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quinta-feira, 12 de março de 2015

Água: a falência do sistema e o espírito bandeirante

As irregularidades são tantas que ninguém sabe quanto de água se retira em São Paulo. E tem gente que ainda acha que o problema é a falta de chuvas...

Najar Tubino

Essa discussão, que no Brasil, a mídia chama de crise hídrica, é muito mais complicada e envolve o próprio modelo econômico adotado, além da incompetência local, no caso de São Paulo, com um sistema de gestão pífio e um sistema de fiscalização ridículo. A questão: a chuva não vai resolver o problema, nem do sistema Cantareira, nem Alto Tietê, nem na Bacia do Piracicaba, Capivari e Jundiaí, assim como não resolverá a questão dos reservatórios das hidrelétricas. Primeiro ponto: o lago da represa de Ilha Solteira, que é a terceira maior do país – produz 3.444 MW, localizado na fronteira entre SP e MS, está SECO, assim como o da represa de Três Marias.

No levantamento do ONS sobre o estado das represas, do dia 2 de março, a média para a região Sudeste e Centro-Oeste era de 20,97% da capacidade. As principais represas estavam na média de 13%, isso inclui a de Furnas. Na região Nordeste a situação é idêntica: Sobradinho estava com 18,21% e Três Marias com 18,36%. As regiões Sul e Norte é que estão em melhores condições- Tucuruí com 40,3% e Passo Real com 43,15%. As chuvas do nordeste estão abaixo da média como era previsto. A seca entra no quarto ano nos estados do Ceará, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Isso na prática é o seguinte: 248 municípios com racionamento de água ou sem fornecimento. O Ceará ainda mantém 176 municípios, de um total de 184, em estado de emergência. Em Pernambuco são 116 dos 173 municípios.

Quanta água é captada?

Em São Paulo as chuvas foram acima da média em fevereiro, embora o Sistema Cantareira tenha recolhido água apenas para completar o primeiro volume morto – acima de 18% ele completa o segundo volume morto. Mas as previsões de março são de chuvas menos intensas. E, depois, começa o período com menor probabilidade de chover. O Dia 30 de abril é definitivo: o governo estadual vai definir se corta a água de indústrias, agricultores e demais usuários. Antes disso o espírito bandeirante aflorou. É tamanha a quantidade de irregularidades que ocorrem com a captação de água no estado – oficialmente mantém 35,4 mil pontos de captação de água, acrescentando que em 2014 concederam mais 5.471 outorgas. E o Departamento de Água e Energia Elétrica tem 271 técnicos para fiscalizar todo o estado.

Não vou tratar da lista dos 500 clientes da Sabesp está em discussão. Vamos ver a situação da Bacia do Alto Tietê, que abastece parte da região metropolitana de SP, incluindo municípios como Suzano, Poá, Ferraz de Vasconcelos e parte da zona leste da capital. Municípios como Salesópolis e Mogi das Cruzes concentram o cinturão verde do estado. Qual a situação da agricultura: mais de 80% dos agricultores que captam água para irrigar suas plantações – que são no regime de agronegócio, embora de verduras e legumes – estão irregulares.

Quer dizer, ninguém sabe quanto eles captam. Mas eles são a parte menor nesta questão. O Comitê da Bacia do Alto Tietê vai começar a cobrar dos usuários a partir desse ano. Isso já ocorre em outras bacias espalhadas pelo Brasil, desde 2001. O próprio Comitê, que é o responsável – onde participam usuários, sociedade civil e o poder público - definiu pela cobrança em 2012. A questão mais importante é a seguinte: são 2,5 mil usuários que captam água diretamente, envolve desde empresa que vendem água, tipo carro-pipa, hotéis, condomínios e indústrias.

Cobrança começa apenas em 2015

A Agência Nacional de Água é quem faz o recolhimento desta taxa, cujo objetivo único é investir na recuperação da bacia hidrográfica. No caso dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí – de domínio público federal – a taxa é recolhida desde 2006. Até 2013, a ANA repassou para a Fundação Agências das Bacias do PCJ R$150 milhões. Em todo o país, que inclui rios como São Francisco, Paraíba do Sul e outros, foram recolhidos em 2013 R$234 milhões. São Paulo recebeu R$40 milhões. No Alto Tietê a previsão é que haverá um recolhimento na ordem de R$24 milhões este ano, de empresas como Gerdau, Multipapéis, NGK, Melhoramentos, Kimberly Clark- todas localizadas em Mogi das Cruzes, além da Suzano Papel e Celulose, Clariant e Itaquareia. No Consórcio da Bacia do PCJ participam 43 prefeituras e 27 empresas, entre elas, Petrobras, Unilever, Rhodia, Ypê, responsáveis por 90% do consumo da região.

O presidente da Fiesp, Paulo Skaf diz que 70% das empresas fazem reúso da água. Já o diretor de Meio Ambiente da mesma entidade, Nelson Pereira dos Reis, disse que 60 mil empresas serão atingidas pela falta de água na Grande São Paulo e Campinas, responsáveis por 1,5 milhão de empregos na área industrial. A saída é óbvia: investimentos na abertura de poços artesianos. Em 2012, a Fundação Brasileira de Desenvolvimento Sustentável apresentou um relatório sobre o setor privado e os recursos renováveis. Em São Paulo, 41,2% da água é usada pela agricultura, 32% para abastecimento público e 26,8% pela indústria.

Consumo industrial no meio urbano

Citava metas de redução do consumo de água pela indústria e listava os maiores consumidores: alimentos e bebidas, indústria têxtil, mineração, siderurgia, papel e celulose, petróleo e derivados químicos. Uma das integrantes da lista dos clientes da Sabesp que pagam tarifa promocional é a Viscofan, da área de papel e celulose. A produção de papel fino gasta um milhão de litros por tonelada de papel – no caso do sulfite são 700 mil litros por tonelada. Uma indústria têxtil também está na lista: o tingimento de tecido consome 150 mil litros por tonelada e o preparo do linho 40 mil litros. Para fazer polipropileno, base química para milhares de produtos são gastos 230 mil litros por tonelada.

Recentemente o prefeito de Campinas insistiu com a Sabesp para fazer um sobrevoo sobre o rio Atibaia porque a diferença no desnível do rio era muito acentuada. Constataram o que todo mundo sabe – furto de água. Agora, numa situação como a atual, chega-se a seguinte conclusão: ninguém sabe quanto de água se retira dos rios, riachos, aquíferos em São Paulo, tal o nível de irregularidades constatadas. Um trecho do documento lançado recentemente na capital paulista pela Aliança pela Água:

“- Não existem dados para afirmar que o ciclo de estiagem esteja acabando, a seca pode continuar e até se intensificar ao longo deste ano. Com a falta de água o individualismo e a violência tendem a prevalecer. O vácuo alimenta o alarmismo e o pânico, dificultando ainda mais a garantia dos direitos e a saúde dos cidadãos nesta iminente calamidade. O esforço para enfrentar o colapso deverá ser coletivo e exigirá um longo período de sacrifícios por parte da população. E transparência e diálogo com os diversos setores da sociedade.”

Panorama mundial - mais consumo e menos água

Qual o panorama no mundo sobre a escassez, desperdício, poluição da água? Em fevereiro a ONU lançou dois relatórios sobre o tema. No primeiro sobre o aumento de 40% no consumo de água até 2030, mas com um adendo importante: a redução na vazão dos principais rios do mundo em 25% - em alguns meses do ano eles não chegarão a sua foz. Mais importante: 48 países deverão ser enquadrados na categoria com escassez ou falta de água no mesmo período, envolvendo uma população de quase três bilhões de pessoas – lógico que Índia e China estão entre eles. Pior: 80% da água no mundo não é coletada, nem tratada. Nos países em desenvolvimento 70% dos resíduos industriais não são tratados. Morrem por ano no mundo 1,5 milhão de crianças menores de cinco anos por doenças decorrentes do suprimento de água contaminada – as chamadas doenças diarréicas.

O relatório também cita um fato comprovado desde 1970, em regiões que começaram a enfrentar problemas de seca. O volume de chuvas, desde então, tem diminuído nestas mesmas regiões em pelo menos 20%. A degradação da terra, a desertificação e a seca atingem 1,5 bilhão de pessoas no planeta. Houve uma perda de 24 bilhões de toneladas de solo fértil nos últimos anos, uma área comparada à zona agriculturável dos Estados Unidos. Sem contar que mais de 200 milhões de toneladas de esgotos são jogados em rios, córregos e no mar.

Exemplo bandeirante

Uma pesquisa realizada pela UNESP em 54 riachos da região de São José do Rio Preto constatou que no período de 2003-2013 em 80% deles houve diminuição do volume de água e perda da qualidade do ambiente por assoreamento e deposição de areia nos leitos. Diz a pesquisadora Lilian Casatti:

“- Nós sabíamos que haveria uma perda de qualidade ambiental, mas não imaginávamos que ela seria tão grave em tão pouco tempo”.

Na região dos sistemas que abastecem a maior metrópole da América Latina existem dois milhões de construções irregulares e um complexo industrial altamente poluidor e consumidor de água, além de uma população de 25 milhões. O espírito bandeirante busca o milagre na porta do inferno.

Créditos da foto: Mídia Ninja / Flickr

Texto original: CARTA MAIOR

quarta-feira, 4 de março de 2015

Por que o Brasil está importando energia da Argentina

Postado em 02 fev 2015      por : Afonso Capelas Jr.


O inusitado apagão que atingiu 10 estados brasileiros, mais o Distrito Federal, no início da tarde de 19 de janeiro deixou milhões de brasileiros sem energia elétrica. Deixou, inclusive, muitos paulistanos no sufoco, presos nos trens da linha amarela do metrô da capital paulista.

O blecaute foi surpresa para nós, cidadãos, mas não para o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Programar o corte de energia foi a solução encontrada pela ONS diante de um pico de consumo recorde, principalmente na cidade de São Paulo.

Ato contínuo, o órgão teve também que importar cargas extras de energia da Argentina durante três dias depois do apagão para suprir a grande demanda. No total foram importados dois mil megawatts/hora (MWh) em caráter emergencial.

O Brasil havia comprado energia elétrica da Argentina pela última vez em dezembro 2010. Na semana passada a energia adquirida abasteceu o Sul do país, já que nos dois dias subsequentes ao apagão a região precisou repassar energia ao Sudeste.

Para o doutor em física nuclear Luiz Pinguelli Rosa, diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe-UFRJ), lançar mão de energia elétrica da Argentina é procedimento normal em momentos de picos de consumo.

“A Argentina é uma possibilidade que foi aproveitada. Essa linha existe faz muitos anos, desde o final do governo FHC, e foi pouco utilizada. Num momento como esse é bom ter tal possibilidade”, disse Pinguelli.

O especialista falou ainda que temos mesmo muito a nos preocupar com o atual quadro do setor elétrico brasileiro. Lembrou que os níveis das águas das hidrelétricas estão extremamente baixos. “Principalmente os reservatórios do Sudeste e do Centro-Oeste, que estão abaixo dos 18%. É muito pouco”.

É irrisório. De acordo com o ministro das Minas e Energia, Eduardo Braga, não há usina que consiga funcionar com os reservatórios a 10% de suas capacidades.

“O verão está bastante rigoroso e a chamada nova classe média vem consumindo mais. Estes fatores permitiram a compra de muitos eletroeletrônicos e aparelhos de ar condicionado. Nossa estrutura energética está chegando no limite”, alertou o diretor da Coppe-UFRJ.

Esse parece ser o cenário sombrio esperado pelos especialistas e autoridades do setor de energia para 2015. De acordo com o Instituto Acende Brasil – centro de estudos dedicado a projetos e ações que aumentem a transparência e sustentabilidade do setor elétrico brasileiro – há grande possibilidade de novos apagões no decorrer do verão.

Nos últimos três anos, segundo o instituto, os recordes de demanda aconteceram em fevereiro. “Este ano o sistema não conseguiu suportar a demanda já em janeiro. É razoável supor que o recorde de 2015 também seja em fevereiro”, admitiu o presidente do instituto, Claudio Sales, à Folha de S. Paulo.

Mais: o Acende Brasil informou também que o sistema elétrico nacional só tem margem de segurança quando existe uma reserva de potência de 5%. É conhecida como “reserva girante”. Com os reservatórios quase vazios e a demanda crescente do consumo essa reserva desapareceu.

A saída, de acordo com Luiz Pinguelli Rosa, é ficar à mercê das usinas termoelétricas. “Era preciso usar mais as termoelétricas antecipadamente para evitar colapsos como o que aconteceu na semana passada. O Brasil construiu muitas dessas usinas permitindo passar 2014 sem problemas o ano inteiro”.

Com as termelétricas, entretanto, o país terá outros abacaxis para descascar. Como se sabe, termelétricas são movidas à custa da queima de gás natural, petróleo ou carvão. Portanto produzem grandes quantidades de Gases de Efeito Estufa (GEE) potencializadores das mudanças climáticas.

Não só. A geração de energia dessas usinas é muito mais cara, como demonstra o professor Pinguelli. “A hidrelétrica de Belo Monte tem um preço de geração de R$ 70 o MW/h. Usinas a gás natural, que são as melhores termoelétricas do Brasil, têm preço de R$ 150 o MW/h. As movidas a óleo diesel e meais poluentes custam até R$ 500 o megawatt/hora”.

Claro, o aumento pelo uso dessas fontes de energia terão que ser pago pelo consumidor. “Melhor do que não ter energia alguma”, resumiu o físico à CBN.

Opções, só a longo prazo. Nos últimos dois anos a participação de energias limpas no sistema energético brasileiro tem sido incrementada. “A eólica têm ainda uma participação pequena, mas já se iguala à das usinas nucleares”, disse Pinguelli.

A energia solar, de acordo com diretor da Coppe-UFRJ, também tem muitas chances de entrar com tudo no sistema. “Seu custo é um pouco mais caro, mas é muito simples de implementar. As residências podem ter seus próprios coletores solares nos telhados, como já acontece”.

Para que essas modalidades de geração de energia elétrica consigam escala será preciso, principalmente, que as nossas indústrias produzam os equipamentos. “Infelizmente a indústria brasileira está tecnologicamente atrasada, com raras exceções. As importações encarecem demais o custo desses materiais”.

No aqui e agora resta-nos fazer economia desde já, antes mesmo que alguma medida de racionamento seja implantada no país. E rezar, rezar muito, como sugeriu o ministro Eduardo Braga em entrevista coletiva: “Deus é brasileiro e vai fazer chover e aliviar a situação dos reservatórios de água do Sudeste”.

Só é preciso ter fé.

Texto original: DCM

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Crônica da destruição do cerrado

A ideologia mórbida do capitalismo rural detonou o bioma mais antigo no país - responsável por quase 20 mil nascentes - e isso impacta o Brasil inteiro.

Najar Tubino

O professor Altair Sales Barbosa, da PUC de Goiás, criador do Memorial do Cerrado, em Goiânia, nos últimos anos tem argumentado que o cerrado como bioma não existe mais, tamanha a destruição pelo avanço do agronegócio. Ele não é o único. Os mais otimistas consideram que em 2030 o cerrado não existirá mais, seguindo a média de extinção de dois milhões de hectares por ano. Ou seja, em 45 anos, contando do início da década de 1970 – O Programa de Desenvolvimento do Cerrado, chamado polo centro pelos militares, foi instituído em 1975-, a ideologia mórbida do capitalismo rural brasileiro detonou o bioma mais antigo no país, responsável por quase 20 mil nascentes, que abastecem oito das 12 regiões hidrográficas. As quatro mais importantes: do rio Paraná, do rio São Francisco e dos rios Araguaia e Tocantins.

Como diz o professor Altair Sales as águas que nascem no cerrado abastecem as grandes bacias do continente sul-americano, e todas elas nascem de aquíferos, sendo os três mais importantes o Guarani, o Bambuí e o Urucaia. O cerrado é conhecido pela pobreza de nutrientes no solo, embora tenha 12.365 espécies de plantas catalogadas, além do excesso de alumínio, o que aumenta o problema. Então são plantas que crescem retorcidas, as folhas parecem couro, a densidade é menor, embora o bioma em si tenha algumas divisões, desde regiões com gramíneas, arbustos até árvores de 30 metros.


Na rota da morbidez


Por ser o mais antigo e por ter problemas de nutrientes, também é, por ironia da história, o que mais limpa a atmosfera, porque as plantas captam mais gás carbônico. Porém, o cerrado é conhecido por ser uma floresta de cabeça para baixo, em função do intrincado de raízes e da profundidade que atingem. Justamente por isso, seguram a água da chuva, carregam o lençol freático e abastecem os aquíferos. Parece perfeito. Mas o cerrado entrou na rota da morbidez do agronegócio. Um detalhe importante: ele é plano na sua maioria, tinha um clima estável, com duas estações bem definidas – das águas e da seca. E o definitivo: suas terras eram desvalorizadas.

Hoje são mais de 50 milhões de hectares de pastagem, mais de 14 milhões de lavouras permanentes e milhares de carvoarias. Além da ocupação para produção de carne e grãos também queimaram o cerrado para abastecer os fornos das siderúrgicas de Minas, depois as guzeiras do Maranhão, da Bahia, do Pará. O Brasil é rico em ferro, mas ele precisa ser limpo das impurezas, então o ferro precisa ser queimado e transformado em ferro-gusa, que é o ingrediente do aço.


Oito das 12 regiões hidrográficas dependem do cerrado


Os escravos faziam isso na época do império, enterravam a madeira em covas e transformavam 100 toneladas em seis toneladas de carvão, fato descrito no livro de Warren Dean – A Ferro e a Fogo -, que conta a destruição da Mata Atlântica. Minas Gerais sempre centralizou a produção de ferro gusa no país, foi onde o cerrado sofreu o primeiro golpe. Dali para o Centro-Oeste, onde o boi já havia aberto o caminho foi um passo. Em seguida os pesquisadores descobriram as fórmulas para corrigir a acidez das terras e o resto a indústria química resolveu – fertilizantes e veneno.

Sem dúvida, o Brasil é o maior produtor de soja, o maior exportador e tem o maior rebanho comercial do mundo. Mais da metade disso é a contribuição do cerrado. Entretanto, a história não acaba aqui. Vejam o que informa o pesquisador da Embrapa, Jorge Inoch Werneck Lima:

“- O cerrado contribui para oito das 12 regiões hidrográficas do país, 70% da água que sai na foz do rio Tocantins-Araguaia vem do cerrado, 90% do que sai na foz do rio São Francisco também vem do cerrado e 50% do que sai na foz do rio Paraná, inclusive da água que chega a Itaipu. Mas 100% da água que abastece a represa de Três Marias (MG) são do cerrado, 90% da água que abastece a represa de Xingó e 70% da água que chega a Tucuruí são do cerrado”.


Cerrado transformado em carvão


A recarga dos aquíferos, que abastecem as bacias dos rios citados ocorre pelas bordas, nas áreas planas, onde a água pluvial infiltra e é absorvida cerca de 70% pelo sistema radicular da vegetação nativa, alimentando num primeiro momento o lençol freático e lentamente vai se armazenando nos lençóis mais subterrâneos, explica o pesquisador da Embrapa. Se não tem mato nativo, que foi transformado em carvão – a lenha do cerrado queima três dias dentro do forno - ou simplesmente queimou ao léu para dar lugar a pastagens africanas, a soja chinesa ou a cana europeia, o que acontecerá? Ora, dedução lógica, simples: não haverá água.

Pois justamente é essa a essência da morbidez do agronegócio: destruir para construir e depois, como diziam os colonizadores portugueses, azar de quem vem atrás. Uma citação do professor Altair Sales Barbosa:

“- Em média, 10 pequenos rios do cerrado desaparecem a cada ano. O rio que abastece a bacia vê seu volume diminuindo. Hoje, usa-se ainda a agricultura irrigada, porque há uma reserva nos aquíferos. Mas daqui a cinco anos não haverá mais essa pequena reserva. Estamos colhendo os frutos da ocupação desenfreada que o agronegócio impôs ao cerrado a partir dos anos 1970. Vai chegar um tempo, não muito distante, em que não haverá mais água para alimentar os rios. Então esses rios vão desaparecer. Por isso, falamos que o cerrado é um ambiente em extinção.”


O espectro da destruição continua


Claro, na década de 1970, os arautos da morbidez argumentavam dessa maneira, não tínhamos informação suficiente sobre a importância das matas ciliares, de preservar pelo menos 20% da vegetação nativa, como diz a lei, entre outras medidas simples e eficazes. Nada disso, basta ver as novas implicações do código florestal recentemente aprovado – restringir matas em córregos, afluentes, rios; diminuir áreas de preservação permanente ou compensar em outras regiões. Só para esclarecer: o cerrado tem apenas 2% em unidades de conservação e pouco mais de 2% de áreas indígenas. 

Ainda não acabou. A fronteira agrícola chegou ao sul do Piauí e ao sul do Maranhão e ao oeste da Bahia, onde já tem mais de um milhão de hectares plantados com soja e algodão – no Piauí o número passa dos 600 mil hectares. Se somarmos as duas áreas de cerrado do Maranhão e Piauí são mais de 20 milhões de hectares. Os arautos da morbidez pretendem ocupar seis milhões. Qual a notícia no sul do Piauí? As carvoarias estão detonando as áreas de cerrado. Qual a informação mais atualizada sobre uso de carvão de mata nativa no Brasil? Pelo menos a metade da produção total é de mata nativa.

Um trecho do manifesto divulgado pela Associação da União das Aldeias Apinagés, do Tocantins, em dezembro de 2014:

“- Denunciamos a forma criminosa como as empresas estão chegando e avançando sobre as matas ciliares e nascentes, que correm dentro da terra Apinagé, com licenças ambientais liberadas pelo Instituto Natureza do Tocantins”.


Corrida por poços clandestinos


Última semana de fevereiro o IRPAA, de Juazeiro (BA) divulga um comunicado dizendo que algumas comunidades da região estão com problemas de falta de água para beber, que os caminhões pipa não estão atendendo a demanda. Juazeiro fica abaixo do lago de Sobradinho, o maior da América Latina e que está com pouco mais de 15% da sua capacidade. Água agora só para produção de energia elétrica.

E em São Paulo. O Aquífero Guarani abastece 80% dos municípios do estado. Com a realidade da crise hídrica, como dizem os arautos da morbidez urbana, fiz uma pesquisa sobre construção de poços artesianos. O Centro de Pesquisa de Águas Subterrâneas, da USP, dirigido pelo professor Reginaldo Bertolo realizou um levantamento entre as empresas construtoras, no final do ano passado. Diz ele:

“- A corrida para construção de poços profundos clandestinos é grave, tanto pela possibilidade de esgotamento dos aquíferos, quanto por causa dos riscos da qualidade da água extraída. Na região metropolitana foram 400 perfurações realizada pelas construtoras, o que aumenta em 43 milhões de litros/dia retirado dos aquíferos”.

Segundo o Departamento de Águas e Energia de São Paulo, que autoriza a construção de poços artesianos, são 27.312 cadastrados. Em Ribeirão Preto, por exemplo, já é proibido construir poço artesiano na área central da cidade, em consequência do rebaixamento do Aquífero Guarani. Consultei outra região – São José do Rio Preto -, também abastecida pelo aquífero. O Diário da WEB, jornal da cidade, apontava em dezembro passado que 88% dos poços da região são irregulares. Segundo a unidade do DAEE, de Rio Preto, dos 3,5 mil poços perfurados no município apenas 400 estão cadastrados. 

No próximo dia 11 de setembro, o Dia Nacional do Cerrado decretado desde 2003, comprem velas, chorem e lamentem o fim do bioma mais antigo do país.

Créditos da foto: Wev's Bronw / Flickr

Texto original: CARTA MAIOR

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Desertificação: 'por que este assunto não está na capa dos jornais?

Um solo produtivo leva de três mil a 12 mil anos para a sua formação, e o aumento da desertificação no mundo desmascara a 'eficiência' do agronegócio.

Najar Tubino

É uma decisão da ONU, que desde 2013 também definiu o dia 5 de dezembro como o dia mundial do solo. Em maio, entre os dias 4 e 7, ocorrerá a Conferência Internacional do Solo na Albânia com o lema: “O solo sustenta a vida: muito lento para formar, rápido demais para perder”. Um centímetro de solo demora entre 100 e 400 anos para se formar, e os pesquisadores calculam que um solo produtivo dentro da normalidade leve de três mil a 12 mil anos para a sua formação. Mesmo assim, a ONU calcula que até 2050 o mundo perderá um Brasil inteiro em solo, ou seja, 849 milhões de hectares. São 12 milhões de hectares por ano. O que é mais importante: somente 5 a 10% dessa terra chegam ao mar. Onde fica o restante? No leito dos rios, no lago das represas, tanto de abastecimento de água, como das hidrelétricas, nos córregos, nos afluentes. Como dizem os chineses: os rios do planeta estão empanturrados.

O secretário executivo da Convenção das Nações Unidas contra a desertificação, o africano Luc Gnacadja, do Benin, pergunta: por que este assunto não está na capa dos jornais? Simples, porque a mídia tradicional não trata de assuntos importantes realmente, a não ser com um viés conservador, sempre a favor do mercado. Tratar do solo, portanto, poderá desmascarar a eficiência do agronegócio, cuja receita de monoculturas é a mesma no mundo. Mas aí temos as previsões para o aumento da população e as necessidades de alimentação, o que reforça a prática destrutiva do modelo industrial de produção de alimentos. Temos que crescer 50% até 2050, dizem eles. Isso significa algo como 175 a 200 milhões de novos hectares.

A degradação avança em todo o mundo

A matemática é simples: se nada for feito para deter a erosão e o desmatamento, os dois principais fatores da degradação dos solos, em 20 anos teremos perdidos mais 240 milhões de hectares, calculando 12 milhões ao ano, como faz a ONU. Em 1991, 15% das terras cultiváveis do planeta estão se degradando, agora são 24%. Eram 110 países que sofriam com o problema da erosão e com o aumento da desertificação, agora são 168.

“-Veja o caso da África, cita o secretário da Convenção contra a Desertificação, que é o continente mais vulnerável à seca e à degradação dos solos. A situação atual aponta para 45% do solo afetado pela degradação e admite-se que dois terços podem ser perdidos até 2025”, diz Luc Gnacadja.

Ele completa: “até agora a resposta humana à degradação dos solos e ao avanço da desertificação tem sido derrubar mais área de floresta para aumentar a fronteira agrícola”.

Mundo urbano não discute o rural

Um texto sobre outra conferência – em Brasília, entre os dias 25 a 27 de março- cita alguns argumentos sobre a importância do solo:

“- Os solos constituem insumo fundamental para o desenvolvimento humano. Nenhum país consegue desenvolver-se plenamente sem acesso a esse recurso natural e as suas riquezas são incalculáveis. Em interface com a atmosfera, a hidrosfera, a biosfera e a litosfera o solo é responsável pelos principais processos biogeoquímicos que garantem a vida na Terra, estoca a água e recicla nutrientes, protege contra enchentes, sequestra carbono e abriga 25% da biodiversidade”.

Ocorre que o mundo atual é urbano, digital, eletrônico e não comporta espaço nem discussão sobre assuntos considerados rurais, do campo, de outra esfera. A não ser quando da realidade bate a porta e começa a sumir a água das torneiras e, de repente, milhões ficarão sem água, como acontecerá em 2015 em São Paulo. É o que diz um trabalho divulgado pela The Nature Conservancy sobre o problema da falta de água nas grandes cidades.

Detonaram o mato dos mananciais

Se 14,3 mil hectares dos 493,4 mil hectares que formam os sistemas Cantareira, Alto Tietê, Guarapiranga e Rio Grande fossem reflorestados com mato nativo, isso diminuiria em 568,9 mil toneladas de sedimentos que são jogados nos cursos d’água, que alimentam os reservatórios.

“- A sedimentação tem impacto direto na quantidade e na qualidade da água dos mananciais. Isso ocorre porque não há cobertura vegetal ao redor dos rios e das represas. O solo exposto, além de sofrer erosão e não absorver a água das chuvas provoca o escoamento da terra para os corpos d’água, assoreando o leito e diminuindo a vida útil dos reservatórios”, como explica Samuel Barreto, coordenador do Movimento Água para São Paulo.

A região dos mananciais já perdeu 70% da mata nativa para a pecuária e agricultura. Os números levantados pela organização não governamental SOS Mata Atlântica são piores – só restam 488km2, ou seja, 21,5%. Não se trata de uma novidade brasileira. A erosão na China já consumiu 19% da área agrícola e os números apontam para descarga de terra superior no rio Yang-Tsé, o maior da Ásia, superior as dos rios Nilo e Amazonas juntos – três bilhões de toneladas ao ano.

O tempo passa, as cidades inflam, os rios são empanturrados não somente de terra, de solo perdido, juntamente com seus nutrientes e dos fertilizantes químicos, mas também de esgoto e lixo de todo tipo. É uma situação vergonhosa o que acontece no Brasil, onde o tratamento de esgoto ainda não é considerado uma prioridade, mesmo com verbas federais autorizadas. O conto do vigário de políticos sem compromisso com a população não combina com obras que ficam embaixo da terra. Hoje, ao se fazer uma pesquisa sobre assoreamento de rios e represas no país, o resultado é revoltante. Sem exceções, todos os principais rios brasileiros estão assoreados e entupidos de esgoto e lixo. Seus afluentes, córregos e nascentes foram detonados, sem mato para proteção. Tudo em nome do progresso e da modernidade, que fede com os excrementos de milhões de pessoas.

Colapso do sistema público de água

Em 2015, justamente quando o assunto solo poderá ganhar as páginas da mídia ordinária, o país será usado como exemplo do que pode ocorrer na maior metrópole, a falta de água nas torneiras paulistas. O Centro de Desastres Climáticos, do INPE calculou as estimativas de chuvas até abril – mesmo com fevereiro acima da média-, além do que a SABESP retira do sistema Cantareira. E a previsão é que o sistema seca em julho. No início de dezembro passado ocorreu um encontro na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, sobre as perspectivas de abastecimento de água na região metropolitana de São Paulo. O professor Pedro Luiz Cortês, da Uninovo, coordenador do encontro, disse:

“- Temos um sistema cada vez mais suscetível a eventos climáticos, como secas prolongadas, além do consumo cada vez mais intenso. Desde 2012 sabíamos que entraríamos num regime de falta de chuvas. O governo deveria vir a público apresentar os cenários com os quais está trabalhando”.

Outro comentário, agora do professor Reginaldo Berto, do Centro de Pesquisa de Águas Subterrâneas, da USP:

“- É preciso se preparar para o colapso do sistema público de abastecimento a partir de abril de 2015”.

Enquanto isso, a mídia ordinária faz uma contagem regressiva ao contrário, dando uma falsa impressão à população de que as coisas estão melhorando: chegou a 8,9% e continua subindo. O Sistema Cantareira, assim como outros sistemas de abastecimento, começou a entrar em colapso ao longo dos últimos anos. A essência do problema é que a classe política conservadora não considera o ambiente como parte da vida e do suporte da vida, além de combater as mudanças climáticas, como se fosse ideia de comunista. E, por essa e outras, que o país, que tem água doce em grande quantidade, dará um exemplo ao contrário ao mundo. Claro, que tudo ainda depende da decisão técnica do governador paulista. 

Créditos da foto: Mídia Ninja


Texto original: CARTA MAIOR

sábado, 11 de maio de 2013

Mudanças climáticas aumentarão chuvas intensas e secas, aponta Nasa


Um novo relatório da Administração Nacional da Aeronáutica e do Espaço, a Nasa, sugere que o nosso planeta deverá enfrentar mais extremos climáticos: regiões temperadas apresentarão mais secas no futuro, enquanto trópicos deverão passar por mais enchentes. O artigo é de Jéssica Lipinski, do Instituto CarbonoBrasil

Jéssica Lipinski - Instituto CarbonoBrasil

Nesta semana, mais uma investigação apresentada vem reforçar a relação entre as mudanças climáticas e o aumento na frequência de eventos extremos. Desta vez, a análise publicada foi desenvolvida pela Administração Nacional da Aeronáutica e do Espaço, a NASA, um dos centros que mais tem contribuído para o estudo das ciências climáticas nos últimos tempos.

Segundo o relatório da agência, as mudanças climáticas irão aumentar as chuvas de maior intensidade em certas regiões do planeta, enquanto que em outras são as secas que se tornarão mais intensas. O documento aponta que as chuvas tenderão a aumentar nos trópicos, e as regiões temperadas devem vivenciar secas mais severas.

Embora outros estudos anteriores já indicassem a relação entre as mudanças climáticas e os eventos extremos, a investigação da NASA é a primeira a mostrar como as emissões de dióxido de carbono afetam os diferentes padrões de precipitação existentes, das regiões mais secas àquelas que vivenciam tempestades torrenciais.

De acordo com a análise, as mudanças climáticas devem aumentar a precipitação nas regiões que já apresentam altos padrões de chuva porque o ar mais quente deverá reter mais humidade. Entretanto, nos locais mais secos, o aumento das temperaturas significará períodos mais longos em chuva.

Colocando em números, para cada grau Fahrenheit (0,55 graus Celsius) de aumento na temperatura média global, as chuvas extremas aumentarão em 3,9%, enquanto as chuvas leves aumentarão 1%.

Entretanto, estima-se que o total global de precipitação não deva mudar muito, porque as chuvas moderadas devem diminuir 1,4%. Em se tratando das regiões de seca, os modelos preveem que para cada grau Fahrenheit de aquecimento a duração de períodos sem chuva aumentará em 2,6%.

No Hemisfério Norte, as áreas que provavelmente serão mais afetadas são os desertos e zonas áridas do sudoeste dos Estados Unidos, o México, o norte da África, o Médio Oriente, o Paquistão e o noroeste da China. No Hemisfério Sul, as secas provavelmente tornar-se-ão mais severas no sul da África, no noroeste da Austrália, na costa da América Central e no nordeste brasileiro.

“Em resposta ao aquecimento induzido pelo dióxido de carbono, o ciclo hídrico global sofrerá uma competição gigantesca por humidade, resultando num padrão global de aumento das chuvas extremas, diminuição das chuvas moderadas, e secas prolongadas em certas regiões”, colocou William Lau, principal autor do Centro Goddard de Voos Espaciais da NASA.

Lau explicou, no entanto, que as secas devem afetar mais a população mundial do que as chuvas extremas, já que estas últimas devem ocorrem principalmente em áreas acima dos oceanos.

“Grandes mudanças nas precipitações moderadas, assim como eventos prolongados sem chuva, podem ter um grande impacto na sociedade porque eles ocorrem em regiões onde a maioria das pessoas vive. Ironicamente, as regiões de chuvas mais pesadas, exceto pela [região] da monção asiática, podem ter menor impacto na sociedade, porque geralmente ocorrem sobre o oceano”, comentou.

A análise dos cientistas da NASA baseou-se na observação de 14 modelos climáticos que simularam períodos de 140 anos. As simulações começaram com concentrações de dióxido de carbono de cerca de 280 partes por milhão (PPM), similares aos níveis pré-industriais, e foram aumentadas em 1% ao ano. A taxa de aumento é semelhante à observada atualmente pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC).

Através da observação dos resultados dos modelos, os investigadores concluíram que, embora os modelos não especifiquem precisamente quanto de precipitação haverá numa determinada localidade, eles de facto podem apontar a tendência de precipitação para as regiões.

“Se observarmos todo o espectro dos tipos de precipitação, vemos que todos os modelos concordam de uma maneira muito fundamental – projetando mais chuvas pesadas, menos eventos de chuvas moderadas e secas prolongadas”, concluiu Lau.

Texto retirado : CARTA MAIOR

terça-feira, 2 de abril de 2013

Seca: em 2013 o pesadelo continua

Desde o final de 2012 os meteorologistas anunciaram que as chuvas no nordeste, durante o período de maior incidência – entre fevereiro e maio – estavam abaixo da média, o clima era considerado seco, muito seco e extremamente seco, nos 969 mil km2 que envolvem o semiárido brasileiro. Drama chega até o Recife (foto), onde já há racionamento.

Najar Tubino

Não é só pelo racionamento que iniciou em Recife semana passada e está programado para durar três meses, porque uma das barragens que abastece a cidade tem apenas 19% da sua capacidade. Desde o final de 2012 os meteorologistas anunciaram que as chuvas no nordeste, durante o período de maior incidência – entre fevereiro e maio – estavam abaixo da média, o clima era considerado seco, muito seco e extremamente seco, nos 969 mil km2 que envolvem o semiárido brasileiro. É a região árida mais populosa do planeta, com cerca de 25 milhões de habitantes, sendo 1.133 municípios enquadrados como semiárido, inclui nove estados nordestinos e o norte de Minas Gerais.

Para a ONU estamos na década de combate à desertificação, se encerrará em 2020. Desde 1997 o Brasil é signatário da Convenção de Combate à Desertificação, por um motivo muito simples: pelos menos 46% da área do semiárido esta susceptível à desertificação. No mundo o problema atinge 33% da superfície terrestre, envolvem quase três bilhões de pessoas. São perdidas anualmente 24 bilhões de toneladas de solo. Na América Latina, o problema atinge 11 países e uma área que varia de 357 milhões de hectares até mais de 500 milhões.

Histórico de horrores
É um problema grave que se torna ainda maior levando em consideração o histórico no país e no mundo. As secas das décadas de 1870 a 1890 mataram milhões de pessoas no mundo. Uma delas dizimou mais de 500 mil sertanejos no nordeste. Mais recente, a seca dos anos 1979 a 1983, matou pelo menos 700 mil pessoas, segundo relatos oficiais. A população rural do semiárido caiu entre os anos 2000 e 2010 em 5,7%, passou de pouco mais de 43% para 38%. Mais de 520 mil pessoas deixaram a área rural nesse período.

Existem outros dados para traçar o perfil do semiárido, hoje em dia. A começar pela implantação dos programas de benefício para as pessoas que não tem renda. No caso do semiárido 50% não contam com renda, ou apenas recebem os benefícios dos programas oficiais, na sua maioria (59,5%) são mulheres. Cerca de cinco milhões dispõem de apenas um salário mínimo, sendo 47% mulheres. Somente 5,5% recebem renda entre dois e cinco salários mínimos. E apenas 0,15% tem renda acima de 30 salários. Este é um perfil divulgado pela ASA, a Articulação do Semiárido, formada por mais de mil organizações e está presente em toda a região. Foi criada no final da década de 1990. Em 1993, os trabalhadores rurais ligados à CONTAG invadiram a sede da SUDENE, na época a entidade governamental que monopolizava as ações no nordeste.

Um milhão de cisternas
A ASA foi organizada com o objetivo de mudar o panorama do semiárido, trabalhando com a realidade dos sertanejos e a construção de alternativas para lidar com as agruras do sertão. O uso sustentável dos recursos naturais, a recomposição ambiental e a quebra do monopólio de acesso a terra, água e outros meios de produção, além do apoio a difusão de métodos, técnicas e procedimentos, que contribuam para a convivência com o semiárido, ao lado da campanha maior, que era a construção de um milhão de cisternas – capacidade para 16 mil litros. Segundo informações oficiais, o governo federal entregou 150 mil cisternas em 2012, somando 237 mil no biênio 2011-2012. Também no ano passado foram usados 4.292 carros pipas em mais de 700 municípios. O chamado PAC Prevenção do Semiárido realizou obras de R$2,2 bilhões, incluindo a primeira etapa da adutora no rio Pajeú, que foi entregue recentemente. Também o programa Bolsa Estiagem beneficiou 881 mil agricultores, o seguro safra pago a outros 768 mil produtores.

São situações que não existiam antes do Programa Nacional de Prevenção à Desertificação e combate aos efeitos da seca lançado em 2004. Mas que ainda estão longe de mudar o panorama real dos sertanejos, quando a seca aperta. O professor Aziz Ab’sáber dizia que era falácia ensinar o nordestino a conviver com a seca. Mas o problema econômico da região é histórico. Desde a época da instalação das fazendas de gado para produção de carne, couro e animais de tração e manter a indústria canavieira escravocrata da zona da mata. Passando pela implantação de lavouras de algodão arbóreo, aproveitando a guerra civil norte-americana(1860-1865).

Efeito inglês
Mike Davis, em seu livro Holocaustos Coloniais, relata este fenômeno, que antecipou a tragédias das secas de 1877 e depois 1888. Em 1845 foram exportados 162.265 kg de algodão do porto de Recife. Saltou para oito milhões de quilos em 1871. Exportação dos ingleses para as indústrias de Manchester. Depois trocaram o algodão do semiárido pelo algodão de fibra longa do Egito. Depois veio a praga do bicudo e praticamente acabou com o cultivo do algodão.

Conviver com a seca significa reter a água na época das chuvas – variam de 200 a 800mm em média. Os solos da caatinga são pedregosos, cristalinos, como dizem os geólogos, e tem um declive que corre diretamente para os rios. Se for enxurrada, leva a terra. Se a temperatura aumenta, como ocorre agora com as mudanças climáticas, também aumenta a evaporação. Foi o que disse o pesquisador Carlos Nobre, em um seminário do Instituto Nacional do Semiárido, realizado em Campina Grande na Paraíba, em 2011:

“O bioma caatinga – quer dizer mata branca na língua indígena – está entre os mais vulneráveis, num cenário de aumento das temperaturas globais, o que coloca a região nordeste do Brasil em um estado especial de alerta, pois há uma forte pressão para a desertificação da região”.

Ele citou levantamentos da estação meteorológica de Araripina(PE), no período 1961-2009, onde apontavam para um aumento de quatro graus centígrados na temperatura máxima diária e diminuição média de 275mm de chuvas em oito postos no vale do rio Pajeú, em Pernambuco.

“A diminuição das chuvas acompanhadas de aumento nas estiagens de 20 para 35 dias, com aumento nos eventos de precipitações intensas que passou de cinco para nove ocorrências por ano. Tais sinais constituem evidência de que processos de aridificação estão em curso nas áreas estudadas no interior de Pernambuco”, explicou Carlos Nobre.

A Agência Nacional de Águas (ANA) em um estudo de 2005 fez a seguinte previsão para 2025, em relação ao nordeste:

“Mais de 70% das cidades do semiárido nordestino, com população acima de cinco mil habitantes enfrentarão crise de abastecimento de água para o consumo humano até 2025. Problemas de abastecimento deverão atingir cerca de 41 milhões de habitantes da região do semiárido e entorno, levando em conta o aumento da população e da demanda por água em nove estados e cerca de 1300 municípios, além do norte de Minas Gerais”.

Carvão da caatinga
Em outro trabalho do PAN-Brasil sobre a situação do semiárido em Minas Gerais, que na verdade quando se trata do Vale do Jequetinhonha estamos falando das “Gerais” e não das minas. A área susceptível à desertificação envolve 142 municípios no norte de Minas, Mucuri e o Vale do Jequetinhonha ( 177 mil km2, 30,3% da área do estado) e 2,2 milhões de pessoas. No item referente à atividade econômica da região consta que 29% é exploração de carvão vegetal com origem nativa. Quer dizer, derruba a pouca mata do semiárido para produzir carvão, que vão abastecer as guserias no Vale do Aço.

Presenciei esse trânsito de carretas abarrotadas de carvão, numa estrada que era pura areia, no sul da Bahia em direção ao norte de Minas. A criação de bovinos atinge 27,9% da atividade econômica. Na região considerada subúmido seco, 38,7% da economia expressava a produção de carvão vegetal. Diz o relatório, divulgado em 2010, pelo governo mineiro:

“O somatório das áreas desmatadas para a produção de carvão provoca um comprometimento ambiental de alto impacto.”

Se fosse traduzir isso diria que estão colocando fogo na própria casa. O crescimento da população do vale do Jequetinhonha nos últimos 30 anos é inferior a 1%.

Na década de 1960 a caatinga, considerada um ecossistema único no mundo, com suas 148 espécies de mamíferos, 348 espécies de aves, 107 espécies de répteis e 47 de anfíbios, e seus 87 milhões de hectares tinha 88% do bioma preservado. Agora são 28%. Um grupo de profissionais da Universidade Federal do Ceará fez um estudo sobre os efeitos da seca em 2012. Também incluíram o distrito de Iguaçu, no município de Canindé (CE), onde moram pouco mais de 800 pessoas e desenvolvem projetos de convivência com o semiárido, como barragens subterrâneas.

A queda na produção de milho e feijão dos estados da Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, para citar um exemplo, é maior que 90%. O caso mais grave da Paraíba. A produção de grãos do Ceará caiu 88%. O Ceará é o estado com maior número de beneficiados do seguro contra a safra, deve passar dos 300 mil em 2013. O pagamento deve aumentar de R$700 para R$1.2 mil. No nordeste no final de 2012 estavam em estado de emergência 1.196 municípios. A Bahia tinha o maior número 262, seguida por Paraíba com 178 e Ceará com 177.

TEXTO REPLICADO DESTE ENDEREÇO: