeladas pelo Legislativo e Executivo, as entidades concentram esforços para barrar a lei no Judiciário. Por terem caráter científico, contudo, não podem recorrer diretamente ao Supremo Tribunal Federal (STF). A estratégia adotada é oferecer assessoria técnica a partidos, sindicatos, confederações e outras entidades de classe que queiram apoiar a luta. A primeira parceira do movimento foi a Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados (CNTU) que encaminhou ao Supremo a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.239 no dia 13 de fevereiro. A ADI engloba dois pedidos. No curto-prazo, pede a suspensão liminar do artigo 142, impedindo a lei de entrar em vigor até que seja julgada pelos magistrados, que vão examinar se a lei fere ou não a Constituição. Julgamentos assim podem demorar até dez anos.

Nesse sentido, há um precedente importante aberto por um órgão do próprio Executivo. No dia 3 de fevereiro, o jornal O Estado de S. Paulo divulgou trechos de parecer sigiloso da Advocacia Geral da União (AGU) sobre o tema. O documento foi encaminhado à Presidência da República no dia 15, portanto quatro dias antes da sanção e, segundo publicou o jornal, argumentava que “o dispositivo constitucional prevê, de fato, vedação expressa à participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País. A ressalva aos casos previstos em lei deve portanto ser entendida como alusão a casos excepcionais, que justifiquem objetivamente a abertura ao capital estrangeiro das ações e serviços de saúde previstos constitucionalmente”.


Luta política


Enquanto os argumentos jurídicos contrários à entrada do capital estrangeiro na assistência à saúde têm peso, o mesmo não se pode dizer da atuação política das entidades e da militância do SUS, frente a uma correlação de forças desfavorável. Na avaliação de Carlos Ocké-Reis, o movimento sofre de uma lacuna teórica e estratégica. "A construção do SUS universal, integral e equitativo é um objetivo estratégico do Movimento da Reforma Sanitária. Se esse objetivo é consensual, ele sozinho não permite homogeneizar a caracterização da conjuntura, nem organizar ações táticas, tampouco articular diferentes expectativas das entidades do movimento em relação aos meios para atingir os pressupostos constitucionais do SUS", aponta. 

A presidente do Cebes admite que a entidade possa "atualizar estratégias e rumos" sem abandonar os princípios do SUS. "O Cebes está preparando uma tese para contribuir com o debate. Conclamamos todas as entidades, movimentos e demais setores da sociedade a fazer o mesmo: mobilizar, debater e retomar, com a força e o poder popular, os rumos da Reforma Sanitária brasileira". Também Luis Eugenio aposta no fortalecimento dos vínculos da Reforma Sanitária com os movimentos sociais em ascensão na sociedade brasileira. "Estamos vivendo, desde 2013, um processo de acirramento das tensões sociais. De crescimento dos movimentos sociais. Nós tendemos a ter uma polarização, uma radicalização da luta política e a ideia do SUS enquanto sistema universal, igualitário e integral não vai morrer. É preciso dizer que os próprios movimentos sindicais que durante muito tempo pleitearam junto a seus empregadores planos privados de saúde já perceberam a armadilha em que caíram. Esses planos não têm garantido a assistência que eles imaginavam que teriam. E eles se engajaram, como o Movimento Saúde 10 demonstrou, na defesa do SUS universal. Então, o que se coloca é o acirramento das disputas dentro da sociedade no âmbito do Congresso Nacional, no âmbito do poder Executivo mas, sobretudo, dentro dos movimentos sociais".

Em ano de 15a Conferência Nacional de Saúde (CNS), as entidades se preparam para tensionar o maior espaço de controle social do SUS. "A Conferência será o que conseguirmos fazer dela. Pode ser muito ou nada. O tema escolhido esteriliza a real situação e, inclusive, é perigoso pois fala de saúde pública e não de SUS. O apelo à qualidade da atenção, mesmo que seja uma pauta fundamental, é muito pouco quando o que está em risco é a sobrevivência dos princípios constitucionais do direito à saúde e do SUS, público, universal e integral", diz Ana Costa. 

Créditos da foto: Marcos Santos / USP imagens

Texto original: CARTA MAIOR

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Os alimentos que compramos!

Cada vez mais se critica a alimentação nossa de cada dia. Não é pra menos, somos o maior consumidor de agrotóxicos do planeta (cinco litros para cada habitante do Brasil), os produtos que antes eram perecíveis são conservados com produtos químicos (será que nos fazem bem?) e será que o peso, data de vencimento e conteúdo estão corretos?

Além da qualidade dos produtos alimentícios, vindos do campos, que faz tempo deixa muito a desejar pela quantidade de agrotóxicos utilizados e já existem estudos comprovando as complicações decorrentes do uso excessivo, faz tempo que existem críticas a respeito o que se faz e o que se usa na conservação de tais produtos. Qual a reação destes produtos químicos no organismo humano? Existem pesquisas comprovando que muitos desses produtos provocam câncer e isso sem falar daqueles produtos que ainda não foram comprovados as complicações pelo uso e absorção!!!

Muitos dos produtos agrotóxicos e produtos utilizados na nossa alimentação são proibidos nos chamados países do primeiro mundo e estranhamente liberados para uso na agricultura e beneficiamento dos alimentos aqui no Brasil!!!

Além dos problemas já citados, temos de nos procurar com alguns itens na hora da compra:

O peso
É comum se questionar o peso dos produtos alimentícios vendidos nos supermercados, feiras e mercearias. Como a fiscalização frouxa é comum encontrarmos produtos com peso abaixo do ofertado. E mesmo com as denuncias é comum encontrarmos produtos com peso adulterado nas feiras, mercearias e até nos supermercados.

Data de vencimento
Mesmo com o uso excessivo de conservantes existem limites e prazos para os produtos serem consumidos. Mas é comum encontramos produtos com datas vencidas na prateleiras de supermercados e mercearias. Em alguns casos os produtos nas prateleiras chegam a ficarem podres.

Existem órgãos responsáveis pelo controle do peso e data de vencimentos dos produtos, só que eles geralmente aparecem depois de várias denuncias e como existe uma demora entre a denuncia e a apuração, os consumidores acabam sendo lesados justamente neste intervalo.

Para piorar a situação, o controle só é feito nos produtos colocados nas prateleiras e não existe nenhum controle do que se faz com os produtos vencidos retirados dessas prateleiras. Existem muitas denuncias que alguns produtos, tipo feijão e arros, são retirados das prateleiras e levados para recolocação com novas datas de vencimentos!!! Existem alguns supermercados que colocam nova data de vencimento na presença dos próprios consumidores!!!

O conteúdo do produto
Quando você está comprando algum produto alimentício tem certeza do peso e também que o produto que está sendo comprando é 100% do que realmente você pensa que é?

Quanto a questão do peso existem denuncias e mais denuncias e de vez em quando aparecem os agentes responsáveis para reprimir os abusos. Claro que a eficiência não é tal grande, mas inibe um pouco a ação deste método.

E em relação aos produto nas embalagens oferecidas, você tem certeza do que está levando? Vamos ver algumas exemplos de como esse item é burlado pelas empresas vendedoras de alimentos:

Produtos derivados do leite
Nos supermercados a manteiga já vem pesada, embalada e nas feiras geralmente é pesada na hora. Você saberia se as beneficiadoras de alimentos (é assim que se chama as empresas de alimentos) colocassem um pouco de sal ou trigo na manteiga que você está comprando? Veja, um latão de manteiga tem 20 Kg, se a beneficiadora pegar um desses latões e misturar um quilo de sal, você perceberia? É claro que os compradores desses 21 Kg de manteiga (não se esqueça que foi adicionado um quilo de sal) estaria pagando um quilo de sal como se fosse manteiga!

E a venda de manteiga Diet? Você sabe como se consegue deixar a manteiga diet? Lembrar que a manteiga é 100% gordura tirada do leite ou pelo menos deveria ser!. A única maneira de deixar a manteiga com menos gordura é misturar algum produto na mesma que não seja gordura. Na propaganda vem escrito: produto com 10% a menos de gordura. Já parou pra pensar que esses 10% é outro produto, como por exemplo: trigo ou algum farinácio. Você estaria comprado 90% de manteiga, com mais 10% de trigo, como se fosse um único produto. Estaria pagando trigo como se fosse manteiga (o trigo é muito mais barato) e o mais interessante é que a manteiga Diet é vendida mais cara por ser Diet!!!!

O queijo nosso de cada dia
O queijo, igualmente a manteiga, é um subproduto do leite e consequentemente pode-se usar os mesmos artifícios usados para a manteiga e se conseguir vender trigo ou sal pelo preço do produto original ao qual foram adicionados!

Até o próprio leite
As vezes é adulterado com produtos químicos para ficarem mais branco, mais consistente e terem o tempo de validade, do produto, prolongado!!! Claro, a substância adicionada é mais barata que o próprio leite e geralmente não é um produto apropriado para o consumo humano. Não faz muito tempo que denúncias foram feitas pela grande impressa neste sentido.

O Café torrado
Você já percebeu que algumas marcas de café são bem mais amarga que outras? O que torna o café mais amargo que outros? É um outro tipo de café que você não está acostumado a consumir ou tem algum outro produto misturado?

Me lembro, quando criança, costumava ir nessas casa de vender café, junto com o meu pai. Claro, geralmente íamos fazer uma refeição. Mas, como criança costuma entrar em tudo que é lugar, certa vez entrei em uma dessas casas de torrar café e vi vários sacos de café e um de milho! Como era criança, nem liguei o fato de ter um saco de milho dentro de um depósito onde se torra café. Foi que uma certa vez meu pai tomando o café, em umas dessa casas, ele questionou: o café parece ter milho torrado misturado? Está com gosto esquisito! Foi que liguei o fato de ter um saco de milho dentro do depósito de uma dessas casas!

Alimentos em grãos
Alguns alimentos vendidos em grãos vem com misturas estranhas ou provenientes do próprio produto (bagaço é um deles) que aumentam o peso, o volume do produto e consequentemente estão sendo vendidos como parte do produto. Como exemplo, podemos citar os mais vendidos: feijão, arroz e milho.

A quantidade de bagaço, grãos deformados, pequenos insetos e até mesmo algumas pedras influenciam no peso e volume do produto. Mas o inconveniente não fica só por conta do pagamento, tem também o fato que esses produtos exigem que se faça uma separação, dos grãos, antes de serem consumidos. As vezes algumas dessas pedras passam despercebidas, por ocasião da separação, e acabam parando no seu almoço, o risco de se morder uma dessas pedras e perder um dente é eminente. Se esse produtos forem cozinhados sem a devida separação o risco, de um acidente, tornam-se bem maior!

Antônio Carlos Vieira
Licenciatura Plena - Geografia (UFS)


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Alimentos: tecnologia mórbida.
Você sabe realmente do que está se alimentando?


segunda-feira, 26 de agosto de 2013

‘Mais Médicos’: eles agem como Bush em Nova Orleans

Há oito anos, no dia 26 de agosto de 2005, o furacão Katrina chegou aos EUA.

No dia 29 atingiu Nova Orleans. Desencadearia uma espiral de devastação que associou desabamentos, inundações, afogamento, fome, sede e saque.

Pretos, pobres, velhos e crianças foram as principais vítimas do desastre que custou 1.800 vidas.

Muitas poderiam ter sido poupadas se o socorro tivesse a agilidade requerida nessas horas.

O governo Bush demorou quatro dias para reagir.

O presidente republicano sequer visitou o local logo após a tragédia.

Com uma semana da passagem do Katrina, inúmeras áreas continuavam isoladas.

O abandono cuidou de eliminar muitos dos que sobreviveram à tormenta.

A palavra caos nunca esteve tão associada à ausência de governo como em Nova Orleans.

Tropas para conter saques e violência chegaram logo. Mas continuou faltando suprimentos, médicos, remédios e gente especializada em atuar em situações limite.

A popularidade de Bush vergou sob o peso dos mortos.

Não era uma guerra, não cabiam desculpas patrióticas.

Novas Orleans deixou patente a inadequação social de uma governo que se evocava um anexo dos mercados.

Em meio ao desespero, Fidel Castro ofereceu ajuda. Cuba se propôs a colocar 1.600 médicos experimentados em catástrofes para atuar em Nova Orleans.

‘Em 48 horas’, prontificou-se o governo cubano.

Bush não respondeu.

Fidel insistiu. Cuba providenciaria todo o equipamento necessário e 36 toneladas de medicamentos.

Silêncio.

Dias depois, um porta-voz da Casa Branca dispensou a oferta.

Há um ciclone de abandono e isolamento médico cujo vórtice atinge cerca de 3500 municípios brasileiros.

A demanda para atender à emergência é superior a 15 mil médicos.

As inscrições validadas pelo programa Mais Médicos resolvem 10% dessa defasagem.

Cerca de 4 mil médicos cubanos foram contratados pelo governo brasileiro para mitigar a emergência, em um acordo mediado pela Organização Pan Americana de Saúde.

Os primeiros grupos a desembarcar neste final de semana, em Recife e Salvador, receberam do conservadorismo local o mesmo tratamento seboso e deselegante endereçado por Bush a Fidel, durante o Katrina.

A exemplo do republicano, o conservadorismo brasileiro prefere ver a pobreza morrer doente a ter um médico cubano prestando assistência emergencial nas áreas mais carentes do país.

Se dependesse dos gásparis, elianes, tucanos e assemelhados o Katrina da carência médica continuaria a devastar o Brasil miserável.

Enquanto a hipocrisia conservadora pontifica elevadas razões humanistas para recusar a ajuda emergencial de Cuba.

A verdade, porém, é que o ‘Mais Médicos’ caiu na simpatia da população.

A reação foi oposta ao que pretendia a resistência corporativa ao programa.

Descaradamente elitista, o boicote criou uma referência pedagógica dos interesses em disputa neste caso.

Hoje, o ‘Mais Médicos’ conta com o apoio de 54% da população, no que diz respeito à vinda de profissionais estrangeiros.

Diante do revés, o conservadorismo acionou a sua tropa de elite.

As mesmas gargantas que vociferam contra o ‘Custo Brasil’, o salário mínimo e toda a herança de leis trabalhistas trazida do ciclo Vargas, agora discursam em defesa dos direitos e salários dos cubanos.

Alguns, os mais afoitos, já acalentam uma saia justa diplomática, diante de eventuais ‘desertores...’

Veteranas da crônica conservadora evocam Castro Alves e falam em ‘aviões negreiros’.

O degrau promete não ser o último da desfaçatez.

A má fé ideológica tem gordura para queimar.

Mas não só isso.

Há uma real dificuldade de ir além da lógica plana e rasa, fruto do comodismo cevado na ausência de debate real no jornalismo, ambiente no qual foram adestrados os vulgarizadores mencionados.

Ouvir os cubanos, por exemplo, para quê se a concorrência também não o fará?

Uma reportagem de fôlego em lugares e países onde acordos semelhantes já funcionam?

Desnecessário, pelo mesmo motivo.

Uma visita às escolas de medicina cubanas, para discutir a suspeita de baixa qualificação de que são acusados seus formandos?

Idem, ibidem.

Sonega-se aos protagonistas do acordo brasileiro qualquer possibilidade de motivação solidária, competência profissional e discernimento do seu papel no mundo, distinto dos critérios exclusivamente pecuniários que movem o corporativismo branco aqui e alhures.

Médicos, cu-ba-nos?

É mais fácil desdenha-los, como fez Bush, mesmo que isso tenha custado a chance de sobrevivência de muitas das 1800 vítimas fatais em Nova Orleans.

Fazem o mesmo os nossos ‘bushs’.

A usina plana e rasa da emissão conservadora impede que se discuta em profundidade qualquer tema. Desde problemas na esfera da saúde pública, até impasses e desafios reais da construção do socialismo no século 21, dos quais Cuba é um exemplo.

E não é preciso recorrer a Marx para aquilatar o ônus desse entorpecimento.

O economista Paul Krugman, a quem os nossos ‘bushs’ não podem acusar de ‘petismo’, escreveu, a propósito da visão republicana sobre saúde pública, algumas linhas que caem como uma luva no debate brasileiro sobre o ‘Mais Médicos’. Pergunta: quem, na indigência do nosso colunismo, seria capaz de articular um raciocínio não previsível e nuançado, como esse?

(...) “A relação médico-paciente já foi considerada especial, quase sagrada. Agora, políticos e supostos reformistas tratam o atendimento médico como se ele fosse uma transação comercial igual à compra de um carro (...) A medicina, afinal de contas, é uma área em que decisões cruciais – decisões de vida ou morte – devem ser tomadas. Para que esse arbítrio ocorra de maneira inteligente, requer-se um vasto conhecimento técnico dos profissionais do setor. Como se isso não bastasse, as escolhas dos médicos são frequentemente feitas enquanto o paciente está incapacitado, sob muito estresse ou quando a ação precisa ser imediata, sem tempo para discussões, muito menos para a pesquisa de preços.(...) É por isso que existe a ética médica. É por isso que os médicos são tradicionalmente vistos como uma categoria especial, da qual se espera um comportamento de padrão mais elevado do que a média dos demais trabalhadores. Há um motivo sobre por que assistimos a séries televisivas que retratam médicos – e não gerentes administrativos – como heróis. Sugerir que essa realidade possa ser reduzida a um simples comércio – que os médicos sejam meros “fornecedores” vendendo serviços a “consumidores” de saúde – é, com o perdão do trocadilho, uma ideia doentia. O fato de essa noção equivocada ter se tornado dominante é sinal de que há algo de muito errado não apenas nessa discussão, mas também nos valores da sociedade ... “ (Paul Krugman; NYT 22/04/2011)

Leia também, abaixo, dois textos extraídos do dossiê sobre Cuba, produzido em 2011 pelo Instituto de Estudos avançados da USP (IEA).

Um olhar para a saúde pública cubana’ foi escrito pelo jornalista cubano José A. de la Osa, especializado na área científica. O texto bastante informativo traça um panorama do ensino médico, da pesquisa, das descobertas e avanços técnicos na ilha, de onde provém os profissionais que agora vão trabalhar no Brasil. O preconceito conservador, sugestivamente, dispensa-se de consultar esses dados antes de proferir sentenças nutridas em ignorância e frivolidades.

Cuba: a sociedade após meio século de mudanças, conquistas e contratempos” é outro exemplo de consistência, da qual se ressente o colunismo conservador ao criticar as dificuldades da revolução cubana. O artigo traça um panorama denso e crítico do quadro atual cubano, sem concessões à conveniência ou à visão direitista. O sociólogo Aurelio Alonso, autor do trabalho, é professor adjunto da Universidade de Havana e subdiretor da revista Casa de las Américas.

Postado por Saul Leblon às 04:02

Texto replicado: CARTA MAIOR

sábado, 29 de junho de 2013

Médicos cubanos no Brasil?

Por: Frei Betto, no sítio da Adital: 

O Conselho Federal de Medicina (CFM) está indignado frente ao anúncio da presidente Dilma de que o governo trará 6.000 médicos de Cuba, e outros tantos de Portugal e Espanha, para atuarem em municípios carentes de profissionais da saúde.
 
Por que aqui a grita se restringe aos médicos cubanos? 

Detalhe: 40% dos médicos do Reino Unido são estrangeiros.

Também em Portugal e Espanha há, como em qualquer país, médicos de nível técnico sofrível. A Espanha dispõe do 7º melhor sistema de saúde do mundo, e Portugal, o 12º. Em terras lusitanas, 10% dos médicos são estrangeiros, inclusive cubanos, importados desde 2009. Submetidos a exames, a maioria obteve aprovação, o que levou o governo português a renovar a parceria em 2012.

Ninguém é contra o CFM submeter médicos cubanos a exames (Revalida), como deve ocorrer com os brasileiros, muitos formados por faculdades particulares que funcionam como verdadeiras máquinas de caçaníqueis.

O CFM reclama da suposta validação automática dos diplomas dos médicos cubanos. Em nenhum momento isso foi defendido pelo governo. O ministro Padilha, da Saúde, deixou claro que pretende seguir critérios de qualidade e responsabilidade profissionais.

A opinião do CFM importa menos que a dos habitantes do interior e das periferias de nosso país que tanto necessitam de cuidados médicos. Estudos do próprio CFM, em parceria com o Conselho Regional de Medicina de São Paulo, sobre a "demografia médica no Brasil”, demonstram que, em 2011, o Brasil dispunha de 1,8 médico para cada 1.000 habitantes.

Temos de esperar até 2021 para que o índice chegue a 2,5/1.000. Segundo projeções, só em 2050 teremos 
4,3/1.000. Hoje, Cuba dispõe de 6,4 médicos por cada 1.000 habitantes. Em 2005, a Argentina contava com mais de 3/1.000, índice que o Brasil só alcançará em 2031.

Dos 372 mil médicos registrados no Brasil em 2011, 209 mil se concentravam nas regiões Sul e Sudeste, e pouco mais de 15 mil na região Norte.

O governo federal se empenha em melhorar essa distribuição de profissionais da saúde através do Provab 
(Programa de Valorização do Profissional de Atenção Básica), oferecendo salário inicial de R$ 8 mil e pontos de progressão na carreira, para incentivá-los a prestar serviços de atenção primária à população de 1.407 municípios brasileiros. Mais de 4 mil médicos já aderiram.

O senador Cristovam Buarque propõe que médicos formados em universidades públicas, pagas com o seu, o meu, o nosso dinheiro, trabalhem dois anos em áreas carentes para que seus registros profissionais sejam reconhecidos.

Se a medicina cubana é de má qualidade, como se explica a saúde daquela população apresentar, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), índices bem melhores que os do Brasil e comparáveis aos dos EUA?

O Brasil, antes de reclamar de medidas que beneficiam a população mais pobre, deveria se olhar no espelho. No ranking da OMS (dados de 2011), o melhor sistema de saúde do mundo é o da França. Os EUA ocupam o 37º lugar. Cuba, o 39º. O Brasil, o 125º lugar.

Se não chegam médicos cubanos, o que dizer à população desassistida de nossas periferias e do interior? 
Que suporte as dores? 
Que morra de enfermidades facilmente tratáveis? 
Que peça a Deus o milagre da cura?

Cuba, especialista em medicina preventiva, exporta médicos para 70 países. Graças a essa solidariedade, a 
população do Haiti teve amenizado o sofrimento causado pelo terremoto de 2010. Enquanto o Brasil enviou tropas, Cuba remeteu médicos treinados para atuar em condições precárias e situações de emergência. 

Médico cubano não virá para o Brasil para emitir laudos de ressonância magnética ou atuar em medicina nuclear. Virá tratar de verminose e malária, diarréia e desidratação, reduzindo as mortalidades infantil e materna, aplicando vacinas, ensinando medidas preventivas, como cuidados de higiene.

O prestigioso New England Journal of Medicine, na edição de 24 de janeiro deste ano, elogiou a medicina cubana, que alcança as maiores taxas de vacinação do mundo, "porque o sistema não foi projetado para a escolha do consumidor ou iniciativas individuais”. Em outras palavras, não é o mercado que manda, é o direito do cidadão.

Por que o CFM nunca reclamou do excelente serviço prestado no Brasil pela Pastoral da Criança, embora ela disponha de poucos recursos e improvise a formação de mães que atendem à infância? A resposta é simples: é bom para uma medicina cada vez mais mercantilizada, voltada mais ao lucro que à saúde, contar com o trabalho altruísta da Pastoral da Criança. O temor é encarar a competência de médicos estrangeiros.

Quem dera que, um dia, o Brasil possa expor em suas cidades este outdoor que vi nas ruas de Havana: "A cada ano, 80 mil crianças do mundo morrem de doenças facilmente tratáveis. Nenhuma delas é cubana”.

Texto retirado do JORNAL GAZETA VALEPARAIBANA página 03