Tem certas coisas que existem, mas não acreditamos por achar impossível de acontecer. Uma onda em plena região de seca é uma dessas coisas que temos de ver para acreditar. Claro que nos dias atuais e com as tecnologias de se registrar os acontecimentos, fica fácil provas algumas coisas que poderíamos achar estranho.
"O que mais preocupa não é nem o grito dos violentos, dos corruptos, dos desonestos, dos sem-caráter, dos sem-ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons." Luther King_______
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segunda-feira, 10 de dezembro de 2018
quinta-feira, 12 de março de 2015
Água: a falência do sistema e o espírito bandeirante
As irregularidades são tantas que ninguém sabe quanto de água se retira em São Paulo. E tem gente que ainda acha que o problema é a falta de chuvas...
Najar Tubino
Essa discussão, que no Brasil, a mídia chama de crise hídrica, é muito mais complicada e envolve o próprio modelo econômico adotado, além da incompetência local, no caso de São Paulo, com um sistema de gestão pífio e um sistema de fiscalização ridículo. A questão: a chuva não vai resolver o problema, nem do sistema Cantareira, nem Alto Tietê, nem na Bacia do Piracicaba, Capivari e Jundiaí, assim como não resolverá a questão dos reservatórios das hidrelétricas. Primeiro ponto: o lago da represa de Ilha Solteira, que é a terceira maior do país – produz 3.444 MW, localizado na fronteira entre SP e MS, está SECO, assim como o da represa de Três Marias.
Créditos da foto: Mídia Ninja / Flickr
Texto original: CARTA MAIOR
Najar Tubino

No levantamento do ONS sobre o estado das represas, do dia 2 de março, a média para a região Sudeste e Centro-Oeste era de 20,97% da capacidade. As principais represas estavam na média de 13%, isso inclui a de Furnas. Na região Nordeste a situação é idêntica: Sobradinho estava com 18,21% e Três Marias com 18,36%. As regiões Sul e Norte é que estão em melhores condições- Tucuruí com 40,3% e Passo Real com 43,15%. As chuvas do nordeste estão abaixo da média como era previsto. A seca entra no quarto ano nos estados do Ceará, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Isso na prática é o seguinte: 248 municípios com racionamento de água ou sem fornecimento. O Ceará ainda mantém 176 municípios, de um total de 184, em estado de emergência. Em Pernambuco são 116 dos 173 municípios.
Quanta água é captada?
Em São Paulo as chuvas foram acima da média em fevereiro, embora o Sistema Cantareira tenha recolhido água apenas para completar o primeiro volume morto – acima de 18% ele completa o segundo volume morto. Mas as previsões de março são de chuvas menos intensas. E, depois, começa o período com menor probabilidade de chover. O Dia 30 de abril é definitivo: o governo estadual vai definir se corta a água de indústrias, agricultores e demais usuários. Antes disso o espírito bandeirante aflorou. É tamanha a quantidade de irregularidades que ocorrem com a captação de água no estado – oficialmente mantém 35,4 mil pontos de captação de água, acrescentando que em 2014 concederam mais 5.471 outorgas. E o Departamento de Água e Energia Elétrica tem 271 técnicos para fiscalizar todo o estado.
Não vou tratar da lista dos 500 clientes da Sabesp está em discussão. Vamos ver a situação da Bacia do Alto Tietê, que abastece parte da região metropolitana de SP, incluindo municípios como Suzano, Poá, Ferraz de Vasconcelos e parte da zona leste da capital. Municípios como Salesópolis e Mogi das Cruzes concentram o cinturão verde do estado. Qual a situação da agricultura: mais de 80% dos agricultores que captam água para irrigar suas plantações – que são no regime de agronegócio, embora de verduras e legumes – estão irregulares.
Quer dizer, ninguém sabe quanto eles captam. Mas eles são a parte menor nesta questão. O Comitê da Bacia do Alto Tietê vai começar a cobrar dos usuários a partir desse ano. Isso já ocorre em outras bacias espalhadas pelo Brasil, desde 2001. O próprio Comitê, que é o responsável – onde participam usuários, sociedade civil e o poder público - definiu pela cobrança em 2012. A questão mais importante é a seguinte: são 2,5 mil usuários que captam água diretamente, envolve desde empresa que vendem água, tipo carro-pipa, hotéis, condomínios e indústrias.
Cobrança começa apenas em 2015
A Agência Nacional de Água é quem faz o recolhimento desta taxa, cujo objetivo único é investir na recuperação da bacia hidrográfica. No caso dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí – de domínio público federal – a taxa é recolhida desde 2006. Até 2013, a ANA repassou para a Fundação Agências das Bacias do PCJ R$150 milhões. Em todo o país, que inclui rios como São Francisco, Paraíba do Sul e outros, foram recolhidos em 2013 R$234 milhões. São Paulo recebeu R$40 milhões. No Alto Tietê a previsão é que haverá um recolhimento na ordem de R$24 milhões este ano, de empresas como Gerdau, Multipapéis, NGK, Melhoramentos, Kimberly Clark- todas localizadas em Mogi das Cruzes, além da Suzano Papel e Celulose, Clariant e Itaquareia. No Consórcio da Bacia do PCJ participam 43 prefeituras e 27 empresas, entre elas, Petrobras, Unilever, Rhodia, Ypê, responsáveis por 90% do consumo da região.
O presidente da Fiesp, Paulo Skaf diz que 70% das empresas fazem reúso da água. Já o diretor de Meio Ambiente da mesma entidade, Nelson Pereira dos Reis, disse que 60 mil empresas serão atingidas pela falta de água na Grande São Paulo e Campinas, responsáveis por 1,5 milhão de empregos na área industrial. A saída é óbvia: investimentos na abertura de poços artesianos. Em 2012, a Fundação Brasileira de Desenvolvimento Sustentável apresentou um relatório sobre o setor privado e os recursos renováveis. Em São Paulo, 41,2% da água é usada pela agricultura, 32% para abastecimento público e 26,8% pela indústria.
Consumo industrial no meio urbano
Citava metas de redução do consumo de água pela indústria e listava os maiores consumidores: alimentos e bebidas, indústria têxtil, mineração, siderurgia, papel e celulose, petróleo e derivados químicos. Uma das integrantes da lista dos clientes da Sabesp que pagam tarifa promocional é a Viscofan, da área de papel e celulose. A produção de papel fino gasta um milhão de litros por tonelada de papel – no caso do sulfite são 700 mil litros por tonelada. Uma indústria têxtil também está na lista: o tingimento de tecido consome 150 mil litros por tonelada e o preparo do linho 40 mil litros. Para fazer polipropileno, base química para milhares de produtos são gastos 230 mil litros por tonelada.
Recentemente o prefeito de Campinas insistiu com a Sabesp para fazer um sobrevoo sobre o rio Atibaia porque a diferença no desnível do rio era muito acentuada. Constataram o que todo mundo sabe – furto de água. Agora, numa situação como a atual, chega-se a seguinte conclusão: ninguém sabe quanto de água se retira dos rios, riachos, aquíferos em São Paulo, tal o nível de irregularidades constatadas. Um trecho do documento lançado recentemente na capital paulista pela Aliança pela Água:
“- Não existem dados para afirmar que o ciclo de estiagem esteja acabando, a seca pode continuar e até se intensificar ao longo deste ano. Com a falta de água o individualismo e a violência tendem a prevalecer. O vácuo alimenta o alarmismo e o pânico, dificultando ainda mais a garantia dos direitos e a saúde dos cidadãos nesta iminente calamidade. O esforço para enfrentar o colapso deverá ser coletivo e exigirá um longo período de sacrifícios por parte da população. E transparência e diálogo com os diversos setores da sociedade.”
Panorama mundial - mais consumo e menos água
Qual o panorama no mundo sobre a escassez, desperdício, poluição da água? Em fevereiro a ONU lançou dois relatórios sobre o tema. No primeiro sobre o aumento de 40% no consumo de água até 2030, mas com um adendo importante: a redução na vazão dos principais rios do mundo em 25% - em alguns meses do ano eles não chegarão a sua foz. Mais importante: 48 países deverão ser enquadrados na categoria com escassez ou falta de água no mesmo período, envolvendo uma população de quase três bilhões de pessoas – lógico que Índia e China estão entre eles. Pior: 80% da água no mundo não é coletada, nem tratada. Nos países em desenvolvimento 70% dos resíduos industriais não são tratados. Morrem por ano no mundo 1,5 milhão de crianças menores de cinco anos por doenças decorrentes do suprimento de água contaminada – as chamadas doenças diarréicas.
O relatório também cita um fato comprovado desde 1970, em regiões que começaram a enfrentar problemas de seca. O volume de chuvas, desde então, tem diminuído nestas mesmas regiões em pelo menos 20%. A degradação da terra, a desertificação e a seca atingem 1,5 bilhão de pessoas no planeta. Houve uma perda de 24 bilhões de toneladas de solo fértil nos últimos anos, uma área comparada à zona agriculturável dos Estados Unidos. Sem contar que mais de 200 milhões de toneladas de esgotos são jogados em rios, córregos e no mar.
Exemplo bandeirante
Uma pesquisa realizada pela UNESP em 54 riachos da região de São José do Rio Preto constatou que no período de 2003-2013 em 80% deles houve diminuição do volume de água e perda da qualidade do ambiente por assoreamento e deposição de areia nos leitos. Diz a pesquisadora Lilian Casatti:
“- Nós sabíamos que haveria uma perda de qualidade ambiental, mas não imaginávamos que ela seria tão grave em tão pouco tempo”.
Na região dos sistemas que abastecem a maior metrópole da América Latina existem dois milhões de construções irregulares e um complexo industrial altamente poluidor e consumidor de água, além de uma população de 25 milhões. O espírito bandeirante busca o milagre na porta do inferno.
Texto original: CARTA MAIOR
quarta-feira, 4 de março de 2015
Por que o Brasil está importando energia da Argentina
Postado em 02 fev 2015 por : Afonso Capelas Jr.
Só é preciso ter fé.
Texto original: DCM
O inusitado apagão que atingiu 10 estados brasileiros, mais o Distrito Federal, no início da tarde de 19 de janeiro deixou milhões de brasileiros sem energia elétrica. Deixou, inclusive, muitos paulistanos no sufoco, presos nos trens da linha amarela do metrô da capital paulista.
O blecaute foi surpresa para nós, cidadãos, mas não para o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Programar o corte de energia foi a solução encontrada pela ONS diante de um pico de consumo recorde, principalmente na cidade de São Paulo.
Ato contínuo, o órgão teve também que importar cargas extras de energia da Argentina durante três dias depois do apagão para suprir a grande demanda. No total foram importados dois mil megawatts/hora (MWh) em caráter emergencial.
O Brasil havia comprado energia elétrica da Argentina pela última vez em dezembro 2010. Na semana passada a energia adquirida abasteceu o Sul do país, já que nos dois dias subsequentes ao apagão a região precisou repassar energia ao Sudeste.
Para o doutor em física nuclear Luiz Pinguelli Rosa, diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe-UFRJ), lançar mão de energia elétrica da Argentina é procedimento normal em momentos de picos de consumo.
“A Argentina é uma possibilidade que foi aproveitada. Essa linha existe faz muitos anos, desde o final do governo FHC, e foi pouco utilizada. Num momento como esse é bom ter tal possibilidade”, disse Pinguelli.
O especialista falou ainda que temos mesmo muito a nos preocupar com o atual quadro do setor elétrico brasileiro. Lembrou que os níveis das águas das hidrelétricas estão extremamente baixos. “Principalmente os reservatórios do Sudeste e do Centro-Oeste, que estão abaixo dos 18%. É muito pouco”.
É irrisório. De acordo com o ministro das Minas e Energia, Eduardo Braga, não há usina que consiga funcionar com os reservatórios a 10% de suas capacidades.
“O verão está bastante rigoroso e a chamada nova classe média vem consumindo mais. Estes fatores permitiram a compra de muitos eletroeletrônicos e aparelhos de ar condicionado. Nossa estrutura energética está chegando no limite”, alertou o diretor da Coppe-UFRJ.
Esse parece ser o cenário sombrio esperado pelos especialistas e autoridades do setor de energia para 2015. De acordo com o Instituto Acende Brasil – centro de estudos dedicado a projetos e ações que aumentem a transparência e sustentabilidade do setor elétrico brasileiro – há grande possibilidade de novos apagões no decorrer do verão.
Nos últimos três anos, segundo o instituto, os recordes de demanda aconteceram em fevereiro. “Este ano o sistema não conseguiu suportar a demanda já em janeiro. É razoável supor que o recorde de 2015 também seja em fevereiro”, admitiu o presidente do instituto, Claudio Sales, à Folha de S. Paulo.
Mais: o Acende Brasil informou também que o sistema elétrico nacional só tem margem de segurança quando existe uma reserva de potência de 5%. É conhecida como “reserva girante”. Com os reservatórios quase vazios e a demanda crescente do consumo essa reserva desapareceu.
A saída, de acordo com Luiz Pinguelli Rosa, é ficar à mercê das usinas termoelétricas. “Era preciso usar mais as termoelétricas antecipadamente para evitar colapsos como o que aconteceu na semana passada. O Brasil construiu muitas dessas usinas permitindo passar 2014 sem problemas o ano inteiro”.
Com as termelétricas, entretanto, o país terá outros abacaxis para descascar. Como se sabe, termelétricas são movidas à custa da queima de gás natural, petróleo ou carvão. Portanto produzem grandes quantidades de Gases de Efeito Estufa (GEE) potencializadores das mudanças climáticas.
Não só. A geração de energia dessas usinas é muito mais cara, como demonstra o professor Pinguelli. “A hidrelétrica de Belo Monte tem um preço de geração de R$ 70 o MW/h. Usinas a gás natural, que são as melhores termoelétricas do Brasil, têm preço de R$ 150 o MW/h. As movidas a óleo diesel e meais poluentes custam até R$ 500 o megawatt/hora”.
Claro, o aumento pelo uso dessas fontes de energia terão que ser pago pelo consumidor. “Melhor do que não ter energia alguma”, resumiu o físico à CBN.
Opções, só a longo prazo. Nos últimos dois anos a participação de energias limpas no sistema energético brasileiro tem sido incrementada. “A eólica têm ainda uma participação pequena, mas já se iguala à das usinas nucleares”, disse Pinguelli.
A energia solar, de acordo com diretor da Coppe-UFRJ, também tem muitas chances de entrar com tudo no sistema. “Seu custo é um pouco mais caro, mas é muito simples de implementar. As residências podem ter seus próprios coletores solares nos telhados, como já acontece”.
Para que essas modalidades de geração de energia elétrica consigam escala será preciso, principalmente, que as nossas indústrias produzam os equipamentos. “Infelizmente a indústria brasileira está tecnologicamente atrasada, com raras exceções. As importações encarecem demais o custo desses materiais”.
No aqui e agora resta-nos fazer economia desde já, antes mesmo que alguma medida de racionamento seja implantada no país. E rezar, rezar muito, como sugeriu o ministro Eduardo Braga em entrevista coletiva: “Deus é brasileiro e vai fazer chover e aliviar a situação dos reservatórios de água do Sudeste”.
Só é preciso ter fé.
Texto original: DCM
quarta-feira, 26 de março de 2014
Água: um bem comum
Nada como um verão tórrido e seco, como este de 2014, para a gente pensar na bendita água. Isto é particularmente relevante para São Paulo e Rio de Janeiro
Cândido Grzybowski (*)
A água bem merece um dia seu no nosso calendário, o 22 de março. Este reconhecimento só se deu em 1993, após a Eco-92. No fundo, deveríamos celebrar a água todos os dias, o dia inteiro. Mas só lembramos dela na sua falta ou no seu excesso. Quem vive em territórios áridos ou semiáridos, dada a sua relativa escassez, organiza a vida em torno à água. No Brasil, isto vale para a grande Região Nordeste, que possui 30% da população brasileira e só 3% da água. São seculares as secas no Nordeste, tanto quanto a nossa incapacidade de gerir a questão. Afinal, no nosso semiárido até chove mais do que na Argélia, por exemplo. Por que, com mais água, nosso povo sofre tanto?
(*) Sociólogo, diretor do Ibase
Referências
• BARLOW, Maude. “Every now and then in history, the race takes a collective step forward in ist evolution”. On the Commons. 2010 (Disponível em: <http://onthecommons.org-commons-future-already-here>. Acesso em 15 out 2012)
• COCA-COLA Brasil. Guia de Sustentabilidade. sd
• GRZYBOWSKI, Cândido. Caminhos e descaminhos para a biocivilização. Rio de Janeiro, Ibase, 2011 (Disponível em <http://www.ibase.br/pt/wp-content/uploads/2011/08/Caminhos-descaminhos.pdf>
• HELFRICH, Silke et alii. Biens Communs – La prospérité par le partage. Berlin, Heinrich Böll Stiftung, 2009.
• O GLOBO. Amanhã. Rio de Janeiro, 11/03/2014
• RESILIENCE ALLIANCE. Planetary Boundaries: exploring the safe operatin space for humanity. Ecology and Society. London, v.14 (Disponível em <www.ecologyandsociety.org/vol14/art32> Acesso em 15 out 2012)
• VIEIRA, Miguel Said. Bens comuns intelectuais e bens comuns globais: uma breve revisão crítica. São Paulo, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 2012.
Texto original: CARTA MAIOR
Cândido Grzybowski (*)

Açudes, represas e poços foram feitos ao longo do tempo para estocar água, mas muito investimento acabou sendo privatizado pelo nosso secular patrimonialismo, que beneficia sistematicamente os grandes proprietários de terras. Mas, há que se reconhecer, é no Nordeste rural que, nos anos recentes, se desenvolve a experiência participativa mais promissora de gestão da água: a Articulação do Semiárido Nordestino, com a experiência de construção comunitária de cisternas familiares coletoras de águas das chuvas, já mais de 500 mil.
Nada, porém, como um verão tórrido e seco, como este de 2014, para a gente pensar na bendita água. Isto é particularmente relevante para as duas maiores regiões metropolitanas do Brasil, São Paulo e Rio de Janeiro. Para milhões de pessoas a água faltou nas torneiras e chuveiros. As notícias e as imagens alarmantes de represas vazias e o inevitável racionamento, especialmente em São Paulo, apavoram. A enorme estiagem significa também reservatórios hidrelétricos no limite e possibilidade de falta de eletricidade logo aí. Enfim, é a água mostrando que está nas nossas vidas mais do que a gente pensa.
Mas também esquecemos. Estamos vendo imagens de enormes inundações na Região Amazônica. Como seria bom se tanta água fosse melhor distribuída. No entanto, esquecemos que em dezembro, alguns meses atrás, as inundações foram aqui na Região Sudeste. A Baixada, na área metropolitana do Rio, foi devastada por duas enxurradas antes do Natal. O pior aconteceu no Espírito Santo, que quase virou mar. Bem, agora a seca. Será que isto tudo são catástrofes? Ou não sabemos lidar com a água?
A água e a vida
Não existe vida sem água. E a água mal gerida por nós pode significar morte. É tão simples e trágico assim! A água ocupa um dos lugares centrais no ciclo da vida e do conjunto de sistemas ambientais que regulam a vida, o clima e a própria integridade do planeta Terra.
A água é tão presente no nosso cotidiano que a gente só lembra dela quando falta. É como o ar que respiramos, nunca pode faltar. Mas como somos negligentes com a água! Esperamos que ela flua, venha até nós e passe, pronto. Esquecemos que sem ela não há vida, nenhuma vida. No nosso modo de vida, ainda mais em grandes metrópoles, vivemos um cotidiano sem pensar na água, como se não fosse algo relacionado a uma condição vital, que deveria estar no centro da própria organização social urbana.
Como recurso natural, a água é um estoque dado, uma quantidade na natureza de tamanho determinado: 97,5% da água forma os mares, mas só uma pequeníssima parcela da água doce restante é disponível para consumo, pois muita água está congelada ou armazenada no alto de cordilheiras e na Antártica (O GLOBO, 2014, P.14). A água doce seria suficiente não fosse a forma predatória como a utilizamos. Ela se mantem e renova num ciclo ambiental definido: dos estoques em aquíferos flui para nascentes, córregos, riachos, rios e deságua no mar, evapora, forma nuvens, chove, irriga a terra e alimenta os aquíferos, e o ciclo recomeça. Isto, de um modo simplificado, mostra o funcionamento de um dos sistemas mais essenciais e, ao mesmo tempo, mais ameaçados hoje em dia, que está no centro das mudanças climáticas. A água é um sistema ambiental complexo, que afeta outros sistemas fundamentais e é por eles afetado: atmosfera e clima, biodiversidade e florestas, oceanos e evaporação. A água fresca, tão essencial, como estoque dado, precisa se renovar no seu ciclo natural.
São afetados e interagem com a água, condicionando, portanto, a vida, toda a vida, mudanças provocadas pela ação humana sobre o meio ambiente: as mudanças climáticas, a acidificação dos oceanos, as emissões de aerosol e o buraco de ozônio, o uso da terra, a perda da biodiversidade, a composição química do meio ambiente (poluição). Hoje a humanidade é uma força que afeta o funcionamento do conjunto dos sistemas ambientais vitais, ultrapassando os umbrais do tolerável para que eles funcionem e não provoquem mudanças imprevisíveis e irreversíveis.
Tomando o exemplo da água, precisamos pensar como formamos o nosso habitat humano, os territórios em que nos organizamos como sociedade. Talvez o exemplo mais emblemático dessa distorção seja o da água mesmo. As águas, pelo seu próprio ciclo, são complexos sistemas de drenagem com suas bacias hidrográficas. Elas estão no centro natural de territórios de todo planeta. No entanto, ao longo da história, tendemos a transformar as bacias em fronteiras humanas, ao invés sistemas naturais integradores. Quantos rios no mundo não passam de fronteiras entre países! E pior, mesmo no interior de Estados, muitos rios e baciais são fronteiras naturais entre divisões territoriais, chegando até a pequenas unidades administrativas, como os municípios entre nós.
Enfim, neste exemplo sobre a água é possível examinar a tragédia que a ação humana pode provocar. Estamos diante de uma ruptura insustentável entre humanidade e natureza, isto na religião, na filosofia, na economia, na política, na organização social e no conjunto de nossas práticas pela sobrevivência. Negamos a nossa própria condição de natureza e nos consideramos acima dela, feitos para dominá-la, para violar os seus segredos, segundo Bacon. Agredimos a natureza sem ética, como que negando a ela o direito de ser o que é. O desastre está na nossa porta. A ruptura entre natureza e seres humanos é a causa da insustentabilidade do modo de vida que temos. A água é o exemplo mais palpável.
A crise mundial da água
Já estamos vivendo a crise mundial da água, mas fazemos de conta que não. A humanidade é a principal causa de mudança no ciclo de água fresca, que torna possível a vida no planeta Terra. Hoje, estima-se que 80% dos rios no mundo estão em perigo e 25% deles chegam secos antes de desaguar no mar, o que se soma ao fato de já termos passado do limite natural na acidificação dos oceanos (RISILIANCE ALLIANCE, 2012). Nunca é demais lembrar aqui a tragédia do rio Jordão, no centro da guerra territorial entre Palestina e Israel, que chega seco ao mar Mediterrâneo devido ao uso intenso de suas águas para irrigação pelos israelitas. A antiga União Soviética, devido ao intenso uso agrícola, secou um imenso lago na Europa Central.
Segundo Maude Barlow, do Council of Canadians, a cada dia jogamos de esgoto e de resíduos industriais e agrícolas no sistema mundial de águas o equivalente ao peso mundial de toda a população humana (2 milhões de toneladas). A indústria de mineração no mundo deixa nos territórios, como veneno, o equivalente a cerca de 800 trilhões de litros, a cada ano. Estima-se que um terço de todo o fluxo de água é usado hoje para a produção de agroenergia, água suficiente para satisfazer a necessidade de toda a população mundial. Por isto, a água é uma das maiores ameaças ecológicas para a humanidade. A água contaminada mata mais crianças por dia do que HIV-AIDS, malária e as guerras juntas (BARLOW, 2010).
Não falta água, nós é que criamos a escassez de água pelo modo com que a usamos. Devido a escassez criada, a água se transformou num negócio global. Por que? Para que? Nada mais emblemático do absurdo do negócio da água do que o trágico acidente no grande túnel de passagem entre Itália e França no Mont Blanc, anos atrás. O acidente foi provocado por dois caminhões... carregados de água, um da Itália para a França e outro da França para a Itália!
Estamos diante de um eminente risco da água virar mais uma commodity, de ser transformada em um produto comercializável, que se adquire pelo preço determinado de quem a explora. Aliás, isto é precisamente o que está sendo proposto sob o belo nome de economia verde e sustentável, que estende o domínio do capitalismo e dos mercados a toda a natureza e seus chamados “serviços”. Está em jogo o próprio direito de viver. Cobrar taxa para que a água jorre na torneira de casa, um direito fundamental, já é discutível. Mas ter que pagar pelo monopólio privado da água é estar submetido a uma violação absurda de um direito básico.
A gradativa escassez gerada e a mercantilização da água afetam tudo na vida humana e na natureza: a diversidade de culturas humanas, a biodiversidade natural, o alimento, a segurança ecológica e o funcionamento dos sistemas ambientais, que vão do sequestro de carbono da atmosfera, da resiliência dos sistemas aquáticos e terrestres, à regulação do clima. A água, num certo sentido, resume nela a crise do desenvolvimento que temos, que produz luxo e lixo ao mesmo tempo, tudo em nome da acumulação de riquezas.
As lutas pela água
Neste final de verão e início de outono, entre tantas questões que alimentam as inquietações do nosso cotidiano, surgiu a questão do uso das águas do rio Paraíba do Sul. Com nascentes em São Paulo, mas correndo em direção ao Nordeste, sendo o principal rio e atravessando todo o Estado do Rio de Janeiro, suas águas viraram uma controvérsia federativa. Com falta de água, São Paulo quer interligar a bacia do Paraíba do Sul ao sistema Cantareira, que abastece a Grande São Paulo, hoje sob ameaça de “estresse” hídrico. Sem entrar nos meandros técnicos, o fato soa como uma ameaça, uma guerra federativa. Por que? Não desenvolvemos uma cultura de gerir nossas águas como um bem comum.
A água já está no centro de importantes conflitos sociais pelo mundo. A lista de exemplos é longa. Basta lembrar alguns. Além da disputa do rio Jordão entre Palestina e Israel, importa lembrar aqui a questão do Tibet, ocupado militarmente pela China por causa exatamente da água, pois os dois grandes rios chineses são abastecidos naturalmente pelo degelo das montanhas do Himalaia. Em 2000, devido à tentativa de privatização do abastecimento de água em Cochabamba, na Bolívia, explodiu a guerra popular pela água, obrigando o governo a rever a sua decisão. Na Índia, alastrou-se um grande movimento contra a Coca-Cola, devido ao crescente controle dessa multinacional de refrigerantes de fontes naturais de água fresca, logo num país onde a água não é exatamente abundante. Cabe lembrar que a Coca-Cola usava 3 litros de água fresca para produzir 1 litro de seu refrigerante. Foi em Mumbai, na Índia, em 2004, durante o Fórum Social Mundial, que a comercialização da Coca-Cola foi proibida no espaço de realização do evento. Talvez isto tenha ajudado a empresa a adotar práticas um pouquinho mais responsáveis, pois em 2009, conforme publicação da própria empresa, se consumia 2,04 litros de água para cada litro de produto (COCA-COLA, sd).
Mas a água não é só disputada pelo seu consumo imediato. Ela representa complexos sistemas, que muitas vezes são agredidos em nome do desenvolvimento. No momento, é possível ver isto na questão que envolve a construção das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, e de Belo Monte, no Xingu. O uso da água para gerar energia elétrica é uma forma de extrativismo agressivo social e ambientalmente, apesar de ser contabilizada como energia limpa nas estatísticas do país. Para construir hidrelétricas é preciso agredir o rio e o que ele significa para a população que vê no rio agredido uma parte fundamental de seu território e seu modo de vida. Na bacia do Xingu vivem importantes povos indígenas, com seu direito ao território reconhecido em nossa constituição democrática.
Interessante lembrar aqui o caso de Itaipu, hidrelétrica construída pela ditadura nos anos 70 do século passado. O Rio Paraná, em Itaipu, é fronteira entre Paraguai e Brasil. Para usá-lo na produção de energia foi importante um acordo que divide ao meio, entre os dois países, a energia produzida. Mas como ficou a população a ser “inundada”? Eram milhares de pequenos produtores familiares só do lado brasileiro. O processo de exclusão da área foi feito à força, com indenizações que não garantiam a reprodução das mesmas condições de vida em outro lugar. Surgiu, então, o movimento dos atingidos por barragens e, dado que havia sem-terra, o MST tem uma da origens por lá. Acontece que ninguém pensou nos índios Guaranis, ocupantes ancestrais de todo o território. Só depois, muito depois, é que a questão mereceu atenção e foram cedidos territórios específicos para os Guaranis. Mas o interessante é como a questão da água do rio mudou no decurso do tempo. Usina hidrelétrica depende de água como qualquer ser vivo. O Oeste do Paraná é uma das áreas de maior intensidade de exploração agrícola e pecuária intensiva. O assoreamento do lago de Itaipu avançava espantosamente.
Foi por iniciativa da própria Itaipu que, desde 2003, se desenvolve o exemplar programa “Cultivando Água Boa”, de sustentabilidade das águas e do modo de vida dos municípios brasileiros do entorno. Á água, ontem agredida e usada como mero recurso, hoje é cuidada, das microbacias dos rios, que alimentam o lago, ao alimento orgânico produzido para as escolas da região.
Enfim, existem conflitos sociais porque a água é de algum modo ameaçada como bem comum, que está aí no centro de toda a vida. O aprisionamento da água para o seu uso privado, para a sua mercantilização direta ou na forma de minérios, energia, insumo na produção agrícola e industrial, é o que a torna escassa e motivo de disputa. Na verdade, hoje em dia, todos os conflitos de água se referem a territórios específicos, territórios entendidos como as condições dadas, as naturais e as criadas pela ação humana passada, e os modos de vida atuais que os organizam. Aí a água pode ser tratada como um mero recurso natural, na visão de empresas e, muitas vezes, governos, ou como um bem essencial à própria vida de quem aí vive. A disputa, simplificadamente, é entre tais visões diametralmente opostas.
A Água como bem comum
Aqui é essencial destacar a água como bem comum fundamental da vida, de toda vida. Os bens comuns, ou simplesmente comuns, são parte intrínseca da integridade das condições de vida de todos e todas. São bens comuns: o próprio planeta Terra, a atmosfera (o ar e o clima), o espaço sideral (órbitas geoestacionárias) e o espectro de ondas (para frequências de comunicação), a biodiversidade, as terras férteis, as montanhas, os oceanos, os rios, as águas....Bens que existem em um estoque dado. São também comuns bens produzidos como a língua e a cultura, o conhecimento, a informação, a internet... , todos bens que se multiplicam e se enriquecem com o seu uso humano. A cidade, como um conjunto coletivo, é um bem comum, convivendo com propriedades privadas de casas, apartamentos, casas comerciais e de serviços, indústrias, em seu interior. Nenhum bem é comum por si, torna-se comum, faz-se comum pelas relações sociais (ver: VIEIRA, 2012; HELFRICH et alii, 2009; GRZYBOWSKI, 2011).
O que faz um bem ser comum é o indispensável compartilhamento e o necessário cuidado. A percepção da necessidade de compartilhar e cuidar de certos bens leva os grupos humanos a se organizar e a tratá-los como comuns. Por isto é que socialmente se criam bens comuns. Voltar a tornar comum o que foi privatizado está no centro de muitas indignações e insurgências pelo mundo. O caso da água é um dos mais evidentes e emergentes hoje em dia. A água só é garantida de fato quando tratada como bem comum. No Fórum Social Mundial, ainda na primeira edição em 2001, em Porto Alegre, começou a se formar a rede mundial do direito à água como bem comum, uma das maiores redes de cidadania no mundo. Na luta contra a privatização e pela volta a formas de tratar a água como bem comum vale lembrar aqui os casos de Roma e de Paris, hoje com o abastecimento de água sob a gestão da municipalidade e sob controle direto cidadão.
Ser comum é ser um direito coletivo. Não é uma questão de propriedade. Não é “de ninguém”, mas de todos. Não é só ser público que garante ser de todos. O ar é comum porque é de todos, mas é difícil imaginá-lo público ou, ainda mais difícil, privado. A rua é comum porque pública, também de todos, mas temos experiências de sobra sobre a sua privatização, com cancelas e guardas armados. A água é um direito coletivo porque comum, só que pode ser privatizada na medida em que pode ser aprisionada. Não é automático que a gestão pública da água a trate como um bem comum, mas estar sobre gestão pública muda a natureza do conflito pelo direito coletivo à água.
O privado é o que é controlado privadamente, segundo interesses particulares. O que é público, controlado ou não pelo Estado, deve atender a interesses coletivos, de todas e todos. Mas para isto necessariamente precisa ser visto e tratado como um comum, um direito igual de todos e todas da coletividade. Só a cidadania em ação pode garantir o caráter comum de um bem. A água merece ser mais do que uma tragédia, por sua falta ou excesso. Está no hora de instituirmos publicamente a água como um bem comum. Não esqueçamos que somos gestores de 12% da água doce do mundo!
Para finalizar
Toda a minha análise sobre a água tem como referência o indispensável tratamento que devemos a ela como um bem comum vital. Devemos trazê-la para a agenda pública, para o centro da ação cidadã. Não vamos conseguir enfrentar nossos problemas de justiça social e ambiental sem resgatar a água do seu aprisionamento como recurso na produção e como mercadoria rara por agressivas forças privatizantes. Mas não vamos progredir muito sem lutar para que o Estado garanta o caráter comum da água, como bem a ser compartilhado entre todos e todas, sem discriminações e exclusões.
(*) Sociólogo, diretor do Ibase
(**) Este artigo é uma adaptação e atualização de palestra do autor no Seminário “Sustentabilidade – Múltiplos Olhares: Água e Saneamento & Resíduos Sólidos”, organizado pelo Museu Ciência e Vida, Fundação CECIERJ, Duque de Caxias, 07/11/2012.
Referências
• BARLOW, Maude. “Every now and then in history, the race takes a collective step forward in ist evolution”. On the Commons. 2010 (Disponível em: <http://onthecommons.org-commons-future-already-here>. Acesso em 15 out 2012)
• COCA-COLA Brasil. Guia de Sustentabilidade. sd
• GRZYBOWSKI, Cândido. Caminhos e descaminhos para a biocivilização. Rio de Janeiro, Ibase, 2011 (Disponível em <http://www.ibase.br/pt/wp-content/uploads/2011/08/Caminhos-descaminhos.pdf>
• HELFRICH, Silke et alii. Biens Communs – La prospérité par le partage. Berlin, Heinrich Böll Stiftung, 2009.
• O GLOBO. Amanhã. Rio de Janeiro, 11/03/2014
• RESILIENCE ALLIANCE. Planetary Boundaries: exploring the safe operatin space for humanity. Ecology and Society. London, v.14 (Disponível em <www.ecologyandsociety.org/vol14/art32> Acesso em 15 out 2012)
• VIEIRA, Miguel Said. Bens comuns intelectuais e bens comuns globais: uma breve revisão crítica. São Paulo, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 2012.
Texto original: CARTA MAIOR
terça-feira, 2 de abril de 2013
Seca: em 2013 o pesadelo continua

Najar Tubino
Não é só pelo racionamento que iniciou em Recife semana passada e está programado para durar três meses, porque uma das barragens que abastece a cidade tem apenas 19% da sua capacidade. Desde o final de 2012 os meteorologistas anunciaram que as chuvas no nordeste, durante o período de maior incidência – entre fevereiro e maio – estavam abaixo da média, o clima era considerado seco, muito seco e extremamente seco, nos 969 mil km2 que envolvem o semiárido brasileiro. É a região árida mais populosa do planeta, com cerca de 25 milhões de habitantes, sendo 1.133 municípios enquadrados como semiárido, inclui nove estados nordestinos e o norte de Minas Gerais.
Para a ONU estamos na década de combate à desertificação, se encerrará em 2020. Desde 1997 o Brasil é signatário da Convenção de Combate à Desertificação, por um motivo muito simples: pelos menos 46% da área do semiárido esta susceptível à desertificação. No mundo o problema atinge 33% da superfície terrestre, envolvem quase três bilhões de pessoas. São perdidas anualmente 24 bilhões de toneladas de solo. Na América Latina, o problema atinge 11 países e uma área que varia de 357 milhões de hectares até mais de 500 milhões.
Histórico de horrores
É um problema grave que se torna ainda maior levando em consideração o histórico no país e no mundo. As secas das décadas de 1870 a 1890 mataram milhões de pessoas no mundo. Uma delas dizimou mais de 500 mil sertanejos no nordeste. Mais recente, a seca dos anos 1979 a 1983, matou pelo menos 700 mil pessoas, segundo relatos oficiais. A população rural do semiárido caiu entre os anos 2000 e 2010 em 5,7%, passou de pouco mais de 43% para 38%. Mais de 520 mil pessoas deixaram a área rural nesse período.
Existem outros dados para traçar o perfil do semiárido, hoje em dia. A começar pela implantação dos programas de benefício para as pessoas que não tem renda. No caso do semiárido 50% não contam com renda, ou apenas recebem os benefícios dos programas oficiais, na sua maioria (59,5%) são mulheres. Cerca de cinco milhões dispõem de apenas um salário mínimo, sendo 47% mulheres. Somente 5,5% recebem renda entre dois e cinco salários mínimos. E apenas 0,15% tem renda acima de 30 salários. Este é um perfil divulgado pela ASA, a Articulação do Semiárido, formada por mais de mil organizações e está presente em toda a região. Foi criada no final da década de 1990. Em 1993, os trabalhadores rurais ligados à CONTAG invadiram a sede da SUDENE, na época a entidade governamental que monopolizava as ações no nordeste.
Um milhão de cisternas
A ASA foi organizada com o objetivo de mudar o panorama do semiárido, trabalhando com a realidade dos sertanejos e a construção de alternativas para lidar com as agruras do sertão. O uso sustentável dos recursos naturais, a recomposição ambiental e a quebra do monopólio de acesso a terra, água e outros meios de produção, além do apoio a difusão de métodos, técnicas e procedimentos, que contribuam para a convivência com o semiárido, ao lado da campanha maior, que era a construção de um milhão de cisternas – capacidade para 16 mil litros. Segundo informações oficiais, o governo federal entregou 150 mil cisternas em 2012, somando 237 mil no biênio 2011-2012. Também no ano passado foram usados 4.292 carros pipas em mais de 700 municípios. O chamado PAC Prevenção do Semiárido realizou obras de R$2,2 bilhões, incluindo a primeira etapa da adutora no rio Pajeú, que foi entregue recentemente. Também o programa Bolsa Estiagem beneficiou 881 mil agricultores, o seguro safra pago a outros 768 mil produtores.
São situações que não existiam antes do Programa Nacional de Prevenção à Desertificação e combate aos efeitos da seca lançado em 2004. Mas que ainda estão longe de mudar o panorama real dos sertanejos, quando a seca aperta. O professor Aziz Ab’sáber dizia que era falácia ensinar o nordestino a conviver com a seca. Mas o problema econômico da região é histórico. Desde a época da instalação das fazendas de gado para produção de carne, couro e animais de tração e manter a indústria canavieira escravocrata da zona da mata. Passando pela implantação de lavouras de algodão arbóreo, aproveitando a guerra civil norte-americana(1860-1865).
Efeito inglês
Mike Davis, em seu livro Holocaustos Coloniais, relata este fenômeno, que antecipou a tragédias das secas de 1877 e depois 1888. Em 1845 foram exportados 162.265 kg de algodão do porto de Recife. Saltou para oito milhões de quilos em 1871. Exportação dos ingleses para as indústrias de Manchester. Depois trocaram o algodão do semiárido pelo algodão de fibra longa do Egito. Depois veio a praga do bicudo e praticamente acabou com o cultivo do algodão.
Conviver com a seca significa reter a água na época das chuvas – variam de 200 a 800mm em média. Os solos da caatinga são pedregosos, cristalinos, como dizem os geólogos, e tem um declive que corre diretamente para os rios. Se for enxurrada, leva a terra. Se a temperatura aumenta, como ocorre agora com as mudanças climáticas, também aumenta a evaporação. Foi o que disse o pesquisador Carlos Nobre, em um seminário do Instituto Nacional do Semiárido, realizado em Campina Grande na Paraíba, em 2011:
“O bioma caatinga – quer dizer mata branca na língua indígena – está entre os mais vulneráveis, num cenário de aumento das temperaturas globais, o que coloca a região nordeste do Brasil em um estado especial de alerta, pois há uma forte pressão para a desertificação da região”.
Ele citou levantamentos da estação meteorológica de Araripina(PE), no período 1961-2009, onde apontavam para um aumento de quatro graus centígrados na temperatura máxima diária e diminuição média de 275mm de chuvas em oito postos no vale do rio Pajeú, em Pernambuco.
“A diminuição das chuvas acompanhadas de aumento nas estiagens de 20 para 35 dias, com aumento nos eventos de precipitações intensas que passou de cinco para nove ocorrências por ano. Tais sinais constituem evidência de que processos de aridificação estão em curso nas áreas estudadas no interior de Pernambuco”, explicou Carlos Nobre.
A Agência Nacional de Águas (ANA) em um estudo de 2005 fez a seguinte previsão para 2025, em relação ao nordeste:
“Mais de 70% das cidades do semiárido nordestino, com população acima de cinco mil habitantes enfrentarão crise de abastecimento de água para o consumo humano até 2025. Problemas de abastecimento deverão atingir cerca de 41 milhões de habitantes da região do semiárido e entorno, levando em conta o aumento da população e da demanda por água em nove estados e cerca de 1300 municípios, além do norte de Minas Gerais”.
Carvão da caatinga
Em outro trabalho do PAN-Brasil sobre a situação do semiárido em Minas Gerais, que na verdade quando se trata do Vale do Jequetinhonha estamos falando das “Gerais” e não das minas. A área susceptível à desertificação envolve 142 municípios no norte de Minas, Mucuri e o Vale do Jequetinhonha ( 177 mil km2, 30,3% da área do estado) e 2,2 milhões de pessoas. No item referente à atividade econômica da região consta que 29% é exploração de carvão vegetal com origem nativa. Quer dizer, derruba a pouca mata do semiárido para produzir carvão, que vão abastecer as guserias no Vale do Aço.
Presenciei esse trânsito de carretas abarrotadas de carvão, numa estrada que era pura areia, no sul da Bahia em direção ao norte de Minas. A criação de bovinos atinge 27,9% da atividade econômica. Na região considerada subúmido seco, 38,7% da economia expressava a produção de carvão vegetal. Diz o relatório, divulgado em 2010, pelo governo mineiro:
“O somatório das áreas desmatadas para a produção de carvão provoca um comprometimento ambiental de alto impacto.”
Se fosse traduzir isso diria que estão colocando fogo na própria casa. O crescimento da população do vale do Jequetinhonha nos últimos 30 anos é inferior a 1%.
Na década de 1960 a caatinga, considerada um ecossistema único no mundo, com suas 148 espécies de mamíferos, 348 espécies de aves, 107 espécies de répteis e 47 de anfíbios, e seus 87 milhões de hectares tinha 88% do bioma preservado. Agora são 28%. Um grupo de profissionais da Universidade Federal do Ceará fez um estudo sobre os efeitos da seca em 2012. Também incluíram o distrito de Iguaçu, no município de Canindé (CE), onde moram pouco mais de 800 pessoas e desenvolvem projetos de convivência com o semiárido, como barragens subterrâneas.
A queda na produção de milho e feijão dos estados da Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, para citar um exemplo, é maior que 90%. O caso mais grave da Paraíba. A produção de grãos do Ceará caiu 88%. O Ceará é o estado com maior número de beneficiados do seguro contra a safra, deve passar dos 300 mil em 2013. O pagamento deve aumentar de R$700 para R$1.2 mil. No nordeste no final de 2012 estavam em estado de emergência 1.196 municípios. A Bahia tinha o maior número 262, seguida por Paraíba com 178 e Ceará com 177.
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