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sábado, 1 de novembro de 2014

O 'Bolsa Esmola' dos mais ricos

Como pobres não têm dinheiro para gastar em escolas e médicos privados, ficam de fora dos benefícios

Por Fernando Molica

O DIA

Rio - O Bolsa Família conquistou a unanimidade dos principais candidatos à Presidência — os oposicionistas Marina Silva e Aécio Neves até disseram que ampliariam o programa desenvolvido em administrações petistas. Mas, nas ruas e na internet, a complementação de renda é muito criticada por pessoas que dizem ser contra o governo, o mecanismo chega a ser chamado de Bolsa Esmola.

A entrega de uma quantia mensal a famílias muito pobres — fundamental para a alimentação de milhões de brasileiros — é associada a um estímulo ao comodismo. E olha que o valor médio do benefício é Texto replicado : nas R$ 152,35. Mas os que tanto criticam a transferência de renda aos mais pobres não falam que também se beneficiam de dinheiro público, são favorecidos pelo que poderíamos chamar de Bolsa Rico ou Bolsa Classe Média.

A grande maioria da população não tem dinheiro para bancar escolas e serviços privados de saúde e é obrigada a recorrer às redes públicas. Mas essas mesmas pessoas — que estão entre as mais pobres — são obrigadas a rachar a conta das escolas particulares e dos médicos, dentistas, fisioterapeutas, psicólogos e hospitais privados utilizados pelos que têm mais grana. 

O subsídio se dá pelo imposto de renda, que permite a dedução das despesas com saúde e autoriza o abatimento de parcela do que foi gasto com a educação do contribuinte e de seus dependentes. Como pobres não têm dinheiro para gastar em escolas e médicos privados, ficam de fora dos benefícios.

Recursos aplicados em uma modalidade de plano de previdência privada também podem ser abatidos do imposto, assim como parcela do INSS pago a empregadas domésticas. É inacreditável, mas é isso mesmo — com a desculpa de estimular a formalização do trabalho doméstico, o governo devolve para os patrões dinheiro gasto com a previdência das empregadas. Deve ser o único país do mundo em que o privilégio de manter uma doméstica conta com estímulo oficial. 

No ano passado, foram investidos R$ 24,5 bilhões no Bolsa Família. Já o valor das deduções previstas no imposto de renda de pessoas físicas foi estimado em R$ 37, 354 bilhões. Só os abatimentos relacionados a despesas com saúde chegariam a R$ 9,874 bilhões; o subsídio àqueles que gastam em escolas privadas somaria R$ 3,877 bilhões. No fim das contas, muita gente que se diz contra o Bolsa Família quer mesmo é continuar a tirar dos pobres para dar aos ricos ou remediados. Robin Hood ficaria espantado com a cara de pau de muitos de nossos compatriotas.

E-mail: fernando.molica@odia.com.br

Texto replicado : BLOG GILSON SAMPAIO

sábado, 13 de julho de 2013

O verdadeiro culpado do boato sobre o Bolsa Família

Duas semanas antes da série de manifestações que pipocaram pelo país, as ruas estavam cheias de outras 900.000 pessoas também ansiosas, pessoas que também expressavam seus medos e desejos e assim questionavam o rumo do país. Muitas delas não tinham Facebook e não eram jovens; elas vinham da parcela mais pobre da população brasileira. Elas foram para as ruas motivadas por um boato sobre o fim do programa Bolsa Famíllia, e assim decidiram buscar logo o benefício mensal. Seu ato coletivo foi reconhecido não como gesto político, e sim como mero tumulto. Porém, esses, não menos do que aqueles, falavam dos limites e barreiras do momento atual

11/07/2013

Gregory Duff Morton*

de Chicago, Illinois

Em junho de 2013, o mundo ouviu as surpreendentes vozes de um movimento inesperado. Milhares de pessoas entraram nas principais avenidas do Brasil para revelar os limites e barreiras do modelo de desenvolvimento hoje vigente. Os protagonistas mais visíveis desse momento eram estudantes e jovens interligados pelo Facebook, e o movimento que eles construíram foi imediatamente recebido como um gesto político.

Duas semanas antes, as ruas estavam cheias de outras 900.000 pessoas também ansiosas, pessoas que também expressavam seus medos e desejos e assim questionavam o rumo do país. Muitas delas não tinham Facebook e não eram jovens; elas vinham da parcela mais pobre da população brasileira. Elas foram para as ruas motivadas por um boato sobre o fim do programa Bolsa Famíllia, e assim decidiram buscar logo o benefício mensal. Seu ato coletivo foi reconhecido não como gesto político, e sim como mero tumulto. Porém, esses, não menos do que aqueles, falavam dos limites e barreiras do momento atual. Eles queriam dizer alguma coisa.

E quando eu tento escutar aquilo que eles estavam falando, me lembro de minha conversa com Jaira.

“Não é algo…” Jaira me falou essa frase e parou. Por um momento, no ar seco do sertão baiano, houve silêncio. Finalmente ela achou a palavra certa e completou: “...confiável.”

Não é algo confiável. Era 2012, e Jaira estava tentado me explicar as realidades do Bolsa Família. Sou estudante de antropologia, estrangeiro. Quando comecei a morar no povoado rural onde Jaira também mora, as mulheres do lugar queriam ensinar-me alguma coisa. Elas queriam indicar, antes mesmo de o fato acontecer, quem seria o verdadeiro culpado do boato sobre o Bolsa Família em maio de 2013. O culpado não seria um político nem um gerente de banco.

Seria outra coisa.

Seria a estrutura de um programa social que, todos os dias, com mil pequenas humilhações, comunica simbolicamente para seus beneficiários: Bolsa Família não é algo confiável. Você não pode contar com esse dinheiro.

É importante dizer, em um primeiro momento, que o Bolsa Família transformou a vida de Jaira. Na zona rural, percebe-se fisicamente a diferença entre os jovens que nasceram antes do Bolsa Família e os que nasceram depois.

A melhora na nutrição (entre tantos outros fatores) é nítida. Minha pesquisa demonstrou que o dinheiro, na grande maioria das vezes, é usado para gastos com comida, roupas, e alojamento. Ou seja, esse recurso tem um papel fundamental no progresso de 13,8 milhões de famílias, o que representa um êxito humano de relevância mundial. O programa brasileiro é a maior programa de transferência condicionada de renda no mundo, e o mundo está de olho; foi o Bolsa Família, justamente, que me trouxe até Brasil para fazer pesquisa.

Mas para podermos valorizar esse sucesso, precisamos reconhecê-lo como um sucesso ainda incompleto. Seus limites tornaram-se evidentes no dia 18 de maio, quando correu um boato segundo o qual o programa seria cancelado. Cerca de 900 mil beneficiários em 13 estados se apressaram para chegar até os pontos de pagamento, provocando tumultos, pânico, esgotamento de dinheiro nos caixas e, pouco tempo depois, uma polêmica partidária sobre a origem do problema. Segundo informações da Caixa Econômica Federal, no 17 de maio, o banco pulou o calendário normal, no qual o pagamento é feito de forma escalonada, e liberou o recurso mensal de todos os beneficiários no país ao mesmo tempo.

Eis o paradoxo. Como é que um aumento na disponibilidade do dinheiro, um pagamento antecipado, podia transformar-se em um poderoso boato sobre ocancelamento do programa?

A resposta a essa pergunta revela uma realidade bem importante sobre o Bolsa Família. Foram milhares de pessoas que passaram o boato de vizinho para vizinho, em quintais e roças, por meio de ligações de orelhão e conversas de igreja, e essas pessoas, mesmo comunicando uma informação incorreta, davam voz a uma verdade. Elas demonstravam o que Antônio Gramsci chamava de “bom senso,” ou seja, a capacidade das massas para expressar uma verdade social em uma forma não ortodoxa. E a verdade é essa: Bolsa Família é um programa social, e não um direito.

Essa verdade pode ser ouvida no que me disseram quatro vizinhas de Jaira, em quatro conversas distintas, no ano de 2012:

“Bolsa Família não é uma coisa segura que-- hoje você tem, amanhã-- já não sabe mais se você tem.”

“O dia que cortar, vai ser geral […] Esse dinheiro não é para toda a vida.”

“Acho que tem que estar preparado, que não é uma coisa que vai ser pra sempre [...] e você nem sabe se você vai ficar recebendo a vida toda […] o governo corta.”

“Receber até o dia que eles querem […] que ninguém sabe se é para toda a vida.”

A instabilidade do Bolsa Família é um fato vivido por essas benificiárias rurais. Elas a percebem logo no cadastramento. O acesso ao benefício não é garantido, mesmo para quem se encaixa nos critérios do programa, e as vizinhas de Jaira costumam esperar muito para receber o primeiro pagamento— três meses pelo menos e, em algumas famílias que conheço, até quatro anos.

(Nas frias palavras do site do MDS, “o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome seleciona, de forma automatizada, as famílias que serão incluídas no PBF. No entanto, o cadastramento não implica a entrada imediata das famílias no Programa e o recebimento do benefício.”)

No povoado onde mora Jaira, quando comecei minha pesquisa no final de 2011, quase todo mundo já havia feito várias viagens à prefeitura para solicitar o Bolsa Família, mas 20,5% dos domicílios qualificados não recebia nada.

Mesmo o fato de receber o dinheiro não traz segurança. Muitas das vizinhas de Jaira já tiveram o recurso bloqueado, geralmente por causa de transtornos burocráticos e às vezes sem explicação, durante três ou quatro ou até onze meses.

Esses bloqueios provocavam crises na alimentação das crianças, mas, em um lugar onde a passagem de ônibus para chegar até a prefeitura custa o equivalente ao que um trabalhador ganha em um dia de trabalho no campo, foi difícil resolvê-los. Quando os beneficiários conseguiam desbloquear o Bolsa Família, não recebiam pagamento atrasado.

Os beneficiários entendem claramente o recado que mandam os gestores do programa. Mireya Súarez e Marlene Libardoni, em sua pesquisa sobre o Bolsa Família, ouviram esse recado de um gestor municipal:

“A gente não sabe até quando vai durar, que é um programa que teve início e que pode ter fim. Portanto, as famílias têm que se preparar para se desligar disso.”

Esses gestores, entretanto, só comunicam uma incerteza que tem sua origem na estrutura política do Bolsa Família. As listas de espera, os bloqueios, a falta de segurança sobre o futuro: tudo vem da raiz do programa.

Tudo isso acontece porque o Bolsa Família não é um direito — é um programa social. A decisão de estruturar o Bolsa Família como programa opcional do governo – ou seja, como intervenção pontual e impermanente – foi uma determinação política.

O Senador Suplicy defendeu uma visão alternativa, na qual o Bolsa Família seria o primeiro passo na criação de uma renda básica universal, mas seus esforços infatigáveis tiveram como único resultado uma lei de valor simbólico e hoje ignorada.

O Bolsa Família, na sua condição de programa social, quebrou com a trajetória do Estado de Bem-estar brasileiro, uma trajetória marcada pelo aumento paulatino da parcela da população que gozava do direito a uma transferência de renda: os direitos trabalhistas da época de Vargas, a expansão de aposentadorias para lavradores rurais em 1963, e, como fruto da redemocratização, a criação em 1993 do Benefício de Prestação Continuada para pessoas idosas ou com deficiências.

Não foi por acaso que a Lei Orgânica de Assistência Social falava, em 1993, na “garantia dos direitos sociais,” quando, dez anos mais tarde, o decreto criando o Bolsa Família visou “estimular a emancipação sustentada das famílias que vivem em situação de pobreza e extrema pobreza.”

Entre “garantir” e “estimular,” entre 1993 e 2004, vive-se toda uma transformação no Estado. Flexibilidade, investimento, e auto- empreendedorismo viram as palavras-chaves, e a estrutura do Bolsa Família demonstra o quanto nem Lula nem Dilma conseguiram romper com esse fundamento neoliberal. No mundo da permanente impermanência, a função do governo é atingir metas, e não garantir direitos.

Nos olhos de quem recebe o Bolsa Família, se o dinheiro não é um direito, o que é? Segundo as palavras de um vizinho de Jaira, é “um grande privilégio.” Ou seja, o benefício é uma dádiva com a qual não se pode contar.

É claro que não são todos os beneficiários enxergam o programa assim. Mas a lógica do “privilégio” vem sendo reforçado com as ondas sucessivas de aumentos inseguros e às vezes transitórias. Enquanto eu morava no povoado, ouvimos falar do Bolsa Verde, do Brasil Carinhoso, do Bolsa Nutriz e Bolsa Gestante, e do Bolsa Estiagem, só alguns dos quais chegaram e só para algumas pessoas, geralmente sem explicação e sempre sem garantia.

Entende-se, portanto, por que alguns beneficiários interpretaram a chegada antecipada do dinheiro, no dia 17 de maio, como um “presente de Dilma” para o Dia das Mães. Entende-se também, em um movimento mais complexo, o raciocínio que levou os beneficiários a concluir que esse presente sinalava também o fim do programa.

Podemos lembrar aqui os pensamentos do antropólogo Marcel Mauss, grande teórico do fenômeno da dádiva. A dádiva, para Mauss, é um fenômeno aparentemente voluntário, mutável, e nunca sujeito a uma contabilidade exata. Nas variadas culturas humanas, a dádiva nunca pertence totalmente ao seu receptor; uma parte sempre procura voltar ao doador. O ato de doar pede mas não garante um retorno, e o retorno pede outro dom, prolongando assim o vínculo..

Como perfeitos maussianos, os beneficiários tentam retribuir o dom do Bolsa Família com o contra-dom das condicionalidades (freqüência escolar e vacinas), mas, frente aos bloqueios burocráticos e à incerteza sobre o futuro do programa, o contra-dom não consegue regularizar totalmente o fluxo do dinheiro. Essa dádiva é instável.

O próprio Mauss considerava que os benefícios sociais eram dádivas, e, escrevendo no ano 1925, ele já destacou a insuficiência de benefícios instáveis que o Estado não garante. Pelo visto, muitos beneficiários do Bolsa Família concordam com ele. Em 2012, já corriam boatos, no sertão baiano, que tratavam do final do Bolsa Família, como futuro de um programa sem garantia. Parecia claro que uma dádiva como o Bolsa Família não pudesse ficar de maneira permanente nas mãos dos pobres.

E em maio de 2013, nos olhos de muitos beneficiários, parecia que essa profecia estava se tornando realidade. Quando de repente o valor do dom aumenta, Mauss nos ensina, aumenta também a incapacidade do receptor para retribui-lo. Por isso, um incremento no dom implica uma certa agressividade, um lance que rompe com o ritmo de dom e contra-dom, e que visa impossibilitar o contra-dom e assim terminar o ciclo das trocas. O gesto de entregar o Bolsa Família antes da hora seria também o gesto de terminar o processo.

Corria o boato no 18 de maio, entre as pessoas que se apressavam para sacar seus benefícios, que o governo precisava de dinheiro para acolher a visita do papa ou a Copa das Confederações. Janúbia Silva Alves, de 29 anos, explicou a lógica em uma entrevista condedida à Folha de S. Paulo (19/5):

"Estão avisando na minha comunidade que o governo vai pagar os próximos três meses até o final do domingo e cancelaria tudo. A minha vizinha, que já pegou o dinheiro dela, disse que o governo quer economizar dinheiro para conseguir fazer as festas para o papa.”

Os argumentos sobre o papa e a Copa exemplificam o bom senso. Um benefício não garantido, um mero programa social, sempre compete com as prioridades espetaculares do estado desenvolvimentista. E, como no potlatch da sociedade Kwakiutl, o Bolsa Família terminaria, disse o boato, com grandes festas marcadas por um dom extraordinário -- 3 meses de benefício! -- e impossível de retribuir.

Vale a pena pensar, além do pânico de maio, nos efeitos negativos produzidos pela dinâmica de dádiva instável que até hoje caracterizou a política do governo para com Bolsa Família. Simbolicamente e juridicamente, o dinheiro nunca pertence totalmente ao beneficiário. É um dinheiro que pode sumir a qualquer momento. A “cidadania” que ele gera será, portanto, uma cidadania também incompleta. Os vizinhos de Jaira não conseguem fazer grandes decisões – mudança de casa, início de pequeno negócio, empréstimo a longo prazo – fundamentadas na segurança de que o Bolsa Família vai permanecer. Pior ainda, o dom instável reforça o aspeto de dominação na relação beneficiário-Estado, pois a arbitrariedade que acompanha esse benefício evidencia a incapacidade do sujeito para influir nas decisões que mais afetam sua vida.

Essa desigualdade vem complementando outra: a hierarquia entre “trabalho” (atividade masculina, segundo o estereótipo) e os esforços dentro de casa. Apresentando o Bolsa Família como investimento pontual no capital humano, como auxílio para consumos, como dom instável, os arquitetos do programa conseguem separá-lo do salário, o dinheiro clássico do homem. Tal simbolismo vem escondendo uma visão alternativa: o Bolsa Família poderia ser visto como o salário para o trabalho doméstico. Nesse caso, estariam sido valorizados os trabalhos mais negligenciados, porém mais essenciais para a reprodução da sociedade. O Bolsa Família seria entendido, assim, como obrigação do Estado, como remuneração que o receptor ganha e, com justiça, pode exigir. Uma fonte de verdadeira riqueza humana seria reconhecida.

O Bolsa Família mudou o Brasil, e é hora de mudar o conceito que temos do Bolsa Família. Em 18 e 19 de maio, uns poucos dias antes do grande movimento dos jovens, milhares de beneficiários passaram um boato de porta em porta, de janela em janela, e assim deixaram sua condição de objetos de planejamento social para se tornarem, por um instante, protagonistas no discurso público. Com vozes eloquentes, eles revelaram as instabilidades e insuficiências do modelo atual e a urgência de uma visão melhor.

* Gregory Duff Morton é lecturer em Antropologia e Serviço Social na University of Chicago, mestre em Antropologia e mestre em Serviço Social pela University of Chicago, e doutorando em Antropologia e Serviço Social na mesma universidade.

Texto replicado : BRASIL DE FATO

terça-feira, 2 de abril de 2013

Seca: em 2013 o pesadelo continua

Desde o final de 2012 os meteorologistas anunciaram que as chuvas no nordeste, durante o período de maior incidência – entre fevereiro e maio – estavam abaixo da média, o clima era considerado seco, muito seco e extremamente seco, nos 969 mil km2 que envolvem o semiárido brasileiro. Drama chega até o Recife (foto), onde já há racionamento.

Najar Tubino

Não é só pelo racionamento que iniciou em Recife semana passada e está programado para durar três meses, porque uma das barragens que abastece a cidade tem apenas 19% da sua capacidade. Desde o final de 2012 os meteorologistas anunciaram que as chuvas no nordeste, durante o período de maior incidência – entre fevereiro e maio – estavam abaixo da média, o clima era considerado seco, muito seco e extremamente seco, nos 969 mil km2 que envolvem o semiárido brasileiro. É a região árida mais populosa do planeta, com cerca de 25 milhões de habitantes, sendo 1.133 municípios enquadrados como semiárido, inclui nove estados nordestinos e o norte de Minas Gerais.

Para a ONU estamos na década de combate à desertificação, se encerrará em 2020. Desde 1997 o Brasil é signatário da Convenção de Combate à Desertificação, por um motivo muito simples: pelos menos 46% da área do semiárido esta susceptível à desertificação. No mundo o problema atinge 33% da superfície terrestre, envolvem quase três bilhões de pessoas. São perdidas anualmente 24 bilhões de toneladas de solo. Na América Latina, o problema atinge 11 países e uma área que varia de 357 milhões de hectares até mais de 500 milhões.

Histórico de horrores
É um problema grave que se torna ainda maior levando em consideração o histórico no país e no mundo. As secas das décadas de 1870 a 1890 mataram milhões de pessoas no mundo. Uma delas dizimou mais de 500 mil sertanejos no nordeste. Mais recente, a seca dos anos 1979 a 1983, matou pelo menos 700 mil pessoas, segundo relatos oficiais. A população rural do semiárido caiu entre os anos 2000 e 2010 em 5,7%, passou de pouco mais de 43% para 38%. Mais de 520 mil pessoas deixaram a área rural nesse período.

Existem outros dados para traçar o perfil do semiárido, hoje em dia. A começar pela implantação dos programas de benefício para as pessoas que não tem renda. No caso do semiárido 50% não contam com renda, ou apenas recebem os benefícios dos programas oficiais, na sua maioria (59,5%) são mulheres. Cerca de cinco milhões dispõem de apenas um salário mínimo, sendo 47% mulheres. Somente 5,5% recebem renda entre dois e cinco salários mínimos. E apenas 0,15% tem renda acima de 30 salários. Este é um perfil divulgado pela ASA, a Articulação do Semiárido, formada por mais de mil organizações e está presente em toda a região. Foi criada no final da década de 1990. Em 1993, os trabalhadores rurais ligados à CONTAG invadiram a sede da SUDENE, na época a entidade governamental que monopolizava as ações no nordeste.

Um milhão de cisternas
A ASA foi organizada com o objetivo de mudar o panorama do semiárido, trabalhando com a realidade dos sertanejos e a construção de alternativas para lidar com as agruras do sertão. O uso sustentável dos recursos naturais, a recomposição ambiental e a quebra do monopólio de acesso a terra, água e outros meios de produção, além do apoio a difusão de métodos, técnicas e procedimentos, que contribuam para a convivência com o semiárido, ao lado da campanha maior, que era a construção de um milhão de cisternas – capacidade para 16 mil litros. Segundo informações oficiais, o governo federal entregou 150 mil cisternas em 2012, somando 237 mil no biênio 2011-2012. Também no ano passado foram usados 4.292 carros pipas em mais de 700 municípios. O chamado PAC Prevenção do Semiárido realizou obras de R$2,2 bilhões, incluindo a primeira etapa da adutora no rio Pajeú, que foi entregue recentemente. Também o programa Bolsa Estiagem beneficiou 881 mil agricultores, o seguro safra pago a outros 768 mil produtores.

São situações que não existiam antes do Programa Nacional de Prevenção à Desertificação e combate aos efeitos da seca lançado em 2004. Mas que ainda estão longe de mudar o panorama real dos sertanejos, quando a seca aperta. O professor Aziz Ab’sáber dizia que era falácia ensinar o nordestino a conviver com a seca. Mas o problema econômico da região é histórico. Desde a época da instalação das fazendas de gado para produção de carne, couro e animais de tração e manter a indústria canavieira escravocrata da zona da mata. Passando pela implantação de lavouras de algodão arbóreo, aproveitando a guerra civil norte-americana(1860-1865).

Efeito inglês
Mike Davis, em seu livro Holocaustos Coloniais, relata este fenômeno, que antecipou a tragédias das secas de 1877 e depois 1888. Em 1845 foram exportados 162.265 kg de algodão do porto de Recife. Saltou para oito milhões de quilos em 1871. Exportação dos ingleses para as indústrias de Manchester. Depois trocaram o algodão do semiárido pelo algodão de fibra longa do Egito. Depois veio a praga do bicudo e praticamente acabou com o cultivo do algodão.

Conviver com a seca significa reter a água na época das chuvas – variam de 200 a 800mm em média. Os solos da caatinga são pedregosos, cristalinos, como dizem os geólogos, e tem um declive que corre diretamente para os rios. Se for enxurrada, leva a terra. Se a temperatura aumenta, como ocorre agora com as mudanças climáticas, também aumenta a evaporação. Foi o que disse o pesquisador Carlos Nobre, em um seminário do Instituto Nacional do Semiárido, realizado em Campina Grande na Paraíba, em 2011:

“O bioma caatinga – quer dizer mata branca na língua indígena – está entre os mais vulneráveis, num cenário de aumento das temperaturas globais, o que coloca a região nordeste do Brasil em um estado especial de alerta, pois há uma forte pressão para a desertificação da região”.

Ele citou levantamentos da estação meteorológica de Araripina(PE), no período 1961-2009, onde apontavam para um aumento de quatro graus centígrados na temperatura máxima diária e diminuição média de 275mm de chuvas em oito postos no vale do rio Pajeú, em Pernambuco.

“A diminuição das chuvas acompanhadas de aumento nas estiagens de 20 para 35 dias, com aumento nos eventos de precipitações intensas que passou de cinco para nove ocorrências por ano. Tais sinais constituem evidência de que processos de aridificação estão em curso nas áreas estudadas no interior de Pernambuco”, explicou Carlos Nobre.

A Agência Nacional de Águas (ANA) em um estudo de 2005 fez a seguinte previsão para 2025, em relação ao nordeste:

“Mais de 70% das cidades do semiárido nordestino, com população acima de cinco mil habitantes enfrentarão crise de abastecimento de água para o consumo humano até 2025. Problemas de abastecimento deverão atingir cerca de 41 milhões de habitantes da região do semiárido e entorno, levando em conta o aumento da população e da demanda por água em nove estados e cerca de 1300 municípios, além do norte de Minas Gerais”.

Carvão da caatinga
Em outro trabalho do PAN-Brasil sobre a situação do semiárido em Minas Gerais, que na verdade quando se trata do Vale do Jequetinhonha estamos falando das “Gerais” e não das minas. A área susceptível à desertificação envolve 142 municípios no norte de Minas, Mucuri e o Vale do Jequetinhonha ( 177 mil km2, 30,3% da área do estado) e 2,2 milhões de pessoas. No item referente à atividade econômica da região consta que 29% é exploração de carvão vegetal com origem nativa. Quer dizer, derruba a pouca mata do semiárido para produzir carvão, que vão abastecer as guserias no Vale do Aço.

Presenciei esse trânsito de carretas abarrotadas de carvão, numa estrada que era pura areia, no sul da Bahia em direção ao norte de Minas. A criação de bovinos atinge 27,9% da atividade econômica. Na região considerada subúmido seco, 38,7% da economia expressava a produção de carvão vegetal. Diz o relatório, divulgado em 2010, pelo governo mineiro:

“O somatório das áreas desmatadas para a produção de carvão provoca um comprometimento ambiental de alto impacto.”

Se fosse traduzir isso diria que estão colocando fogo na própria casa. O crescimento da população do vale do Jequetinhonha nos últimos 30 anos é inferior a 1%.

Na década de 1960 a caatinga, considerada um ecossistema único no mundo, com suas 148 espécies de mamíferos, 348 espécies de aves, 107 espécies de répteis e 47 de anfíbios, e seus 87 milhões de hectares tinha 88% do bioma preservado. Agora são 28%. Um grupo de profissionais da Universidade Federal do Ceará fez um estudo sobre os efeitos da seca em 2012. Também incluíram o distrito de Iguaçu, no município de Canindé (CE), onde moram pouco mais de 800 pessoas e desenvolvem projetos de convivência com o semiárido, como barragens subterrâneas.

A queda na produção de milho e feijão dos estados da Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, para citar um exemplo, é maior que 90%. O caso mais grave da Paraíba. A produção de grãos do Ceará caiu 88%. O Ceará é o estado com maior número de beneficiados do seguro contra a safra, deve passar dos 300 mil em 2013. O pagamento deve aumentar de R$700 para R$1.2 mil. No nordeste no final de 2012 estavam em estado de emergência 1.196 municípios. A Bahia tinha o maior número 262, seguida por Paraíba com 178 e Ceará com 177.

TEXTO REPLICADO DESTE ENDEREÇO:

terça-feira, 3 de julho de 2012

O Direito à Propriedade e a Renda Mínima,


Um Novo Olhar

Imagine a seguinte situação:
Um homem de nome João, que nunca trabalhou formal ou informalmente na vida, vive da renda oriunda do aluguel de 10 imóveis herdados de seus pais. Não se sabe se seus pais trabalharam para adquirir estes imóveis ou se foram adquiridos de forma desonesta. A pergunta é: Você acha justo que João, sem nunca ter trabalhado na vida tenha direitos sobre a renda dos aluguéis?

A Constituição Brasileira determina que todas as riquezas encontradas em solo brasileiro são de propriedade da União, portanto da nação brasileira (mesmo que você encontrasse petróleo ou uma jazida de ouro embaixo do terreno de sua casa, esta riqueza não é sua, pois a sua propriedade se limita ao uso da superfície segundo a lei).

A nação brasileira é o conjunto de todos os brasileiros naturais ou naturalizados, assim, toda a riqueza extraída do solo brasileiro é herança, patrimônio, propriedade de todos os cidadãos brasileiros.

Portanto, toda a riqueza oriunda da exploração do solo brasileiro é de propriedade legítima de todo e qualquer cidadão nacional, à partir do mesmo direito legal que garante a João a legitimidade e direitos sobre os imóveis herdados de seus pais dos quais extrai sua renda e sua sobrevivência independentemente ou não de ter trabalhado para adquirí-la.

Deste modo, assim como é garantido à João o direito de exploração de suas propriedades herdadas sem lastro de seu trabalho pessoal através da cobrança de aluguel de seus inquilinos, também é direito de todo cidadão brasileiro, sócio legítimo da nação brasileira, o direito a receber renda e porcentagem referentes à sua parte sobre os lucros advindos da utilização e exploração das riquezas do país, transformadas em matéria-prima que alimenta todos os setores produtivos, do aço das panelas aos aviões da Embraer, independentemente ou não deste ser condicionado à trabalhar para fazer juz à este direito, exatamente como no caso de João e sua renda a base de aluguéis.

Este é o princípio legal que norteia todos os programas de transferência direta de renda, como o renda mínima, renda cidadã, a devolução de parte dos rendimentos obtidos com a exploração de território nacional que é de propriedade de todos os cidadãos brasileiros.

Dessa maneira, programas como Bolsa-auxílio e Bolsa-Família tem como vício de origem dar à entender já a partir de suas nomenclaturas que seriam benefícios concedidos e não direitos inalienáveis e assegurados,(os governos em todas as esferas que se valem do discursos de benefícios concedidos e não da devolução de direitos agem de má fé) entretanto, ao contrário do que seus detratores alegam, com seus argumentos pífios de associação à esmolas e manutenção de uma multidão de “vagabundos”.

O que estes programas fazem na prática, nada mais é do que devolver a legítima parte desses cidadãos no “arrendamento” das riquezas do país para a utilização privada, ou seja, não é, nem nunca foi nem nunca será esmola ou benefício, é direito legítimo à propriedade, base da sociedade capitalista, fundamentada e justificada em garantias de direitos sobre a propriedade privada.

Ao negar esse direito legítimo à divisão das riquezas nacionais, propriedade de toda a nação, portanto de todo cidadão enquanto sócio, invalidamos juridicamente falando, todas as demais garantias ao direito privado sobre a propriedade, condicionando este direito à renda oriunda da exploração da propriedade através da validação por meio de carga de trabalho pessoal compatível.

Deste modo, empresários, arrendatários, locadores, e tantos outros que extraem seus excedentes de renda por meio da exploração de seus bens privados como meios de produção, num processo indireto de locação aos portadores da mão de obra, estariam todos condicionados à levar como salário ou renda apenas a quantia adquirida diretamente por seu esforço pessoal traduzido em força de trabalho, o que ironicamente, os conduziria a uma sociedade socialista.

Em verdade, o que se oculta neste discurso fantasioso contrário aos programas de distribuição direta de renda é a tendência de setores dominantes da sociedade à hierarquizar direitos, separando os membros da nação entre os que tem direitos e os que não tem direitos, entre os que estão sujeitos á lei e os que não estão.

O grave precedente dessa história de tornar “uns mais iguais que outros” é que, uma vez que essa grande parcela da sociedade se articule e descubra que está sendo passada para trás, e que não são atendidas pelos mesmos direitos e obrigações, isto lhes dá a premissa da DESOBEDIÊNCIA CIVIL, pois, dentro dessa dicotomia legal conflitante cria-se jurisprudência para não ser obediente nem a uma nem a outra, afinal, o Brasil é uma nação e não duas, conforme convenientemente vem sendo manipulado há anos pela elite dominante e reproduzido em todas as instâncias institucionais afim de que os desfavorecidos dentro do jogo não percebam a manipulação.

Em suma, negar ao conjunto da população os dividendos oriundos da produção de riqueza nacional, condicionando seu acesso à comprovação através do trabalho em uma escala mais ampla é negar o direito à propriedade de todos, portanto legitimar todo e qualquer ato de apropriação ilegal de propriedades privadas no país que não estejam devidamente alicerçadas no trabalho e na comprovação pessoal deste, em suma, endossamos um Estado de Barbárie onde qualquer um pode, através do uso da força ou quaisquer outros meios se apropriar de qualquer propriedade desde que está não esteja sendo validada no lastro do trabalho pessoal e intransferível do proprietário, condição de 99% das situações.

E aí João, continua achando injusto o direito à renda mínima?
Quem sabe dar exemplo abrindo mão dos aluguéis e pegando no batente?

Autor: Josias Franklin Maciel
Cientista Social
Publicado na Gazeta Valeparaibana de Julho 2012-07-01