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terça-feira, 5 de maio de 2015

África: o agronegócio é a nova versão do colonialismo

Os países do G-8 querem assumir a terra do continente africano, exportando suas tecnologias e ignorando qualquer conhecimento agroecológico.

Najar Tubino

Os 53 países da África tem uma população de 1,111 bilhão de habitantes, sendo que 863 milhões moram na África Subsaariana – 34 países -, e 539 milhões continuam vivendo no campo. Mais de 90% são agricultores familiares, que as instituições internacionais insistem em qualificar de pequenos agricultores sem recursos. Além disso, 75% dos que trabalham e vivem da agricultura são mulheres, outro dado negligenciado pelas agências internacionais, como a USAID dos EUA, que está envolvida na maioria dos projetos de cooperação no continente africano. O próprio G-8 definiu há dois anos uma estratégia até 2022, para retirar 50 milhões de pessoas da situação de fome. Uma hipocrisia que de tempos em tempos os governantes ricos do planeta transformam em anúncios pomposos e planos detalhados. Este ano, por exemplo, era para ser a data em que a fome no mundo seria reduzida a metade. Isso foi anunciado no início do novo milênio.

Na verdade, o que os países do G-8 e suas agências, além é claro, das suas corporações, querem mesmo é assumir a terra do continente africano, que é habitada há milênios por comunidades de povos tradicionais e de indígenas. Parte dessa estratégia é traçar novas regulamentações nas próprias terras, iniciando o processo de regulamentação e da emissão de títulos individuais para os povos tradicionais, que obviamente, não tem documentos sobre suas terras. A USAID tem investido milhões de dólares em projetos neste sentido. Mas outra entidade chamada Millennium Challenge Corporation (MCC), criada pelo Congresso dos EUA em 2004 com o objetivo de promover o mercado livre em países pobres já investiu US$260 milhões para regulamentar as terras africanas. A rede de ONGs GRAIN, do Canadá, especialista na questão fundiária denunciou que os países africanos já promoveram 243 mudanças em suas legislações fundiárias e outras 43 na alteração do mercado de sementes.

Agroecologia é totalmente boicotada

A outra ponta da estratégia dos países ricos é implantar o agronegócio nas terras das comunidades tradicionais, para fazer o que já fazem em outras regiões, inclusive no Brasil: plantar soja, milho e algodão, cana e em alguns casos, como na África, culturas como caju, amendoim e tabaco. O pacote envolve sementes certificadas e patenteadas, fertilizantes químicos e agrotóxicos, o trio universal que tomou conta do planeta. A organização WWI (World Watch Institute), de Washington, criada pelo agrônomo Lester Brown, fez um trabalho de pesquisa de campo em 25 países africanos nos anos de 2009-2010, para o relatório lançado em 2011 – “Estado do Mundo: Inovações que nutrem”.

Os pesquisadores do WWI relataram dezenas de experiências em agroecologia na África – onde quase um milhão de agricultores trabalham com agroecologia e produção orgânica- em regiões difíceis como o Níger, a Etiópia, Mali e Malawi, que não são difundidas. Aliás, as agências internacionais não fazem a menor questão de divulgar este tipo de trabalho. Muito menos as fundações Gates, Soros, Rockefeller que definiram que a estratégia é implantar as sementes transgênicas no território africano, gastando mais de 200 milhões de dólares, se contabilizarmos os projetos de apenas duas delas – Gates e Rockefeller.

Milhões serão exilados pela mudança climática

Isso inclui criar semente transgênica de batata doce e de mandioca, duas culturas básicas na dieta dos africanos do campo. É preciso acrescentar nestas estatísticas futuras, que nos próximos cinco anos, entre 75 e 250 milhões de pessoas se tornarão exilados, em consequência das mudanças climáticas na África. As secas atingem as colheitas em dois de um período de três anos. A cada década uma seca grave. Então o problema básico dos povos tradicionais da África é a falta de umidade no solo, a falta de armazenamento da água da chuva e a inexistência de fertilidade do solo, ou seja, matéria orgânica, que em algumas regiões desapareceu. Não há pacote agroquímico no mundo capaz de resolver o problema.

Uma das fantasias criada pela Monsanto no Quênia é a promoção de uma semente transgênica lançada nos EUA em 2013, que é “resistente à seca”, e na verdade é tolerante a uma seca moderada. Coisa que qualquer semente crioula adaptada ao seu local de origem exerce em seu ciclo produtivo. Este é outro ponto que a estratégia dos países ricos pretende implantar na África. Em todos os países estão sendo introduzidas mudanças para regulamentar o mercado de sementes. Num continente onde mais de 90% da produção agrícola é familiar e tradicional, ou seja, faz parte dos costumes a troca e a partilha do conhecimento, portanto, das sementes crioulas, os agentes das corporações querem segurança para as patentes de suas marcas transgênicas.

Prosavana denunciado pelos camponeses de Moçambique

É lamentável que entre esses programas da USAID, das fundações filantrópicas norte-americanas estão iniciativas do governo Brasileiro, em projetos de cooperação técnica com vários países, especialmente Moçambique. A Embrapa desenvolve um programa de inovação agrícola em parceria com USAID em Moçambique. Existem dois projetos envolvendo a implantação do Programa de Aquisição de Alimentos e do Mais Alimentos. Até recentemente os programas filantrópicos dos EUA e da União Europeia compravam grãos dos seus agricultores para levar como ajuda humanitária à África, através do Programa Mundial de Alimentos. Agora mudaram a estratégia em parte, comprando de agricultores africanos.

Entretanto, o Prosavana é o mais conhecido dos programas a ser realizado no Corredor de Nacala, onde o ponto final é o porto, e onde uma ferrovia atravessa o norte do país. O discurso é o mesmo: ajudar a agricultura dos 4,5 milhões de pequenos produtores, melhorar a eficiência, combater a fome, mas depois de tudo isso, organizá-los em cooperativas para que se enquadrem no agronegócio e mergulhem no mercado de commodities mundial. Trabalhar para regulamentar a terra e nos projetos de reassentamentos. A Vale que explora carvão em Moatize tem uma área de 23 mil hectares e reassentou mais de mil famílias. A União Nacional dos Camponeses de Moçambique tem denunciado o Prosavana justamente por não contemplar as comunidades locais, de usurparem das suas terras e de implantar um programa sem consulta pública. Sem contar que a Fundação Getúlio Vargas estava fazendo a estruturação do Fundo Nacala, com sede em Luxemburgo e que pretendia captar dois bilhões de dólares de investidores e que receberiam seus lucros em 10 anos. Não vingou.

Algumas empresas portuguesas, da Suécia, da Finlândia, dos EUA, do Brasil já estão implantando projetos no Corredor de Nacala. Em Niassa, uma das províncias da região, o governo de Moçambique pretende incentivar o plantio de três milhões de hectares de eucalipto. Por ironia trágica, as empresas Hoyo Hoyo e Grupo Américo Amorin, além da Portucel, de Portugal, atuavam em Moçambique durante a colonização. Do Brasil o grupo Agromoz, dos Estados Unidos a Africa Century Agriculture Rei do Agro. É muito educativa a declaração da CEO do African Agricultural Land Fund, Susan Payne:

“- As terras e a mão de obra são tão baratas na África que vale a pena correr os riscos para investir”.

Programa para transformar em revendedor de agroquímicos

Na maioria dos países o governo concede licenças – no caso de Moçambique de 50 anos – para exploração por preços irrisórios, afinal, as empresas, fundos, corporações querem ajudar a combater a fome, melhorar a renda dos pequenos agricultores de parcos recursos e que necessitam da modernização da agricultura, das suas sementes transgênicas, dos seus fertilizantes químicos e de seus venenos. Um dos programas da USAID, patrocinado pelas corporações químicas é o PROFIT. Trata-se de um caso realmente engenhosos: formar agentes locais para revenda de produtos e também divulgadores das tecnologias do agronegócio. Eles treinaram milhares de agricultores na Zâmbia, que na zona rural de Mkushi, transformaram a paisagem num campo igual aos de Iowa, maior produtor de milho transgênico dos EUA. Em meio às choupanas de palha, como o relato de Andrew Rice no relatório do WWI. 

Enquanto isso, no Níger, país com 14 milhões de habitantes que enfrenta fome crônica e uma seca que devastou as criações de animais, situado na região do Sahel, os povos tradicionais fizeram uma recuperação da mata nativa, de espécies lenhosas, que em muitos casos são leguminosas, que naturalmente fixam nitrogênio na terra e conseguiram mudar o panorama numa área de cinco milhões de hectares. Isso ocorre nas regiões de Maradi e Zinder. Mesmo tipo de iniciativa o povo Dogon, no Mali, realizou. Fazendo cobertura vegetal, implantando sistemas agroflorestais e cultivando plantas nativas como painço e a espécie crioula do feijão-fradinho, além de rotação com noz de bambara, fanio e amendoim.

Sobrevivem com dignidade há milênios

Na Etiópia os povos das aldeias Wukro e Wenchi produzem mel de excelente qualidade – o país produz mais de 24 mil toneladas por ano, é o maior produtor da África -, que entrou no circuito internacional através de uma iniciativa do Slow Food International, que também já implantou mais de mil hortas comunitárias com espécies crioulas. As mulheres Massai, do distrito de Kajiado, no Quênia, construíram cisternas de ferrocimento para armazenar água, um projeto do Programa de Meio Ambiente da ONU. Em cada cisterna plantam 100 árvores.

Nos planaltos da Etiópia um grupo de agricultores descobriu e formulou um novo tipo de fertilizante usando uma planta nativa. Na mesma região onde até hoje produzem café selvagem, o mesmo que deu origem as plantações do Brasil, Colômbia e outros países.

Esta é uma realidade que não tem apoio dos governos locais todos interessados nas verbas das agências internacionais e das corporações, incluindo a elite local, que como sempre faz o seu papel de introdutor do pacote neoliberal agrovenenoso. Também não tem divulgação a não ser nos veículos alternativos ou de entidades. O pacote inclui a informação manipulada de uma realidade que só pode mudar se os povos tradicionais abrirem mão das suas terras, da sua história, enfim, da vida que levam a milhares de anos. E que agora os países do G-8, as fundações Rockefeller, Gates, Soros, Buffet, e as corporações Monsanto, Syngenta, Dupont e Bayer querem transformar, liquidando com a única coisa que eles mantiveram depois da escravidão, da colonização – a dignidade de viver de acordo com seus costumes e tradições, mesmo passando fome em muitos momentos. 

Créditos da foto: Africa Renewal / Flickr

Texto original: CARTA MAIOR

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Compramos a água que jogamos fora!

 
Cada vez mais a água potável está se tornando uma coisa rara. Juntando a diminuição das chuvas com o aumento de consumo a aguá disponível ficou pouco para as necessidades humanas. Grande parte dessas necessidades poderiam ser evitadas diminuindo o desmatamento, quando desmatasse se fizesse o reflorestamento e tem o inconveniente do desperdício. Grande parte desta falta d'água é decorrente de problemas ecológicos provocados pela chamada SOCIEDADE DE CONSUMO. Para que a empresas tenham lucros e o Estado possa arrecadar cada vez mais se faz necessário que as pessoas consumam cada vez mais além das necessidades. Em decorrência disso, as prevenções para evitar o desperdício , a poluição e o desmatamentos não tem a devida atenção por parte do governo e das empresas.

terça-feira, 28 de abril de 2015

Agrotóxicos e transgênicos: o rolo compressor imperialista

Agência Internacional de Pesquisa em Câncer classificou o herbicida Glifosato e os inseticidas Malationa e Diazinona como prováveis agentes carcinogênicos.

Najar Tubino

Antigamente a indústria fabricava venenos para a agricultura industrializada e outras empresas produziam sementes híbridas. Há 20 anos este negócio foi profundamente alterado. As plantas se transformaram em veneno e a indústria química virou produtora de semente. Um negócio internacional, que hoje em dia está sendo implantado com o apoio da Agência de Desenvolvimento Internacional dos EUA, a famosa USAID – atuando principalmente na África e na Ásia. O Brasil, além de ser um “fértil mercado de agrotóxicos”, como definiu a Agência Reuters recentemente, é o segundo maior mercado das sementes transgênicas. As últimas duas notícias da CTNBio foram: a liberação do milho transgênico contendo o veneno 2,4-D, também conhecido por ser a porção do bem do Agente Laranja. A Dow Agrosciences fabrica o produto há 60 anos. E o eucalipto transgênico da empresa FuturaGene, um empreendimento britânico, com centros de pesquisa no Brasil, na China e em Israel, e que desde 2010 faz parte da Suzano Papel e Celulose. O eucalipto não será usado apenas para produzir celulose, mas biocombustíveis (etanol) e energia.

Na realidade o rolo compressor dos transgênicos já atinge 28 países e uma área de 181,5 milhões de hectares, preenchidos por 10 variedades comerciais, a maior parte de soja, milho e algodão, segundo o ISAAA (Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações de Agrobiotecnologia), o porta-voz mundial dos transgênicos, mantido pelas transnacionais. Em seu relatório de 2014 ele faz a seguinte citação do Brasil:

“- Os transgênicos ocuparam uma área de 42,2 milhões de hectares, aumento de 1,9 milhões, o maior dos últimos cinco anos. Futuramente o Brasil deverá fechar a lacuna com os Estados Unidos. Um sistema eficiente e com base científica de aprovação no Brasil facilita uma adoção rápida das sementes transgênicas”.

Parceria da Embrapa com a BASF

Cita a Embrapa, uma organização de P&D com um orçamento de um bilhão de dólares, que lançará em 2016 uma semente de feijão resistente a vírus em 2016 e no ano seguinte, uma semente de soja resistente ao herbicida imidazolinona, em parceria com a BASF – a variedade chama-se Cultivance. O ISAAA usa o método, já quantificar, mesmo antes de aprovado, o tamanho do mercado que a semente usufruirá, neste caso da soja da Embrapa-BASF 20% e uma exportação de 17 bilhões de dólares. Faz parte da estratégia imperialista. O resultado futuro é antecipado, a aprovação assegurada por pressão das empresas e de governos favoráveis aos transgênicos. Nunca esquecendo que de toda a área ocupado por estas sementes no mundo 40% estão nos Estados Unidos.

Como assegura a Monsanto, maior produtora individual de sementes transgênicas “investimos um bilhão de dólares em pesquisa e novos produtos por ano”. É apenas uma referência do rolo compressor, que sofreu um revés importante nos últimos dias, com a divulgação pela Organização Mundial da Saúde (OMS) do estudo de revisão de várias pesquisas da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC), na Monografia IARC Volume 112 sobre a avaliação de cinco ingredientes ativos de agrotóxicos por uma equipe de pesquisadores de 11 países, incluindo o Brasil.

Agência Internacional do Câncer e o glifosato

A Agência classificou o herbicida Glifosato e os inseticidas Malationa e Diazinona como prováveis agentes carcinogênicos – provocam câncer – em humanos. E na mesma condição foram enquadrados os inseticidas tetraclorvinfós e parationa. A Malationa e o Diazinona são usados no Brasil em campanhas públicas contra vetores. O alerta foi divulgado em um comunicado do Instituto Nacional do Câncer (INCA), em um documento de cinco páginas que demonstra a preocupação dos pesquisadores com a disseminação de agrotóxicos no país, além da falta de recursos do Ministério da Saúde. Na verdade, em se tratando de agrotóxicos, temos uma realidade ao contrário no Brasil, onde o agronegócio corresponde a 30% do PIB, mas não sabemos a quantidade de veneno que estão nas águas que correm pelas bacias hidrográficas do país. Muito menos a quantidade de veneno que a população ingere diariamente em doses homeopáticas.

Pior: nunca haverá uma relação de causa e efeito com os venenos porque o acúmulo pode ocorrer por décadas até que surja um problema grave de saúde. O Brasil não tem sistema para detectar este tipo de informação – o sistema atual detecta as ocorrências graves. Mas faltam pessoas treinadas, laboratórios, esclarecimento por parte dos médicos, entre muitas outras coisas.

Projeto quer retirar rótulo dos transgênicos

Esta situação está definida e detalhada no Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos, que foi organizado no âmbito da Comissão Nacional de Produção Orgânica, como uma das estratégias do Programa Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, lançado pelo governo federal no ano passado. O problema é quando o governo vai aprovar e implantar o PRONARA. Há mais de sete anos a ANVISA tenta fazer a reavaliação de 14 princípios ativos de agrotóxicos no país e não consegue concluir o trabalho. As corporações entram na justiça com sucessivas medidas contra os processos. Acrescente isso à pressão política do Congresso Nacional, cuja maior expressão está em projetos que visam retirar a ANVISA do controle dos agrotóxicos.

O Projeto de Lei 4148, do deputado Luiz Carlos Heinze, um líder do PP na Bancada do Agronegócio e pescado pela espetacular Operação Lava Jato – assim como o resto da bancada no RS- simplesmente quer retirar a rotulagem dos transgênicos nos alimentos industrializados ou não. E está na pauta do Congresso. Outra característica do rolo compressor é misturar transgênico com as espécies naturais e seus produtos industrializados. A iniciativa é dos Estados Unidos que definiram que não há diferença entre plantas transgênicas e naturais, portanto, não precisariam ser avaliadas de forma diferente. Esse mantra destrutivo virou lei mundo afora.

Sementes imunes a vários tipos de herbicidas

No mês de março a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) decidiu agir contra o glifosato e a expansão das ervas daninhas. A porção de terra que 14 ervas daninhas ocupa naquele país chegou a 15 milhões de hectares. Isso obrigou as corporações, que lançaram o Cavalo de Tróia transgênico como um passo da humanidade para acabar com a fome, a produzir uma segunda geração de sementes, imunes a mais de um tipo de veneno – além do glifosato. A EPA quer relatórios sobre a expansão das ervas daninhas, plano de manejo e plano de restauração. O mesmo vale para a Dow AgroSciences. Agora, vejam o que a Monsanto divulga em seu programa Sistema Roundup Ready Plus, lançado em janeiro do ano passado, “que enfatiza a necessidade do uso de herbicidas com diferentes mecanismos de ação por hectare durante todo o ano agrícola”. Como exemplo cita os herbicidas de ação residual na pré-emergência, ou seja, antes das plantas nascerem, e por absoluta coincidência apresenta seu novo herbicida pré-emergente Sumisoya, cujo princípio ativo é a Flumioxazina, que compõem os herbicidas pré-emergentes mais vendidos nos Estados Unidos para a cultura da soja.

“- O Sumisoya é recomendado pelo Sistema Roundup Ready Plus como importante parceiro do Roundup no combate de plantas daninhas resistentes e de difícil controle na cultura da soja. Sumisoya será importante ferramenta neste sentido associada a outros princípios ativos que compõem as recomendações do Sistema Roundup Ready Plus”, explica a Monsanto.

Berinjela transgênica em Bangladesh

A questão é que o rolo compressor pretende expandir cada vez mais suas fronteiras e conta com parceiros bilionários. Como ressalta o ISAAA em seu relatório na última década muitas agências e fundações criaram projetos para facilitar a doação e a transferência da aplicação de biotecnologia agrícola de setores privado e público “para beneficiar os países em desenvolvimento, particularmente os pequenos agricultores de parcos recursos”. Para o porta-voz do rolo compressor não existe agricultura familiar. O ISAAA cita os exemplos de parcerias:

“- Alguns dos exemplos são a AATF (Fundação de Desenvolvimento de Tecnologia Agrícola), com sede em Nairóbi e atendendo as necessidades dos países africanos. Outro é o Projeto de Apoio à Biotecnologia Agrícola (ABSPII), que é um programa bilateral da Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID), com atividades mundiais e operado pela Universidade Cornell. Os projetos de parceria público privados têm sido motivadoramente bem-sucedidos e têm oferecido vantagens que aumentam a probabilidade de entrega de um produto transgênico aprovado para o agricultor dentro de um prazo razoável”.

A berinjela Bari BtBegun, variedade transgênica produzida pela empresa indiana Mahyco e “generosamente” doada ao Instituto de Pesquisa Agrícola de Bangladesh, foi aprovada em 100 dias, um recorde. Tudo facilitado por se tratar de um projeto da USAID e implantado pela Universidade de Cornell. São apenas 12 hectares em 50 mil ocupados pela cultura da berinjela, que em Bangladesh é considerada a verdura dos pobres. O detalhe é insano: está sendo vendida como uma berinjela livre de agrotóxicos. Na África a atuação dos Estados e fundações como a Rockfeller, Gates e Howard Buffet é muito mais pesada, articulada e avassaladora. Será o tema do próximo texto. Infelizmente o Brasil faz parte deste circuito com o Prosavana, um programa implantado em Moçambique, que envolve também o Japão. Pretendem fazer o que fizeram no cerrado brasileiro, entretanto, com um problema gravíssimo – em uma área com 4,5 milhões de pessoas, que habitam o Corredor de Nacala – uma população maior do que os MS e MT juntos.

PS : no próximo dia 28, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva em parceria com a Fiocruz e a Editora Expressão Popular, lançará o livro Dossiê ABRASCO, contendo as três partes revisadas do material publicado ao longo de 2012 sobre o uso de agrotóxicos e suas consequências. 

Texto original: CARTA MAIOR

Há riquezas que são de todos: os bens comuns

A Califórnia há décadas discute a questão da água, enquanto a ia esgotando, gerando o drama atual. As tecnologias avançaram, mas a forma de governo, não.

Ladislau Dowbor

Todos sabemos, bem ou mal, administrar os nosso bens privados, a nossa casa, eventualmente a nossa empresa, além das nossas poupanças. Sabemos administrar também, de maneira razoável, os bens claramente de responsabilidade do Estado, ou públicos no sentido estrito, como as ruas: os parques, os hospitais ou escolas públicas. Em ambos casos ocorrem deslizes mais ou menos graves, mas no conjunto são esferas onde sabemos quem é responsável.

E os bens comuns, como ficam? Estas reservas finitas de riquezas planetárias que não são bem de responsabilidade de um governo determinado nem de uma pessoa física ou jurídica, quem as governa? Trata-se aqui evidentemente das calotas polares, mas também dos oceanos e dos mares, dos nossos rios, dos lençóis freáticos de águas subterrâneas, do ar que respiramos, do conhecimento produzido pela humanidade, dos animais que ainda povoam o planeta, da beleza das paisagens e de outros bens essenciais para as nossas vidas, e que estamos maltratando ou simplesmente destruindo. Quem cuida deles? Como reverter a sua sistemática destruição ou esgotamento? Com mais de 7 bilhões de habitantes no planeta, e 80 milhões a mais a cada ano, já ultrapassamos os limites de esgotamento ou de contaminação dos recursos naturais.

O Nobel de economia de 2009 conferido a Elinor Ostrom resgata um pouco este tremendo atraso nas chamadas ciências econômicas, que é a preocupação com a gestão dos nossos bens comuns, além de resgatar um pouco de outra dívida óbvia: é a primeira vez que este prêmio, que aliás não vem do fundo Nobel e sim do Banco da Suécia, é concedido a uma mulher. Ostrom está contribuindo muito para a construção de uma outra visão. O seu livro Governing the Commons (governando os bens comuns) retomou uma discussão antiga, colocada na mesa por Garrett Hardin, ainda nos anos 1960, em artigo que se tornou um clássico, The Tragedy of the Commons.

Não se trata, no caso de Ostrom, de mais uma denúncia da tragédia ambiental. Para isto temos clássicos como O nosso futuro comum coordenado por Gro Brundtland e excelentes sínteses recentes como o Plano B 4.0 de Lester Brown, além de inúmeras pesquisas sobre todas as áreas ameaçadas. A característica dos trabalhos da autora é o fato de se debruçar de forma muito concreta sobre a economia política dos bens comuns, ou seja, o problema da sua governança. Por força dos limites da natureza, somos condenados a aprender a nos governar de maneira responsável.

Tomemos como exemplo a sua análise da água na Califórnia. É um estado rico em todos os sentidos, e em particular em ciência. No entanto, aproveitando as tecnologias que permitem irrigação e bombeamento de águas subterrâneas em grande profundidade e em grandes quantidades, geraram um drama. As tecnologias avançaram, a governança muito menos. Há muitas décadas que os californianos já discutiam os limites da água disponível, enquanto a iam esgotando, gerando o drama atual.

Ostrom mostra que os grupos privados simplesmente entraram na corrida de quem conseguia extrair mais água do que os outros – na tradicional visão da sobrevivência do mais forte – até que, a água passando a faltar para todos, tiveram de elaborar e aplicar uma outra visão de economia política: a negociação de pactos para a gestão coletiva de um recurso escasso e apenas parcialmente renovável. Este tipo de mecanismo participativo de negociação vai além tanto dos parâmetros da economia de mercado como da simples codificação impositiva através de leis e controle estatal. A sociedade precisa aprender a colaborar no uso responsável dos recursos finitos ou escassos.

O subtítulo do livro resume bem a problemática: a evolução das instituições para a ação coletiva. A Califórnia está construindo “acordos negociados sobre o direito às águas”. Fazem parte do que tem sido chamado de “novos arranjos institucionais”. No centro destes arranjos estão os sistemas que permitem uma divisão equilibrada de acesso aos recursos – o que pode envolver recursos pesqueiros, pastagens, madeira e inúmeros outros – através de sistemas participativos numa sociedade mais organizada.

A privatização obviamente não resolve: “Cada usuário tem uma estratégia dominante de bombear tanta água quanto lhe será lucrativo, e de ignorar as consequências de longo prazo para os níveis e qualidade da água.”(136) O resultado é uma economia com PIB muito elevado e excelentes centros de pesquisa, e um desastre sistêmico.

Neste ano de 2015, em que negociamos acordos de longo prazo cruciais para a sobrevivência do planeta – as Metas do Desenvolvimento Sustentável em Nova Iorque, os acordos sobre o clima em Paris e o desenho do financiamento do desenvolvimento em Addis Abeba – reler este trabalho de Elinor Ostrom, que traz dezenas de exemplos de formas inovadoras de gestão dos recursos escassos que constituem bens comuns, realmente vale a pena. Lamentavelmente, este pequeno clássico não foi publicado ainda em português, mas já existe em espanhol.

Elinor Ostrom – Governing the commons: the evolution of institutions for collective action – Cambridge University Press, Cambridge, 1990 (Prêmio Nobel 2009). Em espanhol, El gobierno de los bienes comunes.

Texto original: CARTA MAIOR

sábado, 28 de março de 2015

Lençol freático, o melhor reservatório para águas de chuva

publicado em 26 de março de 2015 às 07:19

por Álvaro Rodrigues dos Santos, especial para o Viomundo

Esses tempos de crise hídrica em vários regiões e centros urbanos do país tem virtuosamente servido a um despertar de leigos e especialistas para certos aspectos de ordem hidrológica que somente não se destacaram antes porque nessas mesmas regiões que hoje sofrem com a falta do recurso hídrico predominava uma certa cultura da bonança hídrica, no âmbito da qual era inimaginável uma circunstância de escassez grave e prolongada.

O absurdo das perdas de água nas canalizações de distribuição, o enorme desperdício por parte os usuários finais, a criminosa poluição das águas urbanas, o desmatamento generalizado dos mananciais, a perda quase total do volume hídrico de chuvas ocasionais, compõem alguns desses paradoxos e aberrações.

No caso específico do melhor aproveitamento das águas de chuva o país pode, a partir dessas constatações, dar um enorme salto de qualidade em um período de tempo razoavelmente curto, com resultado fantástico para o balanço hídrico de suas cidades. Até porque em regiões como São Paulo, e especialmente em épocas como as de crise hídrica, como a atual, choca-nos testemunhar o enorme desperdício de boa água quando de chuvas torrenciais urbanas. É um paradoxo, como uma cidade em crise hídrica pode permitir que tal caudal de água boa se esvaia pelo sistema de drenagem sem um mínimo aproveitamento?

Precisamos distinguir nesse caso dois tipos de aproveitamento de águas de chuva: o direto e o indireto.

Sobre o armazenamento direto, não há dúvida que os reservatórios domésticos e empresariais de águas de chuva para usos mais brutos, como lavagem de pisos internos, praças, arruamentos, autos, regas de vegetação, descargas sanitárias, operações em caldeiras e processos industriais, etc. em muito aliviariam o sistema público de oferta de água tratada potável. Pode-se inclusive pensar em grandes reservatórios urbanos subterrâneos implantados em áreas urbanas circunscritas, nas quais, pelo tipo e consolidação da urbanização presente, o grau de contaminação das águas de escoamento superficial fosse mais baixo e tolerável. O piscinão do Pacaembu, na cidade de São Paulo, seria um bom exemplo. Essas águas passariam por algum mínimo tratamento local e poderiam após ser utilizadas para vários fins que não exigissem sua potabilidade.

Mas há também a excepcional e esquecida possibilidade de armazenamento indireto, ou seja, armazenamento da água de chuva devidamente infiltrada no solo e acumulada nas camadas que compõem o substrato geológico das cidades; em outras palavras a água subterrânea. É conhecida a propriedade das cidades em impermeabilizar os terrenos e impedir a infiltração das águas de chuva, lançando-as rápida e diretamente nos sistemas de drenagem superficial, que ao fim, através de córregos e rios as conduzem e levam para fora do município. Se, através de uma série de dispositivos, como os próprios reservatórios domésticos e empresariais aliados à capacidade de infiltração, a disseminação de bosques florestados, a obrigatoriedade de adoção de pisos e pavimentos drenantes, etc., a cidade aumentar sua capacidade de infiltrar águas de chuva estaremos “abastecendo” o grande reservatório subterrâneo com milhões de metros cúbicos de boa água; a ser retirada e aproveitada através da instalação de uma rede de poços profundos. Essa alternativa ainda trará uma enorme colaboração na redução de riscos de enchentes urbanas.

Nisso tudo está, obviamente, envolvida uma questão de mudança de cultura e muito esforço educativo. Não há o que esperar, mãos à obra.

Geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br) é consultor em Geologia de Engenharia e Geotecnia e ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas. Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para elaboração e uso da Carta Geotécnica”.

Texto original: VI O MUNDO

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

A Fome no Mundo

Comer é verbo e não substantivo: mercado ou soberania alimentar?

Em meados de fevereiro, o Banco Mundial comunicou que devido ao incremento nos preços da comida, o número de famintos estava se aproximando do 1 bilhão, quando os últimos dados da FAO falavam em 925 milhões. Outras 44 milhões de pessoas estão atravessando a fronteira da extrema pobreza porque suas débeis economias familiares foram desestabilizadas pelos preços elevados da comida. A situação é gravíssima, mas os preços seguem aumentando e, em uma economia globalizada, fenômenos climáticos locais – tempestades na África, geadas no México, secas na China, etc. – se convertem em um quebra-cabeças mundial. O artigo é de Vicent Boix.

Vicent Boix – Belianís

“Entre 2010 e 2011, os preços dos alimentos bateram recordes por sete meses consecutivos (...) Os aumentos nos preços dos produtos básicos se converteram em um fator desestabilizador da economia mundial, provocando tensões e distúrbios em vários países em desenvolvimento e, mais recentemente, na Argélia, Tunísia e Egito”. As afirmações são do Parlamento Europeu em uma resolução aprovada no dia 17 de fevereiro, que acrescentou: “...os altos preços dos alimentos lançam milhões de pessoas na insegurança alimentar e ameaçam a segurança alimentar mundial no longo prazo” (1).

Diante desta nova e trágica crise alimentar, repete-se uma e outra vez que a causa principal da alta dos preços é um desequilíbrio entre uma menor oferta e uma maior demanda em nível mundial, ou seja, cada vez se exigem mais cultivos e este ano os rendimentos foram piores. Mas, em um artigo anterior (2) indiquei que durante os anos 2003-2004 a situação em nível mundial quanto à quantidade de alimentos básicos como os cereais tinha sido pior que a de 2007 até agora. Contrariamente e tomando como referência o “Índice para os Preços dos Alimentos”, utilizado pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), os preços em 2003-2004 foram cerca de 50% inferiores em comparação com os da crise de 2008 e 100% inferiores em relação a janeiro de 2011.

Portanto, algo está manipulando e alterando os mercados e esse algo é a especulação que, segundo o Parlamento Europeu, é a culpada por 50% dos aumentos recentes. A própria FAO reconhece que só 2% dos contratos de futuros termina com a entrega da mercadoria e a maioria é negociada novamente, por isso “...esse tipo de contratos atraem um número cada vez maior de especuladores financeiros e investidores, já que seus lucros podem ser mais atrativos em relação a como se comportam os de ações e bônus” (3).

O problema não é de escassez ou de uma menor oferta de alimentos, como se diz sem parar, mas sim de alguns preços inflados por especuladores como constata a Eurocâmara em uma resolução anterior: “...na atualidade, o fornecimento total mundial de alimentos não é insuficiente (...) é mais a inacessibilidade dos mesmos e seus elevados preços os fatores que privam muitas pessoas da segurança alimentar” (4).

No entanto, a especulação, causadora das altas de preços, não é propriamente a raiz do problema. Ela deveria ser freada, mas os preços dos alimentos seguiriam sujeitos aos movimentos da oferta e da demanda, em uma época na qual cresce o interesse por agrocombustíveis e as grandes transnacionais controlam os diferentes níveis da cadeia alimentar. 

Ou seja, enquanto as nações marginalizarem sua autossuficiência e a panaceia for comprar alimentos básicos no grande supermercado global, ao mesmo tempo em que se exporta para esse mercado matérias primas e cultivos exóticos (soja para pastagem, algodão, plátanos, flores, pinus, café, milho para etanol, etc.), a alimentação seguirá sujeita à dinâmica de um mercado manejado por certos polvos que pouco entendem de fome.

Não se diz com isso que podemos prescindir do mercado internacional, mas é vital sus regularização e, sobretudo, que as nações priorizem sua soberania alimentar entendida como a faculdade dos povos e dos agricultores de decidir suas políticas agrárias para garantir a segurança alimentar. Nos tempos que correm talvez seja uma heresia, mas curiosamente, no mesmo comunicado de imprensa em que a FAO há pouco anunciava que os preços dos alimentos tinham alcançado um recorde histórico, um economista desta instituição indicava que “o único fator alentador até o momento provém de um certo número de países nos quais – devido a boas colheitas – os preços domésticos de alguns alimentos básicos permanecem baixos comparando-se com os preços mundiais (5).

Dito de outra maneira, estes países poderão abastecer-se de comida barata porque eles mesmos a cultivam e não tem que adquiri-la nos “reinos” das multinacionais e dos fundos de investimento. Mas apesar deste dado, a tendência é mais a contrária. A liberalização anima o investimento e o deslocamento da produção para os países do Sul, cujas terras deixam de produzir alimentos para transformarem-se em propriedades onde brotam os agrocombustíveis, as pastagens e as sobremesas das nações abastadas. Essas terras se concentram nas mãos de ricos latifundiários e de investidores enquanto o camponês é expulso do campo. O resto de níveis da cadeia alimentar (sementes, intermediação, manufatura, etc) concentra-se em poucas mãos que ditam as condições, monopolizam os mercados, encarecem os alimentos do consumidor e arrastam o agricultor para a falência. A agricultura e a alimentação como sustentos básicos desaparecem em favor da visão mercantilista: o fim último não é garantir comida nem trabalho, mas sim fazer um bom negócio, não importando quem sucumba por isso.

Esse modelo baseado na exportação ao mercado internacional onde tudo é suscetível de ser cotizado, comprado ou vendido, não só é incoerente porque cria dependência alimentar do mercado exterior e seus preços, mas porque, além disso, cria dependência do petróleo para o transporte e porque a agricultura industrial necessita de abundantes agrotóxicos. Com as revoltas atuais em países como Líbia, novamente o petróleo se encarece o que aprofundará a crise dos alimentos como em 2008. Se consideramos que “mudança climática” e o “zênite do petróleo” são questões da atualidade, resulta ainda mais surrealista encomendar nossas calorias ao ouro negro.

O analgésico milagroso
Em meados de fevereiro, o Banco Mundial comunicava que devido ao incremento nos preços da comida, o número de famintos estava se aproximando do 1 bilhão, quando os últimos dados da FAO falavam em 925 (milhões). Outras 44 milhões de pessoas estão atravessando a fronteira da extrema pobreza porque suas débeis economias familiares foram desestabilizadas pelos preços elevados da comida (6)

A situação é gravíssima, mas os preços seguem aumentando e, em uma economia globalizada, os últimos fenômenos climáticos locais – tempestades na África, geadas no México, secas na China, etc. – se convertem em um quebra-cabeças mundial. Mas atenção, não se trata de um problema de escassez e os rugidos de 1 bilhão de estômagos vazios não são suficientes para que se dê o soco na mesa definitivo que ponha em seu devido lugar o mercado e os especuladores. Foram disparados muitos fogos de artifícios a título de boas intenções. Na recente reunião do G-20, por exemplo, falava-se de uma maior transparência nos mercados, limitação da especulação, melhor informação sobre os cultivos...Em resumo, nada que não tenha se ouvido antes e nada que não tenha resultado em nada, apesar de, no dia 17 de fevereiro, o Parlamento Europeus ter pedido ao G-20 “que se combata em escala internacional os abusos e manipulações dos preços agrícolas, dado que representam um perigo potencial para a segurança alimentar mundial”, além de reclamar “...a adoção de medidas dirigidas a abordar a excessiva volatilidade de preços...” (7).

As propostas de curto prazo implementadas para conter essa situação estão sendo tão injustas como ineficazes, porque se pretende solucionar o erro jogando no campo do mercado e acatando as suas regras em lugar de enfrentá-lo e frear seus desvarios. Nesta direção, por exemplo, a FAO reconheceu que desde julho de 2010 seu objetivo tem sido “acalmar os mercados” (8). Para isso o analgésico empregado por este organismo consistiu em bajular certos países que tinham restringido suas exportações – de cereais, sobretudo – para que as retomassem rapidamente e assim recuperassem o fluxo da oferta que amansaria os preços no mercado internacional.

Cabe registrar que estes países exportadores fecharam suas fronteiras, supostamente para garantir comida a seus cidadãos, primeiro porque as colheitas não foram boas, segundo porque a melhor maneira de não cair na crise de preços internacionais é com produções nacionais. Pois bem, algo que é minimamente normal e mesmo legítimo, foi considerado por muitos como a principal causa da crise de preços dos alimentos, porque sob a lógica do livre mercado estava se manipulando a oferta mundial dessa mercadoria chamada comida.

Mas enquanto estas nações são pressionadas a retomar as exportações e a não armazenar comida para suas populações, ninguém se atreve a denunciar a barbaridade de milhões de toneladas de milho estadunidense destinados à produção de etanol (14% do milho mundial) (9). Isso é assim porque sob o intocável prisma neoliberal dominante, os alimentos não têm porque alimentar estômagos, mas sim são mercadorias que inexoravelmente devem ser cotizadas no mercado, onde terão os preços condicionados, pois o fim último é aumentar os lucros e se estes crescem com os automóveis, que sigam roncando os estômagos.

Pão para hoje e fome para amanhã
Desde julho vem se tentando “acalmar os mercados” e o fracasso tem sido estrondoso. A restauração das exportações de alimentos não apagou o fogo que seguiu expandindo-se diante das notícias de colheitas menores e de fenômenos meteorológicos que só aumentaram a preocupação. Pediram-se concessões aos países exportadores que não aplacaram a crise e, no dia 26 de janeiro, de um modo um tanto desesperado, a FAO lançava um informe (10) com recomendações para que se apertasse o cinto, neste caso das nações importadoras, entre as quais se encontram majoritariamente os pobres. O pacote de medidas se centrava fundamentalmente em um único ponto: que os estados apliquem medidas econômicas e comerciais para reduzir o preço dos alimentos, como, por exemplo, subsídios diretos, empréstimos para o financiamento das exportações, incentivos fiscais, redução de impostos, redução de barreiras alfandegárias e de impostos para importações de comida, insumos, máquinas agrícolas, etc. Algumas destas recomendações – mais próximas à filosofia do FMI e do Banco Mundial – foram adotadas durante a crise de 2008 e alguns países já estão aplicando-as. A Guatemala, por exemplo, no início de fevereiro, anunciou a importação de milho com tarifa alfandegária zero para fazer frente à alta de preços (11).

Logicamente estas medidas debilitarão os cofres das nações que deixarão de arrecadar impostos ou subsidiarão diretamente alimentos com fundos dos orçamentos públicos, o que afetará no médio e largo prazo o financiamento de outros programas e serviços públicos. Para as nações que podem ter problemas com os orçamentos e a balança de pagamentos, a FAO recomenda, leia bem, que recorram aos programas do Banco Mundial e do FMI, o que dá na mesma, que se endividem mais para garantir os lucros brutais que o mercado e seus especuladores estão acumulando com a alta de preços.

Como pode se observar, e como foi repetido à saciedade neste artigo, ninguém fala nada sobre o agente causador da distorção, situado justamente entre os países que produzem e compram comida, que recebem pedidos de sacrifício e de adaptação aos caprichos do mercado, comprometendo inclusive suas próprias contas. As classes políticas destes países, vendo as imagens do Egito ou da Líbia, não se arriscam a sofrer problemas de falta de alimentos e bailam conforme a música.

Enquanto se esperam novos dados sobre os preços da comida, a situação começa a ser sumamente asfixiante e pode derivar em uma crise pior que a de 2008. Por isso, a verborreia grandiloquente tornou-se dispensável e urgem soluções reais e efetivas, porque para a humanidade comer é um verbo e não um substantivo pomposo e demagógico.

(*) Vicent Boix é escritor, autor do livro “El parque de las hamacas”, e editor de Ecologia Social darevista Belianís (Espanha).

NOTAS
(1)http://www.europarl.europa.eu/RegData/seance_pleniere/textes_adoptes/provisoire/2011/02-17/0071/P7_TA-PROV%282011%290071_ES.pdf

(2) http://www.elparquedelashamacas.org/html/diosmercado.html

(3) FAO: “Los mercados de futuros necesitan algún tipo de regulación”
Roma, 23 de junio de 2010.

(4) http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//TEXT+TA+P7-TA-2011-0006+0+DOC+XML+V0//ES&language=ES

(5) FAO: “Los precios mundiales de los alimentos alcanzan un nuevo
récord histórico” Roma, 3 de febrero de 2011.

(6) http://www.europapress.es/epsocial/noticia-numero-personas-sufren-hambre-cronica-acerca-mil-millones-2011021614184.html

(7)http://www.europarl.europa.eu/RegData/seance_pleniere/textes_adoptes/provisoire/2011/02-17/0071/P7_TA-PROV%282011%290071_ES.pdf

(8) FAO: “Puntualización por el Director General de la FAO” Roma, 27 de
enero de 2011.

(9)http://www.elperiodico.com/es/noticias/opinion/20110110/agrocarburantes-como-donde/657156.shtml

(10) http://www.fao.org/fileadmin/user_upload/ISFP/ISFP_guide_web.pdf

(11) http://www.agroinformacion.com/noticias/23/industria/34103/guatemala-importara-maiz-y-harina-con-arancel-0-para-hacer-frente-alza-precio.aspx


Tradução: Katarina Peixoto

* Matéria copilada do site:http://www.cartamaior.com.br

Texto retirado : Luta. Paz e Pão, Alex Prado.

Texto relacionado: Paraíso doas Agrotóxicos: o inferno é aqui mesmo

quarta-feira, 9 de março de 2011

Quem vale mais, um trabalhador ou um bêbado?

Não sei se desabafo, análise, revolta ou simplesmente o editorial, mas
 Raquel Sherazade causou polêmica hoje na TV ao falar sobre o carnaval.

A pergunta acima pode parecer ridícula, só que analisando a realidade atual ela é bem ponderada e consistente. Se você fosse hoje a qualquer hospital seria atendido prontamente por médicos? Teria todos os medicamentos necessários e assistência total? Se você sofresse um acidente agora , você teria a sua disposição ambulância, médico e remédio imediatamente?

Uma vez (faz seis anos) fui ao Précaju (Aracaju-SE) e fiquei observando a estrutura para realização deste evento. Tinha policiais dando segurança em todo corredor da folia, ambulâncias, médicos e acredite, estavam distribuindo camisinhas (campanha contra a Aids) e os postos de saúde de emergência tinham remédios.

Durante os festejos, alguns adolescentes resolveram se unir e espancaram um outro adolescente (todos bêbados, agressores e agredido). O agredido foi atendido de imediato e três dos agressores foram pressos (eram quatros).

Agora, imaginem se um pedreiro, que esteja trabalhando, venha a sofrer um acidente e quebre o braço. Será que ele será atendido imediatamente? Será que ele terá direito a todos os remédios necessários?  Foi quando cheguei a conclusão que, na sociedade atual, um bêbado tem mais valor que um cidadão que está trabalhando.

Na sociedade atual, o cidadão é valorizado pela sua capacidade de consumo e pouco importa que ele consuma comida ou bebida, você será respeitado sempre pelo seu poder de consumir. Não é a toa, que a grande maioria das pessoas tiram o carro para ir comprar pão na padaria, que fica a trezentos ou quatrocentos metros da residência, e depois vão para academia para "malhar" (fazer exercícios físicos), simplesmente pelo motivo de terem um vida sedentária!!!! Fazem isso para mostrarem o poder de consumo (mostrarem que tem um carro) e depois mostrar que podem consumir o serviço da academia (isso atualmente da status!!!) e o pior, é que a grande maioria das pessoas fazem isso inconscientemente!!!

Pensei neste assunto depois que assistir o vídeo abaixo: