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segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

O Rio Doce azedou

As 735 barragens de Minas Gerais são verdadeiras bombas-relógio prestes a detonar a qualquer momento.


Há 377 mil nascentes na Bacia do Rio Doce, que é do tamanho de Portugal. O rio tem 850 km de extensão e dele dependem 3,5 milhões de pessoas. Agora, com o rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, resta um imenso curso de lama que destrói quase toda forma de vida que encontra pela frente. E a lama continua descendo todos os dias, sem que as autoridades tomem providencias.

As 735 barragens de Minas Gerais são verdadeiras bombas-relógio prestes a detonar a qualquer momento. 

O maior desastre ambiental da história do Brasil causou 19 mortes. As casas de 254 famílias foram soterradas por 55 milhões de metros cúbicos de lama (o equivalente a 20 mil piscinas olímpicas cheias de lama). Em torno do rio Doce há 300 mil habitantes sem água limpa para beber, 11 toneladas de peixes mortos, 120 nascentes e mangues soterrados.

Já dizia Hugo Werneck, de quem fui vizinho em Belo Horizonte: “A natureza não precisa de nós. Nós é que precisamos da natureza.” 

No capitalismo, empresa existe para dar lucros. Mais lucros e menos segurança! Proteção ambiental, investimento em pesquisas e qualidade de vida da população são questões secundárias...

As empresas sofrem pressão dos acionistas para aumentar a produção e vender mais e mais. Foi o que aconteceu com a Samarco/VALE. Já era tempo de aplicar tecnologias de extração de minério a seco, sem utilizar água. Ou reutilizar a água da lavagem, como fazem inúmeras empresas não mineradoras.

Em 2014, a Samarco, controlada pela Vale e a BHP Billiton, anglo-australiana, obteve um lucro líquido de R$ 2,8 bilhões. 

O governo brasileiro não tem visão estratégica. Tentou, mas fracassou nesse intento. Em 2007, criou a Secretaria de Assuntos Estratégicos, com status de ministério. Fechou-a em outubro de 2015, sem choro, nem vela, nem fita amarela.

Ainda que a tragédia de Mariana não houvesse ocorrido, a sentença de pena de morte da Bacia do Rio Doce já havia sido decretada pelos municípios que despejam esgoto em suas águas. Outro grave problema é o desmatamento da Mata Atlântica. Hoje, no vale do Rio Doce, a cobertura é de menos de 0,5% de floresta. 

Para os governos (municipal, estadual e federal) e a maioria das empresas, preservação ambiental é mera frase de efeito em discursos demagógicos. Falam maravilhas sobre sustentabilidade e compromisso social! Ora, basta conferir quanto, de fato, gasta-se nessa área.

Em Minas, o Sisema (Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos) recebe apenas 0,5% do orçamento público. Depois da Secretaria da Fazenda, quem mais arrecada é a do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). Mas todo o dinheiro, recolhido pela Secretaria do Planejamento, vai para outros gastos do Estado, resta no final uma ninharia para a Semad. 

A fiscalização nas empresas mineradoras ou é feita com olhos de cego, devido à pressão das empresas e a corrupção dos políticos, ou não é feita por causa da falta de pessoal qualificado, equipamentos, viaturas e pagamento de diárias. Embora o financiamento empresarial de campanhas políticas esteja proibido, por baixo do pano os políticos esperam “uma ajudazinha” das empresas e, por isso, temem ser rigorosos na imposição das leis e na apuração e punição de responsabilidades. 

Isso explica por que o Sisema, em apenas um ano, analisou e regulamentou mais de 6 mil processos de licenciamentos ambientais!

Enquanto economia e política não forem ecologizadas, outras tragédias semelhantes poderão ocorrer. A menos que a lei obrigue os diretores de mineradoras a erguer seus luxuosos condomínios à sombra das barragens... 

Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais, autor do romance “Minas do Ouro” (Rocco), entre outros livros.

Texto original: CARTA MAIOR

DE MASTINS E DE POODLES


No day after da aprovação pelo Senado de proposta que muda as regras do pré-sal, abrindo caminho para leilões de novos campos de petróleo e para a aprovação pela Câmara de projeto ainda mais vergonhoso, que prevê o fim do regime de partilha e a volta ao regime de concessão que vigia até 2010, estabelecido nos “fantásticos” tempos de FHC, autoridades norte-americanas movem mundos e fundos para impedir a compra, pela poderosa estatal chinesa ChemChina, da multinacional química Syngenta, por 44 bilhões de dólares.

Embora de origem suíça, a Syngenta tem forte presença no mercado agrícola norte-americano, onde está cotada em bolsa e conta com acionistas como o Bank of America e o fundo de investimentos Blackrock.

Com essa atitude, os EUA querem também evitar que Pequim reforce sua posição na área de transgênicos prejudicando direta e indiretamente grandes empresas norte-americanas do setor, como a Monsanto - ao contrário do que ocorre no Brasil, os chineses tratam as multinacionais de sementes e defensivos agrícolas estrangeiras com rigor e são extremamente cuidadosos na liberação da venda de seus venenos e organismos geneticamente modificados em seu território, um dos maiores mercados do mundo. 

A pseudo “massa” ignara, abjeta, fútil e fascista, que pulula pela internet e pela mídia conservadora brasileira, deveria aproveitar o seu pegajoso pró-norte-americanismo para aprender a diferença entre os EUA – e outros países com P maiúsculo na administração de seus interesses - e o Brasil: por lá, quando se trata da entrega de setores ou mercados estratégicos para potências concorrentes, os mastins nacionalistas dos Estados Unidos ladram e rugem - mesmo quando não se trata de empresas 100% norte-americanas – e arreganham os caninos, enquanto, por aqui, nossos delicados poodles entreguistas antinacionais fazem festa para os gringos, e balançam, arfantes e em êxtase, os rabinhos.

Texto original: MAURO SANTAYANA

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Objetivos do Milênio: aqui jaz o capitalismo esclerosado

Relatório da ONU mostra uma realidade ambiental assustadora. Ou criamos outro sistema, ou deixamos que o 1% acabe de fazer o serviço.

Najar Tubino


Jazer significa estar morto ou como morto. Esse é o caso do dito cujo. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, assinado por 189 países em 2000, definiu oito pontos principais, entre eles, combate a extrema pobreza, mortalidade infantil, igualdade de gênero, redução das doenças transmissíveis como AIDS, malária e tuberculose, ensino fundamental e um melhor gerenciamento do desenvolvimento. O prazo acabou em 2015, ano em que o 1% da população mundial detém 50% da riqueza. O ano mais quente da história recente, onde foram anunciados os eventos extremos meteorológicos ocorridos nos últimos 20 anos: 6.457 contando enchentes, tempestades, ondas de calor e secas. Morreram 606 mil pessoas, 4,1 bilhões ficaram feridas, sem abrigo ou necessitaram assistência de emergência. Mais: 87 milhões de casas destruídas, prejuízos anuais de 250 a 300 bilhões de dólares.

Metas importantes foram cumpridas, como a redução da pobreza, da mortalidade infantil, do acesso ao ensino, da assistência aos doentes, entre outras coisas. Entretanto, o relatório da ONU, de 76 páginas, aprovado no final do ano passado mostra uma realidade cruel da humanidade neste momento. E serve de argumento para decretarmos o estado do cadáver insepulto do capitalismo. Vamos lá:

A realidade do mundo em números

- 946 milhões de pessoas defecam ao ar livre, segundo o relatório, que de livre não tem nada, porque somente na Índia morrem 200 mil crianças por ano de diarreia, entre outras doenças espalhadas por moscas, mosquitos e outros insetos, que carregam restos de fezes humanas pelos trajetos usados- como cólera, desinteria, ebola, hepatite A.
- 880 milhões vivem em favelas, bairros de lata, que são comuns na Ásia.

- 2,4 bilhões, a maioria na zona rural, convive com instalações sanitárias não melhoradas, como registra o eufemismo dos burocratas.

- 32 milhões estão contaminados com o vírus HIV e não recebem tratamento.

- 16 mil crianças morrem diariamente antes de completar cinco anos. Em 2015 morreram 5,9 milhões, sendo um milhão ao nascer, outro milhão uma semana depois, e 2,8 milhões nos 28 dias do período neonatal.

- 57 milhões de crianças em idade de frequentar escola estão sem estudar.

- 60 milhões de pessoas abandonaram suas casas em 2014 em razão de conflitos e guerras, o nível mais elevado desde a segunda guerra mundial. A metade são crianças.

- 254 milhões estão desempregados – em 2015 -, um número que supera em 53 milhões os números de 1991. O desemprego entre os jovens entre 15 e 24 anos é três vezes superior ao dos adultos e no ano passado, onde 74 milhões de jovens estavam a procura de emprego.

- Em 2015, foram registrados 240 milhões de casos de malária com 472 mil mortes, e outros 300 milhões casos de dengue, sendo que as duas doenças são transmitidas por mosquitos e estão presentes em 100 países. Inclusive nos Estados Unidos, onde em 2009 ocorreu um surto na Flórida.

- 1,45 bilhão de trabalhadores em condições vulneráveis, ou seja, sem contrato de trabalho, sobrevivem com bicos ou por conta própria. A taxa global é de 45%, mas na África e no sul da Ásia passa dos 50%.

Defecar ao ar livre é um terror

Defecar ao ar livre é um terror para mulheres e crianças, isso no mundo digital, com quase quatro bilhões de conexões de internet espalhadas por todos os continentes. Enquanto 124 mil ultrarricos exibem o luxo de quem tem mais de 500 milhões de dólares. No ano da Declaração do Milênio o conceito de desenvolvimento envolvia a criação de um sistema comercial e financeiro aberto, previsível e não discriminatório. Se traçarmos a rota do crescimento mundial, no caso, a década de 1990 era usada como comparativo – PIB mundial de 27,5 trilhões de dólares – para mais de 80 trilhões em 2015. Entre 20 e 32 trilhões em paraísos fiscais, como aponta o estudo da Tax Justice Network, do Reino Unido, onde os 50 maiores bancos privados administram US$12 trilhões. Essa parte da previsão deve ter sido o “não discriminatório”.

A situação de quem vive em extrema pobreza realmente reduziu de 36% em 1990 para 15% em 2011, o acesso à água potável aumentou de 2,3 bilhões para 4,2 bilhões, a taxa de mortalidade infantil reduziu de 90 para 43 mortes por mil nascidos. Em 1990 a população mundial era de 5,2 bilhões, hoje de 7,2 bilhões. É preciso ressaltar, e isto está registrado no estudo da ONU citando o Banco Mundial, que metade de 155 países pesquisados não tem monitoramento sobre a situação da pobreza. Na África mais de 60% dos países não têm dados sobre a situação. Sem contar que apenas 60 países dos pesquisados contam com sistemas de registros de nascimento.

A cada minuto morrem 11 crianças no mundo

“- Os progressos para acabar com a fome foram importantes apesar do ambiente mundial difícil durante a última década. Os obstáculos incluem preços instáveis das matérias primas, preços mais elevados dos alimentos e energia, aumento do desemprego e recessões econômicas, no final da década de 1990 e em 2008/09. Os fenômenos meteorológicos extremos frequentes e os desastres naturais também contribuíram bastante para a perda de vidas e dos meios de subsistência e prejudicaram o progresso no sentido da segurança alimentar mundial”, registra o estudo da ONU.

As instabilidades políticas e as guerras civis agravaram os efeitos dos desastres naturais – caso da África que contabilizou 77 secas no período -, que resultou em várias crises humanitárias significativas. O relatório dos Objetivos do Milênio também ressalta:

“- Os ODMs conduziram progressos dramáticos e sem precedentes na redução das mortes infantis. Tratamentos eficazes e a custo acessível, melhoria nos serviços de saúde e compromisso político contribuíram para isso. Mesmo assim, a cada minuto, em todo o mundo, 11 crianças morrem antes de completar cinco anos, a maioria de causas evitáveis.”

900 milhões de mosquiteiros com inseticidas

Também morrem 800 mulheres grávidas, no parto ou logo após, a maior causa morre por hemorragia – 27%. A mortalidade de crianças e mulheres também é maior nas zonas rurais. Na Ásia, 50% da população ainda vivem em comunidades no campo. Onde os mosquitos atacam mais. Onde a ONU, através dos programas de saúde distribuiu 900 milhões de mosquiteiros tratados com inseticidas, reduzindo o índice de mortalidade da malária nos últimos anos. Mas também aumentando o faturamento das corporações internacionais de veneno, que também são as mesmas que nunca se interessaram em produzir uma vacina contra a picada do mosquito Anopheles, assim como nunca se preocuparam com o alastramento da dengue e a suas complicações, que hoje se tornaram uma emergência mundial, conforme comunicado da Organização Mundial de Saúde. Em 2014, um “cluster”, um agrupamento de evidências de distúrbios neurológicos e malformações neonatais foram registrados nas ilhas da Polinésia Francesa e depois na Ilha da Páscoa, antes do surto de 2015 no Brasil.

Deixamos que o 1% acabe o serviço

Um dos pontos dos Objetivos do Milênio é a sustentabilidade ambiental, uma situação que precisava ser revertida, conforme a declaração do ano 2000. Aconteceu o contrário. Piorou totalmente. Segue a lista das extinções, do desmatamento, do aumento dos gases estufa, a escassez de água, que afeta mais de 40% da população mundial e a queda do estoque pesqueiro – em 1996 a pesca era de 88 milhões de toneladas, em 2013 foi de 82 milhões, sem contar a extinção de espécies, a sobrepesca, a poluição, a acidez dos oceanos. 

A Organização das Nações Unidas discute as metas para os próximos 15 anos. A essência do documento deve ser a situação de “como morto” do capitalismo esclerosado. Porque certamente nos próximos 15 anos a vida no Planeta continuará caminhando no rumo do desastre, se o atual sistema econômico não for enterrado. O desafio é óbvio: ou criamos outro sistema, ou deixamos que o 1% acabe de fazer o serviço, que já está quase completo.

Texto original: CARTA MAIOR

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Crise mundial: petróleo derrete, republicanos celebram o carvão

Os Estados Unidos não estão nem um pouco interessados em abrir mão do seu estilo prepotente para conter o aquecimento global.

Najar Tubino


O capitalismo esclerosado está em convulsão mais uma vez. As maiores petrolíferas do mundo demitiram mais de 100 mil pessoas em 2015, 30 mil somente na Noruega. O gás de xisto, considerada a última maravilha do neoliberalismo dá sinais de falência literal – as empresas prestadoras de serviço como Saipem, Schlumberger, Weatherford, Baker and Hughes e Halliburton foram responsáveis por quase 50 mil demissões. Isso no ano passado e o setor de petróleo e gás se prepara para a segunda onda de demissões, corte de investimentos e fechamentos de poços em 2016. Em 10 anos, os bancos dos Estados Unidos emprestaram US$1 trilhão para estas empresas. Como forma de multiplicar os lucros, fatiaram os negócios e venderam ao mercado. As agências de classificação como Standard & Poors e Moody’s rebaixaram as notas de empresas como Chevron e Shell, além de outras dez menos conhecidas. A ExxonMobil, maior petrolífera do mundo está ameaçada de perder o AAA.

Incluindo a BP, do Reino Unido, todas estão cortando despesas, tiveram queda no faturamento e reduziram os lucros, desde o ano passado. A Exxon em 20%, a Shell em 57%, a Chevron em 30%. A redução de investimentos alcançará mais de 75 bilhões de dólares – em 2015 foi de US$595 bilhões e a previsão para 2016 é que não passe de US$520 bilhões. Mas este ainda não é o maior problema, além da redução histórica nos preços do barril do petróleo. Os contratos na Bolsa Mercantil de Nova York com vencimento em março apontam para uma cotação do petróleo leve (WTI) a US$27,94 e o Brent, usado como referência na Europa, a US$30,51.

Bolsas já perderam US$15 trilhões

As petrolíferas precisam de dinheiro até abril para pagar US$31 bilhões em dividendos aos seus acionistas, principalmente fundos de pensão, aposentados e fundos especulativos que têm nas ações da Exxon, Shell, BP, Crevron e Conocophilips uma garantia de renda anual. A Exxon aumenta os dividendos há 33 anos seguidos e a Shell desde 1945 não deixa de pagá-los. Entretanto, os títulos e ações do setor de petróleo e gás se arrastam no tufão que tomou conta das bolsas no mundo inteiro, em 2016 já perderam US$15 trilhões. O setor do fracking dos Estados Unidos tem um déficit de US$169 bilhões – em 2010 era de US$81 bilhões.
Existem mais de um milhão de poços de exploração de gás de xisto nos Estados Unidos – a rocha sedimentar que tem entre 5 e 10% de betume, que a criatividade industrial suga através da injeção de água misturada com areia e fluídos de hidrocarbonetos como benzeno, tolueno e etil benzeno, ou até mesmo óleo diesel. São 240 bilhões de litros de água poluídas que saem desses poços, sem contar o metano liberado na atmosfera.

Sim, nós mandamos

Para coroar a convulsão perfeita do mercado, a Suprema Corte dos Estados Unidos, numa contagem de 5 a 4 – cinco conservadores, segundo a mídia – trancou o Plano de Energia Limpa do presidente Barack Obama, que está ameaçado de entrar para a história como o maior demagogo do planeta, ao anunciar na COP 21 que os Estados Unidos cortariam 32% das emissões de gases das usinas de eletricidade, a maioria movida a carvão até 2030. O refrão “sim, nós podemos”, virou “sim, nós mandamos” dos republicanos como Paul Ryan, presidente da Câmara dos Deputados que pretende enterrar definitivamente a pretensão de Obama.

“- Essa regulação deve ser derrubada de forma permanente, antes que a indústria de carvão seja completamente destruída e os consumidores americanos sejam condenados a pagar mais caro pela energia”, disse ele, depois do anúncio da Suprema Corte, que ainda passará por uma revisão em junho num Tribunal de Recursos do Distrito de Colúmbia.

Ninguém sabe o que acontecerá em 2016

O poder conservador mostra que não está nem aí para o aquecimento global ou o que o restante da humanidade pensa sobre o grave problema que afeta os sete bilhões de habitantes. Foi uma decisão inusitada, a toque de caixa, para repercutir na campanha presidencial, e mostrar ao mundo que os Estados Unidos não estão nem um pouco interessados em abrir mão do seu estilo – carro, sanduíche gorduroso, obesidade e prepotência.

Mesmo assim o mercado continua derretendo. A briga entre Arábia Saudita e Irã é apenas uma face do problema. No rolo atual todos estão jogando mais petróleo no mercado, o Iraque vende a 25 dólares o barril para a Ásia, Noruega e Canadá vendem a 22 dólares. Não há mais parâmetro. Nenhum banco consegue prever petróleo custando mais do que 60 dólares durante 2016. A Agência Internacional de Energia prevê um milhão de barris dia a mais no mercado este ano e considera que o ponto de equilíbrio entre oferta e demanda ocorrerá em 2019.

Fracking é a última bolha especulativa

A questão é que as previsões são viciadas, na verdade ninguém está entendendo o que acontece. Desde 2012, a AIE anuncia uma previsão de consumo acima de 90 milhões de barris/dia no mundo. Em 2015 deveria ser 92 milhões de barris/dia. Não há informação de quanto foi consumido no ano passado, com a queda no consumo da China e a recessão na Europa e nos países emergentes. Pior: a previsão da Agência Internacional de Energia é para um consumo de 120 milhões de barris/dia em 2020, ou seja, daqui quatro anos. Na realidade as previsões escondem as intenções do mercado de continuar vendendo petróleo, combustível, carros, ou seja, perpetuando o ciclo do combustível fóssil, que os 195 países presentes na COP 21 recentemente fizeram juras para mudar, depois de 2020.

O “milagre” americano do fraturamento hidráulico é a última bolha especulativa do capitalismo esclerosado, os últimos estudos de várias universidades americanas apontam para a queda na produção antes de 2020. O analista da Moody’s, Terry Marshall declarou ao Financial Times “que o mercado de capitais tem sido tão forte e tão aberto para as empresas de petróleo e gás que muitas delas acabaram criando um monte de dívidas”. O filme é o mesmo de 2008, agora azar é de quem ficou com o mico nas mãos, no caso os títulos fatiados dos empréstimos das empresas do setor que vão virar pó. O diretor de pesquisa de Commodities do Citi Group na mesma matéria do FT disse:

“- Assim como o mercado de capitais guiou a indústria a um crescimento espetacular, o setor financeiro vai conduzi-la à consolidação e a contração”.

Texto original: CARTA MAIOR

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Brasil precisa de 'BNDES dos pobres', diz economista vencedor do Nobel da Paz

Para o economista bengali Muhammad Yunus, ganhador do Prêmio Nobel da Paz o país precisa de um "BNDES para os pobres" para avançar no combate à pobreza.

Ruth Costas - BBC Brasil

A ideia, segundo o economista, fundador do banco Grameen de microcrédito, é dar apoio para que integrantes das camadas mais pobres da população desenvolvam sua capacidade empreendedora e "criem seu próprio emprego".

"É preciso separar os serviços bancários e financeiros para os pobres daqueles voltados para os ricos, porque se você não faz isso, no final a instituição em questão acaba focando mesmo nos ricos", disse Yunus, referindo-se ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, instituição de fomento a empresas e outros negócios), em entrevista à BBC Brasil.

"Se o BNDES quer fazer isso (financiar as grandes empresas), tudo bem. Mas deve haver um BNDES para os pobres - apenas para os pobres. Assim a coisa não se confunde. Se o banco faz um pouquinho aqui, outro pouquinho ali, não funciona. É importante que as políticas e as intenções sejam claras para o financiamento dos mais carentes."

Yunus veio ao Brasil para participar de uma série de palestras e de encontros da Fundação da ONU, ONG ligada às Nações Unidas da qual é membro-conselheiro. No Insper, em São Paulo, participou de uma mesa de debate sobre a promoção da igualdade de gênero (96% dos clientes do Grameen são mulheres).

Falando à BBC Brasil sobre o Bolsa Família, Yunus opinou que é preciso garantir que as pessoas que recebem recursos do programa possam empreender e "caminhar com suas próprias pernas".

"Ajudar as pessoas que passam necessidade deve ser uma prioridade para a sociedade. Mas depois que você fez isso, há uma segunda tarefa que é garantir que a pessoa que recebe esses recursos possa se manter sozinha", afirmou o economista.

"Pelo que entendi, o Brasil conseguiu dar conta dessa primeira parte do trabalho. Mas agora é preciso começar a enfrentar essa segunda parte: Como fazer essas pessoas saírem do Bolsa Família e se sustentarem sozinhas, contribuindo para a sociedade?"

História

Nascido em um pequeno vilarejo em Bangladesh, Yunus estudou na Universidade de Vanderbilt, nos Estados Unidos e começou a carreira como acadêmico, no Departamento de Economia da Universidade de Chittagong.

Em 1976, criou o banco Grameen, que tinha como objetivo dar empréstimos a taxas de juros amigáveis para que pessoas excluídas do sistema financeiro tradicional pudessem abrir pequenos negócios.

A instituição foi pioneira no modelo de microcrédito e hoje empresta anualmente cerca de US$1,5 bilhões, tendo mais de 8 milhões de clientes.

O modelo rendeu a Yunus o prêmio Nobel da Paz em 2006 e inspirou projetos em 40 países.
"Eu não sabia nada sobre bancos. Então comecei a entender o que os bancos faziam - e fazer o oposto. Eles emprestavam para os homens, começamos a emprestar para as mulheres. Eles atuavam no centro da cidade, fomos para as áreas rurais. Pediam garantias, nós não. Tinham muitos advogados, nós não tínhamos nenhum. Somos o único banco no mundo que não tem advogado", contou o bengali em São Paulo.

Em 2011, porém, o economista teve de deixar a direção do banco após uma longa desavença com o governo de Bangladesh, dono de 25% das ações da instituição.

Empresas sociais

Hoje, ele está à frente de dezenas de empresas e fundações que oferecem serviços e produtos para os pobres em seu país, ou procuram difundir as ideias defendidas pelo economista.

Yunus diz que seu objetivo não é obter lucro, mas "resolver problemas sociais".
"Se você sempre faz e pensa as coisas de modo convencional, só consegue resultados convencionais", disse o economista, ao comentar o aumento da desigualdade no mundo.
"Como ter outros resultados? Mude de direção, dê uma marcha ré. Estamos fazendo isso no mundo dos negócios: em vez de adotarmos como objetivo ganhar dinheiro, ter lucro, nosso objetivo agora é resolver problemas. Com isso temos o que chamamos de 'negócios sociais'".

Em 1997, por exemplo, o Prêmio Nobel ajudou a criar uma companhia de telefone para vender a baixo custo celulares a pessoas pobres. Também fundou empresas na área de energia e na área médica.

Além disso, em 2006 o Grameen fez uma parceria com a Danone para criar um iogurte de baixo custo com nutrientes que faltavam na dieta das crianças das áreas rurais de Bangladesh.

Parte do objetivo de Yunus em sua viagem ao Brasil era impulsionar no país esse modelo de “negócio social” — ou seja, empresas sustentáveis que tem como propósito maior melhorar a vida e resolver problemas da população carente.

A Yunus Negócios Sociais atua no Brasil há cerca de dois anos com o objetivo de apoiar técnica e financeiramente empreendedores com propostas nessa linha.

Créditos da foto: University of Salford Press Office

Texto original: CARTA MAIOR

segunda-feira, 24 de março de 2014

Paul Krugman e Banco Mundial sobre o Brasil apesar da sonegação

O Nobel de economia, Paul Krugman, na abertura do Fórum Brasil em São Paulo, destacou a visível e duradoura vitalidade de nosso parque econômico.

José Carlos Peliano (*)

A semana passada foi especialmente rica em declarações sobre a economia brasileira. De 17 a 21 de março fontes insuspeitas e diferenciadas apontaram pelo menos dois pilares que sustentam o desempenho do país e, apesar disso, um vírus que tenta desarticular as contas públicas. Tudo isso a mercê dos vendavais que vira e mexe sacodem as expectativas, as previsões e as manchetes.

De início, o Nobel de economia, Paul Krugman, na abertura do Fórum Brasil em São Paulo, destacou a visível e duradoura vitalidade de nosso parque econômico. Este o primeiro pilar de sustentação. Contrariamente aos arautos oposicionistas de catástrofes iminentes, registrou em especial a capacidade de adaptação da economia brasileira aos trancos e barrancos da crise mundial e às opções e aos rumos seguidos pelo mercado interno. Chamou-lhe a atenção em particular a flexibilidade demonstrada pela política econômica e pela economia em responder aos cenários negativos. E se sair bem.

Enumerou o economista americano três vantagens em relação às demais economias em crise que não se recuperam mesmo em cenários de juros baixos e inflações no chão tampouco conseguem estimular investimentos. 

A primeira vantagem é a nossa menor exposição aos riscos cambiais por conta de uma dívida externa levada a rédeas curtas. E de uma reserva cambial sólida e crescente. O lado externo, portanto, não assusta mais como em décadas anteriores.

As duas vantagens complementares são a inflação controlada e a política fiscal bem administrada. De fato, esses pilares econômicos têm mantido nosso país resistindo a ataques especulativos, a reduções de exportações e a pressão de importações. O lado interno vira gente grande em contraste com administrações federais de períodos passados.

O único senão anunciado por Krugman foi a dinâmica econômica da China cujo motor pode eventualmente desacelerar mais e afetar negativamente nossa pauta de exportações de commodities. E daí conturbar a balança de pagamentos. Enquanto a economia mundial não voltar a crescer, todo o cuidado com a expansão chinesa é pouco. No mais, segundo ele, pista livre para os motores de nossa indústria, serviços e agricultura permanecerem ligados e operando nos limites de suas capacidades.

Nessas condições, portanto, o lado econômico de nosso país caminha bem e ainda com fôlego para continuar roncando motores pelas pistas mesmo experimentando terrenos difíceis e muitas vezes velocidades menores. Mas ainda assim à frente dos motores em ritmo de tartaruga da maioria das demais economias. 

E o lado social? O lado social igualmente vai indo bem e com bons resultados. Este o segundo pilar de sustentação. Repisando caminhos anteriores, o Brasil conseguiu reduzir marcadamente a desigualdade nos últimos 10 anos. Um dos elementos fundamentais dessa conquista foi a retirada de famílias da pobreza para inserção nos mercados de trabalho e consumo. Intento sem precedentes na histórica econômica do país e sem comparação no mundo moderno.

Esse intento foi lembrado também na semana anterior quando ocorreu o lançamento no Rio de Janeiro do Fórum de Aprendizagem Sul-Sul sobre política social. Ministros de 70 países, cerca de 200 responsáveis de políticas públicas e mais peritos internacionais participaram do evento intitulado Mundo Sem Pobreza. A ideia é de viabilizar um Portal Virtual para a obtenção de informações sobre programas e projetos para a redução da pobreza e da desigualdade social.

Apoiado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Banco Mundial, o encontro destacou-se pela apresentação da experiência brasileira com o Programa Bolsa Família que conseguiu viabilizar a entrada na sociedade de consumo de cerca de 50 milhões de pessoas possibilitando melhoria de renda e obtenção de trabalho. 

A ministra de Solidariedade Social de Djibouti destacou ser a ferramenta virtual um dos instrumentos mais importantes para a construção de sistemas de proteção social. Já a diretora do Banco Mundial no Brasil, Deborah Wetzel, afiançou ter sido oferecida uma oportunidade para acelerar e expandir as lições de aplicação de política social no país.

Por fim, a menção ao vírus completa os destaques da semana anterior, quando o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), através da campanha “Quanto custa o Brasil para você?”, divulgou que em quase 100 dias neste ano o país perdeu cerca de R$ 106 bilhões com a sonegação de impostos. Muito dinheiro fora dos cofres públicos que ficou nos caixas de empresas e bolsos dos cidadãos.

O tamanho da sonegação, o Sonegômetro, placar que registra o quanto de tributos devidos não chega aos cofres públicos pelo recolhimento dos contribuintes (pessoas físicas e jurídicas), calculou que em 2013 o total atingiu cerca de R$ 415 bilhões, o que representa perto de 8,6% do PIB.

Argumenta o sindicato com razão que o dinheiro sonegado, que poderia vir a ser investido na saúde ou educação, sai pelo ralo e perde uso coletivo. A administração pública não consegue ir atrás dos grandes devedores sacrificando assim cada vez mais os pobres e a classe média.

Dos três eventos citados acima sobre o desempenho da economia brasileira fica a lição: apesar dos sonegadores minarem os cofres públicos, ao reduzir os recursos que poderiam ser aplicados em ampliação de programas sociais e reforços de gastos de custeio e de investimentos, o país segue economicamente seguro e socialmente responsável. Cumpre bem seu papel entre os países emergentes e dá lição de competência na administração econômica e na proteção social. Mas como santo de casa não faz milagres, é preciso que os de fora tratem o país como gente grande, exemplo a ser referenciado e parceiro confiável.

Imagine se o sonegômetro viesse a registrar valores menores de ano a ano, a economia brasileira continuasse a resistir à crise mundial e a desigualdade social mostrasse uma cara menos sofrida e mais saudável? Com certeza teríamos condições seguras e razoáveis de pensar em nos mostrarmos ao mundo como sociedade mais justa e igualitária e nação mais forte e exemplar.

Texto original: CARTA MAIOR

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Os Apologistas da Globalização


Para compreendermos o ciclo de mudanças de fundo operadas na vida socioeconômica contemporânea com a globalização, é necessário enfatizar a importância da nova ideologia do grande capital como instrumento especial de consolidação de sua hegemonia mundial. Nenhum sistema se sustenta se não estrutura um corpo de idéias que o justifique e o viabilize social e politicamente. Neste sentido, o grande capital, diante da falta de uma ideologia para o mundo globalizado preferiu retornar ao estatuto ideológico do século 18, buscando adaptá-lo às novas condições de economia globalizada. Por isso o prefixo neo(novo) acrescentado da velha ideologia liberal.