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quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

A opção do país pelo agronegócio faz o brasileiro consumir 5,2 litros de agrotóxicos por ano

O agronegócio cria áreas de monocultivo que destroem toda a biodiversidade, tornando o ambiente propício para elevadas populações de insetos e doenças

João Vitor Santos - Instituto Humanas Unisinos

Pensar um Brasil que não priorize uma produção agrícola em latifúndios de monoculturas para exterminar o uso de agrotóxicos. É o que propõe Fran Paula, engenheira agrônoma da coordenação nacional da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida em entrevista concedida por e-mail para a IHU On-Line. Para ela, “o agronegócio utiliza largas extensões de terras, criando áreas de monocultivos. Dessa maneira, destrói toda a biodiversidade do local e desequilibra o ambiente natural, tornando o ambiente propício para o surgimento de elevadas populações de insetos e de doenças”. E a priorização por esse tipo de produção se reforça no conjunto de normas que concedem muito mais benefícios a quem adota o cultivo à base de agrotóxicos ao invés de optar por culturas ecológicas. Um exemplo: redução de impostos sobre produção desses agentes químicos, tornando o produto muito mais barato. Segundo Fran, em estados como Mato Grosso e Ceará essa isenção de tributos chega a 100%.

E, ao contrário do que se possa supor, a luta pela redução do consumo de agrotóxicos não passa necessariamente por uma reforma na legislação brasileira. Para a agrônoma, basta aplicar de forma eficaz o que dizem as leis e cobrar ações mais duras de órgãos governamentais. O desafio maior, para ela, é enfrentar a bancada ruralista e sua bandeira do agronegócio, além de cobrar ações que levem à efetivação da Política Nacional de Agroecologia. “A bancada ruralista ocupa hoje mais de 50% do Congresso brasileiro e vem constantemente atuando na tentativa do que consideramos legalizar a contaminação. Isso à medida que exerce forte pressão no governo sobre os órgãos reguladores, dificultando processos de fiscalização, monitoramento e retirada de agrotóxicos do mercado. E, ainda, vem tentando constantemente flexibilizar a lei no intuito de facilitar a liberação de mais agrotóxicos a interesse da indústria química financiadora de campanhas eleitorais”, completa.

Fran Paula é engenheira Agrônoma e também técnica da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – FASE. Hoje, atua na coordenação nacional da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida. É um grupo que congrega ações com objetivo de sensibilizar a população brasileira para os riscos que os agrotóxicos representam e, a partir disso, adotar ações para acabar com o uso dessas substâncias.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - No último dia 3 de dezembro, dia internacional da luta contra agrotóxicos, a Campanha contra os Agrotóxicos divulgou que cada brasileiro consome 5,2 litros de agrotóxicos por ano. Como chegaram à contabilização desses dados? O que esse valor indica acerca do uso de agrotóxicos no Brasil em relação a outros países do mundo que utilizam esses produtos na agricultura?

Fran Paula - O dado se refere à exposição ocupacional, ambiental e alimentar a que o brasileiro se encontra, devido ao uso indiscriminado de agrotóxico no país. O número se refere à média de exposição de agrotóxicos utilizados no ano em relação ao número da população brasileira. Esse número se eleva quando a referência são alguns estados produtores de grãos, como o caso do Estado de Mato Grosso. No ano de 2013, utilizou 150 milhões de litros de agrotóxicos, levando a população do Estado a uma exposição de 50 litros de agrotóxicos por pessoa ao ano.

Um dado revela que o Brasil é, desde 2008, o campeão no ranking mundial de uso de agrotóxicos. Ou seja, somos o país que mais consome venenos no Planeta.

IHU On-Line - A que atribuem esse consumo elevado de agrotóxicos?

Fran Paula - A opção clara da política agrícola brasileira pelo agronegócio é a grande responsável pela situação. O agronegócio utiliza largas extensões de terras, criando áreas de monocultivos. Por exemplo: soja, milho, algodão, eucalipto ou cana-de-açúcar. Dessa maneira, destrói toda a biodiversidade do local e desequilibra o ambiente natural, tornando o ambiente propício para o surgimento de elevadas populações de insetos e de doenças. Por isso este modelo de produção é dependente da química, só funciona com muito veneno. E, além de usar grande quantidade de agrotóxicos e transgênicos, não gera empregos e não produz alimentos.

A bancada ruralista ocupa hoje mais de 50% do Congresso brasileiro e vem constantemente atuando na tentativa do que consideramos legalizar a contaminação. Isso à medida que exerce forte pressão no governo sobre os órgãos reguladores (principalmente saúde e meio ambiente), dificultando processos de fiscalização, monitoramento e retirada de agrotóxicos do mercado. E, ainda, vem tentando constantemente flexibilizar a lei no intuito de facilitar a liberação de mais agrotóxicos a interesse da indústria química financiadora de campanhas eleitorais. Política essa que permite absurdos como o uso de agrotóxicos já banidos em outros países, havendo comprovação científica do grau de periculosidade destes produtos na saúde dos humanos e do meio ambiente.

No Brasil, um conjunto de normas reduz a cobrança de impostos sobre agrotóxicos. E a isenção destes impostos (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, Contribuição para Financiamento da Seguridade Social - COFINS, Programa de Integração Social – PIS e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público - PASEP, Tabela de Incidência do Imposto Sobre Produtos Industrializados - TIPI) pode chegar a 100% em alguns estados como Ceará e Mato Grosso.

Contradizendo as promessas das sementes transgênicas, os transgênicos elevaram o uso de agrotóxicos no país. Um exemplo é o da soja Roundup Ready, resistente ao herbicida glifosato. Com a entrada da soja transgênica, o consumo de glifosato se elevou mais de 150%. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, considerando o potencial aumento de resíduos do herbicida, determinou o aumento de 50 vezes no Limite Máximo Residual - LMR do glifosato na soja transgênica, passando de 0,2 mg/kg para 10 mg/kg. Assim, a ANVISA demonstra que os argumentos da Monsanto anunciando uma diminuição do uso de herbicida com o advento da soja transgênica não são verificáveis na realidade, o que já estava previsto com a expansão da indústria de Roundup no Brasil.

IHU On-Line - Quais são as culturas que recebem uma carga mais pesada de defensivos?

Fran Paula – Primeiramente: não existem defensivos. Defesa para quem? E do quê? Não existe essa terminologia na legislação. O termo é agrotóxicos e assim devemos tratar do assunto. O termo defensivo é utilizado pelos setores do agronegócio, incluindo as indústrias que os produzem, para tirar de foco a função desses produtos e seus efeitos nocivos à saúde da população e do meio ambiente. Da mesma forma que uso seguro de agrotóxicos é um mito. Isso faz parte do lobby da indústria química para esvaziar o debate sobre o risco que os agrotóxicos representam.

Entre os mais utilizados, destacamos: o Abamectina, um tipo de inseticida altamente tóxico, utilizado em plantações de batata, algodão e frutíferas; o Acefato, que é um inseticida que pertence à classe toxicológica III - Medianamente Tóxico e que é utilizado com frequência em plantações de couve, amendoim, brócolis, fumo, crisântemo, repolho, melão, tomate, soja, rosas, citros e batata; e o Glifosato, um herbicida bastante utilizado no combate a ervas indesejáveis no cultivo de soja, principalmente.

Não é o tipo de cultura que define a quantidade de agrotóxico utilizada. O que define é o modelo de produção. Posso ter um pimentão com alta concentração de agrotóxico, como posso ter um pimentão orgânico.

IHU On-Line - Quais os efeitos na saúde de quem consome alimentos com traços de agrotóxicos?

Fran Paula - Não existe agrotóxico que não seja tóxico. Portanto, não há nenhum que não apresente risco à saúde humana mediante exposição e posterior contaminação. Os agrotóxicos provocam dois tipos de efeitos: os agudos, provocados nas horas seguintes à exposição; e os crônicos, que podem se manifestar em meses, anos e até décadas, como resultado da acumulação dos resíduos químicos no organismo das pessoas.

Um exemplo nacional que tivemos de contaminação por agrotóxicos e acumulação destes resíduos no organismo foi a pesquisa que revelou contaminação do leite materno. Os efeitos de resíduos de agrotóxicos no nosso organismo podem manifestar complicações como alterações genéticas, problemas neurotóxicos, má-formação fetal, abortos, efeitos teratogênicos, desregulação hormonal, desenvolvimento de células cancerígenas. Reforço que a maioria dos agrotóxicos possui ação sistêmica e que medidas como lavar superficialmente os alimentos com água e sabão não são suficientes para eliminar os resíduos de agrotóxicos.

IHU On-Line - A campanha também alerta que há regiões no país em que o consumo de agrotóxicos é ainda maior. Quais são essas regiões e por que o consumo é tão elevado?

Fran Paula - Como já havia citado anteriormente, em alguns estados onde o agronegócio exerce um aparelhamento político forte e detém grandes áreas de monocultivos de soja e outras commodities, o consumo de agrotóxicos é maior.

Fran Paula - Estão submetidas a problemas de saúde devido à exposição direta aos agrotóxicos, devido à contaminação da água para consumo, do ar que respiram e do solo. Ainda sofrem as ameaças da pulverização aérea, como os milhares de casos pelo Brasil de populações que são banhadas diariamente por venenos, principalmente pelo desrespeito às medidas legais quanto aos limites desta pulverização tanto aérea quanto terrestre no entorno dessas comunidades. A este contingente de populações expostas a agrotóxicos cobramos atenção especial dos serviços de saúde como forma de promoção da vida e sobrevivência destas pessoas. Por isso uma das bandeiras de luta da Campanha tem sido a criação de áreas livres de agrotóxicos e transgênicos.IHU On-Line - Além do consumo de alimentos que foram expostos a agrotóxicos, a que riscos as pessoas que vivem em regiões de altos índices de aplicação desses defensivos estão submetidas?

IHU On-Line - O que é possível fazer para frear esse uso tão grande de agrotóxicos? Quais as alternativas junto às plantações para o controle de pragas?

Fran Paula - Analisemos a história da agricultura no mundo, com registros de 12 mil anos atrás. Já a história dos agrotóxicos tem registros de pouco mais de 50 anos. Ou seja, desde muito tempo é possível produzir sem usar agrotóxicos. São crescentes os investimentos em países da União Europeia, Japão, Índia, em práticas e técnicas de produção de não uso de agrotóxicos. O Brasil é um país atrasado na medida em que ainda utiliza um arsenal de produtos químicos provenientes da guerra. Nosso país precisa urgentemente rever o modelo de produção quem vem adotando, centrado no Agronegócio. Esse modelo concentra a terra, cria áreas de monocultivos e desertos verdes, adota pacotes tecnológicos (adubos químicos, sementes híbridas e transgênicas e agrotóxicos) ofertados pelas indústrias químicas. É preciso implementar o Plano Nacional de Redução de Agrotóxicos – PRONARA, vinculado à Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, construído em 2014. Essa legislação prevê ações no campo da pesquisa de tecnologias sustentáveis de produção, crédito para o fortalecimento da agricultura de base agroecológica responsável pela produção de alimentos, investimentos em assistência técnica e extensão ruralagroecológica aos agricultores, retirada imediata dos agrotóxicos já banidos em outros países e que são utilizados livremente no Brasil e fim do subsídio fiscal aos agrotóxicos. Além disso, adoção de práticas de menor impacto, como o controle biológico de pragas e o manejo integrado; adoção de práticas agroecológicas de produção, que permitem a seleção natural das culturas, e variedades crioulas com maior resistência à incidência de insetos e doenças e que permitam a diversificação da produção e oferta de alimentos com base nos princípios da segurança alimentar e nutricional.

IHU On-Line - Uma das bandeiras da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida é o fim da prática de pulverização aérea das lavouras. Por quê?

Fran Paula - A pulverização aérea de agrotóxicos é uma prática ameaçadora à vida. Diversos estudos científicos e casos de intoxicação humana e contaminação ambiental têm reiterado que não existem condições seguras para pulverização aérea. Além de tratar-se de uma técnica atrasada em termos de eficiência de aplicação, requer que sejam pulverizadas grandes quantidades de veneno para se atingir a quantidade desejada do ponto de vista agronômico, por conta das elevadas perdas. Estudos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA mostraram que o percentual de perda pode chegar a mais de 80% em algumas culturas. Esse elevado percentual corrobora o fato de que grande parte do que é pulverizado atinge outros alvos que não os desejados, podendo contaminar água, lençóis freáticos e ainda atingir diretamente pessoas e outros seres vivos.

Entre os casos de contaminação via pulverização aérea, temos o ocorrido em 2013 na Escola Municipal de São José do Pontal, localizada na região rural do município de Rio Verde, Goiás. Ali, essa prática resultou em diversos casos de intoxicação aguda de trabalhadores e de alunos de 9 a 16 anos. Nesse episódio, a pulverização teria sido feita sobre a lavoura de milho localizada a poucos metros da escola, não obedecendo aos limites mínimos de distância recomendados na legislação. O produto pulverizado, segundo a empresa de aviação agrícola, era o inseticida Engeo Pleno, fabricado pela multinacional Syngenta. Um de seus componentes é o tiametoxam, do grupo dos neonicotinoides, produto altamente tóxico para abelhas e que por isso havia sido proibido para uso por pulverização aérea pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente - IBAMA. No entanto, após pressão do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA, a proibição foi suspensa.

IHU On-Line - Qual sua avaliação sobre a legislação brasileira no que diz respeito à liberação e uso de agrotóxicos? Recentemente, a ANVISA aprovou a iniciativa para propor o banimento dos agrotóxicos Forato e Parationa Metílica. Como avalia essa iniciativa e quais as implicações desses agrotóxicos?

O efeito danoso dos agrotóxicos é reconhecido e estabelecido em lei. A ANVISA é o órgão responsável no âmbito do Ministério da Saúde pela avaliação da toxicidade dos agrotóxicos e seus impactos à saúde humana; emite o parecer toxicológico favorável ou desfavorável à concessão do registro pelo Ministério da Agricultura.

Fran Paula - O problema em geral não está na lei 7802/89, que define a Legislação dos Agrotóxicos no Brasil, e sim no não cumprimento da mesma. Quanto ao registro de agrotóxicos, a lei estabelece a proibição para os quais o Brasil não disponha de métodos para desativação de seus componentes, de modo a impedir que os seus resíduos remanescentes provoquem riscos ao meio ambiente e à saúde pública, para os quais não haja antídoto ou tratamento eficaz no Brasil. Ainda proíbe registro aos que revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, de acordo com os resultados atualizados de experiências da comunidade científica, que provoquem distúrbios hormonais, danos ao aparelho reprodutor, de acordo com procedimentos e experiências atualizadas na comunidade científica. Não permite registro de agrotóxicos que se revelem mais perigosos para o homem do que os testes de laboratório com animais tenham demonstrado, segundo critérios técnicos e científicos atualizados e também cujas características causem danos ao meio ambiente. O risco maior está nas inúmeras tentativas de flexibilização da lei por parte da bancada ruralista, cujo propósito é defender os interesses das indústrias químicas e assim liberar o registro de mais agrotóxicos no mercado.

IHU On-Line - Quais os pontos mais urgentes em que a legislação precisa avançar ou ser revista?

Fran Paula - A legislação brasileira, apesar de conter normas de restrição ao registro de agrotóxicos, não estipula tempo para reavaliação dos agrotóxicos. Acaba ficando a critério dos órgãos responsáveis pelo registro solicitarem a mesma. No Brasil, a validade do registro do produto é de tempo indeterminado, ao contrário de países como Estados Unidos, onde o registro tem validade por 15 anos. Na União Europeia são 10 anos, no Japão três anos e no Uruguai quatro anos. Apesar de a lei atribuir responsabilidades quanto ao monitoramento e fiscalização, o cenário é de uma capacidade reduzida dos órgãos de saúde e de meio ambiente. Isso ocorre nas três esferas de governo, no que diz respeito ao desenvolvimento de serviços de monitoramento e controle de agrotóxicos.

IHU On-Line - Um dos herbicidas mais usados e conhecidos no Brasil e no mundo é o Glifosato, chamado “mata mato”. Como acaba com praticamente todas as ervas daninhas, além da aplicação em zona rural, há municípios que usam em áreas urbanas, fazendo o que algumas pessoas chamam de “capina química”. Que problemas para o meio ambiente, no campo e na cidade, o uso indiscriminado dessa substância pode causar?

Fran Paula - Mata mato é um dos nomes comerciais do herbicida Glifosato. Possui uma ação sistêmica, ou seja, ao ser aplicado nas folhas das plantas é translocado até as raízes e é não seletivo. Mata todo tipo de plantas, exceto as transgênicas que apresentam resistência a este princípio ativo. Dentre os riscos ao meio ambiente estão a contaminação do lençol freático e do solo, com a morte de microrganismos e consequente perda da fertilidade. E se tratando de capina química, há uma nota técnica da ANVISA de 2010 recomendando a proibição dessa prática em ambientes urbanos, devido à exposição da população ao risco de intoxicação, além de contaminar a fauna e a flora local.

IHU ON-Line - E para a saúde de quem se expõe ao Glifosato?

Fran Paula - Há estudos toxicológicos do Glifosato em diversos países e todos são unânimes nos resultados para efeitos tóxicos na saúde. Estes estudos revelam que a toxicidade do Glifosato provoca os seguintes efeitos: toxicidade subaguda (lesões em glândulas salivares), toxicidade crônica (inflamação gástrica), danos genéticos (em células sanguíneas humanas), transtornos reprodutivos (diminuição de espermatozoides e aumento da frequência de anomalias espermáticas) e carcinogênese (aumento da frequência de tumores hepáticos e de câncer de tireoide). Os sintomas de intoxicação incluem irritações na pele e nos olhos, náuseas e tonturas, edema pulmonar, queda da pressão sanguínea, alergias, dor abdominal, perda de líquido gastrointestinal, vômito, desmaios, destruição de glóbulos vermelhos no sangue e danos no sistema renal. O herbicida ainda pode continuar presente em alimentos num período de até dois anos após o contato com o produto. Em solos pode estar presente por mais de três anos, dependendo do tipo de solo e clima. Apesar da classificação toxicológica que recebe no Brasil, o produto é considerado um biocida. Tanto que já foi banido de países como a Noruega, Suécia e Dinamarca.

IHU On-Line - Qual o papel de outros órgãos, como Ministério Público, nas discussões e no combate ao uso indiscriminado de agrotóxicos?

Fran Paula - A atuação do Ministério Público é fundamental diante do contexto e cenário que o Brasil se encontra, de ineficiência de aplicação da lei e da omissão dos órgãos de monitoramento e fiscalização. O Ministério Público do Trabalho lançou em 2009 o Fórum Nacional de Combate aos Efeitos dos Agrotóxicos. Criado para funcionar como instrumento de controle social, o Fórum Nacional conta com a participação de organizações governamentais e não governamentais, sindicatos, universidades e movimentos sociais, além do Ministério Público. Além do Fórum Nacional, foram sendo criados os fóruns estaduais de combate aos impactos dos agrotóxicos com o mesmo objetivo. A Campanha participa do Fórum Nacional e dos estaduais, com objetivo de levantar elementos e embasar o Ministério Público em ações que visem à redução do uso de agrotóxicos e promoção da agroecologia.

IHU On-Line - A Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida já destacou que 2015 será um ano em que se desenvolverão diversas políticas nacionais de agroecologia e produção orgânica. Que políticas são essas?

Fran Paula - Em agosto de 2012, a presidenta Dilma Rousseff instituiu a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – PNAPO, por meio do Decreto nº 7.794, de 20-08-2012, resultado de intensos diálogos e reivindicações dos movimentos sociais. A partir de então, governo e sociedade civil se debruçaram na tarefa de construção de um Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – PLANAPO.

No campo produtivo, o Plano propõe mecanismos capazes de atender à demanda por tecnologias ambientalmente apropriadas, compatíveis com os distintos sistemas culturais e com as dimensões econômicas, sociais, políticas e éticas no campo do desenvolvimento agrícola e rural. Ao mesmo tempo, apresenta alternativas que buscam assegurar melhores condições de saúde e de qualidade de vida para a população rural. Assim foi criado, no âmbito da PNAPO, o Programa Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos – PRONARA. É construído numa parceria da Campanha com diversos ministérios e órgãos subordinados, além de outros movimentos sociais. O PRONARA contém 35 iniciativas que, se levadas a cabo, melhorariam drasticamente as condições de saúde do povo brasileiro em relação aos agrotóxicos. A lógica do PRONARA se desenvolve como base em iniciativas estruturadas de forma articulada, cobrindo seis dimensões: registro; controle, monitoramento e responsabilização da cadeia produtiva; medidas econômicas e financeiras; desenvolvimento de alternativas; informação, participação e controle social; e formação e capacitação.

O prazo de três anos para execução desta primeira edição do Plano Nacional de Agroecologia vincula suas iniciativas às ações orçamentárias já aprovadas no Plano Plurianual de 2012 a 2015. Trata-se, portanto, de um forte compromisso para trazer a agroecologia, seus princípios e práticas, não só para dentro das unidades produtivas, como para as próprias instituições do Estado, influenciando a agenda produtiva e de pesquisa e os mais diferentes órgãos gestores de políticas públicas. Em síntese, um grande avanço da sociedade brasileira na construção de um modelo de desenvolvimento sustentável.

IHU On-Line - O que mais deve pautar a luta do movimento em 2015?

Fran Paula - Já avaliamos que 2015 será um ano de grandes desafios e lutas intensas, a começar pelo cenário sombrio da nomeação de Kátia Abreu para o Ministério da Agricultura. Ela tem sido até agora uma representante atuante da bancada ruralista no Congresso e defensora dos interesses do agribusiness brasileiro. Também queremos garantir mobilização social articulada e contrária às iniciativas da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBIO para a não liberação de mais variedades transgênicas.

Hoje, a Campanha tem mais de 100 organizações e movimentos sociais atuando de ponta a ponta do país. A meta para 2015 é ampliar e fortalecer nosso diálogo com a sociedade, alertando para o risco que os agrotóxicos representam, reforçando a necessidade e urgência da efetivação de políticas públicas de promoção da agroecologia, solução para a produção de alimentos saudáveis a todos os brasileiros.

Temos, ainda, nossa agenda de luta, onde são organizadas as ações massivas da Campanha: 07 de abril – Dia Mundial da Saúde e o aniversário de quatro anos da Campanha, 16 de outubro – Dia Mundial da Alimentação Saudável e 03 de dezembro – Dia Mundial de Luta contra os Agrotóxicos. 2015 será um ano das Conferências Nacionais, a exemplo da Conferência Nacional de Saúde e a Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. São espaços onde estaremos reforçando a necessidade do controle social e da importância da efetivação das políticas públicas de promoção da agroecologia e do não uso de agrotóxicos.

Créditos da foto: Secretaria de agricultura e abastecimento / Flickr

Texto original: CARTA MAIOR

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

A concentração das empresas nas gôndolas do supermercado

Dez grandes companhias abocanham de 60% a 70% das compras de uma família e tornam o Brasil um dos países com maior nível de concentração no mundo.

Reporter Brasil

Talvez passe despercebido àqueles que vão ao supermercado que um conjunto pequeno de grandes transnacionais concentra a maior parte das marcas compradas pelos brasileiros. Dez grandes companhias – entre elas Unilever, Nestlé, Procter & Gamble, Kraft e Coca-Cola – abocanham de 60% a 70% das compras de uma família e tornam o Brasil um dos países com maior nível de concentração no mundo. O que sobra do mercado é disputado por cerca de 500 empresas menores, regionais.

Quer um exemplo dessa concentração? Quando um consumidor vai à seção de higiene pessoal de um estabelecimento comercial e pega nas gôndolas um aparelho de barbear Gilette, um pacote de absorventes Tampax e um pacote de fraldas Pampers, ele está comprando três marcas que integram o portfólio da gigante norte-americana Procter & Gamble – que também é dona dos produtos Oral-B, para dentes.

O poder da Unilever

Uma dona de casa vai uma vez por mês ao supermercado fazer as compras para sua família: ela, o marido e duas crianças. Para a cozinha, ela compra Knorr, Maizena, suco Ades e a maionese Hellmann’s. Para a limpeza da casa, sabão em pó Omo e Brilhante. Compra ainda Comfort para lavar a roupa. Passa na área de cosméticos e pega o desodorante Rexona para seu marido, e sabonete Lux para ela. Compra pasta de dente Closeup, a marca preferida da filha.

Quase ao sair do supermercado, o filho liga e diz que quer sorvete. Ela compra picolés Kibon. Todas as marcas adquiridas por ela pertencem à Unilever, que em 2013 foi o maior investidor no mercado publicitário do Brasil, com R$ 4,5 bilhões aplicados. Omo possui 49,1% de participação de mercado em sua categoria, segundo pesquisa do instituto Nielsen em 2012. A Hellmann´s detém mais de 55% do mercado. A Unilever vende cerca de 200 produtos por segundo no Brasil.


Mercado de Bebidas


O que o refrigerante Coca-Cola, o energético Powerade, o suco Del Vale, a água Crystal e o chá Matte Leão têm em comum? Eles são marcas da Coca-Cola, que apenas no segmento de refrigerantes detém cerca de 60% do mercado nacional. E sabe quando está um dia de calor e você quer tomar uma cerveja? Há uma grande chance de que ela seja produzida pela Ambev, que concentra cerca de 70% do mercado com produtos como Brahma, Antarctica, Skol e Bohemia. A companhia Brasil Kirin (ex-Schincariol) possui pouco mais de 10%, e o Grupo Petrópolis, cerca de 10%.

Quer um chocolate?

Na hora dos desenhos, uma criança se senta à frente da televisão e pede para a mãe alguma coisa para comer. Uma vez no mês, ela decide trocar as frutas por doces. A mãe então oferece algumas opções: um chocolate Suflair ou um Kit Kat? Um chá Nestea ou um Nescau? Um Chambinho ou iogurte Chandelle? Uma bolacha Tostines ou Negresco?


No fundo, ele está perguntando à criança qual marca e linha de produtos da Nestlé ela quer, porque todas acima citadas pertencem à gigante suíça. O segmento de chocolates é concentrado. Segundo pesquisa do instituto Mintel, ele é dominado por três companhias líderes que possuem 85% do mercado. Kraft lidera ranking, seguida por Nestlé e Garoto (a empresa Garoto pertence à Nestlé, mas tem posicionamento independente, e ambas somam 46% de participação).

Empresas Brasileiras também concentram mercado

A BRF – nascida da união entre Sadia e Perdigão – é líder em vários segmentos das gôndolas: está presente em 28 das 30 categorias de alimentos perecíveis analisadas pelo instituto Nielsen, como massas, congelados de carne, margarinas e produtos lácteos. A BRF está na mesa de aproximadamente 90% dos 45 milhões de domicílios do Brasil. Ela é responsável por 20% do comércio de aves no mundo. Em pizzas, a empresa detém 52,5% do mercado e 60% do de massas congeladas no país.

Outra empresa brasileira com grande presença na mesa dos brasileiros e de outros países é a JBS, dona de várias marcas conhecidas, como Friboi, Seara, Swift, Maturatta e Cabana Las Lilas. Com essa variedade de produtos e a presença em 22 países de cinco continentes (entre plataformas de produção e escritórios), ela atende mais de 300 mil clientes em 150 nações.


Governo brasileiro incentivou a concentração empresarial?

Para alguns economistas, tem havido um aumento da presença do Estado na economia brasileira, um movimento que ganhou força no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando o BNDES passou a conceder financiamentos a juros mais baixos para promover as chamadas “campeãs nacionais”.

Nesse caso, foi estimulada a fusão entre as operadoras de telefonia Brasil Telecom e a Oi, e a criação da BRF, fruto da união entre Sadia e Perdigão. Esse movimento de empresas brasileiras mais fortes no exterior cria gigantes, mas não necessariamente essa liderança traz vantagens para os consumidores brasileiros, que continuam com poucas opções quando vão ao supermercado. Será que essa ação do Estado beneficiou o consumidor final?

Em paralelo, as empresas estatais têm ganhado peso. No setor bancário, CEF e Banco do Brasil estão entre as cinco maiores instituições do país, sendo que a Caixa é líder em financiamento habitacional, e o BB, no setor agrícola. Em energia, a Petrobras é a maior empresa do setor, enquanto a Eletrobrás detém a liderança em geração de energia elétrica.

Mas essa concentração de poder nas empresas públicas é diferente das privadas. Um exemplo está no setor de energia, em que a Petrobras tem tido uma política de reajuste dos preços dos combustíveis alinhada à política de inflação do governo federal. Empresas estatais bem administradas podem render bons lucros, que se tornam dividendos para o governo federal, que, por sua vez, com esse dinheiro dos lucros, pode investir em setores essenciais, como saúde e educação.

Créditos da foto: reprodução

Texto original: CARTA MAIOR . 

A rota para uma mudança climática imprevisível

No lugar das monoculturas industriais, precisamos de uma mudança para práticas agroecológicas que conservem a biodiversidade e garantam a biossegurança.

Vandana Shiva - Esquerda.net

Os nossos atuais modos de produção e consumo, que começaram com a Revolução Industrial e se agravaram com o advento da agricultura industrial têm contribuído para ambas.

Se não forem tomadas medidas para reduzir as emissões de Gases de Efeito de Estufa (GEE), podemos experimentar um catastrófico aumento de 4°C na temperatura até ao final do século. Mas a mudança climática não causa apenas o aquecimento global. Ela está a intensificar as secas, inundações, ciclones e outros eventos climáticos extremos, como testemunhamos em diversas partes do mundo.

Nunca tínhamos ultrapassado as 280 ppm (partes por milhão) até à Revolução Industrial e os atuais níveis de CO2 (dióxido de carbono) ultrapassaram as 400 ppm. O óxido nitroso (N2O) e o metano são GEE, como o CO2, só que mais potentes. De acordo com o Relatório da Convenção sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), o N2O tem cerca de 300 vezes mais potencial para causar o aquecimento global do que o CO2, enquanto que o metano é em torno de 20 vezes mais forte.

As emissões de óxido nitroso e de metano aumentaram dramaticamente devido à agricultura industrial. O óxido nitroso é emitido através do uso de fertilizantes nitrogenados sintéticos e o metano é emitido a partir das atividades pecuárias que produzem leite, carne e ovos.

A Conferência da Organização das Nações Unidas de Leipzig sobre os Recursos Fitogenéticos, em 1995, avaliou que 75 por cento da biodiversidade do mundo havia desaparecido na agricultura devido à chamada Revolução Verde (programa da Fundação Rockefeller liderado pelo agrónomo norte-americano Norman Ernest Borlaug) e ao advento da agricultura industrial. O desaparecimento de polinizadores e organismos benéficos ao solo é outra dimensão da erosão da biodiversidade devido à agricultura industrial.

Mudanças climáticas, agricultura e biodiversidade estão intimamente ligadas. O avanço das monoculturas e o aumento no uso de fertilizantes químicos, combinados com a destruição de habitats, têm contribuído para a perda da biodiversidade, que faria o sequestro de gases de Efeito de Estufa.

Monoculturas químicas, mais vulneráveis ao fracasso no contexto de um clima instável, não são sistemas nos quais podemos confiar para garantir alimentos em tempos de incerteza. O processo de adaptação às alterações climáticas imprevisíveis requer diversidade em todos os níveis e, sistemas biodiversos não são apenas mais resistentes às mudanças climáticas, como também mais produtivos em termos de nutrição por hectare.

A humanidade estava informada e não adotou medidas destinadas a evitar às crises do clima e da biodiversidade. Na RIO-92, a comunidade internacional assinou dois acordos juridicamente vinculativos: as Convenções sobre o Clima e Biodiversidade; ambas baseadas no conhecimento das ciências ambientais e nos crescentes movimentos ecológicos. Um deles foi a resposta científica ao impacto da poluição dos combustíveis fósseis, o outro foi a resposta científica à erosão da biodiversidade devido à propagação de monoculturas industriais e químicas, bem como à poluição genética causada por organismos geneticamente modificados (OGM).

O Artigo 19.3 da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica prevê que as partes considerem a necessidade de um Protocolo que estabeleça procedimentos para a transferência, manipulação e uso de organismos vivos modificados (OVMs) resultantes da biotecnologia que possam ter um efeito adverso sobre a biodiversidade e seus componentes. Isto levou à implementação do Protocolo de Biossegurança.

A biossegurança cientificamente avalia o impacto dos organismos geneticamente modificados sobre o ambiente, a saúde pública e as condições socioeconómicas, garantindo a sustentabilidade social e ecológica de sistemas agrícolas e alimentares. Os sistemas baseados na agroecologia conservam a biodiversidade, aumentam a saúde e a nutrição por área de cultivo, garantem a segurança alimentar e aumentam a resiliência ao clima.

Mas, desde 1992, os grandes poluidores – a indústria de combustíveis fósseis e a indústria agroquímica (que é agora também a indústria da biotecnologia) – fizeram todo o possível para subverter os tratados ambientais internacionais sobre mudanças climáticas e biodiversidade, que são obrigatórios e baseados cientificamente. Porém, os seus ataques às ciências ambientais mantêm-se sem a necessária base científica e são absolutamente irresponsáveis, porque eles lançam-nos diretamente nos desastres e catástrofes climáticas enquanto impedem a realização de uma mudança, apesar de evidências científicas mostrarem que temos alternativas melhores e que funcionam.

Temos que nos afastar de uma agricultura industrial quimicamente-intensiva e do sistema alimentar global centralizado, baseado na produção de commodities, que contribui para as emissões. No lugar de uma biodiversidade destruída pelas monoculturas industriais, incluindo aquelas baseadas em sementes transgénicas, precisamos de uma mudança para práticas agroecológicas que conservem a biodiversidade e garantam a biossegurança. A transição para uma agricultura biodiversamente-intensiva e ecologicamente-intensiva aborda simultaneamente tanto a crise climática quanto a da biodiversidade, e, ao mesmo tempo, enfrenta a crise alimentar.

Embora a agricultura industrial seja um dos principais contribuidores para as mudanças climáticas e mais vulnerável a elas, há uma tentativa por parte da indústria da biotecnologia de usar a crise climática como uma oportunidade para expandir ainda mais o uso de OGMs e aprofundar o seu monopólio das sementes baseadas na biopirataria através de patentes, em detrimento das sementes resilientes ao clima que foram aprimoradas pelos agricultores ao longo de gerações.

Mas, como disse Einstein: “Nós não podemos resolver um problema com a mesma mentalidade que o criou”. Sistemas intensivos, centralizados, baseados na monocultura e em combustíveis fósseis, incluindo agricultura OGM, não são flexíveis. Eles não conseguem adaptar-se e evoluir. Precisamos de flexibilidade, resiliência e adaptação a uma nova realidade. Esta resiliência vem da diversidade. Esta diversidade de conhecimento, economia e política é o que eu chamo de Democracia da Terra.

A nossa vizinha, Caxemira, enfrentou uma tragédia este ano, assim como Uttarakhand, na Índia, viveu no ano passado. Quando a chuva de um dia possui cinco a seis vezes mais volume do que o normal, é um evento extremo. Isto é o que significa a mudança climática. Ela custou vidas, dizimou vilas, fazendas, estradas, pontes. As atividades humanas criaram desastres como o dilúvio na Caxemira. A ação humana é necessária para prevenir essas catástrofes climáticas. Não podemos ficar como espectadores mudos enquanto o paraíso da Índia na terra torna-se o “Paraíso Perdido”.

Artigo de Vandana Shiva* publicado em envolverde.com.br e originalmente na edição 217 da Eco21.

* Vandana Shiva é diretora executiva do Fundo Navdanya, física, ecofeminista e ativista ambiental.

Créditos da foto: Bioversity International/S. Landersz - Flickr

Texto original: CARTA MAIOR

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Os dados da riqueza do Brasil e a estrutura tributária

É possível estimar que, em 2012, os 50% dos brasileiros mais pobres detinham 2% da riqueza, 36,99% ficavam com 10,60% e 13,01% com 87,40%.

Róber Iturriet Avila - Brasil Debate

Nesse mesmo espaço, no mês passado, informações acerca da riqueza pessoal do Brasil foram expostas, a partir das declarações de Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF). Os números de patrimônio eram desconhecidos até então, havia apenas uma estimativa no Atlas da Exclusão Social no Brasil, um estudo realizado entre 2003 e 2005. Essa pesquisa apontou que 5 mil famílias se apropriam de 40% do fluxo de renda e detêm 42% do patrimônio brasileiro.

O levantamento foi efetuado ancorado no censo demográfico e nas pesquisas de orçamentos familiares. Houve ainda um estudo com a distribuição patrimonial com dados do Tribunal Superior Eleitoral.

Em que pesem as limitações na interpretação do que o IRPF retrata, como a defasagem no valor de riqueza declarada, a contabilização de patrimônio em nome das empresas e a não separação dos bens de cônjuges, esses números são os mais precisos existentes no Brasil.

Em 2012, 25,6 milhões de pessoas declararam imposto de renda no País. Esse contingente representava 13,01% da população total. Como as posses dos não declarantes persistem indisponíveis, convém detalhar a metodologia da estimativa realizada.

Em termos internacionais, os 50% mais pobres obtêm 4% da riqueza em países menos desiguais, como a França, por exemplo. Já os 10% dos franceses mais ricos possuíam 62% da riqueza em 2011, de acordo com Thomas Piketty. Nos Estados Unidos, os 50% mais pobres detêm 2% da riqueza enquanto os 10% mais ricos possuem 72%.

Frente ao histórico da formação socioeconômica brasileira, podemos partir da referência internacional de que os 50% mais pobres possuem 2% do patrimônio brasileiro.

Sobretudo ao se constatar que está nessa monta quem recebeu até R$ 1.095,00 em 2013, de acordo com a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio. Daqueles que figuram entre os 13,01% da população que declaram imposto de renda, 4,88% somam um patrimônio de 0,004% do total notificado.

Em assim sendo, todo o patrimônio declarado está concentrado com 8,13% da população. Era necessário chegar ao patrimônio de quem está acima dos 50% mais pobres e abaixo dos 13,01% mais ricos, sabendo-se que esses tiveram um rendimento mensal entre R$ 1.095,00 e R$ 1.499,16.

Foi deduzido, com o risco de superestimar, que esses não declarantes possuem um patrimônio equivalente à média das quatro primeiras faixas patrimoniais dos declarantes (até R$ 30.000,00). Diante dessas considerações, o quadro de 2012 é seguinte:

- os 50,00% mais pobres detêm 2,00% da riqueza

- 36,99% dos brasileiros detêm 10,60% da riqueza

- 13,01% possuem 87,40% da riqueza

Para se chegar às comparações internacionais dos 10%, 1% e 0,1% mais ricos, é preciso efetuar adaptações, já que os informes da Receita Federal do Brasil estão agregados. Com a base existente, é possível apontar a participação dos 8,13%, 0,9% e 0,21% mais ricos.

- 8,13% das pessoas possuem 87,40% da riqueza

- 0,9% detêm 59,90% do total

- 0,21% detêm 40,81% da riqueza dos brasileiros

Em 2012, 0,21% da população representou 406.064 declarantes. Em 2006, o corte mais elevado ficou a partir R$ 1,5 milhão em bens, mas abarcou 156.084 indivíduos (0,08% da população daquele ano) que contemplavam 36,12% do total de patrimônio notificado à Receita.

Entretanto, nesse mesmo ano, o patrimônio médio desses indivíduos foi de R$ 5,4 milhões, sinalizando que a concentração está em um grupo menor de pessoas.

Uma das referências quantitativas importantes na literatura é a participação dos 0,01% mais ricos. Esse corte analítico não é possível de ser realizado, embora seu conhecimento desnudasse o patrimônio dos 19.500 indivíduos mais ricos do País.

Os que estão no topo da pirâmide social obtêm seus rendimentos, sobretudo, do capital. Sabidamente, a estrutura tributária brasileira está centrada no consumo. Em 2012, 49,73% da arrecadação adveio dos bens e serviços, 17,84% da renda, 3,85% da propriedade, 26,53% da folha de salários e 2,04% de outros meios.

Ao se efetuar comparações internacionais de impostos sobre herança, por exemplo, é possível compreender a exacerbada concentração da riqueza brasileira.

No Reino Unido, a alíquota é de 40,00%; na França 32,50%; nos Estados Unidos 29,00%; na Alemanha 28,50%; na Suíça 25,00%; no Japão 24,00%, no Chile 13,00%; já no Brasil o tributo é de 3,86%.

Há aqui também uma discussão filosófica, pois mesmo com uma concepção de que a riqueza guarda relação com o mérito individual, não há mérito em ser filho de pessoas abastadas.

Tendo em conta que os rendimentos do capital remuneram os que estão no topo, é interessante observar como é a tributação a esse grupo.

Averiguando-se as alíquotas máximas de dividendos de alguns países, é verificado que na Dinamarca é de 42,00%, na França de 38,50%, no Canadá de 31,70%, na Alemanha é de 26,40%, na Bélgica é de 25,0%, nos Estados Unidos de 21,20% e na Turquia 17,50%. Já no Brasil, os dividendos são isentos de imposto de renda, a alíquota é 0,00%.

Adicionalmente, há a possibilidade de as empresas deduzirem das receitas tributáveis os “juros sobre o capital próprio”. O juro do capital próprio é tributável ao acionista, mas com uma alíquota menor do que a máxima que os trabalhadores pagam.

Em linha semelhante, os rendimentos de aplicações financeiras em renda fixa e variável possuem tributação menor do que a alíquota máxima do rendimento do trabalho.

O conhecimento dos dados de imposto de renda que a Receita Federal do Brasil disponibilizou não apenas favorecem o conhecimento de nosso País, como também contribuem para subsidiar o debate da justiça fiscal.


Referências
BRASIL. Receita Federal do Brasil. Disponível AQUI. Acesso em 10 dez. 2014
CASTRO, Fábio Avila. Imposto de renda da pessoa física: comparações internacionais, medidas de progressividade e redistribuição. 2014.115f. Dissertação (Mestrado) %u215 Departamento de Economia, Universidade de Brasília, Brasília, 2014.

Créditos da foto: Jason Mrachina - Flickr

Texto original: CARTA MAIOR

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Quando os pobres pagam pelos ricos.

Nosso sistema tributário tem atuado com um Robin Hood às avessas, que tira o dinheiro dos pobres para dar aos ricos. No topo da lista dos privilegiados, estão as grandes corporações (principalmente os bancos) e as multinacionais.


por Clair Hickmann*


Uma conta que poucos gostam de pagar é a dos impostos. Alguns privilegiados conseguem escapar, mas para o cidadão comum a conta aumentou muito nos últimos anos. Em geral, esquecemos que os tributos são também o preço da cidadania, fundamentais para financiar um conjunto de serviços - educação, saúde, previdência e assistência social - que depende da ação do Estado.

Mas não basta o Estado arrecadar tributos, é necessário cobrá-los do cidadão que tem capacidade contributiva. Caso contrário, o sistema tributário acaba sendo um Robin Hood às avessas, pois os tributos sobre o consumo oneram principalmete a classe de renda mais baixa, concentrando renda. O inverso ocorre quando a opção é por um sistema tributário progressivo, taxando mais o patrimônio e a renda. Há quem entenda que distribuição de renda se faz apenas via gastos sociais. Porém, diante da elevada concentração de renda no Brasil, é preciso atacar o mal de todas as formas.


COMO SE OBTEVE O AUMENTO DE ARRECADAÇÃO